Entrevista
Suely Soares de Almeida – Suely Cencini
Texto: Guilherme Salgado Rocha Fotos: Rita Amaral
la é incisiva: “Detesto a velhice. A minha e a dos outros”.
Desde sua adolescência/juventude, quando começou a aprender com dona Cândida, sua mãe, a bela arte da costura, são mais de 50 anos de atividade ininterrupta na área. Trabalhou com o famoso costureiro Dener, também ficou famosa ao se dedicar à confecção de malharia para festa, abriu e mantém lojas, viaja, faz caminhadas e musculação. Ama o cinema e a família. Mas o que detesta mesmo é a velhice. Não faz concessões à passagem do tempo: “Velhice, para mim, é o impedimento concreto e real a estar sempre na ativa, produzindo. E sou assim, trabalho muito, amo trabalhar. Daí, por uma lógica fácil de entender, abomino a velhice”. Muito afável e bem-humorada, ela foi entrevistada em seu apartamento, na Vila Mariana, na manhã do dia 12 de junho.
Portal – Bom dia. O nome de batismo é, então, Suely Soares de Almeida? Suely – Bom dia. Bom dia, Rita, a quem conheço faz muitos anos. Sim, Cencini
é sobrenome do Ítalo, com quem fui casada 20 anos. Ele era jornalista e artista plástico, pai dos meus dois filhos.
Portal – E onde você nasceu?
Suely - Sou mineira por acaso. Minha avó morava em Uberlândia, no Triângulo
Mineiro, e minha mãe resolveu ir até lá ter o bebê. Morávamos em Cuiabá nessa época, e minha avó vivia em Uberlândia para acompanhar uma neta que estava estudando. Nasci no dia 17 de outubro de 1939. A família da minha mãe é de Goiás e a do meu pai é de São Paulo. Morei em vários lugares: Cuiabá, Uberlândia, Goiânia, São Paulo; voltei para Goiânia, e lá o meu pai faleceu. Aí voltamos para São Paulo.
Portal – Sua mãe era costureira?
Suely - Ela se chamava Cândida Soares de Almeida, conhecida por Tina. Ela
era costureira, e muito boa costureira. Na primeira vinda para São Paulo eu tinha 11 anos, em 1950. Meu pai faleceu em 1956, já havíamos saído daqui. A segunda vinda foi porque minha mãe adorava São Paulo, e meu pai havia falecido. Ela achava que costurando aqui em São Paulo seria mais fácil nos educar, porque havia melhores colégios particulares e gratuitos, e ela fazia questão da nossa educação.
Portal – Vocês vieram, a mãe e dois filhos. E foram morar onde?
Suely - Uma irmã dela, minha tia, era dona de uma pensão na rua Martiniano
de Carvalho. Como não podíamos pagar, tivemos que morar no porão da pensão. Quando eu estava na janela, portanto, só via o pé das pessoas, não via nunca a cabeça.
Portal – Se você seguisse a inspiração provocada pelo porão, o seu ramo teria
que ser o de sapatos, então...
Suely - Pois é. Ficamos um ano e pouco na pensão, porque minha mãe já
havia conseguido formar uma clientela, sempre costurando. Eu tinha completado 18 anos e havia começado a trabalhar em um escritório. Meu irmão estava estudando, havia entrado na faculdade de Engenharia; eu entrei no colegial, fiz um ano de Sociologia e Política. Aí tive uma ideia: gostava muito de malharia. Comprei uma máquina semi-industrial e comecei a fazer malharia para vender em lojas. Por sorte namorava um artista plástico e jornalista, o Ítalo Cencini, que conhecia muita gente. E por intermédio dele cheguei ao Dener...
Portal – Como foi?
Suely - Por meio de amigos que eram próximos a ele. Eu o conheci em 1964.
Ele estava abrindo uma loja prêt-à-porter no Rio, era seu auge. Para o Dener fiz malharia festa, uma malharia para usar à noite, essa foi a minha grande ideia. A malha era até então usada somente para roupa esporte - suéter, cardigã, por exemplo. Aí comecei a fazer vestidos. Eu tinha uma coleção, ele gostou, depois começou a desenhar comigo. Meu papel era importante, pois a malharia não faz tudo o que você quer, mas o que a máquina permite. Logo depois veio a decadência do Dener. Ele morava em São Paulo, tinha apenas a
loja no Rio. Aqui ele tinha uma loja na avenida Paulista, de alta-costura. Eu também continuava morando em São Paulo.
Portal – Durante quanto tempo
você trabalhou para ele?
Suely - Foram três anos. E com
esse trabalho fiquei conhecida no Rio de Janeiro, por intermédio de jornalistas de moda. As lojas do Rio descobriram o que eu fazia. Comecei a fornecer para várias lojas, e parei de trabalhar para o Dener. Fiz essa escolha porque era muito difícil receber o dinheiro que era meu de direito. Não por caráter, pois ele era perfeito, mas por desorganização mesmo, e eu tinha que sobreviver.
Portal – Permaneceu com a fábrica aqui?
Suely - Sim, mas chegou um momento em que - porque nada se cria, tudo se
copia - o Bom Retiro começou a copiar de mim em escala industrial. A minha produção era caseira, nos fundos do quintal da casa que havia conseguido comprar para mim, meu irmão e minha mãe. Ficava na rua Rodrigues Alves, aqui na Vila Mariana.
Portal – A produção industrial do Bom Retiro foi muito forte?
Suely - Tão forte que decidi trabalhar com tecido plano, que é o tecido feito em
tecelagem. Tive que mudar. E aluguei um lugar maior, com mais funcionários, mas sempre fazendo moda festa. Minha mãe, por ser costureira, cuidava da produção, e eu cuidava da criação e da comercialização. Chegamos a ter 99 empregados. Isso em 73, era uma casa grande, na mesma rua Rodrigues Alves.
Portal – E as lojas?
Suely - Percebi que seria viável ter as lojas. E não me enganei. Em 1975 o
Shopping Ibirapuera havia aberto a venda das lojas, e em 76/77 abri a primeira loja. Em seguida abri no Morumbi, depois no Iguatemi (a do Iguatemi fechei em 2012) e Center Norte. Perto de 1981 comprei uma casa na rua Coronel Artur de Godói, onde estou até hoje. Trabalho nessa área há 50 anos. Com o passar do tempo, terceirizei muito, o que faço até hoje. Por isso o número de empregados diminuiu bastante.
Suely - Ela trabalhou muito. Mas em
1978 teve um AVC. Se já não estava tão bem, em 1991 ficou muito doente, por causa do meu irmão, o José. Ele tinha uma fábrica de camisas na mesma Rodrigues Alves. Em dezembro de 1990 foi baleado em um assalto. Ficou dois meses internado e morreu. Minha mãe nunca mais se recuperou, e em 98 ela morreu. A mamãe era muito boa costureira e fez vários vestidos de festa. Em 1940/1950, as mulheres se
vestiam muito bem. Com a
democratização da moda, o que minha mãe fazia virou alta-costura.
Portal – Por que a roupa de festa? Suely - Bem sinceramente...? Acho que
é porque sou a madrinha da Cinderela. De verdade, porque havia o glamour de Hollywood, especialmente da Rita Hayworth. Curiosamente, entretanto, faço roupa de festa e não sou da noite. Na maioria das vezes às 22h já estou dormindo.
Portal – Além da sua produção no mundo da moda, do que gosta?
Suely - Adoro cinema e amo viajar. Faço caminhadas e musculação, e faço
terapia há 35 anos.
Portal – Hoje é o Dia dos Namorados. Você tem namorado?
Suely - Não, não tenho. Mas gostaria muito de ter um. Um dos meus objetivos
é descobrir um companheiro... Há um fato concreto: sou muito exigente. Sempre admirei os meus ex-maridos.
Portal – Os ex, no plural?
Suely - Antes de me casar com o Ítalo, fui casada 1 ano e 4 meses e me
separei. Isso perto dos 20 anos. Em 1969, casei-me com o Ítalo Cencini e tivemos dois filhos: a Júlia, que hoje tem 42 anos e me deu dois netos, de 19 e 15 anos; e o Paulo, que está com 36 anos. Separei-me do Ítalo e me casei com o arquiteto Ricardo Chain, com quem fiquei dois anos. Eu e o Ítalo voltamos, mas ele teve um AVC frontal e ficou difícil a convivência; por isso nos separamos e me casei com o Fernando, que era médico. Ficamos dois anos casados e nos separamos. Depois me casei com um italiano, o Ferruccio Ogliani, com quem fiquei casada sete anos. Aí nos separamos e ele voltou para a Itália.
Portal – Você disse, na resposta anterior, que procura um companheiro. Por
Suely - Como falei, atualmente não tenho namorado, e isso me deixa muito
triste, pois gosto demais de ter uma companhia. Estou à procura de uma pessoa.
Portal – E sobre o envelhecimento, reflete sobre ele?
Suely - Detesto a velhice, a minha e a alheia, porque sempre estou a toda na
vida, e a velhice para mim significa não manter o mesmo ritmo. Trabalho muito, sou bem disciplinada, e não cogito a possibilidade de a velhice me atrapalhar.
Portal – Quais são seus planos?
Suely - Tenho alguns, felizmente: não deixar a empresa cair, descobrir um
companheiro, continuar a viajar e continuar convivendo bem com a minha família. Amo a minha família. Faço questão de uma vez por semana jantarmos todos juntos aqui em casa: os dois filhos, o genro, a namorada do filho e os dois netos. Isso é fundamental, a essência do bem viver.
Entrevista realizada no dia 12 de junho de 2013
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Guilherme Salgado Rocha - Jornalista e revisor. Formado pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (MG) em 1979, tem 54 anos. Desde dezembro de 2011 passou a integrar a equipe do Portal do Envelhecimento. E-mail:
rochaguilherme@hotmail.com
Rita Duarte do Amaral - Pedagoga, especialista em Gerontologia,
pesquisadora do GEM - Grupo de Estudos da Memória/NEPE - Núcleo de Estudos do Envelhecimento PUC - São Paulo. Associada fundadora do OLHE (Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento). Atendimento em Instituições de Longa Permanência para Idosos, desenvolvendo atividades de TEC (Terapia de Estimulação Cognitiva), dança sênior, passeios culturais em São Paulo. Coordenadora e executora dos projetos da Oficina Memória Viva. E-mail: rita@oficinamemoriaviva.com.br