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Hematologia Comparada em Espécies Aquáticas

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Academic year: 2021

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

HEMATOLOGIA COMPARADA EM ESPÉCIES AQUÁTICAS

Helena Sofia Castro Neves Carmezim

Orientador

Augusto Manuel Rodrigues Faustino

Co-Orientadores

Olga Amann

Daniel García-Párraga

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

HEMATOLOGIA COMPARADA EM ESPÉCIES AQUÁTICAS

Helena Sofia Castro Neves Carmezim

Orientador

Augusto Manuel Rodrigues Faustino

Co-Orientadores

Olga Amann

Daniel García-Párraga

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RESUMO

O presente relatório final de estágio reflete uma pequena porção do trabalho desenvolvido ao longo do meu estágio curricular, decorrido entre setembro e dezembro de 2019.

As primeiras oito semanas de estágio foram passadas no Oasis Wildlife Fuerteventura, onde pude aprender a gerir uma clínica veterinária no contexto de um zoo. Este estágio teve uma forte vertente clínica e tive a oportunidade de participar ativamente em inúmeros procedimentos, desde a hospitalização de animais doentes e o estabelecimento de planos de diagnóstico e de tratamento, a monitorização de anestesias, a realização de provas complementares de diagnóstico e de necrópsias, até à organização dos dados clínicos.

A última metade do estágio foi realizada no Avanqua Oceanogràfic, onde foi possível acompanhar o dia-a-dia da equipa veterinária e prestar assistência aos diversos departamentos do parque. No contexto de um oceanário, a medicina de populações assume um papel central e exige o cumprimento de planos sanitários profiláticos bem estruturados. Assim, ao realizar o processamento completo das amostras biológicas recolhidas por rotina, adquiri conhecimentos laboratoriais essenciais e transversais a qualquer espécie animal.

O tema escolhido para este relatório, a hematologia em espécies aquáticas, vem reunir os requisitos de uma área comum a todas as espécies que serão abordadas, de grupos tão distintos como peixes ósseos e cartilagíneos, tartarugas marinhas e mamíferos marinhos. Devido à avaliação qualitativa e quantitativa de inúmeros esfregaços no Avanqua Oceanogràfic, surgiu a necessidade de compilar num único documento imagens reais da morfologia dos eritrócitos, leucócitos e das plaquetas/trombócitos de variadas espécies aquáticas, de modo a facilitar a sua identificação. Foi feita, simultaneamente, uma revisão bibliográfica da caracterização e classificação das diferentes células sanguíneas.

As imagens apresentadas são da minha autoria e foram obtidas com as câmaras incorporadas nos microscópios óticos do laboratório do Avanqua Oceanogràfic e do laboratório de citologia do ICBAS.

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AGRADECIMENTOS

Passaram-se seis anos desde que comecei a trilhar o meu percurso na medicina veterinária. Ao longo desta jornada, repleta de enormes desafios e de autossuperação, tive a sorte de encontrar seres humanos extraordinários e animais fascinantes, que permitiram que a chama deste sonho continuasse viva e me levasse até aqui. A todos, o meu sincero obrigada.

Ao ICBAS, por ter sido a minha segunda casa durante mais de meia década.

Ao meu orientador, Professor Augusto Faustino, pela amizade, motivação, disponibilidade e paciência durante estes meses. Pela liberdade total que me deu durante a realização deste relatório, pela visão fora da caixa e pela necessária dose de loucura.

Ao Professor Ricardo Marcos, por todo o apoio, pelos conhecimentos partilhados, pelo incentivo e por acreditar em mim. Por me ter dado a conhecer o mundo da hematologia no meu segundo ano e ter deixado em mim uma vontade de aprender mais.

Ao Dr. Filipe Pinto, pelos sábios conselhos e pela partilha de conhecimentos

A todos os professores e corpo docente do ICBAS, pela formação exemplar. Um obrigada especial ao Professor Pablo Payo, por ter tido um papel tão importante na minha visão sobre o que é a medicina veterinária e sobre o verdadeiro significado de aprender.

A toda a equipa veterinária do Oasis Wildlife Fuerteventura, por todos os conhecimentos transmitidos, pela responsabilidade que me atribuíram, por me integrarem tão bem e me terem permitido viver uma experiência verdadeiramente única.

A toda a equipa veterinária do Avanqua Oceanogràfic, pela oportunidade em integrar uma equipa fantástica, pelos ensinamentos, pela paciência e por toda a ajuda. À Dr.ª Monica Valls e ao Pablo Morón, por me motivarem à escolha do tema deste relatório.

Às pessoas que tornaram isto possível. Ao meu pai, pela força constante que me transmite e por todo o acompanhamento. À minha mãe, por me ter ensinado que tudo se consegue com esforço e dedicação e por todos os incentivos.

Aos amigos que fiz neste percurso. À Catarina e à Rita, por terem tornado a faculdade muito mais divertida e por toda a ajuda. À Mariana, por partilhar o gosto por criaturas estranhas e me acompanhar em muitas aventuras. À Rafa, por me mostrar que existem pessoas incríveis. Ao Pedro, à Aluai e à Inês, por todos os momentos partilhados.

Aos meus amigos de sempre e para sempre. À Carolina e à Mariana, por 20 anos de amizade e por me mostrarem que a distância não significa nada. À Íris, à Ana Maria, ao Carlos, à Teresa e à Luísa, por viverem a vida de um veterinário através das minhas histórias e por todo o apoio. Ao Zé, por ter sido o meu maior suporte durante grande parte deste percurso.

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“É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já."

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ESTÁGIO ... 1

2. HEMATOLOGIA COMPARADA EM ESPÉCIES AQUÁTICAS... 5

3. MATERIAIS E MÉTODOS ... 6

3.1. ESPÉCIES ABORDADAS ... 6

3.2. COLHEITA E PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS DE SANGUE ... 7

3.2.1. PEIXES ... 7

3.2.2. TARTARUGAS MARINHAS ... 9

3.2.3. MAMÍFEROS MARINHOS ... 9

3.3. PROCEDIMENTOS HEMATOLÓGICOS REALIZADOS ... 11

4. MORFOLOGIA COMPARADA DAS CÉLULAS SANGUÍNEAS DE ESPÉCIES AQUÁTICAS ... 12 4.1. ERITRÓCITOS ... 12 4.2. LEUCÓCITOS ... 15 4.2.1. GRANULÓCITOS ... 15 4.2.2. MONÓCITOS ... 21 4.2.3. LINFÓCITOS ... 22 4.3. PLAQUETAS/TROMBÓCITOS ... 23 5. CASOS CLÍNICOS ... 25 6. CONCLUSÃO ... 27 7. BIBLIOGRAFIA ... 29 8. ANEXOS ... 31

(7)

v

ABREVIATURAS

%- Percentagem

EDTA- Ethylenediamine Tetraacetic Acid (ácido etilenodiamino tetra-acético) G- Gauge G1- Granulócito 1 G2- Granulócito 2 G3- Granulócito 3 IM- Intramuscular IV- Intravenoso mL- Mililitro

Rácio N:C- Rácio núcleo: citoplasma SC- Subcutâneo

API- Analytical profile index VCM- Volume corpuscular médio µL- Microlitro

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vi

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráficos 1 e 2: Tempo aproximado de contacto com cada departamento das duas instituições de

estágio………..1

Gráficos 3: Número de vezes que as diferentes vias de administração foram realizadas nas duas instituições de estágio………...3

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1: Resumo dos exames complementares de diagnóstico realizados nos dois locais de estágio……….4

Tabela 2: Resumo dos procedimentos realizados nos dois locais de estágio………5

ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Recolha de sangue em elasmobrânquios……….8

Figura 2: Recolha de sangue em tartarugas marinhas………....9

Figura 3: Recolha de sangue em mamíferos marinhos………..10

Figura 4: Morfologia dos eritrócitos de diferentes espécies de vertebrados………14

Figura 5: Morfologia dos granulócitos de diferentes espécies de peixes……….16

Figura 6: Esfregaços sanguíneos de três elasmobrânquios………...17

Figura 7: Morfologia dos heterófilos e dos eosinófilos da tartaruga-comum (Caretta caretta)...…18

Figura 8: Morfologia dos neutrófilos de alguns mamíferos marinhos………20

Figura 9: Morfologia dos eosinófilos e basófilos de alguns mamíferos marinhos……….……….20

Figura 10: Morfologia dos monócitos de diferentes espécies de vertebrados………..……22

Figura 11: Morfologia dos linfócitos e trombócitos de diferentes espécies de vertebrados………23

Figura 12: Comparação dos trombócitos/plaquetas em peixes, répteis e mamíferos……….24

Figura 13: Caso clínico 1………..26

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1

1. INTRODUÇÃO- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO ESTÁGIO

A escolha da medicina de animais selvagens como área para a realização do estágio final foi simples, advindo do meu fascínio de longa data pela vasta diversidade de espécies animais e pelas suas particularidades.

Com uma enorme vontade de aprofundar mais esta área, fiz o meu estágio curricular de dezasseis semanas repartido em dois sítios distintos, os quais me permitiram ter uma visão detalhada do trabalho diário de um médico veterinário de um zoo e de um aquário. As primeiras oito semanas foram realizadas no Oasis Wildlife Fuerteventura, um parque que conta com uma coleção de mais de 3000 animais de 250 espécies diferentes, enquanto as últimas oito foram passadas no Avanqua Oceanogràfic, em Valência, o maior aquário da Europa. Estas duas experiências permitiram-me contactar diretamente com uma grande quantidade de espécies, estando o tempo de contacto com cada departamento ilustrado nos gráficos 1 e 2.

Gráficos 1 e 2: Tempo aproximado de contacto com cada departamento das duas instituições de estágio.

O Oasis Wildlife Fuerteventura é o maior jardim zoológico das Canárias e está localizado em La Lajita, na ilha de Fuerteventura. Além de albergar uma enorme variedade espécies, é um parque com uma vasta coleção de espécies africanas e possui a maior reserva de dromedários da Europa. A equipa médica é composta por três veterinários, que se distribuem pelos seguintes departamentos: dromedários, grandes mamíferos, animais da quinta pedagógica, leões marinhos, pequenos animais (o qual inclui os primatas e outros grupos tão diversos como aves aquáticas e cangurus), psitacídeos, rapinas e répteis. Além dos animais da coleção do parque,

44%

23% 14%

11% 8%

Tempo de contacto por departamento (Avanqua Oceanogràfic)

Mamíferos marinhos Répteis Teleósteos Aves Elasmobrânquios 25% 20% 18% 13% 12% 5% 5% 2%

Tempo de contacto por departamento (Oasis Wildlife Fuerteventura)

Camelídeos Grandes mamíferos Pequenos animais Quinta

Répteis Leões marinhos Rapinas Psitacídeos

Gráfico 1

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a equipa veterinária é também responsável pelo tratamento dos dromedários em quarentena e dos dromedários fêmeas e respetivas crias, que se encontram em duas quintas externas, e por receber aves selvagens de Fuerteventura, funcionando como um centro de recuperação.

A clínica veterinária é composta por uma sala de tratamentos, um laboratório clínico, uma sala de necrópsias, uma sala de imagiologia, várias jaulas de internamento e um bloco cirúrgico. As tarefas diárias no Oasis Wildlife Fuerteventura começavam e terminavam sempre pelo cuidado dos animais internados na clínica, pertencentes à coleção e ao centro de recuperação. Após a preparação e administração de medicações, alimentações e limpeza das instalações de cada animal, acompanhei os veterinários nas visitas a cada departamento para avaliação e tratamento dos animais doentes ou para realizar procedimentos profiláticos. Tendo em conta a enorme variedade de espécies e o grande volume de trabalho, todos os dias foram realizadas atividades distintas, desde anestesias, cirurgias eletivas e de emergência, necrópsias e atividades laboratoriais até à organização da clínica, reposição de material e inserção dos dados clínicos no programa ZIMS (Zoological Information Management Software).

Durante este período do estágio, tive a oportunidade de desenvolver dois projetos. O primeiro versou sobre hematologia nas aves selvagens de Fuerteventura, para o qual retirei sangue a 8 aves ingressadas no centro para realização de hematócrito, esfregaço sanguíneo e medição das proteínas plasmáticas totais. Além do valor diagnóstico e prognóstico destes procedimentos, pretendeu-se fazer este estudo para pesquisa de hemoparasitas no esfregaço destas aves. O segundo projeto foi uma continuação de um trabalho iniciado por outro estudante, cuja metodologia assentou na organização dos relatórios de necrópsias de todos os óbitos de 2018 e 2019, de modo a detetar as mortes que ocorreram por problemas de maneio e nutrição animal e a aplicar as respetivas medidas corretivas. Pude ainda participar no “III Zoo Workshop

de Medicina e Cardiologia de primatas” que teve lugar no parque.

Dentro da grande panóplia de procedimentos realizados, existem algumas atividades a destacar. Das anestesias realizadas, salienta-se o uso de dardos anestésicos numa zebra (Equus quagga), num órix-do-cabo (Oryx gazella), em dois macacos-aranha-castanhos (Ateles

fusciceps) e numa chita (Acinonyx jubatus). Relativamente às cirurgias, foram feitas intervenções

tão variadas como castrações a cães, gatos, zebras ou iguanas (Iguana iguana), pequenas cirurgias a várias rapinas e a répteis como uma jiboia-constritora (Boa constrictor), cirurgias de emergência a gazelas-de-cuvier (Gazella cuvieri) e a aves com retenção de ovos, entre outras. Das necrópsias, destacam-se as realizadas a 3 dromedários (Camelus dromedarius), um sagui-de-cara-branca (Callithrix geoffroyi) e uma cria de hipopótamo-comum (Hippopotamus

amphibius). Os exames imagiológicos mais relevantes foram os eletrocardiogramas e

ecocardiogramas realizados a dois grifos (Gyps fulvus) e as várias ecografias abdominais feitas a diferentes espécies de primatas. Pude ainda presenciar a captura e anestesia de 23 lémures

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3

de diferentes espécies para a realização de um check-up, no qual se incluíram exames físicos gerais, radiografias, colheitas de sangue, testes da tuberculina e inspeção dos dentes.

Gráfico 3: Número de vezes que as diferentes vias de administração foram realizadas nas duas instituições de estágio.

A segunda metade do meu estágio foi realizada no Avanqua Oceanogràfic, que pertence à Cidade das Artes e das Ciências de Valência, em Espanha. Além de ser o maior delfinário da europa, é o estabelecimento europeu que alberga o maior número de tubarões, contando com mais de 100 exemplares de 21 espécies distintas. Tem sete edifícios centrais que pretendem representar a biodiversidade dos principais ecossistemas marinhos da terra, um lago vivo onde residem aves do parque e que também recebe visitas de aves migratórias e um centro de recuperação de tartarugas marinhas (ARCA del Mar). É no piso inferior do parque que se situa a quarentena e a clínica veterinária, composta por um laboratório clínico, uma sala de imagiologia, uma de necrópsias e uma de tratamentos com um bloco cirúrgico. A equipa médico veterinária é composta por 3 veterinários responsáveis pelos animais do parque e por 4 veterinários que se dedicam à investigação e gerem o centro de recuperação. As atividades diárias iniciavam-se pela preparação de medicações, tratamento das tartarugas em recuperação e acompanhamento dos veterinários nas rondas pelos diversos departamentos do parque, maioritariamente para a realização de procedimentos profiláticos, sendo exemplos as colheitas de sangue, vacinações ou a realização de ecografias ou endoscopias. Uma porção significativa do meu estágio foi passada no laboratório clínico, onde realizei o processamento completo das amostras biológicas recebidas, tais como sangue, fezes, urina, sucos gástricos de cetáceos e raspados de pele de peixes. Tive ainda a oportunidade de passar um dia no laboratório de controlo da qualidade da água e do pescado do parque, participar no ciclo de conferências da fundação Oceanogràfic sobre a conservação de tubarões e em palestras de bem-estar animal.

Dos casos clínicos assistidos no Avanqua Oceanogràfic, destacam-se as três capturas para tratamento na piscina médica de um touro (Carcharias taurus), de um

tubarão-0 20 40 60 80 100 SC IM IV Oral Tópica

Tipo e frequência das vias de administração realizadas

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4

corre-costa (Carcharhinus plumbeus) e o uso de uma câmara hiperbárica para o tratamento de tartarugas (Caretta caretta) e cavalos-marinhos (Hippocampus abdominalis) com embolia gasosa. Os animais apresentados para necrópsia foram maioritariamente teleósteos, embora o espetro fosse tão amplo como aves aquáticas, tartarugas marinhas, invertebrados, elasmobrânquios e até um leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens). Alguns dos exames imagiológicos assistidos foram as endoscopias digestivas altas realizadas a golfinhos-roaz (Tursiops truncatus), as tomografias axiais computadorizadas (TAC) feitas a um leão-marinho-da-patagónia e a um golfinho-roaz e as ecografias feitas a raias uges americanas (Hypanus

americanus). Foram feitas cirurgias estéticas a uma perca-sol (Lepomis gibbosuse) e a um

viola-barba-negra (Glaucostegus cemiculus). Tive ainda a oportunidade de participar no check-up de 38 flamingos chilenos (Phoenicopterus chilensis), que envolveu a colheita de sangue, colocação de microchip e biometria e de assistir a toda a preparação para o transporte de 3 morsas (Odobenus rosmarus) para outro zoo.

As tabelas 1 e 2 resumem os principais procedimentos realizados em ambos os estágios e a quantidade de vezes que os mesmos foram realizados.

Oasis Wildlife Fuerteventura Avanqua Oceanogràfic Exames complementares de diagnóstico Imagiológicos Radiografias 64 59 Ecografias 16 41 Ecocardiografias 5 - Tomografias Axiais Computadorizadas (TAC) - 5 Endoscopias - 4 Termografias - 5 Laboratoriais Hematologia (esfregaço, hematócrito e proteínas totais)

31 103

Citologias 12 61

Urianálises 15 6

Coprologias 48 8

Microbiologia - 18

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5 Oasis Wildlife Fuerteventura Avanqua Oceanogràfic Procedimentos Anestesias 39 3 Cirurgias 12 8 Uso de dardos 10 3 Eutanásias 13 6 Necrópsias 22 217

Preparação magistral de medicamentos - 65

Limpeza e desinfeção de feridas 90 6

Coloração Diff-Quik 35 143

Coloração Gram - 30

Coloração Ziehl-Neelsen - 5

Colheitas de sangue 64 142

Contagens diferenciais de leucócitos 15 85

Contagens totais de leucócitos 15 52

Preparação de meios de cultura - 44

Antibiogramas - 5

Testes API - 2

Tabela 2: Resumo dos procedimentos realizados nos dois locais de estágio.

Através de um estágio tão diversificado, pude adquirir conhecimentos teóricos e práticos sobre o maneio e as doenças mais frequentes dos animais de zoo e de aquário. Considerando o elevado número de amostras de sangue recolhidas durante os estágios e a necessidade que tive em colaborar no seu processamento, optei por direcionar o meu relatório de estágio para um tema tão transversal como a hematologia.

2. HEMATOLOGIA COMPARADA EM ESPÉCIES AQUÁTICAS

A hematologia é uma área com bastante relevo na medicina de todas as espécies, mas assume particular importância nos animais que mascaram a sintomatologia até estados muito avançados de doença, como acontece em animais selvagens, por questões evolutivas e de sobrevivência.1,2

No caso dos animais selvagens aquáticos mantidos em cativeiro em zoos ou aquários, os protocolos de medicina preventiva da maioria dos animais incluem colheitas rotineiras de sangue, especialmente nas espécies em que é possível condicionar este comportamento e obter a colaboração do animal, como são exemplo os mamíferos marinhos.3

A monitorização do estado de saúde de um animal aquático tem limitações evidentes para o médico veterinário, sendo mais difícil avaliar amostras biológicas como fezes e urina e realizar

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exames imagiológicos. Assim, a informação fornecida por apenas uma gota de sangue torna-se ainda mais valiosa para o diagnóstico destes animais.2,3,4

Não obstante as diferenças anatómicas e fisiológicas evidentes dos peixes, répteis e mamíferos, o sangue é o fluído vital comum a todos os grupos de vertebrados. Desempenha funções biológicas semelhantes em todos eles, tais como o transporte de gases, de produtos resultantes do metabolismo e hormonas, sendo ainda responsável pelo equilíbrio hidrolítico, pela coagulação e pela imunidade.3,4 Perante toda esta diversidade de funções, é facilmente compreensível que a análise detalhada do sangue, através da realização de um esfregaço, hemograma completo e bioquímica seja de enorme valor clínico.4,5,6

A avaliação do esfregaço de sangue é um meio de diagnóstico que, apesar de muito simples, fornece uma grande quantidade de informação ao médico veterinário.2 Alterações na morfologia e no número dos eritrócitos, leucócitos e de plaquetas/trombócitos ajudam o clínico a ter uma perceção do estado geral do animal, elaborar uma lista de diagnósticos diferenciais e monitorizar a sua resposta ao tratamento.2,6,7

Visto ter contactado com espécies aquáticas com características anatómicas, fisiológicas e hematológicas tão distintas, esta compilação surge perante a necessidade de integrar e sintetizar toda a informação obtida através da observação dos seus esfregaços e pretende facilitar ao clínico a sua interpretação. O facto de todas elas terem em comum o habitat aquático permite uma abordagem comparativa e a discussão dos possíveis mecanismos adaptativos que conduziram a alterações na morfologia das células sanguíneas ao longo da linha evolutiva.8,9

3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. ESPÉCIES ABORDADAS

Irão ser incluídas neste relatório as espécies com as quais mais contactei durante a realização do meu estágio no Avanqua Oceanogràfic. Serão incluídos três grupos de vertebrados, entre os quais os peixes, representados maioritariamente por elasmobrânquios, os répteis, representados pelas tartarugas marinhas, e os mamíferos marinhos, representados por alguns cetáceos e pinípedes.

Os peixes são um grupo de vertebrados extremamente amplo, havendo atualmente cerca de 27.300 espécies registadas.5 A grande maioria são teleósteos, peixes cujo esqueleto é composto por osso, e 1041 espécies têm esqueleto cartilagíneo e pertencem à classe Chondrichthyes. A esta classe pertencem os elasmobrânquios, um grupo que engloba aproximadamente 400 espécies de tubarões e 500 espécies de raias. Um quarto delas tem estado de conservação ameaçado a nível mundial, devido principalmente à sobrepesca.4,10,11 Ao serem a classe de vertebrados com maior risco de extinção, o papel dos aquários no seu estudo e na sua conservação é determinante.4,11 Tendo em conta este facto e a escassez de informação

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relativamente à hematologia nesta subclasse, os veterinários do Avanqua Oceanogràfic começaram, principalmente desde o ano passado, a recolher sistematicamente amostras de sangue aquando da manipulação de elasmobrânquios. Tal culminou na obtenção de esfregaços de várias espécies, entre as quais as raias Aetobatus narinari, Myliobatis aquila, Glaucostegus

cemiculus, Dasyatis pastinaca e Raja undulata e os tubarões Oxynotus centrina, Carcharhinus plumbeus, Carcharhinus melanopterus, Carcharias taurus, Rhizoprionodon acutus e Scyliorhinus stellaris. Serão ainda incluídos neste relatório esfregaços de dois teleósteos, um

esturjão-adriático (Acipenser naccarii) e uma moreia-pintada (Muraena helena).

As tartarugas marinhas são répteis que existem desde o Jurássico e que evoluíram de forma a adaptarem-se ao meio marinho. Existem sete espécies de tartarugas, seis da família Cheloniidae e uma da família Dermochelyidae.12 Durante o meu período de estágio, deram entrada dezasseis tartarugas-comuns (Caretta caretta) no centro de recuperação de animais marinhos do Avanqua Oceanogràfic (ARCA del Mar), sendo esta a espécie que vou abordar. Como a informação obtida através de uma amostra de sangue é fundamental para estabelecer um diagnóstico, um tratamento e um prognóstico,13 foram realizadas colheitas a todas as 16 tartarugas-comuns ingressadas.

Os mamíferos marinhos são um grupo de mais de cem animais provenientes de diferentes

taxa de ancestrais terrestres e que evoluíram de forma convergente, de modo a adaptarem-se à

vida marinha.14 Os grupos com os quais contactei durante o estágio no Avanqua Oceanogràfic foram os cetáceos, nomeadamente 16 golfinhos-roaz (Tursiops truncatus) e 3 belugas (Delphinapterus leucas), e a superfamília Pinnipedia, onde se incluem 12 leões-marinhos-da-patagónia (Otaria flavescens), 8 focas comuns (Phoca vitulina) e 3 morsas (Odobenus rosmarus). Estes são animais particularmente valiosos numa coleção de um zoo ou aquário e que merecem grande atenção por parte dos veterinários, ao desenvolverem uma forte relação afetiva com os seus treinadores e ao serem animais icónicos que cativam visitantes. Assim, de modo a detetar antecipadamente possíveis alterações ao seu estado fisiológico, realizaram-se várias colheitas regulares e voluntárias de sangue ao longo do meu período de estágio, graças ao condicionamento e à cooperação dos animais.

3.2. COLHEITA E PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS DE SANGUE 3.2.1. PEIXES

Para a colheita de sangue em peixes, o local de punção mais habitual é a veia caudal, através de um acesso lateral ou ventral.5,15 Esta veia não é visível e está localizada no arco hemal da vértebra caudal, ventralmente à artéria homónima, devendo a agulha tocar nesta vértebra para a recolha de sangue.4

(16)

8

O acesso lateral à veia caudal é mais praticado em teleósteos, colocando-se o peixe em decúbito lateral e realizando-se a venopunção entre as escamas ventralmente à coluna vertebral.5 No caso dos elasmobrânquios, sabendo-se que algumas espécies entram num estado de hipnose denominado de imobilidade tónica quando colocados em decúbito dorsal, o acesso ventral torna-se mais simples e frequente (Figura 1A).4,5 Os tubarões e as raias com cauda desenvolvida devem ser contidos nesta posição com a cauda segurada com uma das mãos, enquanto a outra mão permanece livre para a recolha de sangue na linha média ventral.4,16 Nos tubarões de maiores dimensões, podemos usar o mesmo acesso com ligeira anestesia ou optar pelo seio venoso dorsal, que se encontra imediatamente atrás da barbatana dorsal cranial (Figura 2B).4,5 No entanto, este seio tem localização variável consoante a espécie e está descrito que o valor do hematócrito do sangue colhido neste local é significativamente inferior (menos 8%) ao da veia caudal.5,17 Nas raias, uma alternativa é colher sangue entre as cartilagens da base das asas ou barbatanas peitorais.16 Em todos os peixes, a via intracardíaca deve ser considerada apenas em último recurso (Figura 1C).5,16

Durante o estágio, a via eleita para a colheita de sangue nos teleósteos e nos elasmobrânquios com os quais contactei foi a veia caudal e foram usadas seringas de 1 a 3 mL e agulhas de 21G. Durante todo o procedimento, foi assegurada a submersão das guelras, permitindo a ventilação normal do animal.

Na maioria dos peixes, pode ser recolhido um volume de sangue equivalente a 1% do seu peso.5,16 Os anticoagulantes usados em peixes são espécie-específicos, embora o mais usado, de uma forma global, seja a heparina. Os elasmobrânquios têm algumas particularidades devido à sua regulação osmótica, havendo várias soluções descritas na literatura, sendo um exemplo a combinação de EDTA e heparina.4,5 Atendendo à variabilidade das espécies e ao desconhecimento do comportamento celular na presença de alguns anticoagulantes, o esfregaço de sangue deve ser realizado preferencialmente com sangue fresco.5 No Avanqua Oceanogràfic, as amostras recolhidas durante e antes do meu período de estágio foram colocadas em tubos

Figura 1: Recolha de sangue em elasmobrânquios. Demonstração post-mortem dos locais de venopunção numa cria

de Rhizoprionodon acutus. A: acesso ventral à veia caudal; B: acesso ao seio venoso dorsal; C: acesso intracardíaco.

A B C

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9

de EDTA para hemograma e em tubos de heparina para bioquímica. Os esfregaços foram realizados com sangue fresco, sangue misturado com EDTA ou com sangue com heparina em algumas espécies, pretendendo-se avaliar a longo prazo as possíveis diferenças na morfologia celular.

3.2.2. TARTARUGAS MARINHAS

Nas tartarugas-comuns, o local de venopunção mais frequente é a veia jugular externa, também denominado de seio cervical dorsal.12,18,19 Esta veia bilateral corre profundamente em cada lado da musculatura do pescoço, entre o músculo esplénio da cabeça e o músculo transverso cervical, que são bem visíveis externamente.12 Este foi o acesso venoso usado em todas as Caretta caretta que deram entrada no ARCA del Mar durante o estágio (Figura 2A e 2B). Sendo esta uma punção cega, esperou-se que o animal relaxasse e estendesse voluntariamente o pescoço para proceder à colheita. Foram usadas agulhas de 21G e seringas de 5 mL para recolher um volume de sangue inferior a 1% do peso vivo do animal.19

O sangue recolhido foi colocado em tubos de heparina para realização de hemograma e bioquímica e em tubos secos para posterior centrifugação e obtenção de soro para congelação. Os esfregaços sanguíneos foram realizados sempre com sangue fresco já que o EDTA em cágados e tartarugas pode induzir hemólise e a heparina pode alterar a coloração ou causar agregação dos leucócitos e trombócitos.6,7

3.2.3. MAMÍFEROS MARINHOS

O local e a frequência de colheita de sangue em mamíferos marinhos são espécie-específicos e são determinados pela anatomia e pelo comportamento de cada animal.

Figura 2: Recolha de sangue em tartarugas marinhas. A e B- Punção do seio cervical dorsal (veia jugular externa)

numa tartaruga-comum (Caretta caretta). A

B

© Sofia Carmezim

(18)

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Nos cetáceos do Avanqua Oceanogràfic, o plano de medicina preventiva engloba colher sangue uma vez por mês. Como estes animais passam todo o dia na água, é mais difícil detetar alterações noutras amostras biológicas, como nas fezes e na urina.3 Esta limitação e o facto de os cetáceos apenas demonstrarem sinais clínicos numa fase muito avançada da doença justificam uma colheita de sangue tão frequente.3 Na face dorsal e ventral da barbatana caudal dos cetáceos, passam as veias caudais superficiais e mais profundamente há uma rede de veias periarteriais, importantes na termorregulação destes mamíferos. Como neste plexo cada artéria está rodeada por veias, pode haver colheita de sangue arterial ou de uma mistura.3,20 Durante o estágio, foram usados estes dois locais de venopunção em cetáceos (Figura 3A), estando as veias caudais superficiais mais acessíveis e visíveis em períodos de calor, devido à vasodilatação periférica. Os golfinhos e as belugas do parque são treinados para permanecerem em decúbito dorsal com a cauda apoiada sobre o colo do treinador e são dessensibilizados ao toque nessa zona e à presença do veterinário, através das simulações de colheita de sangue durante os seus treinos. A recolha é realizada com um cateter borboleta de 21G, que permite uma maior liberdade de movimentos que a agulha, e com uma seringa de 10 mL.

Nos pinípedes, a frequência de recolha de sangue no Avanqua Oceanogràfic é mensal nas morsas, semestral nos leões-marinhos e anual nas focas. Os locais de acesso venoso dependem da espécie, devido às diferenças anatómicas evidentes.3 Em todos os pinípedes do parque, o local mais utilizado são as veias interdigitais das barbatanas posteriores. Realiza-se a venopunção na superfície dorsal da barbatana nos otariídeos (Figura 3B) e odobenídeos e na superfície ventral da mesma nas focas.3,20 Nos leões-marinhos-da-patagónia, devido à reduzida dimensão destas veias, é utilizada água quente para provocar vasodilatação e é colocado um

Figura 3: Recolha de sangue em mamíferos marinhos. A- Punção da veia caudal superficial ou da rede de

veias periarteriais num golfinho roaz (Tursiops truncatus) com recurso a um cateter borboleta verde (21G).

B- Punção de uma veia interdigital de um leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens) com recurso a um cateter

borboleta azul (23G). Imagens gentilmente cedidas pelo Avanqua Oceanogràfic.

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garrote no tarso para facilitar a colheita, o que está de acordo com as recomendações bibliográficas.3 Foi usado um cateter borboleta de 23G e uma seringa de 10 mL. Nas focas, devido à maior profundidade destas veias, foram usadas agulhas longas com calibre adaptado ao tamanho do animal e uma seringa de 5 mL. Nas morsas, usaram-se seringas do mesmo tamanho e cateteres borboleta de 21G. Para colher um volume maior de sangue em morsas e focas, pode ser usada a veia epidural intravertebral.3 Nos otariídeos e odobenídeos, a veia glútea caudal é também um acesso frequente devido ao seu grande calibre.3 No entanto, estes dois locais alternativos de venopunção são menos usados devido à maior dificuldade de treinar a cooperação do animal.

O volume de sangue recolhido nos mamíferos marinhos não deve exceder os 10mL/kg de peso vivo.20 O sangue recolhido durante o estágio foi colocado nos seguintes tubos: EDTA, heparina, citrato de sódio, citrato trissódico e seco, para a realização de hemograma e esfregaço sanguíneo, bioquímica, doseamento de fibrinogénio e de fatores de coagulação, medição da velocidade de sedimentação de eritrócitos e para a obtenção de soro, respetivamente. Estas são as análises sanguíneas padronizadas para mamíferos marinhos, já que com elas podemos obter parâmetros com valor diagnóstico e prognóstico nestas espécies.3,7 As proteínas plasmáticas totais, o número total de leucócitos, a velocidade de sedimentação de eritrócitos e os níveis séricos de fibrinogénio, de ferro e de fosfatase alcalina são considerados marcadores de inflamação.3 Apesar de se continuar a medir a velocidade de hemossedimentação de forma sistemática para averiguar a presença de inflamação, sabe-se que o fibrinogénio é o marcador com maior valor prognóstico nos cetáceos.3,7

3.3. PROCEDIMENTOS HEMATOLÓGICOS REALIZADOS

Após a recolha de sangue, foi feito, pela seguinte ordem, o microhematócrito, a medição das proteínas plasmáticas totais, a estimativa do número total de leucócitos, nos peixes e répteis, e a coloração e avaliação do respetivo esfregaço.

No caso dos mamíferos, os números de eritrócitos, leucócitos e plaquetas fornecidos pela máquina de hemograma são relativamente fiáveis, ao contrário do que ocorre nas espécies com eritrócitos e trombócitos nucleados, como os peixes e répteis.1,4 Assim, nestas espécies, foi feita a leitura do microhematócrito para estimar indiretamente o número de eritrócitos. Não foi utilizada a câmara de Neubauer para este efeito, por questões de gestão de tempo. Para obter o número total de leucócitos, foi feita uma diluição de sangue com a solução Natt-Herricks e posterior contagem nesta câmara. O número de trombócitos não foi estimado.

Os esfregaços realizados foram colocados numa placa térmica até secarem totalmente e corados com Diff-Quik, a coloração Romanowsky mais frequentemente utilizada em clínicas veterinárias. O tempo em que cada esfregaço esteve submerso nos corantes I, II e III foi de 10, 10 e 15 segundos, respetivamente. O esfregaço foi primeiramente avaliado a uma baixa

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ampliação, para observação da distribuição e coloração das células. Foi localizada a zona de monocamada e realizada a contagem diferencial de leucócitos em todas as espécies analisadas, bem como a avaliação da morfologia dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas/trombócitos, com a objetiva de 100x.2,6 Durante esta observação, devem ser distinguidas as alterações patológicas dos artefactos, sendo frequente em espécies aquáticas encontrar alterações na arquitetura das células devido à humidade ou à contaminação da amostra de sangue com resíduos de água.6

4. MORFOLOGIA COMPARADA DAS CÉLULAS SANGUÍNEAS DE ESPÉCIES AQUÁTICAS

4.1. ERITRÓCITOS

O eritrócito é considerado o objeto central da evolução do sistema circulatório em vertebrados.21 Assim, são as células que apresentam diferenças mais significativas ao longo da linha evolutiva, quer pela presença ou não de núcleo, quer pela variação do tamanho (Figura 4), diferença esta que foi acompanhada por alterações no diâmetro dos capilares sanguíneos.21

Comparando as dimensões dos eritrócitos ao longo da evolução, os peixes cartilagíneos possuem eritrócitos pelo menos duas vezes maiores que os seus sucessores teleósteos (16-30 µm vs. 8-15 µm, respetivamente).5,9 O táxon de vertebrados seguinte, os anfíbios, têm os maiores eritrócitos encontrados e a maior gama de diversidade de tamanhos (15-60 µm).9 A partir desta classe, os répteis, aves e mamíferos apresentam uma diminuição de tamanho sucessiva (15-20 µm, 12-14 µm e até 8 µm, respetivamente).9 Esta diminuição é interpretada por vários autores como uma vantagem evolutiva, ao permitir uma maior área de superfície por unidade de volume e uma consequente taxa de libertação de oxigénio superior.9 A presença de núcleo ocorre nos vertebrados mais antigos, como os peixes, anfíbios, répteis e aves.1,5,6,7

A classe dos peixes engloba um elevadíssimo número de espécies e, por isso, torna-se imprudente fazer generalizações. Apesar de a maioria dos peixes possuírem eritrócitos nucleados, existem algumas espécies que são exceção, como alguns membros da família Gonostomidae.5 Os elasmobrânquios têm uma pressão sanguínea mais baixa que os teleósteos, o que se relaciona com a presença nos primeiros de capilares sanguíneos de diâmetro superior e de um coração com menor força contrátil. Por conseguinte, têm eritrócitos de maiores dimensões para carregar uma quantidade de oxigénio superior.21 Os seus eritrócitos são mais redondos, têm mais hemoglobina e são menos numerosos, gerando um valor de hematócrito inferior.1,5,22 Dentro do grupo dos teleósteos, verifica-se que peixes mais ativos, com natação mais rápida e migrações mais longas possuem eritrócitos de dimensões inferiores.21 Graças à ausência de medula óssea, a hematopoiese de elasmobrânquios ocorre no baço, timo e em órgãos especiais como o órgão de Leydig e o órgão epigonal, ao contrário dos teleósteos que dependem sobretudo da porção cranial do rim.4,5,22 Assim, a maturação dos eritrócitos dos peixes

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ocorre na circulação sanguínea, sendo bastante comum encontrar nos esfregaços de animais saudáveis até 1% de eritrócitos imaturos (mais arredondados e basófilos) e figuras mitóticas, gerando policromasia e anisocitose.4,7

As tartarugas marinhas, sendo répteis, têm eritrócitos nucleados, com elevado volume corpuscular médio (VCM) e em pouca abundância, já que existe uma correlação inversa entre as dimensões e a quantidade de eritrócitos em circulação.6 Têm forma elíptica com núcleo central irregular e cromatina basófila.1 No esfregaço, podem ser observados eritrócitos sem núcleo (eritroplastídeos) e eritrócitos velhos com núcleo picnótico, já que o tempo de vida dos eritrócitos de répteis é enorme, variando entre os 600 e os 800 dias.6,7 Em tartarugas jovens ou que estão em fase de muda parcial das placas da carapaça e da pele podem ser vistos no esfregaço até 1% de eritrócitos policromatófilos (mais redondos, basófilos e com maior rácio núcleo: citoplasma) e alguns rubrícitos, com cromatina mais grosseira e citoplasma mais basofílico.6 Os estádios imaturos dos eritrócitos de répteis têm tamanhos inferiores aos maduros, ao contrário do que ocorre nos mamíferos e peixes. É frequente encontrar em quelónios inclusões basofílicas no citoplasma, que se presumiam serem artefactos no passado.1,7 Foi confirmado por microscopia eletrónica que estas inclusões correspondem a organelos degenerados.1,6

O grupo dos mamíferos possui eritrócitos de menores dimensões e geralmente de forma discóide e bicôncava, tal como ocorre nos mamíferos marinhos.7,23 Cada espécie possui as suas particularidades, sendo normal a presença de 1-5% de corpúsculos de Howell-Jolly no sangue de cetáceos, estruturas basofílicas de tamanho variável correspondentes a remanescentes de núcleo, e de 25-50% de codócitos nas morsas, eritrócitos com uma área central de hemoglobina e um anel periférico mais pálido.7 De uma forma geral, os mamíferos marinhos têm uma maior percentagem de agregação de eritrócitos que as restantes espécies, o que não tem significado clínico devido à sua maior tolerância aos mesmos.7

Apesar da relação do tamanho dos eritrócitos dos peixes, répteis, aves e mamíferos ser bem conhecida, dentro de cada grupo existem variações que se relacionam com adaptações aos diferentes aspetos da vida. Os vertebrados que evoluíram posteriormente para o meio aquático, como as tartarugas marinhas, mamíferos marinhos e algumas aves mergulhadoras, possuem, de uma forma geral, eritrócitos maiores que os seus respetivos terrestres. Este aumento pode ter sido um mecanismo adaptativo às maiores necessidades de armazenamento de oxigénio e de hemoglobina, capazes de garantir a perfusão adequada durante o mergulho prolongado.8 O volume dos eritrócitos dos mamíferos marinhos reflete bem esta adaptação. Os animais que mergulham mais tempo e a maiores profundidades, como as focas, têm um aumento de volume de quase 200% em relação à superfamília Canoidea, os seus parentes terrestres mais próximos.7,8 Já os eritrócitos dos leões-marinhos têm dimensões um pouco inferiores aos das focas. Os cetáceos, animais que fazem toda a sua vida na água, têm um aumento de 297% do volume dos seus relativos terrestres mais próximos, os ruminantes artiodáctilos.8 As belugas são

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os cetáceos com maior VCM e o elefante-marinho-do-norte (Mirounga angustirostris) possui os maiores eritrócitos de todos os mamíferos em geral.7

As aves aquáticas com necessidade de adaptação ao mergulho prolongado, como os pinguins, também comprovam esta tendência, com um aumento de 140% do volume dos eritrócitos das restantes aves aquáticas.8,9 Ainda que não exista uma disparidade tão acentuada no tamanho dos eritrócitos dos grupos aquáticos e terrestres dos répteis, o comprimento dos eritrócitos de tartarugas marinhas é significativamente superior ao das tartarugas de água doce.8 Apesar do aumento do tamanho dos eritrócitos ter como consequência uma menor área de superfície relativa e, por isso, uma taxa de captação e libertação de oxigénio mais lenta, tem como vantagem o armazenamento de maiores quantidades de hemoglobina em cada célula e a manutenção da perfusão adequada durante a apneia.8 Alguns autores defendem que o aumento do volume dos eritrócitos permitiu reduzir o seu número, mantendo o valor do hematócrito e reduzindo a viscosidade do sangue.23

Figura 4: Morfologia dos eritrócitos de diferentes espécies de vertebrados. A: Beluga (Delphinapterus leucas)-

maior VCM que as restantes espécies de mamíferos marinhos representados. Eritrócito nucleado (seta). B: Golfinho-roaz (Tursiops truncatus)- corpúsculo de Howell-Jolly (seta); C: Leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens)- vários agregados (rouleaux); D: Morsa (Odobenus rosmarus)- grupo de três codócitos (seta).

E: Pinguim-gentoo (Pygoscelis papua)- VCM elevado como provável adaptação ao mergulho; F: Moreia pintada (Muraena helena)- eritrócitos de tamanho inferior ao dos elasmobrânquios em G; G: Tubarão-touro (Carcharias taurus)- eritrócito imaturo (seta). H: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- precursor de eritrócito (asterisco) e inclusão basofílica irregular (seta). Coloração Diff-Quik.

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4.2. LEUCÓCITOS 4.2.1. GRANULÓCITOS

As células classificadas como granulócitos incluem os neutrófilos, os heterófilos, os eosinófilos e os basófilos. O tipo de granulócitos encontrado em cada esfregaço varia significativamente consoante o grupo e a espécie de vertebrados considerados.1,2 Tendo isto em conta, é recomendada uma avaliação inicial de todo o esfregaço em baixa ampliação para ter uma ideia das células presentes naquela espécie.5

O grupo dos peixes, ao ser tão heterogéneo, permite uma enorme variação interespecífica no tipo e na morfologia dos granulócitos encontrados (Figura 5).5,21 A esta dificuldade acresce o facto de existir escassa ou nenhuma bibliografia relativamente às características específicas de cada espécie.4

A classificação dos granulócitos de peixes é ainda uma forte fonte de discordância por parte de vários autores.1,5,7,22 A confusão reside sobretudo na nomenclatura dos granulócitos eosinofílicos das várias espécies, em particular nos elasmobrânquios.7,22

A terminologia utilizada para descrever os granulócitos dos peixes cartilaginosos presentes nesta compilação será a mesma adotada atualmente no Avanqua Oceanogràfic, que está de acordo com a classificação proposta por Arnold: os heterófilos/células G1 são nomeados de FEG (Fine Eosinophilic Granulocytes) e os eosinófilos/células G3 são apelidados de CEG (Coarse Eosinophilic Granulocytes).15,22 Tal como o nome FEG sugere, estas células redondas têm grânulos eosinófilos fusiformes bastante finos, sobre um citoplasma azul-pálido a cinzento, normalmente coberto pelos grânulos. Em contrapartida, os CEG são células redondas do mesmo tamanho, mas com grânulos maiores redondos ou ovais, cuja cor pode variar de laranja forte a rosa pálido, consoante a espécie.22 Ambos podem ter núcleo redondo ou segmentado, geralmente excêntrico. Através das amostras analisadas no presente relatório, observei que, na maioria das espécies, os FEG têm grânulos tão finos que são difíceis de individualizar, o que atribui à célula uma coloração rosada generalizada com textura irregular, enquanto os CEG tendem a ter grânulos mais bem definidos e uma cor fortemente eosinofílica, facilitando a distinção dos dois. Parece existir uma relação entre a quantidade destes dois granulócitos e o sexo, tendo sido descritas uma maior quantidade de FEG em fêmeas e de CEG em machos numa espécie de tubarão (Mustelus canis).24

Existe também uma discordância na bibliografia no que toca à existência de neutrófilos/células G2 em elasmobrânquios, havendo autores que defendem que estas células não existem como uma classe diferenciada, derivando da desgranulação das células anteriormente descritas, e outros que descrevem a sua presença em algumas espécies.4,7,22 Foi verificada a ausência deste tipo de granulócito em alguns animais, tal como a raia-pintada

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(Aetobatus narinari).26 Nas amostras analisadas nesta compilação (Figura 5), foram encontradas células claramente distintas dos FEG e CEG em alguns tubarões e raias, compatíveis com a descrição de neutrófilos. São células grandes com tamanho equiparável ou ligeiramente inferior aos FEG e CEG, com citoplasma praticamente incolor e margens celulares e grânulos quase indetetáveis, passando facilmente despercebidas.5,22

Em peixes ósseos, estão descritos neutrófilos, incorretamente classificados como heterófilos por alguns autores, e eosinófilos.22 Os neutrófilos dos teleósteos têm características citoquímicas equivalentes aos neutrófilos dos mamíferos.5 São os granulócitos mais comuns, sendo descritos como células com núcleo excêntrico, redondo ou segmentado, com citoplasma cinzento e por vezes com grânulos azurofílicos.5,22 Os eosinófilos têm tamanho semelhante ou ligeiramente superior aos neutrófilos, um núcleo redondo ou lobado e grânulos eosinofílicos num citoplasma azul pálido.5 Aparecem em menor quantidade que os CEG dos elasmobrânquios.5

Figura 5: Morfologia dos granulócitos de diferentes espécies de peixes. A-C: Granulócitos de um

tubarão-touro (Carcharias taurus)- FEG (A), CEG (B) e neutrófilo (C); D-F: Granulócitos de um viola-barba-negra (Glaucostegus cemiculus)- FEG (D), CEG (E) e neutrófilo (F); G: FEG de um tubarão-bicudo (Rhizoprionodon acutus); H-J: Granulócitos de um tubarão-corre-costa (Carcharhinus plumbeus)- FEG (H), CEG (I) e neutrófilo (J);

K-M: Granulócitos de tubarão-de-pontas-negras-do-recife (Carcharhinus melanopterus)- FEG (K), CEG (L) e

neutrófilo (M); N: FEG de um peixe-porco (Oxynotus centrina); O-P: Granulócitos de um ratão (Dasyatis pastinaca)- FEG (O) e CEG (P); Q-R: Granulócitos de uma raia-pintada (Aetobatus narinari)- FEG (Q) e CEG (R); S: FEG de uma raia-curva (Raja undulata); T-U: Granulócitos de um ratão-águia (Myliobatis aquila)- FEG (T) e CEG (U);

V-X: Granulócitos de um pata-roxa-gata (Scyliorhinus stellaris)- FEG (V), CEG (W) e neutrófilo (X); Y-Z: Granulócitos

de uma moreia-pintada (Muraena helena)- Neutrófilo tradicional dos teleósteos (Y) e subtipo de neutrófilo com citoplasma fortemente basófilo característico das moreias (Z);27 1-2:Granulócitos de um esturjão-adriático

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Os basófilos são muito raros nos teleósteos.22 Estas células pequenas, cujos grânulos coram de roxo ou aparecem como vacúolos, aparecem também muito raramente na maioria das espécies de tubarões estudadas e são mais comuns em algumas espécies de raias.5,25

Nos peixes com doença sistémica, ocorrem alterações tóxicas em neutrófilos ou nos FEG (Figura 6C). A presença de corpos de Döhle, agregados de retículo endoplasmático rugoso que aparecem como precipitados azuis-acinzentados no citoplasma, é indicativa de toxicidade.7 O grau de toxicidade tem uma relação direta com o prognóstico.4,5

Na presença de fatores de stress, como elevada densidade populacional, má qualidade da água ou manipulação do animal, são libertadas catecolaminas e cortisol, o que gera um leucograma de stress. Este é caracterizado por leucopenia em peixes, com linfopenia e uma granulocitose ligeira.25

Os granulócitos das tartarugas marinhas são os heterófilos, os eosinófilos e os basófilos.13 Os heterófilos são redondos, com núcleo excêntrico, arredondado e não lobado e têm um citoplasma repleto de grânulos eosinofílicos brilhantes fusiformes, tipicamente encontrados nos quelónios (Figuras 7A e 7B).6 No entanto, podem existir tantos grânulos que a sua individualização torna-se difícil.7 Nesta ordem de répteis, podem existir mais de 50% de heterófilos em circulação.6 Tartarugas-comuns com idades entre 1 mês a 3 anos têm um menor número de heterófilos que as adultas, compensando com um maior número de linfócitos.6,13 As

Figura 6: Esfregaços sanguíneos de três elasmobrânquios. A: Tubarão-touro (Carcharias taurus)- FEGs

com ligeira vacuolização do citoplasma (setas), CEG (seta bloco), neutrófilo (seta transparente), trombócito granular (asterisco) e linfócito (cabeça de seta); B: Ratão (Dasyatis pastinaca)- FEG hipersegmentado (seta), CEG (seta bloco), precursor eritróide (cabeça de seta); C: Tubarão-corre-costa (Carcharhinus plumbeus) com granulocitose e sinais de toxicidade- FEG com vacuolização do citoplasma (seta), FEG com citoplasma basófilo, vacúolos e corpos de Döhle (seta transparente). Coloração Diff-Quik.

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fêmeas desta espécie parecem ter também um número total de leucócitos inferior, devido aos estrogénios e gonadotrofinas, e parece existir um aumento dos granulócitos durante o outono quando a temperatura da água diminui.29,30

A função dos heterófilos é equivalente à dos neutrófilos em mamíferos, desempenhando um importante papel na fagocitose e na imunidade inata.6 São as primeiras células a responder no caso de uma inflamação. Aparecem heterófilos tóxicos (Figuras 7C e 7D) em inflamações severas, necrose, desordens metabólicas e infeções bacterianas, estando a existência de células aberrantes e pleomórficas diretamente relacionada com a severidade da doença e com um pior prognóstico.6,7 As características de toxicidade são a presença de citoplasma mais basófilo ou de agregados focais basofílicos, de desgranulação, de vacúolos citoplasmáticos e, por fim, de grânulos com morfologia e coloração alterados.6,13 Um desvio à esquerda ocorre quando há um aumento da produção e da libertação de heterófilos em resposta à inflamação, observando-se no esfregaço heterófilos imaturos, com núcleo maior e muitas vezes pleomórfico, citoplasma mais basófilo e com menor número de grânulos primários.6 No ARCA del Mar, foi observado que grande parte das tartarugas-comuns que foram vítimas de captura acidental apresentavam heterofilia acompanhada de monocitose ligeira e linfopenia, o que é compatível com um leucograma de stress.6 Estas alterações estão descritas em tartarugas marinhas após uma hora de captura.13

Os eosinófilos das tartarugas marinhas têm tipicamente um citoplasma incolor com grânulos rosa, mas as diferentes espécies possuem variações ao nível do número e morfologia dos grânulos destas células.13,19 O núcleo é central ou excêntrico, redondo, alongado ou bilobado (Figuras 7E e 7F).1,6 O papel dos eosinófilos em répteis não é totalmente conhecido, mas níveis altos foram associados a parasitose, frequentemente descrita em tartarugas-comuns devido aos

Figura 7: Morfologia dos heterófilos e eosinófilos da tartaruga-comum (Caretta caretta).

A: heterófilo maduro com alguma desgranulação, possivelmente um artefacto; B: heterófilo maduro normal; C e D: heterófilos tóxicos num animal com uma infeção- presença de vacuolização e de grânulos mais

arredondados de coloração roxa anormal, consistente com toxicidade severa (C e D). Note-se a atipia celular evidente em D, com alterações da forma nuclear, desgranulação marcada e presença de citoplasma basófilo;

E: eosinófilo normal, com citoplasma incolor e grânulos redondos e de cor rosa, com núcleo central; F: eosinófilo

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seus hábitos alimentares omnívoros.6 Em outros répteis, foi observada a capacidade fagocitária destas células.6

Os basófilos dos répteis têm os grânulos de morfologia e cor tipicamente observados nas outras espécies, mas existem algumas variações observadas entre as diferentes espécies de tartarugas marinhas.19 Em vez de serem observados grânulos roxos escuros a cobrir o todo o citoplasma, podem ser vistos vacúolos num citoplasma basófilo, resultantes da desgranulação durante a colheita de sangue ou no processamento.6 De uma forma global, os quelónios são os répteis com a maior quantidade de basófilos em circulação.7 No entanto, as tartarugas marinhas não parecem seguir esta tendência, sendo a presença de basófilos em circulação bastante rara.6,7,18,29 A sua função não é bem conhecida, mas sabe-se que ocorre um aumento do número de basófilos na presença de infeções virais.6

Os granulócitos dos mamíferos marinhos são os neutrófilos, eosinófilos e basófilos, com a exceção do manatim (Trichechus manatus latirostris) que possui heterófilos.7

Os neutrófilos têm morfologia semelhante à descrita noutros mamíferos.3 O citoplasma destas células é geralmente transparente ou levemente eosinofílico, com grânulos impercetíveis ou bem visíveis, dependendo da espécie considerada (Figura 8).7 Têm núcleo fortemente basófilo, que é multilobado e filamentoso nas células maduras e em forma de banda com cromatina menos densa nas células imaturas. A definição de neutrófilo em banda na bibliografia não é unânime, mas assume-se, de uma forma geral, que estas são células com núcleo sem constrições ou com constrições inferiores a 50% do diâmetro do núcleo.7 Neste grupo de mamíferos, a maturação e consequente hipersegmentação dos neutrófilos ocorre muito rápido, sendo incomum encontrar os tradicionais neutrófilos em banda.3,7 Por isso, há autores que sugerem uma definição de neutrófilo em banda mais abrangente, nomeando de “banda” todos os neutrófilos cujo núcleo tenha uma faixa de cromatina entre os lóbulos, de modo a detetar antecipadamente um desvio à esquerda.7 As focas-comuns têm tipicamente uma maior quantidade de neutrófilos hipersegmentados em circulação.7

Os eosinófilos dos mamíferos têm, por definição, tamanho igual ou ligeiramente superior aos neutrófilos, um núcleo geralmente multilobado e citoplasma com grânulos tipicamente eosinofílicos.7 No entanto, na avaliação dos esfregaços sanguíneos das espécies de mamíferos marinhos com as quais contactei, observei que existem diferenças interespecíficas significativas neste tipo celular, sobretudo na coloração do citoplasma e dos grânulos (Figura 9).

Durante a realização das contagens diferenciais de leucócitos em golfinhos-roaz, verificou-se que os exemplares da subespécie Tursiops truncatus ponticus têm valores de eosinófilos mais altos, chegando aos 20%. A relação da eosinofilia com situações de parasitose e de alergias é bem conhecida7, mas parecem existir outras associações. Demonstrou-se em leões-marinhos-da-califórnia (Zalophus californianus) que a eosinofilia pode ser um indicador útil e barato da exposição a ácido domóico, uma neurotoxina produzida por microalgas.31

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Figura 8: Morfologia dos neutrófilos de alguns mamíferos marinhos.

A-C: Golfinho-roaz (Tursiops truncatus) - neutrófilos com citoplasma eosinófilo e textura granular fina. Núcleo em

banda (A) e núcleos segmentados (B) e (C). D-E: Beluga (Delphinapterus leucas) - neutrófilos de grandes dimensões, com citoplasma incolor com granulação evidente e núcleos segmentados. F-G: Foca-comum (Phoca vitulina) - neutrófilos de pequenas dimensões, de citoplasma levemente eosinófilo, com grânulos praticamente impercetíveis. Núcleo hipersegmentado (F) e núcleo em banda (G); H: Leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens) - neutrófilo com citoplasma eosinofílico sem granulação óbvia e núcleo segmentado I-J: Morsa (Odobenus rosmarus)- neutrófilos hipersegmentados e citoplasma incolor, sem granulação. Coloração Diff-Quik.

Figura 9: Morfologia dos eosinófilos e basófilos de alguns mamíferos marinhos.

A-B: Golfinho-roaz (Tursiops truncatus)- eosinófilo com grânulos fusiformes de tom levemente acinzentado e núcleo segmentado; C-D: Beluga (Delphinapterus leucas)- eosinófilos de grande tamanho com núcleo bilobado e grânulos abundantes redondos de cor vermelho vivo; E: Foca-comum (Phoca vitulina)- eosinófilo de dimensões inferiores às das restantes espécies representadas, com núcleo multilobado e grânulos redondos eosinofílicos; F-G: Leão-marinho-da- patagónia (Otaria flavescens)- eosinófilos com textura irregular sem grânulos claramente distinguíveis, de cor acinzentada e núcleo bilobado; H-I: Morsa (Odobenus rosmarus), eosinófilos com escassa quantidade de grânulos vermelhos de forma redonda e núcleo com suaves constrições; J: Leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens)- basófilo com núcleo segmentado e grânulos basofílicos em baixa quantidade; Coloração Diff-Quik.

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Os basófilos dos mamíferos têm genericamente núcleo segmentado coberto por grânulos fortemente basofílicos (Figura 9J). São células muito raras em mamíferos marinhos, tendo a maioria das espécies abordadas valores de referência de 0 basófilos/μL.7

4.2.2. MONÓCITOS

De uma forma genérica, os monócitos são os maiores leucócitos circulantes.7 Têm citoplasma abundante de tom azul-acinzentado, podendo ter vacúolos ou grânulos azurófilos quando ativados. A forma do núcleo é extremamente variável, desde redondo ou multilobado até à típica forma em ferradura.7 Têm cromatina menos condensada, mais granular e um menor rácio N:C que os linfócitos grandes.4

Em peixes, é frequente encontrar monócitos com o núcleo em ferradura, ocupando menos de 50% do volume da célula.1,7,22 À semelhança do que ocorre nos mamíferos, os monócitos dos peixes migram para os tecidos e transformam-se em macrófagos.5,25 Estas são as células fagocíticas principais dos peixes, pelo que é comum encontrar na bibliografia destas espécies o uso do termo macrófago como sinónimo de monócito.1,7 O citoplasma pode ter limites indefinidos, devido à presença de pseudópodes.1 Podem ser encontrados monócitos com melanossomas em peixes, havendo similaridades com os melanomacrófagos dos répteis.1

Em tartarugas marinhas, os monócitos têm características morfológicas semelhantes às descrições tradicionais.13 Os répteis têm uma resposta particular à infeção, formando granulomas com heterófilos necróticos centrais e monócitos e células gigantes multinucleadas na periferia.6 Outra característica desta classe de vertebrados é a presença normal de números muito baixos de monócitos com inclusões de melanina (melanomacrófagos), de detritos celulares e proteicos ou vacúolos lípidos (Figuras 10H e 10I).1,6,13 Estas estruturas não devem ser confundidas com parasitas intracelulares. Podem ser também observados em circulação monócitos com eritrócitos fagocitados e com hemossiderina, indicando uma hemólise imunomediada em tartarugas marinhas.13 Em algumas espécies de répteis, como as serpentes, existem monócitos de menor tamanho com uma leve granulação citoplasmática azul, tendo sido nomeadas estas células de azurófilos.7 A classificação destas células como um novo tipo celular exclusivo de répteis é bastante controversa.1 Células morfologicamente semelhantes a azurófilos foram descritas em alguns estudos de tartarugas marinhas, mas como a nível citoquímico são equivalentes a monócitos, não estão descritas como uma população independente nestas tartarugas e são agrupadas na categoria dos monócitos.6,13

Os monócitos de mamíferos marinhos não apresentam nenhuma particularidade que os distinga dos monócitos encontrados noutras espécies de mamíferos (Figuras 10A-10E).3,7

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22

Ocorre monocitose em infeções microbianas, inflamação e estimulação antigénica crónica, podendo ser encontrados nestes casos monócitos reativos com citoplasma mais basófilo e vacúolos em todos os grupos de vertebrados.1,5,6,7

4.2.3. LINFÓCITOS

Os linfócitos são relativamente semelhantes em todos os vertebrados (Figuras 11A-11F).1,3,5,6,7 Caracterizam-se por serem células redondas com citoplasma azul muito escasso e por terem um núcleo com cromatina muito condensada quando maduras, com uma elevada relação N:C.7 Os linfócitos são divididos em pequenos, médios e grandes.7 Os pequenos são os mais comuns, em que apenas um suave anel de citoplasma é visível.1,4,5,6 É comum encontrar nos peixes linfócitos com bordos citoplasmáticos irregulares, com pseudópodes, especialmente em elasmobrânquios.5,25 Devido à semelhança dos linfócitos com os trombócitos, é aconselhável pesquisar um agregado de trombócitos no esfregaço para distinguir a morfologia dos dois.2,7

Figura 10: Morfologia dos monócitos de diferentes espécies de vertebrados. A: Golfinho-roaz (Tursiops

truncatus)- monócito com núcleo multilobado; B: Beluga (Delphinapterus leucas)- monócito com típico núcleo em ferradura e citoplasma vacuolizado; C: Foca-comum (Phoca vitulina)- monócito com núcleo segmentado e dimensões inferiores às restantes espécies de mamíferos marinhos representados; D: Leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens)- monócito com núcleo multilobado e citoplasma vacuolizado; E: Morsa (Odobenus rosmarus)- monócito com núcleo multilobado e citoplasma abundante; F: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- monócito reativo com núcleo redondo central, cromatina irregular, citoplasma basófilo e grânulos azurofílicos; G: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- monócito com vacúolo de endocitose de grandes dimensões, com estruturas compatíveis com grânulos de heterófilos e bactérias fagocitadas; H-I: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- melanomacrófagos com inclusões de melanina em (H) e (I) e estruturas compatíveis com vacúolos lipídicos em (I); J: Viola-barba-negra (Glaucostegus cemiculus)- monócito com núcleo de grandes dimensões e com prováveis artefactos, citoplasma basófilo e grânulos azurófilos evidentes. Coloração Diff-Quik.

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23

Nos peixes e na maioria dos répteis, os linfócitos são o principal leucócito encontrado em circulação, chegando aos 50-75% e aos 80%, respetivamente.4,5,6,24 Nas tartarugas marinhas

Caretta caretta, estão descritas percentagens de linfócitos à volta dos 30%, valor compatível com

as contagens diferenciais que realizei durante o estágio.29 Nos mamíferos marinhos, os linfócitos perfazem aproximadamente 20% dos leucócitos encontrados em circulação.3

Em caso de estimulação antigénica, podem ser observados linfócitos grandes, linfócitos reativos, linfoblastos e, em alguns peixes e répteis, linfócitos granulares, que poderão ter semelhança com os linfócitos Natural Killer (NK) dos mamíferos.6 A ocorrência de linfócitos reativos com aspeto semelhante a plasmócitos é rara em répteis, mas relativamente frequente em peixes e em mamíferos.6,7

Os linfócitos têm um papel chave na imunidade celular, imunomediada e inata, que parece ser transversal a todos os vertebrados.7 Apesar da função de fagocitose não ter sido confirmada, podem encontrar-se ocasionalmente linfócitos com material endocitado em peixes.7

As causas de alterações no número de linfócitos são muito variadas e dependentes da espécie.7 Na generalidade dos animais, ocorrem linfopenias em condições ambientais de stress.7 Nos peixes, estas também ocorrem em septicémias e nos répteis em situações de malnutrição.1,6

4.3. PLAQUETAS/TROMBÓCITOS

Os trombócitos dos peixes e dos répteis são nucleados e provêm de uma linha distinta das plaquetas dos mamíferos. Pensa-se que a sua origem é o tromboplasto.4,5,6

Figura 11: Morfologia dos linfócitos e trombócitos de diferentes espécies de vertebrados.

A: Golfinho-roaz (Tursiops truncatus) - linfócito com núcleo levemente indentado; B: Morsa (Odobenus

rosmarus) – linfócito com citoplasma a rodear a totalidade do núcleo; C: Leão-marinho-da-patagónia (Otaria flavescens) diagnosticado com leucemia linfocítica aguda- linfoblasto com nucléolos proeminentes, citoplasma mais basófilo e um vacúolo; D: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- linfócito com citoplasma com textura granular; E: Tubarão-touro (Carcharias taurus)- linfócito de pequenas dimensões com uma suave projeção da membrana citoplasmática; F: Pata-roxa-gata (Scyliorhinus stellaris)- linfócito com citoplasma granular e eosinofílico; G: Tartaruga-comum (Caretta caretta)- trombócito fusiforme; H: Pata-roxa-gata (Scyliorhinus stellaris)- trombócito fusiforme. Coloração Diff-Quik.

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