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Nordeste: menino ou menina?

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Nordeste: menino ou menina?

Resumo

Introdução: A preferência por gênero dos filhos é um fenômeno observado em escala mundial, sendo marcadamente preferido os filhos homens, particularmente em países populosos, a exemplo da Índia e China, enquanto em muitos outros países prevalece a igualdade de gêneros, em outros a indiferença pelo sexo do filho e em alguns outros a preferência pelas filhas mulheres. As consequências da preferência pelos filhos do sexo masculino se manifestam em feticídio, infanticídio e negligência e, quando não, em outras formas mais sutis de discriminação e contribui para o aumento da fecundidade. De outro lado, a consecução da composição por sexo desejada contribui para a redução da fecundidade. Dados e Método: Com base na reconstituição da parturição por idade e sexo dos filhos das mulheres nordestinas recenseadas nos Censos Demográficos de 2010 e 2000 são estimadas as razões de progressão do segundo para o terceiro filho para os grupos quinquenais de 25-39 anos. Resultados: Os dados mostram que o casal de filhos de sexos distintos é a composição que atende às preferências das mulheres nordestinas, observando-se uma maior propensão a ter um terceiro filho quando o casal é do mesmo sexo, e indicativos de que as mulheres mais próximas de encerramento da fecundidade apresentam maior tendência a ter o terceiro filho quando o par de filhos é do sexo masculino. Conclusão: o casal de filhos de sexos distintos é a composição preferida das famílias nordestinas, ocorrendo uma indiferenciada propensão em se ter um filho de sexo distinto daquele quando já se tem dois filhos do mesmo sexo e maior propensão pelo nascimento de uma filha quando os filhos anteriores são do sexo masculino vis-à-vis o nascimento de um filho quando os nascimentos prévios são do sexo feminino.

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Nordeste: menino ou menina?

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Morvan de Mello Moreira2

Wilson Fusco3

Introdução

A literatura aponta a preferência por gênero dos filhos como um fenômeno observado em escala mundial e diversificado, identificando países com amplos volumes populacionais preferindo filhos homens, um vasto número de países prevalecendo o desejo por filhos de sexos diferentes, em outros a indiferença pelo sexo do filho e em alguns outros a preferência pelas filhas

mulheres (BOONGARTS, 2013; LEE e MARWELL, 2013; FUSE, 2008,

ARNOLD, 1997, 1992). Países do Norte da África, em volumes de população expressivos como o Egito; do Oriente Médio, notadamente Irã e Turquia; da Ásia Meridional, com destaque para a Índia, Paquistão e Bangladesh e da Ásia Oriental, despontando a China e a Coréia do Sul são países particularmente reconhecidos pelas preferências pelo filho homem, preferências essas reguladas por determinações religiosas, culturais e institucionais (DAS GUPTA et al., 2003). No Japão emerge a preferência pela filha (FUSE, 2013). Na Europa, a tendência maior é pela a composição mista de sexos ou pela indiferença, ocorrendo situações de preferência por filhas como sói serem os casos de Portugal, da República Tcheca e dos países escandinavos (ANDERSSONA et al., 2006; HANK e KOHLER, 2000). Na África prevalece a preferência pelos filhos homens – Norte da África - ou pela diversidade do sexo dos filhos ou a indiferença nos países Subsaarianos (ROSSI e ROUANET, 2015). Arnold (1992) afirma que há pequena ou ausência de preferência por sexo dos filhos na América Latina. Fuse (2010) registra na América Latina e Caribe a preferência pela composição balanceada por sexo, e que, na comparação entre mulheres que preferem menino e as que preferem menina, exceto na Bolívia, a preferência é maior pela filha, sendo tal diferença especialmente elevada na República Dominicana e no Haiti.

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Trabalho apresentado no XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Poços de Caldas/MG – Brasil, de 22 a 28 de setembro de 2018.

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Pesquisador Titular da Fundação Joaquim Nabuco

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Pesquisador Titular da Fundação Joaquim Nabuco e Professor Colaborador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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3 As preferências pelo filho homem usualmente trazem como consequências práticas discriminatórias que desfavorecem o gênero não desejado. Abortos seletivos por sexo e práticas veladas ou explícitas de abandono/discriminação do filho de sexo não desejado, na forma de alocação de recursos dentro da família, em termos de aleitamento materno, alimentação, cuidados com a saúde, resultam em taxas diferenciadas de mortalidade infantil e na infância por sexo (FLATO, 2018, KAUL, 2018, HAFEEZ e QUINTANA-DOMEQUE, 2018, PALLONI, 2017, ROBITAILLE e CHATTERJEE, 2016, BARCELLOS et al., 2014). Outras consequências da preferência pelo sexo dos filhos homens são menos violentas e mais sutis do que o feticídio, infanticídio e negligências (DAHL e MORETTI, 2008).

Ademais, do ponto de vista dos níveis de fecundidade, a realização da composição preferida do sexo dos filhos contribui para a cessação da fecundidade, enquanto as mulheres que não realizam a composição por sexo desejada tendem mais a terem filhos adicionais (SCHRODER et al., 2016; CHOWDHURY et al., 1993). Não só os níveis de fecundidade são reduzidos como também o feticídio feminino e até mesmo o infanticídio feminino declinam quando a composição por sexo desejada é realizada (JAYARAMAN et al., 2009).

Países com preferências por filhos do sexo masculino, como é o caso da China, que adicionalmente experimentou a política do filho único (DING e HESKETH, 2006), assim como países como a Índia e a Coreia do Sul, com disseminado acesso às técnicas de escrutínio do sexo do feto e ao aborto (ROBITAILLE e CHATTERJEE, 2016; LEE e SMITH, 2018) são objeto de mais numerosa e profunda pesquisa sobre a preferência por sexo dos filhos, pelas consequências demográficas e sociais de tal diretiva.

No Brasil, a literatura sobre preferência por sexo dos filhos é escassa. A maior fração das informações de preferência por sexo dos filhos provém de estudos que têm como base públicos bastantes distintos e nos quais a declaração ou a evidência da predileção não é questão central. Na análise da construção do bebê imaginário e as expectativas quanto ao futuro do filho, os resultados de Piccinini et al. (2003) apontam a preferência por filhas. Bustamante (2005), em estudo sobre a paternidade no subúrbio ferroviário de

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4 Salvador, aponta a indiferença pelo sexo dos filhos e uma eventual preferência por meninas. Em estudo sobre a prevalência da depressão pós-parto, Moraes et al. (2006) encontram que a maior fração das mulheres se apresenta indiferente entre os sexos, seguida de predileção por filhas. Na identificação das preferências de postulantes à adoção, Menandro e Amin (2007) mostram que as preferências recaem sobre crianças recém-nascidas do sexo feminino. Souza et al. (2011) em um trabalho voltado para mensuração do impacto da parturição sobre a participação feminina no mercado de trabalho, com base nos

dados das PNAD de 1992 a 2007 encontraram “uma preferência

estatisticamente significativa dos pais por filhos de ambos os sexos...”, e, “... enquanto 47,04% das mães de 15 a 49 anos com um casal de filhos tinham um terceiro filho, em 1990, para aquelas com dois meninos ou duas meninas esse percentual é de 51,16%.” (p. 64). Vivian et al. (2013), em investigação sobre as expectativas e os sentimentos de gestantes de segundo filho em relação ao bebê, indica que a preferência pelo sexo do segundo filho liga-se ao sexo do primogênito tanto no sentido de vir a ser do mesmo sexo como distinto. Carvalho e Wong (2016), em uma pesquisa qualitativa sobre desejos e intenções por filhos, em um espaço de população rural de uma área de fronteira agrícola, encontram preferência pelo casal, que para a maioria dos homens é por um filho homem e para as mulheres a preferência recai sobre uma filha. Reynolds (2016) em pesquisa, com base nos dados das PNAD 2004-2009 e 2011, sobre a influência do sexo da criança na composição do domicílio, conclui que as famílias preferem ter filhos de ambos os sexos, encontrando evidências de maior chance da mulher ter um filho adicional quando tem duas filhas do que quando os dois filhos são homens.

Arnold (1992) constitui a primeira referência sobre a preferência das mulheres brasileiras pelo sexo dos filhos dada pela propensão em ter um filho adicional de acordo com a composição por sexo dos filhos prévios. Com base nos dados da DHS de 1986 (BEMFAM, 1987) encontra que as mulheres de 15-44 anos, em união, não grávidas e com dois filhos, se ambos são do sexo feminino ou se ambos são do sexo masculino, igualmente, 31% delas desejam outro filho, em contraste com os 23% daquelas com filhos de sexos distintos.

A primeira produção dedicada à preferência pelo sexo dos filhos como tema de interesse da demografia é a tese de doutorado de Coutinho (2016a),

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5 parcialmente reproduzida em Coutinho (2016b). Em detalhado estudo baseado nos dados da DHS de 1996 (BEMFAM, 1997) e PNDS de 2006 (BRASIL, 2008), envolvendo desagregações sociodemográficas, revela a preferência pela filha mulher no Brasil. Em termos de busca da composição desejada de sexo dos filhos mostra que o casal de filhos é a mais preferida. Entre as mulheres com dois filhos de sexos distintos 91,1%, em 1996 e 83,3% delas, em 2006, revelaram ser essa a composição que realmente desejavam, em flagrante contraste com aquelas com duas filhas mulheres (47,8%, em 1996 e 49,1%, em 2006) ou com dois filhos homens (52,4%, em 1996 e 37,8%, em 2006) com claras evidências de racionalização ex-post. Quando as preferências são mensuradas pelo desejo de ter filho adicional, em 1996, 22, 24 e 24% daquelas com dois filhos homens, duas filhas mulheres e um filho e uma filha, respectivamente, declaram desejar filho adicional, percentuais que, em 2006, situam-se em 24, 20 e 15%. Mensurada a preferência pela progressão da parturição de ordem dois, mostra, pela ordem de valores dos mais elevados para os mais baixos, que das mulheres com duas filhas mulheres, em 1996, 66% progridem para parturição de ordem três e, em 2006, 57%. Quando dois filhos homens, 65 e 56%; uma filha mulher e um filho homem, 64 e 53% e um filho homem e uma filha mulher, 62 e 52%, respectivamente. A autora sugere não se considerar os resultados da progressão referentes ao ano de 1996 pelo tamanho da amostra e por acreditar que, nesse período, o sexo dos filhos não seria importante para a progressão da parturição em razão dos níveis de fecundidade e o tamanho desejado da família (COUTINHO, 2016a, p.181).

Moreira e Fusco (2017) ensaiaram uma análise da preferência pelo sexo dos filhos no Brasil por meio da progressão da parturição de segunda ordem restrito ao grupo de mulheres de 25-39 anos, por meio de uma reconstituição parcial da história de nascimentos com base nos dados do Censo Demográfico de 2010. Os resultados encontrados apontam a preferência pela composição equilibrada de sexos e, na eventual passagem para o terceiro filho, o estímulo maior é dado pela busca do filho homem. Os autores encontraram que as razões de progressão das mulheres de 25-29 e 30-34 anos são mais elevadas quando o par de filhos é de mesmo sexo e ligeiramente mais elevada quando a díade é composta por menina-menino. O grupo de mulheres de 35-39 anos

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6 apenas se mostra de acordo com as demais por apresentar a mais elevada progressão quando são meninas o par de filhas tidas. Adicionalmente os dados sugerem a preferência pelo filho homem quando a díade composta por ambos os sexos a menina é primogênita.

É objetivo desse trabalho, utilizando os dados do Censo Demográfico de 2010 e de 2000, buscar identificar, entre as mulheres residentes no Nordeste, a presença de preferência pelo sexo dos filhos, por meio da progressão da parturição dada a composição por sexo dos filhos prévios.

Dados e Método

Os dados utilizados na avaliação da preferência por sexo dos filhos provêm dos Censos Demográficos de 2010 e de 2000 (IBGE, 2012, 2002), resultantes da reconstrução parcial da história de nascimentos, identificando-se o sexo e a ordem de nascimento dos filhos tidos pelas mulheres em idades reprodutivas. Com base nessa reconstituição, a preferência pelo gênero é identificada por meio da progressão da parturição de acordo com o sexo dos filhos tidos.

A limitação desse trabalho deve-se à relativa incapacidade em se reconstruir o histórico de nascimentos com base nos dados censitários, principalmente por não ser, com total segurança, possível alocar os filhos às mães. Nesse sentido, a efetiva reconstrução do histórico de nascimentos é considerada como uma amostra da possível história reprodutiva das mães recenseadas na Região Nordeste.

A estratégia de reconstrução da história dos nascimentos assentou-se na informação censitária da relação de parentesco dos moradores com o responsável pelo domicílio. A identificação da relação mãe-filho exige a moradia de ambos no domicílio e diz respeito aos sobreviventes, tanto mães como filhos. A alocação dos filhos às mães foi realizada apenas para as mulheres responsáveis pelo domicílio (alocando os “filhos” na relação de parentesco com a responsável) assim como para as cônjuges do responsável

do domicílio (identificando os “enteados” na relação de parentesco com o

responsável). Isso no que respeita ao Censo de 2010. Quanto ao censo de 2000, como não há diferenciação entre filho e enteado no quesito de relação de parentesco, a alocação dos filhos às mães é menos precisa, uma vez que há o

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7 risco de se juntar os reais enteados ao número de filhos de uma determinada mulher (por exemplo, é possível que os filhos do responsável, fruto de uma relação anterior, sejam alocados à cônjuge, assim como os enteados sejam atribuídos à cônjuge recenseada, quando são filhos de cônjuge anterior, equívocos também possíveis no que se refere à 2010). No caso do censo de 2000, adicionalmente, as alocações dos filhos foram restritas à relação com o responsável pelo domicílio, desconsiderando-se a imputação de filhos às mães por meio do responsável pela família. Essas designações cobrem a quase totalidade das informações da maioria dos domicílios pesquisados e são tanto mais seguras quanto mais jovens as mães, em razão de maior probabilidade de os filhos residirem com suas mães. Outras possíveis alternativas de alocação por meio da relação de parentesco com o responsável pelo domicílio não foram realizadas tendo em conta, de um lado, o pequeno número de casos que seriam reconstituídos (filhas e netos; sobrinhos e irmãs, netas e bisnetos) e, de outro, a incerteza quanto à possibilidade de identificação da verdadeira mãe, qual seja, a virtual impossibilidade de atribuir os vários filhos às possíveis várias mães residentes no domicílio (apenas quando existisse uma única filha seria mais correta a alocação, mas ainda assim não haveria garantia de que todos os eventuais netos, sobrinhos e bisnetos do responsável seriam filhos da

filha, irmã ou neta moradora no domicílio).4

Nesse sentido os resultados encontrados devem ser tomados como uma aproximação da real história de nascimentos observada a partir dos dados censitários.

Os dados reconstituídos por ordem de nascimento e sexo dos filhos por grupos de idades das mães foram tomados como amostra e a distribuição da parturição, por idade das mães e sexo dos filhos tidos, expandida para a população de mulheres por grupos de idades e parturição.

O elemento básico constitutivo dos resultados apresentados nesse trabalho é a razão de progressão da parturição calculada com base nas informações de filhos tidos nascidos vivos por idades das mães. Pela técnica da razão de progressão da parturição, com base nos dados do número de filhos tidos por idade da mãe, é possível estabelecer as probabilidades de

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Sobre a reconstituição da história de nascimentos com base nos dados censitários veja-se: Miranda-Ribeiro (2007), Miranda-Ribeiro et al. (2008a, 2008b).

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8 mães de uma determinada idade e parturição progredirem para a parturição superior, mensuradas pelas proporções daquelas que tendo i filhos alçam à condição de mães de i+1 filhos. Dessa forma, conhecida a idade das mães e o respectivo sexo dos filhos tidos por nível de parturição da mesma, o diferencial da dimensão da progressão da parturição pelo sexo dos filhos prévios constituiria um indicativo da preferência por sexo do filho. Em outras palavras, a razão de progressão para parturições superiores tendo em conta o sexo do filho prévio, ou a composição por sexo dos filhos previamente tidos, sinalizaria a disposição do aumento na fecundidade na busca de um filho de um sexo desejado ou composição por sexo desejado, ou seja, indicativo de preferência

por sexo do filho.

Resultados

Na Tabela 1 são apresentadas as razões de progressão da parturição de ordem dois referentes aos grupos quinquenais de idades 25-29 anos a 35-39 anos da população recenseada em 2010. Ainda que seja possível ter indicações sobre a preferência pelo sexo dos filhos a partir da progressão para o segundo filho, nesse trabalho a análise limita-se à progressão da parturição de ordem dois pelo fato de que a realização da preferência pela composição por sexo dos dois primeiros filhos está afetada pelo sexo do primogênito. Ou seja, se o primogênito é do sexo masculino é impossível que o casal de filhos seja de duas filhas. Assim, se há o desejo por pelo menos um filho de cada sexo é esperado que as progressões para o terceiro filho sejam mais elevadas quando a díade é do mesmo sexo. A restrição ao grupo 25-39 anos se deve a que, de um lado, as mulheres com menos de 25 anos ainda estão em processo de eventual início ou ampliação do número de filhos tidos ou a ter, e com maior chance de se posicionarem indiferentes ao sexo do filho. De outro lado, mulheres mais velhas já estão a concluir a fecundidade e com maior probabilidade também se posicionam como indiferentes em relação ao sexo dos filhos que vierem a ter, uma vez que já estariam a cessar a reprodução, particularmente se o objetivo maior é pelo tamanho da família. Ademais, a busca pela composição desejada de filhos por sexo é esperada ser mais própria entre as mulheres que buscam famílias menores, traduzindo-se em níveis fecundidade mais baixos, características próprias das mulheres mais

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9 novas em cada geração. Adicionalmente, a progressão da parturição de ordem dois para três, em uma situação de mais baixos níveis de fecundidade, sinalizaria com maior intensidade a preferência pelo sexo do filho adicional. Isso na perspectiva de que é mais provável que a preferência por sexo dos filhos manifeste-se de forma mais expressiva quando os níveis de fecundidade são baixos e que a ordem de nascimento segundo o sexo dos filhos possa se constituir elemento de diferenciação das progressões.

De início é interessante considerar as diferenças entre as mulheres de 25-29 anos e as de 30-39 anos no ano de 2010. Os resultados mostram uma ampla diferença nas razões de progressão da parturição do grupo de mulheres de 25-29 anos em relação aos das mulheres de 30 anos, particularmente em relação às do grupo 35-39 anos, muito mais baixas nas primeiras do que nessas. Esse comportamento distinto por parte das mulheres de 25-29 anos frente às de 30 anos suscita a especulação quanto à intensidade da variação futura nos níveis da fecundidade nacional, particularmente quando se tem em conta envolverem decisões sobre uma fecundidade realizada que corresponde ao número ideal de filhos no Brasil. Aparentemente, esse movimento de menores propensões no grupo mais jovem indica uma possível continuada queda nos níveis de fecundidade em um futuro próximo. Ainda que menos provável, pelo fato de já ter completado um tamanho ideal de família em idade mais baixa, poder-se-ia aventar a possibilidade de ainda se tratar de postergação da idade a ter um terceiro filho.

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10 Tabela 1 – Razão de progressão de mulheres residentes no Nordeste com dois filhos por grupos de idades segundo o sexo dos dois filhos de acordo com a ordem de nascimento (em percentagem) - 2010

Sexo dos Filhos

Grupos de idades

25-29 anos 30-34 anos 35-39 anos

Mulher-Mulher 45,8 52,7 55,7

Homem-Homem 44,5 52,5 57,6

Mulher-Homem 42,4 49,1 52,2

Homem-Mulher 43,5 49,4 53,7

Fonte dos dados Brutos. IBGE. Censo Demográfico de 2010.

Os resultados encontrados com base nas informações do Censo Demográfico de 2010 se mostram de acordo com a literatura de que mulheres com casais de filhos de sexos distintos tendem a apresentar menor propensão a ter um filho adicional, sendo este comportamento tanto mais visível quanto maior a idade da mulher, apresentando esse grupo maiores diferenças em relação às maiores propensões. Dessa forma, entre os grupos de idades considerados, as progressões de parturição são menores quando o par de filhos é constituído por sexos distintos vis-à-vis ao de mesmo sexo.

Mulheres nos inícios dos 30 anos apresentam maior propensão a terem filho adicional quando o par de filhos é do sexo feminino (também observado entre as de 25-29 anos), enquanto aquelas na segunda metade dos 30 anos apresentam maior progressão quando o casal de filhos é do sexo masculino. Ou seja, antes dos 35 anos, aquelas mães com duas filhas mulheres, aparentemente, têm maiores propensões pela geração do terceiro filho, muito possivelmente estimuladas pelo desejo de um filho homem. Esse comportamento afigura-se como o das mulheres de 35-39 anos quando têm dois filhos homens, buscando o nascimento de uma filha, propensão essa que é a mais elevada no rol das alternativas postas. Qual seja, mulheres muito próximas a encerrarem a vida reprodutiva buscariam com mais intensidade o nascimento de uma filha quando já têm dois filhos do que o nascimento de um filho homem quando já têm duas filhas.

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11 Em acordo com as evidências internacionais e as encontradas para o Brasil, as menores progressões de parturição são apresentadas pelas nordestinas com casais de filhos de sexos distintos, e a menor progressão da parturição ocorre entre as mães de dois filhos em que a filha é primogênita.

As evidências a partir dos dados do censo de 2000 são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 – Razão de progressão de mulheres residentes no Nordeste com dois filhos por grupos de idades segundo o sexo dos dois filhos de acordo com a ordem de nascimento (em percentagem) - 2000

Sexo dos Filhos

Grupos de idades

25-29 anos 30-34 anos 35-39 anos

Mulher-Mulher 54,1 62,4 69,5

Homem-Homem 53,2 61,9 71,9

Mulher-Homem 49,8 58,8 66,5

Homem-Mulher 51,0 59,6 67,7

Fonte dos dados Brutos. IBGE. Censo Demográfico de 2000.

Os resultados derivados do Censo de 2000 corroboram aqueles referentes a 2010, diferindo tão somente, no seu conjunto, por apresentar, para todos os grupos de idades e composição por sexo dos filhos, progressões de parturição mais elevadas. Ademais, as diferenças entre as progressões da parturição segundo os grupos de idade inicial e final são mais estreitas no ano 2010 do que em 2000, assim como são menores os diferenciais de progressão segundo a composição por sexo dos filhos. Os resultados de 2000 como os 2010 estão de acordo com os encontrados por Zanata (2016) e Souza et al. (2011).

Conclusão

Restrição maior quanto a esse trabalho assenta-se na reconstrução da história de nascimentos realizada com base nas informações censitárias que deve ser considerada como uma aproximação, fazendo-se necessário uma identificação mais elaborada da relação de parentesco dos membros residentes no domicílio/família para maior confiança nos resultados

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12 apresentados. Por essa razão, os achados devem ser tomados como indicativos do comportamento da reprodução nordestina referida à preferência pelo sexo dos filhos.

Os dados sugerem que, no Nordeste, à semelhança do que ocorre em outros países, em que não é notória a preferência pelos filhos homens, o casal de filhos de sexo distinto é a composição preferida pelas famílias. Há evidências de natureza sugestiva de uma indiferenciada propensão em se ter um filho de sexo distinto daquele quando já se tem dois filhos do mesmo sexo. Ainda assim, há relativa maior propensão pelo nascimento de uma filha quando os filhos anteriores são do sexo masculino vis-à-vis o nascimento de um filho quando os nascimentos prévios são do sexo feminino. Nesse sentido os resultados corroboram a preferência pela composição balanceada de sexos e que quando o par de filhos é do mesmo sexo, a busca pelo filho homem se mostra mais intensa entre as mães mais jovens e pela filha mulher entre as mães mais velhas.

Tendo em conta os atuais baixos níveis de fecundidade vivenciados pelas mulheres nordestinas é muito provável que a progressão de parturição de ordem 3, segundo o sexo dos filhos tidos, venha a se apresentar sinais da preferência pelo sexo dos filhos, ainda que possa se tratar mais de busca de balanço na composição por sexo dos filhos do que preferência por sexo dos mesmos.

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Referências

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