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Adolescente e adolescência: compreensão das necessidades em saúde para atenção integral

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Academic year: 2021

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Adolescente e adolescência: compreensão das necessidades em saúde para

atenção integral

Raquel Porto Barros1, Paula Regina Costa Mendes de Holanda2,Aline Dyelle da Silva Sousa3 e Maíra Rosa Apostolico4

1Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Univeritas UNG, Guarulhos, SP, Brasil, raquel.porto@sereducacional.com;

2Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Univeritas UNG, Guarulhos, SP, Brasil, paularcmendess@gmail.com;

3Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Univeritas UNG, Guarulhos, SP, Brasil, dyelle02@hotmailcom;

4Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Univeritas UNG, Guarulhos, SP, Brasil, maira.apostolico@gmail.com

Resumo. Os objetivos do estudo foram caracterizar o adolescente e adolescência a partir da perspectiva dos

profissionais da Atenção Primária à Saúde e identificar as necessidades em saúde expressas e percebidas pelos profissionais. Estudo transversal de abordagem qualitativa, analisou 15 entrevistas realizadas com profissionais de saúde e identificou três categorias empíricas. Os profissionais reconhecem como necessidades do adolescente, as demandas compatíveis com as ações programáticas da Atenção Básica, sem, contudo, terem instrumentos para lidar com as peculiaridades da população adolescente.

Palavras-chave: Adolescência, Adolescente, Atenção Primária à Saúde, necessidades em saúde.

Adolescents and adolescence: understanding health needs for integral care

Abstract. The objectives of this study are to characterize adolescents and adolescence from the perspective

of Primary Health Care professionals and to identify the health needs expressed and perceived by professionals. A cross - sectional and qualitative study, analyzed 15 interviews with health professionals and identified three analytical categories. Preliminary results indicate that professionals recognize as a adolescents needs, those demands that are recognized by the program actions of Primary Health Care, but has no tools to deal with the peculiarities of the adolescent population.

Keywords: Adolescents, adolescence, Primary Health Care, needs of health.

1 Introdução

A adolescência, período de crescimento e desenvolvimento peculiar, requer um planejamento e organização dos cuidados em saúde pautadas em laços intersetoriais, participação e colaboração de diferentes atores sociais. As mudanças demográficas que ocorrem no Brasil nas últimas décadas tendem a desacelerar o crescimento da população adolescente, embora esta seja atualmente, a maior de toda a história do país. No Brasil, considera-se adolescente o indivíduo com idade entre 10 e 19 anos e a maioria deste grupo populacional vive em áreas urbanas, contribui fortemente para a aceleração da economia do país ao mesmo tempo em que está vulnerável a diferentes agravos, tais como violência, gravidez precoce, uso e abuso de drogas e agravos sexualmente transmissíveis. Outros problemas têm se apresentado, como a distorção entre idade e escolaridade e dificuldades de acesso ao mercado de trabalho (Ministério da Saúde do Brasil, 2010).

A perspectiva de atenção integral deve contemplar o fortalecimento das ações de promoção da saúde e a reorientação dos serviços, ampliando a capacidade de resposta às necessidades identificadas.

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Segundo as Diretrizes Nacionais para Atenção Integral ao Adolescente, existe a necessidade de um modelo de atenção local formulado de acordo com especificidades regionais e que responda às necessidades em saúde da população adolescente (Ministério da Saúde do Brasil, 2010). A integralidade do cuidado deve ser o objetivo da rede de atenção à saúde como um todo e não apenas da USF, rompendo barreiras financeiras, geográficas, culturais e simbólicas que impedem o jovem de acessar os serviços de saúde. Para os jovens, a USF representa o estado, mas está associada ao conceito de doença e vulnerabilidade, enquanto outros espaços do território apresentam potencial para a promoção da saúde (Anhas & Castro-Silva, 2017).

Em Recife, município cenário deste estudo, desde 1992, em resposta às determinações do ECA, o Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direito da Criança e do Adolescente de Recife (COMDICA), foi constituído como um equipamento social importante da Política de Proteção Integral à Infância e a Juventude, indutor e condutor de todo o processo que objetiva, em última síntese, fazer acontecer o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (Prefeitura do Município de Recife, 1992).

Décadas depois, em 2018, o Plano Municipal de Saúde (PMS) de Recife apresentou diretrizes, objetivos e ações que orientariam a gestão municipal até 2021, propiciando e requisitando de gestores, trabalhadores e usuários um amplo debate acerca das prioridades para as políticas de saúde do município. Entretanto, embora o PMS aponte um conjunto de metas, a população adolescente não está destacada ou priorizada na proposta, exceto pelo acompanhamento dos jovens em conflito com a lei pela Atenção Básica, como estratégia de fortalecer a promoção da saúde e prevenção de agravos (Secretaria de Saúde do Recife, 2018).

Dados disponíveis sobre a adolescência do município de Recife mostram que a taxa de mortalidade é de 11,96 por cada 1000 nascidos vivos, valor elevado em comparação com outros estados. Complementarmente, a violência interpessoal envolvendo adolescentes somou 23% das notificações, no período de 2009 a 2013 (Secretaria de Saúde do Recife, 2018). O perfil de morbidade e mortalidade na adolescência constitui importante desafio na operacionalização das Diretrizes Nacionais para o cuidado Integral, desde a concepção sobre adolescência, até a reestruturação necessária à rede de serviços disponível no município.

Diante do contexto apresentado, o presente estudo tomou como questões de investigação: como os profissionais da Atenção Básica percebem o adolescente e quais as necessidades em saúde expressas por eles ou percebidas pelos profissionais? Tomou-se como objeto a compreensão do conceito de adolescência e do sujeito adolescente como categoria geracional, bem como as necessidades em saúde inerentes a este grupo e que são percebidas ou se apresentam nos serviços de saúde como demandas de atendimento.

A finalidade do estudo é identificar características dos adolescentes e da adolescência que potencializem o planejamento de um cuidado integral ancorado nas necessidades em saúde. A carência de informações sobre a população adolescente, no que tange suas dimensões social, cultural, afetiva, politica, entre outras, e ausência de estratégias objetivas que priorizem a atenção integral ao adolescente de Recife justificam a realização do estudo.

Os objetivos do estudo foram caracterizar o adolescente e adolescência a partir da perspectiva dos profissionais da Atenção Primária à Saúde e identificar as necessidades em saúde expressas e percebidas pelos profissionais.

2 Método

Trata-se de um recorte descritivo e exploratório, de abordagem qualitativa, sobre as características e necessidades em saúde dos adolescentes, parte de um estudo maior sobre as políticas, instituições e

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profissionais da saúde para atenção integral à saúde da criança e do adolescente. O estudo completo contou com a participação de 26 profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) do Distrito Sanitário III do município de Recife (Pernambuco, Brasil).

O Estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Univeritas UNG Guarulhos (Parecer 2.866.025) e autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Recife. Todos os aspectos éticos foram observados e os participantes assinaram o Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Como referencial teórico e metodológico foi utilizada a Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC), metodologia dinâmica e participativa, fundamentada na visão de mundo materialista histórica e dialética. O presente estudo desenvolveu as duas primeiras etapas da TIPESC que consistem na captação e interpretação da realidade objetiva considerando as três dimensões do fenômeno da realidade objetiva: estrutural, particular e singular (Egry, 1996).

Caracterizar as dimensões de uma realidade possibilita identificar a existência de processos protetores e de desgastes e entender como o processo saúde-doença é determinado, ou seja, suas vulnerabilidades e necessidades em saúde. A compreensão sobre as dimensões dessa realidade objetiva facilita a construção de projetos de intervenção resolutivos, com abertura de novos processos modificadores da realidade de saúde do indivíduo ou da coletividade (Egry, 1996; Egry, 2008).

No fenômeno das necessidades em saúde dos adolescentes, a dimensão estrutural é conformada pelas políticas públicas nacionais, estaduais e municipais de atenção ao grupo, que diretamente imprimem sobre os jovens uma determinada maneira de ser e estar na sociedade; a dimensão particular consiste na organização dos serviços em saúde e articulação da rede de atenção, muitas vezes desfavorável ao acesso dos jovens; e por fim, na dimensão singular, está a compreensão sobre a adolescência e sobre o adolescente, que diretamente representam a forma como percebem, acolhem e atendem as necessidades em saúde.

Neste estudo, a ênfase está na dimensão singular, e as categorias analíticas mediadoras da interpretação do fenômeno adotado foram adolescência e necessidades em saúde (Pessalacio, Menezes & Massuia, 2010; Gessner, Fonseca & Oliveira, 2014; Schraiber & Mendes-Gonçalves, 2000; Paim, 2006).

A adolescência é compreendida como uma das etapas mais importantes no desenvolvimento humano que culmina com todo o processo maturativo e biopsicossocial do indivíduo. Fase marcada por situações de vulnerabilidade, os adolescentes se encontram expostos a violência, acidentes, negligência, desproteção, abandono afetivo-social, moradia inadequada, exclusão social, questões relativas à sexualidade, dificuldade no acesso a cultura, educação e a serviços de saúde (Pessalacio, Menezes & Massuia, 2010).

É fundamental considerar os aspectos históricos, sociais e culturais (e não apenas os aspectos biológicos), para compreender suas necessidades, como participantes de sua própria história e agentes de transformação na sociedade. Para que esse processo ocorra, os adolescentes devem ser percebidos como sujeitos sociais, críticos, onde possam exercer participação e autonomia para formação de sua cidadania e consolidação de valores (Gessner, Fonseca & Oliveira, 2014).

Necessidades em saúde não se restringem a demandas biológicas, como problemas de saúde ou doenças, sofrimentos ou riscos. É definida também pelas carências ou vulnerabilidades relacionadas ao modo de vida e identidade, expressos na condição necessária para o gozo da vida e ideais de saúde (Schraiber & Mendes-Gonçalves, 2000; Paim, 2006). É importante incorporar aos determinantes de saúde, os aspectos sociais e ambientais como moradia, alimentação, educação, emprego e ambiente (Schraiber & Mendes-Gonçalves, 2000).

Deste modo as necessidades se originam nas relações de reprodução social em que os sujeitos se desenvolvem como seres sociais. As relações de produção e reprodução são a base das necessidades em saúde dos indivíduos determinando assim, o processo saúde doença. Para reconhecer essas necessidades, são necessários instrumentos epidemiológicos para captar a produção social de

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diferentes grupos sociais (Paim, 2006), além de competência ética e política que permita ao profissional reconhecer o que é necessidade.

O Distrito Sanitário III, cenário do presente estudo, conta com uma rede de APS composta por oito equipes em sete Unidades de Saúde da Família (USF), uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), seis equipes de Saúde Bucal e seis equipes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Para o estudo, todos os profissionais com formação superior (enfermeiro, médico, psicólogo, odontólogo, fisioterapeuta, farmacêutico e nutricionista) das USF e NASF foram convidados a participar, totalizando uma população de 51 profissionais e estabelecendo-se o limite de conveniência de uma equipe por USF para coleta de dados.

O roteiro de entrevista apresentava a caracterização dos participantes e questões norteadoras sobre a atenção ao adolescente na atenção básica, contemplando a compreensão dos profissionais acerca das políticas de saúde e da efetivação do cuidado integral proposto nos documentos legais.

Os critérios de inclusão dos participantes foram: atuação na APS há um ano ou mais, e desenvolvimento de atendimento a crianças e adolescentes. Os participantes foram entrevistados pessoalmente, em espaço reservado e na presença apenas das pesquisadoras que seguiram o roteiro, por aproximadamente 20 minutos, utilizando gravador digital e registro de notas de campo. Os roteiros destacavam aspectos da população infantil ou adolescente, alternadamente.

Foram realizadas 26 entrevistas: 11 com profissionais que relataram suas experiências com população infantil e 15 com profissionais que contribuíram com suas experiências sobre os adolescentes. Seis profissionais se recusaram a participar, sob alegação de desinteresse no estudo ou indisponibilidade. Ao finalizar a abordagem de uma equipe por USF a coleta foi interrompida com abordagem efetiva de 32 profissioanais. Neste estudo serão apresentados resultados referentes aos adolescentes.

As entrevistas foram feitas pelas pesquisadoras residentes no município, que integram uma equipe de gestão acadêmica de uma instituição de Ensino Superior que mantém atividades práticas no Distrito. Elas receberam orientações e realizaram treinamento simulado para realização das entrevistas e foram apresentadas aos participantes momentos antes da entrevista, por um profissional da UBS. Não houve necessidade de refazer entrevistas e todo o conteúdo transcrito retornou aos participantes para validação. Nenhum participante sentiu necessidade de modificar o conteúdo, autorizando sua utilização.

Os dados foram transcritos e revisados aos pares e a codificação realizada por duas pesquisadoras. Para apoio à análise qualitativa, foi utilizado o software webQDA e a análise proposta seguiu as diretrizes da técnica de análise de conteúdo (Bardin, 2011). As entrevistas foram nomeadas consecutivamente, utilizando-se da letra E (entrevistado) seguida de um número (E1, E2, E3 etc) Para análise, as entrevistas foram adicionadas à interface do software e classificadas segundo informações do instrumento de caracterização dos participantes. Foram estabelecidos códigos em árvore para análise do conteúdo, definidos a priori a partir das temáticas propostas no roteiro semiestruturado. Dessa forma, o presente estudo apresenta os resultados referentes aos tópicos caracterização dos adolescentes e necessidades em saúde percebidas e expressas. Apesar do roteiro apresentar questões específicas sobre estes temas, as entrevistas foram exploradas em sua totalidade, buscando-se elementos que subsidiassem a elaboração da síntese destas categorias.

O código Caracterização do adolescente abarca todas as referências sobre como é o adolescente que vem ou que mora no território da USF. Em relação as necessidades percebidas, foram incluídos os relatos de situações ou demandas dos adolescentes avaliadas pelos profissionais, a partir de uma compreensão subjetiva. Neste conjunto, foram incluídas falas que apresentassem exemplos abstratos, imaginados, suposições sobre o que o adolescente precisa, traz ou espera da USF. Em contrapartida, os relatos ancorados em fatos, ou seja, descrição de situações acontecidas ou vivienciadas, foram codificadas na categoria Necessidades expressas, considerando seu aspecto concreto. Vale ressaltar que, apesar do relato apoiar-se em dados concretos, não se afastam os elementos subjetivos, pois

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compreende-se que perceber as necessidades em saúde depende diretamente da visão de mundo e perspectiva do profissional.

Foram utilizados outros recursos do software como a contagem de palavras mais frequentes, a nuvem de palavras e os questionamentos por matrizes, buscando a relação entre os conteúdos das entrevistas e algumas características dos participantes. O cruzamento de dados a partir das matrizes foi potente para evidenciar resultados muitas vezes obscuros ou invisíveis na análise manual.

3 Resultados

Participaram do estudo 11 mulheres e quatro homens, todos com mais de 30 anos de idade, nove casados, dois separados e quatro solteiros. Todos desempenhavam atividades assistenciais e quanto a formação, sete entrevistados eram enfermeiros, três médicos e os demais eram odontólogo, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista e assistente social. Seis entrevistados tem especialização como maior nível de formação, oito cursaram mestrado e apenas um tem somente a graduação.

Dentre os 15 participantes, 10 tinham filhos sendo menores de 12 anos (n=3), entre 12 e 18 anos (n=2) e 19 anos ou mais (n=5), indicando que metade dos participantes já vivenciou a adolescência com os próprios filhos. Quanto ao sexo dos filhos, cinco participantes são pais de meninos, dois são pais de meninas e três são pais de meninos e meninas.

Oito participantes referiram ter feito cursos ou formações na temática da saúde do adolescente e todos atuam na APS há mais de cinco anos. Quanto ao tempo na função atual, três estão há menos de cinco anos, oito estão entre cinco e nove anos e quatro trabalham na mesma função há pelo menos 10 anos.

Os resultados foram organizados em três categorias empíricas.

3.1 Adolescente e adolescência

As características dos adolescentes foram apresentadas por todos os 15 entrevistados (fontes), gerando um total de 30 referências (trechos da entrevista codificados segundo a categoria). As fontes foram recodificadas pelo recurso de descritores, a partir dos critérios referência positiva ou negativa à característica do adolescente, ou ainda, pela descrição sem juízo de valor.

Dez fontes apresentaram características dos adolescentes, como aquele que está iniciando atividade sexual, muito saudáveis e por isso pouco procuram a USF, exceto quando tem alguma queixa específica, desconhecem as doenças e precisam de muito apoio, pois estão carentes de informação. São descritos ainda como imaturos, com muitas necessidades e fragilizados. Alguns aspectos positivos são apresentados para caracterizar o adolescente, como interesse em participar de atividades da USF, a procura precoce da pela USF quando se tem o apoio da família, seja em casos de agravos ou prevenção. Por outro lado, um conjunto de fontes referiu-se ao adolescente como alguém desinteressado, inconsequente, ocioso e com hábitos alimentares ruins. Percebem que existe cobrança excessiva sobre alguém de pouca idade e a marginalização da adolescência:

“é vítima também de um sistema, que não sabe qual é o seu local nesse mundo, que tem dificuldade de expressão e é marginalizado, tanto pela sociedade, como pelo sistema familiar dele [ADOLESCENTE] e não encontra na unidade de saúde, o acolhimento que devia encontrar. Então tem poucos locais, inclusive ONGs, que a gente já procurou muito aqui, organizações não governamentais, que trabalhassem com adolescentes e sinceramente na área que a gente atende, praticamente inexistente”. (E15)

O recurso de questionamento por matriz ressaltou que as características positivas do adolescente foram provenientes apenas das fontes de enfermeiros e médicos.

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3.2 Necessidades expressas

Os entrevistados identificam necessidades nos adolescentes a partir das demandas que eles trazem ao serviço. As demandas mais recorrentes nos conteúdos analisados foram relacionadas à sexualidade, prevenção ou diagnóstico de infecções sexualmente transmissíveis (IST), busca pelo planejamento familiar ou pré-natal, problemas e conflitos familiares, busca pela atenção em saúde mental, que rotineiramente são encaminhados para os psicólogos do NASF ou para os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) do território, questões relacionadas à obesidade, violência doméstica e cuidados odontológicos. Questões ampliadas são identificadas, mas sem a possibilidade de satisfação.

“A gente já teve caso de adolescente que a gente ofereceu ajuda, encaminhou pra CAPS AD, que a mãe veio e que a gente fez de tudo e que não conseguiu porque o problema (...) vai muito mais além do que a gente identificar e encaminhar para um psicólogo, para um CAPS. O problema vai na questão social (...) já que os sistemas eles não estão articulados e a gente enquanto Saúde da Família, enquanto Atenção Básica, a gente não tem pernas para alcançar. (E7)

3.3 Necessidades percebidas

Os entrevistados percebem outras necessidades nos adolescentes quando discorrem sobre as dificuldades, necessidades e possibilidades de satisfação de necessidades. Percebem que as necessidades estão além do que os adolescentes trazem como demanda, incluindo no rol de necessidades as questões relacionadas ao contexto social, econômico, familiar e territorial. Referem o papel da escola, da organização política como possibilidade de consolidação da rede de atenção, a interdisciplinaridade e intersetorialidade, entre outros aspectos.

“eles [adolescentes] estão muitos expostos, muito vulneráveis, abertos a tudo, suscetíveis a tudo, as drogas estão no meio deles [adolescentes], a violência está no meio deles, o álcool está no meio deles. Se eles não estão transando, tomando álcool, bebendo, fumando, eles [adolescentes] não se enquadram dentro do padrão. Então isso é muito perigoso, muito delicado, muito sério. Então imagine como é que vai ser o adolescente, futuro adulto e uma pessoa que hoje já tá nesse contexto (...) É um público que realmente tem que ter atenção, que não é apenas uma fase de transição, é uma fase que realmente tem a importância naquele momento, porque nem é mais criança, nem adulto ainda, daí fica no meio dos programas. Então é importante realmente essa visão“. (E4)

4 Discussão

Há uma relação circular entre a produção de serviços de saúde e a satisfação de necessidades que ocorre por meio do consumo das ações (Schraiber & Mendes-Gonçalves, 1990). Neste sentido, a ausência de ações específicas aos adolescentes no PMS transparece na fala dos participantes. Estes, reconhecem as demandas que são abarcadas pelas ações programáticas da Atenção Básica como necessidades do adolescente, sem, contudo, terem instrumentos para lidar com as peculiaridades da população adolescente.

Em linhas gerais, os participantes reconhecem que as necessidades são mais amplas do que aquelas expressas pelos adolescentes atendidos na rotina cotidiana do serviço, mas não apontam possibilidades de legitimar tais necessidades, voltando sempre ao ponto biopsicossocial e problemático da adolescência. A percepção problemática é agravada com os discursos de alguns participantes, sobre o adolescente como um sujeito inapto, despreparado e incompleto, de pronunciamento inválido e de necessidades invisíveis. A adolescência como categoria geracional não

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pode ser analisada somente pelo enfoque cronológico. Essa abordagem, entretanto, não é frequente na literatura, conforme apontam autores de uma revisão integrativa sobre violência entre parceiros íntimos adolescentes (Oliveira, Gessner, Brancaglioni, Fonseca & Egry, 2016).

A organização do processo de trabalho das equipes de saúde da família tem apresentado resultados insatisfatórios também em outros cenários, como observado em estudo realizado em Minas Gerais (Brasil). Os componentes relacionados ao cuidado e monitoramento das condições de saúde pela Atenção primária mostraram-se insuficientes em relação a atuação no território, estabelecimento de vínculo, responsabilidade pelo atendimento das necessidades em saúde da população, solicitações de exames e encaminhamentos às especialidades e retornos (Lima, Moreira, Costa, Maia, Pinto, Vieira & Costa, 2019).

Pesquisa realizada no nordeste brasileiro identificou que a população jovem de um determinado território com cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF) procura pelos serviços de atenção básica e participa três vezes mais de ações educativas e de prevenção do que a população fora da área de cobertura. Dois aspectos estão destacados nestes resultados; primeiro que as áreas com cobertura da ESF são mais vulneráveis socialmente e a cobertura indica potencial para a equidade e segundo, a predominância de acesso às ações de prevenção e promoção atendem para além de queixas biológicas e condizem com os princípios da ESF (Martins, Aquino, Pamponet, Pinto Junior& Amorim, 2019). Por outro lado, estudo realizado em um município do sudeste brasileiro buscou discutir as dificuldades dos adolescentes em perceber a Unidade de Saúde da Família (USF) local como espaço para produção e promoção da saúde. A ausência dos adolescentes no espaço da USF é justificada pela falta de acolhimento e vínculo com os jovens. Destaca-se a necessidade do serviço de saúde superar a visão patologizante da adolescência, sempre caracterizada como um período turbulento, de crises e rebeldia, e estabelecer um compromisso com o adolescente, valorizando seu conhecimento ampliado sobre a saúde e sobre o território e sua capacidade de contribuir no planejamento do cuidado (Anhas & Castro-Silva, 2017).

Os participantes ressaltaram a importância do vínculo, diálogo e apoio familiar nas questões relacionadas à sexualidade do adolescente. Identificaram situações em que o apoio da mãe ou avó permitiu a busca pela USF para planejamento familiar, enquanto em outras situações, há relatos de meninas que não tem apoio familiar e procuram as USF após confirmada a gestação. Estudo realizado no sul do Brasil descreveu dentre os resultados, a importância da família da gestante adolescente, como ponto de apoio fundamental. Ressaltam os autores que, embora as adolescentes tenham apoio inicial de amigos e pessoas não ligadas à família, é nos pais e parentes mais próximos que o apoio se efetiva (Nunes, Sena, Costa, Kerber, Zanchi, & Gonçalves, 2018).

Alguns participantes ressaltaram o desconhecimento dos adolescentes sobre os cuidados com a própria saúde, embora outros percebam o interesse pela USF e participação em atividades de promoção e prevenção. A construção do conhecimento para o cuidado em saúde com o adolescente deve pautar-se em estratégias lúdicas, tais como músicas, dramatizações e vídeos, valorizando a vivência educativa em grupo, construção de conhecimento compartilhado, fortalecimento do vínculo com a equipe de saúde e consequentemente maiores possibilidades de intervenção (Santos, Alencar, Lima, Silva, Carvalho, Farre & Sousa, 2017).

Outras necessidades dos adolescentes discutidas na literatura científica não citadas por alguns participantes, mas não destacadas e reconhecidas como demandas aos serviços de saúde, como a violência, o uso e abuso de álcool e outras drogas e a marginalização da adolescência e envolvimento no crime. Os efeitos disruptivos do consumo abusivo de álcool pelos adolescentes são cumulativos e implicam em consequências para o desenvolvimento do cérebro e da personalidade, sobretudo no que se refere ao controle da impulsividade (Ruan, Zhou, Luo, Robert, Desrivières & Quinlan, 2019).

Sobre a vivência da violência entre e contra adolescentes, trata-se de característica das relações assimétricas de poder, relacionadas aos conflitos de gênero e geração. Há uma impotência que

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desqualifica o adolescente perante a figura do adulto e o coloca em posição vulnerável e a violência doméstica se torna fenômeno velado e naturalizado (Gessner, Fonseca & Oliveira, 2014). Por outro lado, a frequente exposição aos contextos de desigualdade social torna o adolescente vulnerável à violência.

Adolescentes em situação de conflito com a lei que participaram de um estudo descreveram a confluência entre o uso de drogas e a prática de crimes, este como meio de obtenção de recursos para a compra da droga. Atribuíram a influência de amigos (pressão dos pares) para o uso das substâncias, representadas como devastadoras das condições de saúde e relações familiares. Por fim, para adolescentes em medida socioeducativa, a internação aflorou um sentimento de decepção e construção de uma imagem negativa dos pares, ao passo que os malefícios do uso das drogas são reconhecidos (Andrade, Alves & Bassani, 2018).

Um caminho para reverter a reificação das necessidades, tida como o processo de naturalização e descontextualização histórica das demandas é a busca por formas sociais de superação (Schraiber e Mendes-Gonçalves (1990). No presente estudo, a superação do foco adolescente para a categoria adolescência parece ser um caminho viável. Ao ampliar as ações do âmbito individual para o coletivo, propondo estratégias participativas, agregadoras, emancipadoras, informativas e construtivas é possível aproximar o serviço de saúde das expectativas e necessidades dos adolescentes.

5 Considerações Finais

O presente estudo buscou caracterizar o adolescente e a adolescência a partir da perspectiva de profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária. Os resultados evidenciaram que a compreensão de adolescente e adolescência é pautada em esteriótipos e com pouca articulação aos contextos sociais, econômicos e políticos atuais, nem tampouco com a história de infância e perspectiva de vida adulta.

Os espaços de produção de saúde precisam urgentemente incorporar nos momentos de planejamento e formação, debates acerca da adolescência como categoria geracional, buscando compreender seus determinantes de saúde, potenciais de fortalecimento e de desgastes que possam ancorar intervenções transformadoras. Por si só, a adolescência é um período de transformações significativas individuais, mas que depende de estratégias coletivas para satisfação das necessidades. O fato dos adolescentes constituírem uma categoria os torna, ao mesmo tempo, potentes para o crescimento conjunto e vulneráveis aos impactos da conjuntura macrossocial. A vulnerabilidade, por sua vez, é sentida e reconhecida pelos serviços de saúde como um aspecto individual, dificultando a modificação dos potenciais de desgaste.

As necessidades relatadas pelos participantes revelam a limitação que o PMS imprime no processo de trabalho em saúde das equipes. A ausência de metas específicas para os adolescentes os colocam em igualdade aos demais usuários dos serviços, oferecendo a eles o mesmo cardápio de necessidades. Questiona-se, portanto, se são os adolescentes invisíveis ou sem voz, ou se os serviços de saúde, desde sua política instauradora, incapazes de reconhecer essa população, suas necessidades e satisfazê-las com propriedade.

Assim, as demandas relatadas relacionadas ao planejamento familiar, às ISTs e conflitos familiares embora reconhecidas, não extrapolam o cotidiano das ações em saúde. Outras temáticas pertinentes aos adolescentes escapam do olhar dos profissionais, ou como reconhecimento de que são necessidades em saúde, ou pela impossibilidade de satisfação.

Foi possível observar em algumas falas, possibilidades de superação nos discursos dos participantes, embora exista a contradição entre o que os profissionais relatam e a organização dos serviços e ações em termos de planejamento municipal.

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O estudo apresentou como limitação o número pequeno de participantes de um único distrito do município. As entrevistas realizadas, embora esclarecedoras, carecem de aprofundamento em tópicos específicos, como os relacionados às demandas dos adolescentes e possibilidade de satisfação das necessidades. Espera-se, com a continuidade dos estudos, desvelar novos conhecimentos com a possibilidade do uso dos recursos disponíveis no software adotado.

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Referências

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