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A participação do Poder Legislativo na ratificação dos Convênios de ICMS: a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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A PARTICIPAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO NA RATIFICAÇÃO

DOS CONVÊNIOS DE ICMS: A EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Bernardo Motta Moreira

1

Resumo: A potencial disputa entre os entes subnacionais na atração de investimentos – o que

se convencionou chamar de “guerra fiscal” – impôs a previsão constitucional de um rito para

a concessão de qualquer benefício fiscal de ICMS, com a aprovação prévia e unânime dos

Estados no Confaz. Como este órgão do Ministério da Fazenda congrega apenas

representantes dos Poderes Executivos estaduais, questiona-se o procedimento previsto na

legislação nacional de admitir, para a validade interna dos benefícios, que os Estados apenas

editem meros decretos, na medida em que, por força do princípio da legalidade, seria

fundamental que o Poder Legislativo de cada qual aprovasse tais concessões. Examina-se a

evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, atualmente, tem exigido a

participação do Poder Legislativo estadual, que deverá aprovar os benefícios fiscais

autorizados previamente pelo Confaz por lei em sentido estrito. Avalia-se a possibilidade de

que tais benesses sejam homologadas pelo Parlamento estadual por instrumentos como o

decreto legislativo ou resolução.

Palavras-chave: Convênio do Confaz; Poder Legislativo; Supremo Tribunal Federal.

Abstract: The potential dispute between subnational entities in attracting investment – what

has been termed the “fiscal war” – imposed the constitutional provision of a rite for the

concession of any ICMS tax benefit, with the prior and unanimous approval of the States in

the Confaz. Since this body of the Ministry of Finance comprises only representatives of the

State Executive branches, the procedure under national legislation is questioned to admit, for

the internal validity of the benefits, that the States only issue mere decrees, insofar as, by

virtue of principle of legality, it would be fundamental that the Legislative branch of each one

approve such concessions. It examines the evolution of the understanding of the Supreme

Court, which, currently, has required the participation of the state legislative branch, which

should approve the tax benefits previously authorized by Confaz by law in the strict sense. It

is evaluated the possibility that such benefits are approved by the state parliament by

instruments such as legislative decree or resolution.

Keywords: Confaz agreement; Legislative branch; Supreme Court

1. Introdução

A “guerra fiscal” predatória que se instaurou no país e que tem gerado extrema

insegurança jurídica, tanto para os contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias

e Serviços – ICMS –, quanto para o entes políticos, nunca teria se iniciado se houvesse o

cumprimento dos pressupostos constitucionais para a concessão de incentivos fiscais do

imposto. Com efeito, um requisito fundamental para que determinado Estado-membro

1 Doutorando e Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Professor do Centro Univeristário UNA e das Faculdades Milton Campos. Conselheiro do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Consultor Jurídico de Carreira da ALMG. Advogado

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conceda uma isenção de ICMS para um contribuinte é que todos os Estados concordem antes,

o que se dá mediante um convênio autorizativo do Conselho Nacional de Política Fazendária

– Confaz –, orgão do Ministério da Fazenda que congrega representantes dos Poderes

Executivos Estaduais.

Diante desse quadro, uma questão que sempre gerou inconformismo por parte da

doutrina, mesmo antes do avento da Constituição da República de 1988 – CRFB/88 – é a

incorporação das normas concessivas de benefícios fiscais acordadas pelos Poderes

Executivos, sem o aval do Poder Legislativo.

2

É dizer, se todos os Poderes Executivos dos

Estados concordaram com a concessão de determinada isenção do imposto, basta que o Poder

Executivo o implemente por mero decreto? Como fica o princípio da legalidade nesse caso,

lembrando que é o legislador quem deve decidir quando se cria e quando se exonera tributos?

Na prática, há diversos Estados em que a internalização dos convênios firmados no

Confaz se dá por meio de simples decreto do Poder Executivo, ao passo em que outros são

aprovadas leis para tal. A indefinição quanto aos procedimentos se dá em boa parte por um

certo conformismo da doutrina da prática generalizada de ratificações por meros atos do

Executivo num contexto de “guerra fiscal” instalado no país, além do fato de que o tema não

tem grande apelo judicial, dado o baixo interesse dos contribuintes em suscitar a

inconstitucionalidade dos convênios por falta de ratificação do Poder Legislativo, afinal deles

se beneficiam.

3

Dessa forma, neste ensaio, analisar-se-á criticamente o processo legislativo

4

para

concessão dos benefícios fiscais de ICMS, considerando a evolução da jurisprudência do

2 “Este tema tema tem sido maltratado pela jurisprudência. A despeito de sua evidente importância no contexto da federação, é dos problemas que tem recebido menor cuidado. A propósito de questões emergentes dessa temática (o a elas ligadas) é que se tem praticado as mais repugnantes violações constitucionais. As isenções e os convênios tem servido de pretexto, ou ocasião, para todo tipo de omissão ou mesmo de agressão ao que de mais sagrado e fundamental se encerra no Texto Constitucional. A esse propósito o Judiciário tem sido negligente e até conivente com as ofensas constitucionais mais graves, vidas quer do Legislativo nacional, quer dos Executivos estaduais; as Assembleias Legislativas estaduais tem brilhado pela omissão [...]” (ATALIBA, Geraldo. “Convênios Interestaduais”. Revista de Direito Público, Ano XVI, nº 67, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: julho/setembro, 1983, p. 47).

3 COSTA, Alcides Jorge. “ICMS - Natureza Jurídica da Isenção - Natureza Jurídica e Função do Convênio no Âmbito do ICMS”. In: Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009, p. 88.

4 “O Direito Constitucional chama de processo legislativo a sucessão de atos ou fases necessários para a produção de um ato legislativo pelo Parlamento. Na Constituição Federal de 1988, o processo legislativo encontra-se disciplinado em seção própria (Seção VIII) do capítulo dedicado ao Poder Legislativo (arts. 59 a 69). Canotilho define o procedimento legislativo como ‘um complexo de actos, qualitativa e funcionalmente heterogêneos e autônomos, praticados por sujeitos diversos e dirigidos à produção de uma lei do Parlamento’”. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituiç ão de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 94). Cléve aponta que o melhor seria fazer o uso da expressão “procedimento legislativo”, como o fez Jorge Miranda (in Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990, p. 34). Prefere-se, todavia, o uso da terminologia “processo” para exaltar o contraditório inerente ao procedimento.

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Supremo Tribunal Federal – STF –, no intuito de verificar a necessidade de participação

efetiva do Parlamento estadual, considerando que só se alcançará a democracia com um

modelo de separação dos poderes que permita a detecção das decisões públicas aos

argumentos apresentados pelo povo, não de modo simbólico, mas efetivo.

2. O processo legislativo necessário para a concessão de benefícios fiscais de ICMS

A CRFB/88 dispõe, em seu art. 150, § 6º, que qualquer subsídio ou isenção, redução

de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos,

taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei específica, federal, estadual ou

municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente

tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, “g”. Por sua vez, o

Código Tributário Nacional – CTN – dispõe que somente lei pode estabelecer a majoração de

tributos ou sua redução (art. 97, inciso II) ou as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção

de créditos tributários (art. 97, inciso VI).

Da leitura dos dispositivos acima mencionados, percebe-se que, via de regra, o

princípio da legalidade tributária, além de limitar a majoração ou instituição de tributos sem

lei (art. 150, I, da CRFB/88), também impõe a necessidade de lei para sua redução. Isso se dá

justamente em razão da divisão dos Poderes, cabendo ao Poder Legislativo a

criação/majoração ou a extinção/redução dos tributos e ao Executivo o poder de executá-los,

não podendo um poder interferir na órbita do outro.

No caso do ICMS, a Constituição exige o cumprimento de mais regras. Por isso, o art.

150, § 6º, acima referido, termina com a expressão “sem prejuízo do disposto no art. 155, §

2º, XII, “g”, que versa especificamente sobre o imposto estadual. É bom notar que a redação

original do art. 150, § 6º, não havia tal referência, pois a Constituição previa somente que

“qualquer anistia ou remissão, que envolva matéria tributária ou previdenciária, só poderá ser

concedida através de lei específica, federal, estadual ou municipal”. Foi com a Emenda

Constitucional nº 3, de 1993, que o dispositivo constitucional foi alterado, dissipando dúvidas

quanto à necessidade de que, mesmo os benefícios de ICMS, que passam por um rito especial

para possibilitar sua concessão, devem ser previstos em lei específica de cada ente tributante.

5

5 Aroldo Gomes de Mattos considera que a Emenda 3/93 foi um divisor de águas para a questão: “posteriormente, surgiu a EC 3/93 fazendo uma importante alteração nas normas básicas acima dissertadas: acrescentou o § 6º ao art. 150 da CF, que, como limitação ao poder de tributar, passou a exigir para as ratificações in casu – no lugar de decreto – lei específica: [...] A intenção do constituinte derivado ao fazer tal acréscimo é evidente: emprestar uma dignidade maior ao processo legislativo que vise conceder benefícios ou privilégios fiscais de qualquer natureza, em homenagem ao princípio da transparência fiscal.” (MATTOS,

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Como visto, o fundamento da exigência desse tratamento especial e mais rigoroso se

encontra no fato de que o ICMS é um imposto que tem caráter nacional, na medida em que o

seu campo de incidência compreende operações e prestações envolvendo sujeitos localizados

em qualquer parte do território nacional. Essa peculiaridade supõe, portanto, a edição de

regras uniformes, contidas em lei complementar, para viabilizar a correta arrecadação e

repartição do imposto e, dessa maneira, proporcionar segurança jurídica aos contribuintes e

evitar conflitos entre os titulares da competência tributária, decorrente, por exemplo, da

concessão unilateral de benefícios relativos ao ICMS como forma de competição entre as

unidades da Federação.

Nesse norte, o art. 155, § 2º, XII, “g” da CRFB/88,

6

dispõe que cabe à Lei

Complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal,

isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS serão concedidos e revogados.

A

lei complementar relativa à disciplina da matéria é a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro

de 1975 – LC 24/75. Nela, está disposto que benefícios fiscais relativos ao ICMS devem estar

previstos em instrumento formalizado por todas as unidades da Federação. Trata-se dos

convênios celebrados no âmbito do Confaz, órgão colegiado que congrega os Estados e o

Distrito Federal.

Essa lei foi recepcionada pelo art. 34, § 8º,

7

do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias – ADCT –, motivo pelo qual, atualmente, quaisquer isenções, incentivos e

benefícios fiscais relativos ao ICMS dependem da celebração de convênios do Confaz pelos

Estados.

8

Observe-se, ainda, que os artigos 2º, § 2º, e art. 4º, ambos da Lei Complementar nº

Aroldo Gomes de. “A natureza e o alcance dos convênios em matéria do ICMS”. Revista dialética de direito tributário, n. 79, São Paulo: Dialética, 2002, p. 9-10).

6 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) [...] XII - cabe à lei complementar: [...] g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

7 “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n.º 1, de 1969, e pelas posteriores. [...] § 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n.º 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria”.

8 Nas palavras de André Mendes Moreira, “com o intuito de evitar a guerra fiscal, a CRFB/88 atribui à lei complementar a função de ‘regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados’. A norma referida na Lei Maior existe há 40 anos: trata-se da Lei Complementar n. 24/75, que criou o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão presidido por autoridade do Governo Federal e integrado por representantes dos 26 Estados da Federação e do Distrito Federal” (MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2a ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 421).

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24/1975, exigem decisão unânime dos Estados-membros e do DF para concessão de

benefícios relacionados ao ICMS.

9

Tal técnica de concessão de incentivos de natureza tributária foi estabelecida de modo

a inviabilizar a chamada “guerra fiscal”,

10

que se estabeleceu entre as unidades federadas

como atrativo para a implementação de projetos e a instalação de indústrias geradoras de

emprego e renda nos respectivos territórios. Ainda assim, os Estados insistem em descumprir

as normas constitucionais, gerando conflitos e litigiosidade, em prejuízo dos próprios

contribuintes.

11

Fica evidente o rigor e a necessidade de observância de um rito procedimental

para que viabilize a concessão dos benefícios fiscais de ICMS.

3. A recepção dos convênios de ICMS pelos Estados

No que tange à ratificação

12

dos convênios, a LC 24/75, dispõe em seu art. 4º que

“dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial

9 “Art. 2º. Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. § 1º - As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. § 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União”.

10 O vocábulo “guerra” advem da disputa travada ente os Estados-membros para atraírem para seus respectivos territórios investimentos internos e externos capazes de promover o desenvolvimento industrial, comercial e social de suas regiões. Por seu turno, o termo “fiscal” denota o uso de políticas tributárias que possibilitam a redução dos custos de produção das pessoas jurídicas, objetivando, reflexamente, o desenvolvimento econômico da região e, até mesmo, o próprio incremento da arrecadação do ICMS. Esse último aspecto já se mostrou um mito, uma vez que a guerra fiscal acabou por erodir a base tributária do imposto que perdeu muito o seu potencial arrecadatório.

11 O STF de forma recorrente e em inúmeros julgados tem rechaçado diversos tipos de benefícios fiscais concedidos sem convênios como, por exemplo (i) a concessão de crédito presumido (ADI 2.352, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19/12/2000, DJ 9/3/2001), (ii) de redução de alíquota (ADI 3.664, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 1º/6/2011, DJ 21/9/2011), (iii) de prazo especial para pagamento do imposto (ADI 2.357, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 18/4/2001, DJ 7/11/2003), (iv) de diferimento impróprio (em operação de importação de ativos) (ADI 3.702, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 1º/6/2011, DJ 30/8/2011), (v) previsão de dispensa de multa e juros relativos a créditos exigidos em razão de anterior declaração de inconstitucionalidade (ADI 2.906, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 1º/6/2001, DJ 29/6/2011), (vi) de não incidência do imposto sobre encargos financeiros incorporados ao valor da operação na hipótese de venda a prazo (ADI 1.179, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13/11/2002, DJ 19/12/2002), e (vii) de cancelamento de notificações fiscais e devolução do indébito (ADI 2.345, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 30/6/2011, DJ 5/8/2011).

12 Tecnicamente, os Parlamentos estaduais não “ratificam” os convênios, mas aprovam os benefícios fiscais autorizados previamente pelo Confaz. Preferimos o uso do termo “recepcionar” ao invés de “ratificar”. Todavia, como a legislação nacional usa o termo ratificação dos convênios, a literatura do tema também o faz, sem um juízo crítico, de modo que no trabalho o termo será utilizado como sinônimo. Caberia, na realidade, fazer um paralelo com o regime de recepção dos tratados internacionais, em que o termo “ratificação” é ser usado para designar o momento em que o presidente da República informa os demais Estados signatários a sua vontade de cumprir os termos do acordo (REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 49). O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significaria que o compromisso foi “aprovado” – e não “ratificado” – pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, promulgado pelo presidente do Senado. Após o procedimento, o presidente da República poderá ratificar o tratado celebrado e aprovado, não estando vinculado à aprovação legislativa, já que a ratificação se trata de ato discricionário.

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da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada

Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados,

considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado”.

Como se lê, embora haja testemunhas de que isso não teria sido previsto em seu

anteprojeto,

13

a LC 24/75 dispensou a ratificação do convênio celebrado pelo representante do

Poder Executivo pelas Assembleias. Pesa o fato de a mencionada lei ter sido editada em

período de autoritarismo político, o qual era pródigo em concentrar atribuições no Poder

Executivo, em detrimento do Parlamento.

14

Apesar de parecer verdadeira a informação quanto à prática de ratificação por meros

decretos, já havia questionamentos sobre essa situação mesmo antes do advento da LC 24/75,

como pode se perceber do julgamento, no STF, do RE nº 83.310/RS

15

, em que a Primeira

Turma acabou entendendo que haveria a necessidade de ratificação do convênio por lei

estadual.

Regulando o processo de ratificação e seguindo os termos da LC 24/75, o Convênio nº

133, de 12 de dezembro de 1997, que aprovou o Regimento do Confaz, dispõe, em seu art. 36,

que dentro do prazo de quinze dias, contados da publicação do convênio, o Poder Executivo

de cada Estado e do Distrito Federal publicará Decreto ratificando ou não os convênios

celebrados, considerando ratificação tácita a falta de manifestação no prazo assinalado.

Diante de tais normas, a maior parte dos Estados têm concedido benefícios fiscais

apenas por meio da edição de decreto do Poder Executivo, entendendo que o art. 155, § 2º,

XII, “g”, da Constituição determina que a própria deliberação dos Poderes Executivos é que

concede e revoga benefícios, ou que a parte final do § 6º do art. 150 é uma ressalva à

exigência de lei.

16

Soma-se a isso o fato de que o art. 4º da LC 24/75, ao tratar da ratificação

13 Coêlho dá o seu depoimento pessoal: “o texto original previa que a ratificação dos convênios seria da alçada das Assembleias Legislativas. Sou testemunha pessoal dos fatos porque era Assessor de Secretário de Estado. Foi um Tecnocrata de Brasília – e na época era forte o regime, o poder central, o Ministério da Fazenda – que cometeu a monstruosidade jurídica de, contrariando a Constituição, conferir ao próprio Executivo a missão de se homologar a si próprio. Depois é que vieram os ‘juristas’ de segunda mão, na inglória tentativa de juridicizar o que é visceralmente injurídico.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. ICM: Competência exonerativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 66).

14 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 45.

15 Ementa: “Imposto sobre circulação de mercadorias. Convênio celebrado pelos Estados para outorga de isenção. Necessidade de ratificação por lei estadual. Recurso extraordinário não conhecido, a míngua de seus pressupostos constitucionais.” (RE 83.310, Rel. Min. Bilac Pinto, Primeira Turma, julgado em 11/05/1976, DJ 08/07/1976). Apesar de a ementa da decisão se referir a “lei estadual”, o caso envolvia a necessidade ou não da ratificação por “decreto legislativo”, como previa o ordenamento jurídico do Estado do Rio Grande do Sul. Essa situação será melhor detalhada em momento oportuno.

16 Consigne-se que há PEC (nº 62/2007) tramitando com o objetivo de alterar o art. 150, § 6º, entre outros, retirando a sua parte final (o trecho “sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, ‘g’”). Tal proposta é de iniciativa do Poder Executivo e decorre do desmembramento de dispositivos não aprovados na “Minirreforma

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de convênios, refere-se a mero decreto executivo. Assim, entender-se-ia que a ratificação, via

decreto, é a própria concessão do benefício.

Em razão de tal interpretação, os Estados limitam-se a editar os decretos, ou, como

ocorre na maioria das vezes, deixam transcorrer o prazo para sua edição, ocorrendo a

ratificação tácita. A partir daí, consideram válidos os benefícios. Tudo sem qualquer respaldo

ou deliberação do Poder Legislativo.

17

Com o advento da CRFB/88, chegou a ser proposto um projeto de lei complementar –

nº 9/91 – , de autoria do enta

̃o deputado Geraldo Alckmin Filho, para dispor, no lugar da LC

24/75, sobre a forma de concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais

referentes ao ICMS. Em sua justificação ressaltou o parlamentar que “e

́ da maior importância

novamente regular a mate

́ria referente aos convênios, dissipando dúvidas sobre a amplitude de

suas estipulac

̧ ões e sobre e necessidade, já indiscutível, de participação do Legislativo na

concessão e revogação de isenc

̧ ões”.

18

Ainda segundo o autor, a LC 24/75 na

̃o guardaria

Tributária” de 2003, que resultou na EC 42/2003 (PEC nº 41/03, na Câmara). Tal proposta encontrava-se originariamente na PEC 41 e constou do substitutivo apresentado pelo relator, o deputado Virgílio Guimarães, na comissão especial da Câmara, tendo, inclusive, saído da Câmara com a nova redação. No Senado, acabou desmembrada, motivo pelo qual continua tramitando, sob novo número, a proposta de alteração do dispositivo. Muito mais do que sanar uma singela dúvida interpretativa – aliás, inexistente, ante o claro texto legal – acredita-se que o objetivo de retirar a menção ao artigo que regra o procedimento do ICMS vincula-acredita-se à ideia de também mudar a sistemática do Confaz, que consta do texto da própria emenda. Pretende-se, por exemplo, incluir o inciso XIII ao referido § 2º dispondo que “compete ao ó rgão colegiado de que trata o inciso XII, ‘g’, mediante aprovaç ão pelo número de votos definido em lei complementar, observado o mínimo de quatro quintos de seus membros: [...] b) autorizar a transaç ão e a concessão de anistia, remissão e moratória, observado o disposto no art. 150, § 6º [...]”.

17 Em Goiás, por exemplo, o Governador do Estado tem aprovado e ratificado os convênios concessivos de benefícios fiscais de ICMS com fundamento nos arts. 37, IV, da Constituição do Estado de Goiás, e 4º das Disposições Finais e Transitórias da Lei nº 11.651, de 26 de dezembro de 1991 [Código Tributário Estadual], e na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. No Maranhão, a Lei nº 7.799/2002, que dispõe sobre o Sistema Tributário do Estado, estabelece que as isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto serão concedidos ou revogados mediante convênio celebrado nos termos de lei complementar (art. 9º). Segundo os §§2º e 3º, do art. 9º, o regulamento indicará as isenções, incentivos e benefícios vigentes, fazendo referência ao convênio que os instituiu, ficando o Poder Executivo autorizado a conceder os incentivos e benefícios fiscais. No Estado do Acre, a Constituição Estadual prevê que “cabe a lei complementar, quanto ao imposto de que trata o inciso II [ICMS] […] g) regular a forma como, mediante autorização do Poder Legislativo do Estado, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados (art. 143, § 9º). A Lei Complementar nº 55/2007, que disciplina o ICMS, prevê, em seu art. 4º, que “as isenções do imposto somente serão concedidas ou revogadas, nos termos da Lei Complementar n.º 24, de 07 de janeiro de 1975, por meio de convênios celebrados e ratificados pelas unidades federadas e pelo Distrito Federal, representado pelo Secretário da Fazenda”. No Estado de Alagoas, a Lei n° 4.418/1982 exclui do princípio da legalidade (art. 3º) “as normas baixadas pelo Poder Executivo em decorrência de convênios celebrados entre os Estados, na conformidade do que dispõe a legislação federal” (§2º). No Rio de Janeiro, a Lei nº 2.657/96, que regula o ICMS, estabelece, no art. 41, que “as isenções serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelo Estado, conforme o estabelecido em lei complementar federal”. Em São Paulo, o Governo ratifica os convênios com fundamento direto no art. 4º da LC 24/75 (para facilitar a visualização, basta conferir, a título de exemplo, o Decreto nº 48.605, de 20 de abril de 2004, que ratificou diversos convênios).

18 A redação do artigo 4º fazia a significativa alteração, in verbis: “A partir da publicaç ão do convênio no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicaç ão, os Estados e o Distrito Federal terão o prazo de sessenta dias para proceder a sua publicação no respectivo órgão oficial, submeter ao Poder Legislativo

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inteira compatibilidade com o presti

́gio dado pela CRFB/88 ao Poder Legislativo, admitindo

interpretac

̧ ões segundo as quais os convênios independeriam, para sua eficácia, de aprovação

pelas Assembleias Legislativas estaduais.

4. A doutrina sobre o tema

Embora persistam entendimentos doutrinários admitindo a incorporação de convênios

por decretos estaduais,

19

tal procedimento tem sido bastante questionado, com base no

entendimento de que a prática, ao suprimir a participação do Poder Legislativo, implicaria

ofensa aos princípios da separação dos poderes e da reserva constitucional de competência

legislativa.

Com efeito, Sacha Calmon Navarro Coêlho

20

somente admite a fórmula do convênio

se for ratificado pelo Legislativo Estadual, considerando o mecanismo da LC 24/75 inválido.

Outrossim, Misabel Derzi considera que a isenção e outros benefícios fiscais sempre

dependem de lei própria, específica, não podendo ser canceladas por ato do Poder Executivo,

mas apenas por meio da edição de um novo diploma legal. A autora entende que apenas o

legislador pode avaliar os superiores interesses da coletividade que venham a legitimar a

isenção ou a sua revogação e que a CRFB/88 não admite exceções ao princípio da legalidade,

concebendo o convênio de ICMS, como prévio ato administrativo, firmados por órgão

colegiado, constituído de representante do Poder Executivo, cuja força de lei, modificadora do

direito interno estadual, decorrerá da ratificação das Assembleias Legislativas.

21

sua apreciaç ão e efetuar a publicação do correspondente ato de ratificação ou rejeição, tudo de acordo com a tramitação que cada Unidade Federativa estabelecer”.

19 Assim se manifestaram Muzzi Filho e Batista Júnior: “Pelo menos no momento presente, é firme o entendimento no sentido de que a concessão de benefícios fiscais em relação ao ICMS prescinde de autorização legislativa específica. O entendimento pacificado é no sentido de que a ratificação dos convênios, no âmbito dos Estados, é ato de competência do Poder Executivo, nos exatos termos do art. 4º da Lei Complementar nº 24, de 1975. [...]”. (MUZZI FILHO, Carlos Victor; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. “A guerra fiscal do ICMS e os critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência”. Revista Dialética de Direito Tributário. v. 233, São Paulo: Editora Dialética, p. 58/59).

20 COELHO, Sacha Calmon Navarro. “ICMS - Natureza Jurídica dos convênios de Estados-membros - Inconstitucionalidade continuada”. Revista de Direito Tributário. nº 64, 1993. Em outra obra o autor sustenta que “há um pecado original nesta lei. O de ter previsto para os convênios ‘homologação pelo homologado’. Nesta parte é inconstitucional. A Constituição [de 1967] fala em ‘celebrados e ratificados pelos Estados’ e não em homologação pelo Executivo... (o Estado não é o Executivo).” Tendo vivenciado os bastidores da publicação da LC 24/75, observou que “o texto original previa que a ratificação dos convênios seria da alçada das Assembleias Legislativas. Sou testemunha pessoal dos fatos porque era Assessor de Secretário de Estado. Foi um Tecnocrata de Brasília – e na época era forte o regime, o poder central, o Ministério da Fazenda – que cometeu a monstruosidade jurídica de, contrariando a Constituição, conferir ao próprio Executivo a missão de se homologar a si próprio. Depois é que vieram os ‘juristas’ de segunda mão, na inglória tentativa de juridicizar o que é visceralmente injurídico.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. ICM: Competência exonerativa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 32 e 66).

21 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 100.

(9)

93

Roque Carrazza explica que para que as isenções de ICMS surjam validamente, é

preciso que os Estados e o Distrito Federal celebrem entre si convênios que, para se

transformarem em direito interno de cada uma dessas pessoas políticas, deverão por elas ser

ratificados, por meio de decreto legislativo.

22

Paulo de Barros Carvalho também entende que

os benefícios concedidos nos convênios ficam sempre na dependência de produção legislativa

pelos Estados, mediante decreto legislativo.

23

Geraldo Ataliba propõe uma analogia com o

procedimento de aprovação dos tratados internacionais,

24

na medida em que, ao referendar

esses acordos negociados pelo chefe do Executivo, o Congresso Nacional expede decretos

legislativos,

25

que tem eficácia análoga à de uma lei.

Como se não bastassem os robustos argumentos do princípio da legalidade e a

previsão do art. 150 § 6º, da CRFB/88, a exigência de lei para incorporação interna do

convênio do Confaz ganhou força com a superveniência do art. 14 da Lei de Responsabilidade

Fiscal – Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – que estabelece que a concessão ou

ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita

demanda requisitos. De fato, na

̃o há mais como defender que os convênios que instituam

benefi

́cios ou incentivos fiscais possam ser impositivos.

26

22 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 349.

23 “Não são os tratados e as convenções internacionais que têm idoneidade jurídica para revogar ou modificar a legislação interna, e sim os decretos legislativos que os ratificam, incorporando-os à ordem jurídica brasileira. Igualmente os convênios celebrados pelas unidades políticas, entre si, deverão submeter-se à apreciação das respectivas Assembleias sem o que não se introduzem no ordenamento. Registre-se, a propósito, que a prática dos convênios meramente firmados entre os poderes executivos dos Estados não tem observado essa providência fundamental, o que vem em detrimento do princípio da legalidade tributária”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ª edição, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 112.

24 “Para que se bem compreenda o regime das isenções de ICM, é imprescindível entender o regime dos convênios ou tratados internacionais no direito constitucional brasileiro. É que a analogia ‘iuris’ entre os convênios interestaduais, na federação, e os internacionais no plano externo, é quase absoluta. E como, ao tratar dos convênios interestaduais, o texto constitucional brasileiro não fez ressalvas, é forçoso entender que o regime dos tratados internacionais, no que couber, lhes é inteiramente aplicável.” (ATALIBA, Geraldo. “Convênios Interestaduais”. Revista de Direito Público, Ano XVI, nº 67, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: julho/setembro, 1983, p. 50-51).

25 “[R]ecepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O sistema constitucional brasileiro não consagra o princípio do efeito direto e nem o postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais.” (CR 8.279-AgR, Rel. Min. Presidente Celso de Mello, julgamento em 17/6/1998, Plenário, DJ de 10/8/2000).

26 É a posição de Aroldo Gomes de Mattos: “[...] com o advento da LC n° 101/2000, que condicionou a concessão de benefícios fiscais à previsão orçamentária, a questão mudou radicalmente de figura: todos os convênios hão de ser autorizativos, já que só implementáveis se e quando houver disponibilidade orçamentária.”

(10)

94

5. A evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Os julgados do STF das décadas de 70 e 80 orientavam-se, salvo raras exceções,

27

no

sentido de que a concessão de benefícios fiscais em relação ao ICMS prescindiria de

autorização legislativa específica, haja vista que a ratificação dos convênios, no âmbito dos

Estados, seria ato de competência do Poder Executivo.

28

Argumenta-se ainda que a Corte

Maior já teria firmado o entendimento de que seria inconstitucional que a Constituic

̧ ão

Estadual condicione a validade do convênio a

̀ aprovação da Assembleia Legislativa, pois

estaria alterando a forma escolhida pela lei complementar para a deliberac

̧ ão dos Estados em

(MATTOS, Aroldo Gomes de. “A natureza e o alcance dos convênios em matéria do ICMS”. Revista dialética de direito tributário, n. 79, São Paulo: Dialética, 2002, p. 13). Tiago Severini corrobora: “Vale destacar, nesse contexto, que a LC 24/1975 trata da concessão ou revogação de incentivos através dos Convênios Confaz, sem fazer qualquer distinção entre a natureza impositiva que se depreende do tempo verbal utilizado no dispositivo acima, da eventual natureza meramente autorizativa que parece se revelar na locução de alguns convênios. Nessa conjuntura, o STF posicionou-se, ainda na década de 80, no sentido da incompatibilidade entre a distinção dos convênios em autorizativos e impositivos e o teor da LC 24/1975. [...] Não obstante, o advento da LC 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, ensejou uma necessária relativização desse posicionamento. [...] Nesse sentido, ainda que um Estado celebre convênio com os demais no âmbito do Confaz, pode ocorrer de a contemplação do respectivo incentivo, em seu âmbito interno, ser obstaculizada por restrições orçamentárias. Desse modo, a fim de evitar que as restrições orçamentárias eventualmente aplicáveis a certo Estado inviabilizem a celebração de certo convênio, com o qual este concorda, torna-se salutar a atribuição de natureza autorizativa aos convênios. Por ser uma medida de difícil decisão e que implica sempre em afetação das receitas orçamentárias, não é de se duvidar que essa será a prática para as deliberações vindouras, haja vista a vigente Lei Complementar 101/2000, chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, que disciplinou a concessão de isenções. impondo limites internos de grande vulto. Nos dias atuais, tal atitude efetivamente só se poderá entender no campo de ‘autorização’, na medida que mesmo se todos os Estados deliberassem, por unanimidade favoravelmente à isenção, nem todos poderão assimilá-la sem fazer os competentes ajustes de contas que a LC 101/2000 reclama.” (SEVERINI, Tiago. O Convênio ICMS 130/2007 e a transferência interestadual de bens Importados sob o Repetro. In: Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 97, mar/2011, p. 185).

27 Versando sobre o ordenamento jurídico do Estado do Rio Grande do Sul, que será melhor detalhado a seguir, o RE nº 83.310, Rel. Min. Bilac Pinto, Primeira Turma, julgado em 11/05/1976, DJ 08/07/1976, fugiu da regra. 28 Veja-se a seguinte passagem de Muzzi Filho e Batista Júnior: “Pelo menos no momento presente, é firme o entendimento no sentido de que a concessão de benefícios fiscais em relação ao ICMS prescinde de autorização legislativa específica. O entendimento pacificado é no sentido de que a ratificação dos convênios, no âmbito dos Estados, é ato de competência do Poder Executivo, nos exatos termos do art. 4º da Lei Complementar nº 24, de 1975. Não é por outra razão que o STF, na ADI nº 342-PR (Pleno, Relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 11.4.2013), afirmou que a “jurisprudência do STF é firme no sentido de que a regra que subordina a celebração de acordos ou convênios firmados por órgãos do Poder Executivo à autorização prévia ou ratificação da Assembleia Legislativa, fere o princípio da independência e harmonia dos poderes (art. 2º, da CRFB/88). Cabe relembrar, igualmente, que a redação original do art. 150, parágrafo 6º, da CRFB/1988 não continha nenhuma ressalva (“Qualquer anistia ou remissão, que envolva matéria tributária ou previdenciária, só poderá ser concedida através de lei específica, federal, estadual ou municipal”). Foi a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que acrescentou, na parte final do referido dispositivo, a expressão “sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, g”, e explicitou o que já era entendido pelo colendo STF: benefícios fiscais concedidos pelo Confaz não dependem de aprovação por lei estadual, bastando a ratificação por ato do Poder Executivo, nos termos da Lei Complementar nº 24, de 1975”. (MUZZI FILHO, Carlos Victor; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. “A guerra fiscal do ICMS e os critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência”. Revista Dialética de Direito Tributário. v. 233, São Paulo: Editora Dialética, p. 58/59).

(11)

95

relac

̧ ão aos benefícios fiscais de ICMS.

29

Todavia, o exame detido da jurisprudência do STF

revela uma evolução em outro sentido. Veja-se.

É verdade que, no julgamento da ADI nº 165/MG,

30

o Plenário do STF declarou

inconstitucional a norma constante do art. 62, inciso XXV, da Constituição do Estado de

Minas Gerais que estabelecia a competência privativa da Assembleia Legislativa de “autorizar

celebrac

̧ ão de convênio pelo Governo do Estado com entidade de direito público ou privado e

rati car o que, por motivo de urgência, ou de interesse pu

́ blico, for efetivado sem essa

autorizac

̧ ão, desde que encaminhado à Assembleia Legislativa nos dez dias úteis subsequentes

à sua celebração”. Em seu voto, o relator Ministro Sepúlveda Pertence observou que a Corte

já havia distinguido a autorização da Assembleia aos convênios governamentais, no plano

estadual, ao referendo do Congresso Nacional aos tratados e atos internacionais celebrados

pelo Presidente da República (Repr. nº 1.024/GO, Rel. Min. Rafael Mayer, p. 7/5/80, RTJ

94/995) e que a fiscalização e o controle do Legislativo dos atos do Executivo não envolvem

participar no exercício da competência do Poder fiscalizado ou controlado.

Em seu voto, o relator chegou a tocar no tema dos convênios de ICMS, sem adentrar

especificamente na polêmica da necessidade de ratificação pelas Assembleias Estaduais.

Mencionou que haveria precedentes do Tribunal que teriam aceitado a ratificação por decreto,

conforme previsto na LC 24/75 (REs nºs 99.648, 109.965

31

e 106.456

32

), mas reconheceu que

a doutrina oporia reparos sérios à tal orientação. Finalizou o ponto aduzindo que “a tese da

exigência na hipótese de ratificação legislativa – além de não dizer com a espécie, que é de

autorização prévia – busca fundamento na reserva à lei da matéria tributária, que, é óbvio, se

procedente, derivaria da Constituição Federal, a dispensar qualquer explicitação na Carta

estadual”.

Como se vê, apesar de frequentemente ser lembrado na defesa da ratificação do

convênio do Confaz por mero decreto, o julgado do STF não se referiu diretamente à questão,

devendo-se ter cautela na simples análise da ementa publicada. Por outro lado, o Ministro

29 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Paternalismo federativo e a competência para a concessão de benefícios fiscais no ICMS e no ISS”. Revista Fórum de Direito Tributário, nº 59, 2012, p. 141.

30 Ementa: “Separação e independência dos poderes: submissão de convênios firmados pelo Poder Executivo à prévia aprovação ou, em caso de urgência, ao referendo de Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade de norma constitucional estadual que a prescreve: inexistência de solução assimilável no regime de poderes da Constituição Federal, que substantiva o modelo positivo brasileiro do princípio da separação e independência dos poderes, que se impõe aos Estados-membros: reexame da matéria que leva à reafirmação da jurisprudência do Tribunal”. (ADI 165/MG, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 07/08/1997, publicado no DJ 26/09/1997).

31 Na verdade, como o referido RE versa sobre outra temática, acredita-se que teria havido mero erro material, sendo o número correto 106.965.

(12)

96

reconheceu que havia julgados anteriores do Tribunal admitindo a desnecessidade da

participação do Poder Legislativo, em que pese a insurgência da doutrina pátria.

33

Com efeito,

nos mencionados recursos extraordinários, a Corte observou os ditames da LC 24/75,

considerando legítima a ratificação, por decreto estadual, de convênio interestadual

concessivo ou revocatório de isenção de ICM.

No mencionado RE nº 99.648/RJ,

34

o contribuinte impugnava a revogação da isenção,

que não teria sido feita por lei, mas pelo Decreto nº 3.294/1980, que teria ratificado o

Convênio do Confaz ICM nº 07/80. Considerando o art. 23, § 6º, da Constituição de 1967

(com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969), que previa que as isenções do ICM serão

concedidas ou revogadas nos termos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos

Estados, e, por considerar que a Fazenda estadual não teria criado tributo – na medida em que

o instituto da isenção pressuporia o fato gerador e a incidência – a Primeira Turma, à

unanimidade, considerou constitucional a revogação da isenção feita pelo convênio,

pontuando que afastada a isenção, “recomeça a incidir a lei, que exige o tributo e cuja

incidência havia sido suspensa”.

Também no RE nº 106.965/SP,

35

a discussão envolvia uma revogação de isenção do

ICM decorrente do Convênio do Confaz ICM nº 07/80, ratificada pelo Estado de São Paulo

pelo Decreto nº 15.251/1980. Segundo o Ministro relator Rafael Mayer, acompanhado à

unanimidade, “autorizada por convênio a isenção, somente por convênio há de ser procedida a

revogação, e não mediante lei estadual [...]. [C]onvinda a revogação, basta que se ratifique o

acordo mediante decreto, como é entendimento pacífico”.

Observe-se que o entendimento do STF era de tal forma rigoroso que um Estado não

poderia sequer revogar uma isenção – concedida e ratificada anteriormente mediante convênio

– sem que houvesse autorização de novo convênio. A revogabilidade das isenções do ICMS

estaria submetida a um regime jurídico peculiar, definido na LC 24/75, por força do art. 23, §

6º, da Constituição então vigente. Assim, nos termos do § 2º, art. 2º, da mencionada lei

33 Referidos no voto: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição – Sistema Tributário, 1990, §161, p. 290; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários, v. VI, 5/5; Geraldo Ataliba, Convênios Interestaduais e Imposto sobre Circulação de Mercadoria, RT 442/309; Alceu Pinto Filho, Aspectos de Cooperação Horizontal no Federalismo, RDPub 33/30.

34 Ementa: “ICM. Isenção e sua revogação. Tanto a isenção quanto sua revogação se fazem por convênios. Aplicação do art. 23, parágrafo 6º, da C.F. e Art. 2º, Paragrafo 2º, da Lei Complementar nº 24, de 07/01/75. Recurso Extraordinário Não Conhecido”. (RE 97.560, Relator Min. Soares Muñoz, Primeira Turma, julgado em 21/09/1982, DJ 08/10/1982).

35 Ementa: “ICM. Isenção. Revogação. Convênio Interestadual. A revogação de isenção do ICM concedia em convênio interestadual, resultante de ato posterior da mesma natureza, independe de lei formal para legitimar-se, mas tão somente de ratificação do convênio revogatório pelo Estado, mediante decreto (Lei complementar nº 24/75). Recurso Extraordinário conhecido e provido. (RE 106.965, Relator Min. Rafael Mayer, Primeira Turma, julgado em 25/10/1985, DJ 29/11/1985).

(13)

97

complementar

36

a revogação de uma isenção dependeria da aprovação de quatro-quintos, pelo

menos, dos representantes dos Estados convenentes.

Fazendo a leitura da referida jurisprudência do STF, Ricardo Lobo Torres observou

que “as isenções concedidas por convênio, ainda que autorizativo, só se revogam por outro

convênio, eis que no ato de conceder o benefício se esgota a autorização coletiva”.

37

A questão sobre se os convênios poderiam ser simplesmente autorizativos quanto à

concessão, sem que essa facultatividade se estendesse à revogação das isenções, também

chegou a ser abordada pelo Tribunal. Isso porque conforme dispõe o art. 4º da LC 24/75, as

isenções previstas em convênio dependem sempre da ratificação do Chefe do Poder Executivo

para sua ampla eficácia, de modo que a ratificação em si seria facultativa para os Estados

convenentes sem que esse atributo pertinente à concessão afete o regime jurídico da

revogação.

No julgamento do RE nº 96.545/SP,

38

o STF chegou a examinar o tema entendendo

que a LC 24/75 não admite a distinção entre convênios autorizativos e convênios impositivos.

Não poderiam, assim, esses instrumentos disporem o que quiserem e como quiserem, haja

vista que os próprios convênios estão subordinados ao disposto na lei complementar. Como o

texto constitucional objetivava a redução da competência tributária dos Estados, para que

adotem uma política uniforme e harmônica de isenções, evitando a “guerra fiscal”, não se

admitiria, em matéria de concessão e revogação de isenções, convênios meramente

autorizativos, que deixariam a critério dos Estados a concessão ou não, ou, na hipótese de

36 “Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. [...] § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes”.

37 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário, volume IV, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007, p. 297. Mas o autor reconhece que “os convênios interestaduais devem se aperfeiçoar segundo os mesmos mecanismos jurídicos criados para os tratados internacionais: assinados pelos Executivos estaduais, seriam submetidos à ratificação das Assembleias Legislativas. As reuniões de Governadores ou de Secretários de Fazenda promovidas para a celebração dos convênios não poderiam se transformar em assembleias legiferantes. Mas a Lei Complementar 24/75, editada em pleno período de autoritarismo político, dispensou a ratificação pelas Assembleias, atribuindo-a à própria competência dos Governadores. A doutrina, com justa razão, vem denunciando a inconstitucionalidade da medida” (p. 295). 38 Ementa: “ICM. Isenção concedida por convênio. Revogação pelo decreto estadual nº 1473/80. 1. A lei complementar nº 24/75 não admite a distinção entre convênios autorizativos e convênios impositivos. Assim, a revogação de isenção decorrente de convênio não pode fazer-se por meio de decreto estadual, mas tem de observar o disposto no parágrafo 2º do artigo 2º da referida lei complementar. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarada a inconstitucionalidade da expressao ‘bacalhau’ constante do parágrafo 21 que o decreto 14737, de 15 de fevereiro de 1980, do Estado de São Paulo acrescentou ao artigo 5º do regulamento do imposto de circulação de mercadorias, aprovado pelo decreto 5.410, de 30 de dezembro de 1974, do mesmo estado”. (RE 96.545, Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/1982, DJ 04/03/1983). No mesmo sentido: RE 98.952, Relator Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 26/11/1982, DJ 25/03/1983.

(14)

98

haver concedido a isenção, a revogarem unilateralmente. Dessa forma, seguindo o

entendimento da Corte Maior, um Estado não poderia, unilateralmente, por decreto estadual,

sequer retirar uma isenção outrora concedida se não se não for aprovado um convênio por,

pelo menos, quatro-quintos dos demais Estados.

Pela lógica adotada pela Corte, um Estado não era obrigado a ratificar o convênio do

Confaz, mas, se assim o fizesse, não poderia, através de norma posterior (lei ou decreto),

alterar os seus termos, o que só seria possível mediante a edição de novo convênio, procedida

na forma determinada pela LC 24/75. Esse raciocínio tinha respaldo, por exemplo, nas lições

de Alcides Jorge Costa, que considerava que os Estados só podem aceitar ou rejeitar os

convênios, mas jamais alterá-los, haja vista que teria havido uma transferência de poderes

legislativos para os Executivos nesse caso, sendo eles os que propõem e discutem as isenções

e suas revogações.

39

Heleno Taveira Torres critica essa posição acatada pelo Ministro Moreira Alves, por

considerá-la de cunho político, e explica que, como o poder de isentar está contido no poder

de tributar, os Estados não estão vinculados, mas autorizados pelo Confaz para criação de

isenções. Caso isso fosse admissível, estar-se-ia pressupondo prevalência dos convênios sobre

a competência dos Estados, motivo pelo qual, nas palavras de Torres, “os argumentos

aplicados pelo Ministro Moreira Alves não resistem ao menor teste de refutação, sob a égide

da própria Constituição”.

40

Ao julgar o RE 96.956/SP,

41

o Ministro relator Rafael Mayer explicou que “a própria

natureza das coisas exige que a revogação da isenção autorizada, pelos necessários reflexos

que acarreta no intercâmbio dos Estados, não dependa do arbítrio de um somente. Ademais, se

o convênio facultou que o Estado isentasse, não facultou que, tendo isentado, revogasse”. De

acordo com esse raciocínio que se firmou no STF, um Estado que ratificasse o convênio não

poderia, unilateralmente, sequer diminuir a amplitude do benefício dado. Isso pôde ser

39 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar, São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1978, p. 126.

40 TORRES, Heleno Taveira. “Isenções no ICMS. Limites formais e materiais. Aplicação da LC nº 24/75. Constitucionalidade dos chamados convênios autorizativos”. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2001, nº 72, p. 91. De fato, seguindo a lógica do autor, haveria guerra fiscal se os estados concedessem isenções sem anuência dos demais; não no caso oposto, quer dizer, se os representantes dos Estados autorizam a instituição de isenções e, mais tarde, resolvem não as implementar internamente. Além de nada se opor ao pacto federativo, é decisão que resguarda ao âmbito de exercício de competência de cada Estado. Na verdade, a liberdade de decidir do ente federado resguarda e fortalece o próprio federalismo (p. 91-93, passim).

41 Ementa: “ICM. Convênio interestadual. Isenção (revogação unilateral pelo estado). Lei complementar 24/75. Importação. Peras frescas. É ilegal e ofensivo dos arts. 1º e 2º, parágrafo 2º, da lei complementar 24/75, o ato unilateral do estado que revoga a isenção que foi concedida em razão de convenio interestadual, e sem que a revogação se autorize por convenio. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 96.956, Relator Min. Rafael Mayer, Primeira Turma, julgado em 24/08/1982, DJ 24/09/1982).

(15)

99

confirmado no julgamento da Representação por Inconstitucionalidade nº 1.364/RJ.

42

O

relator Ministro Djaci Falcão seguiu a tese de que compete ao legislador estadual, a qualquer

tempo, fixar exigências tendentes a garantir as isenções autorizadas em convênios e a facilitar

o controle e a fiscalização das operações correspondentes, mas essas normas instrumentais de

lei posterior não podem alterar o alcance da isenção, somente sendo possível com novo

convênio.

Considerando válidas as ratificações dos convênios do Confaz por atos do Poder

Executivo, colhe-se ainda vários acórdãos na década de 80, como é o caso do RE 106.796/SP,

relatado pelo Min. Cordeiro Guerra, publicado no DJ de 6/12/85, oportunidade em que a

Segunda Turma concluiu que, “quanto à ratificação, sustenta o autor prescitado, deva ser por

ato do Poder Legislativo. Entretanto, sobrevindo a Lei Complementar nº 24 [...] essa

exigência deixou de se impor, pois pelo seu artigo 4º ficou assentado, para tanto a

competência do Poder Executivo, através de Decreto”. O voto do Ministro relator Cordeiro

Guerra é particularmente interessante, uma vez que, recorrendo às razões expostas na

sentença, transcreveu trecho de conhecida obra de José Souto Maior Borges alegando que o

autor reconheceria que o convênio substitui a competência material do Poder Legislativo para

disciplinar isenções tributárias, exercendo a função de um subrogado constitucional

43

do

princípio da reserva de lei tributária formal em matéria de isenção.

44

Todavia, a posição do

42 Ementa: “[...] As isenções sobre as operações sujeitas ao ICM estão subordinadas a convênios celebrados e ratificados pelos estados, segundo o disposto em lei complementar (artigo 23, parágrafo 6, da Constituição da República). A lei impugnada contém restrições relativas aos contribuintes, sem que tenha havido modificação introduzida por novo convenio. Afronta aos artigos 23, parágrafo 6, e 153, parágrafo 1, da Lei Magna. Procedência da representação.” (Representação nº 1.364-2, Relator Min. Djaci Falcão, Tribunal Pleno, julgado em 7/4/1988, publicado em 10/6/1988).

43 Essa afirmação foi criticada por Alcides Jorge Costa: “A criação e o aumento de tributos subordinam-se ao princípio da reserva de lei (Constituição – Emenda nº 1 – artigo 153, § 29). Decorrência lógica é a aplicação do mesmo princípio às isenções (CTN, artigo 97, VI). José Souto Maior Borges entende que o convênio exerce a função de um subrogado constitucional deste princípio. Esta afirmação seria exata se os convênios dispensassem a intervenção das Assembleias Legislativas, o que não acontece, a nosso ver. O convênio deve ser ratificado ou não, pelo Legislativo estadual; desta maneira, as isenções dependem, em última análise, de lei estadual o que significa que continua aplicável o princípio da reserva da lei. O convênio é condicionante da atividade das Assembleias Legislativas. Se, por um lado, os convênios constituem uma limitação ao poder de isentar dos Estados, que não podem conceder isenções isoladamente, por outro, e dentro dessa limitação, constituem outra, aos poderes das Assembleias Legislativas, que só podem aceitar ou rejeitar convênios, mas não alterá-los. Neste sentido, houve uma transferência de poderes legislativos para os Executivos que são os que propõem e discutem as isenções e suas revogações. O que foi dito acima deve ter uma ressalva. Se aceita a tese de que a intervenção das Assembleias Legislativas não é de rigor para a validade dos convênios, então está correta a tese de Souto Maior Borges. Como ele, todavia, entende que essa intervenção é necessária, parece-nos que sua tese é ilógica” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituiç ão e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979, p. 126).

44 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 168. O trecho do livro transcrito no acórdão foi “pinçado” do contexto geral podendo levar a uma confusão quanto à posição do autor. Contudo, o texto completo demonstra claramente a posição do autor quando à necessidade de ratificação do convênio pelo Poder Legislativo. Confira-se: “Essa afirmação todavia não exclui, na hipótese, a eficácia do princípio da legalidade, porque o convênio está sujeito a ratificação. [...] A competência para isentar

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doutrinador é diversa da conclusão do acórdão, pois, para ele, a ratificação é o ponto terminal

do processo legislativo, que competiria às Assembleias Legislativas Estaduais e não ao

Governador do Estado. Para Borges, “após ratificadas, as normas isentantes que integram os

convênios valem internamente, para cada Estado participante, como lei ordinária estadual

concessiva ou revogatória de isenções do ICM”.

45

6. O modelo adotado pelo Rio Grande do Sul e a virada do entendimento do STF

A Constituição do Rio Grande do Sul – RS – prevê, em seu art. 53, inciso XXIV, que

compete exclusivamente à Assembleia Legislativa apreciar convênios e acordos em que o

Estado seja parte. Além disso, determina em seu art. 141 que a concessão de anistia, remissão,

isenção, benefícios e incentivos fiscais, bem como de dilatação de prazos de pagamento de

tributo só será feita mediante autorização legislativa.

O parágrafo único do art. 141 daquela

Carta Estadual estabelece que as isenções, os benefícios e incentivos fiscais objeto de

convênios celebrados entre o Estado e as demais unidades da Federação serão estabelecidos

por prazo certo e sob condições determinadas e somente terão eficácia após ratificação pela

Assembleia Legislativa.

Na linha desse comando, a Lei do Estado do RS nº 8.820, de 27 de janeiro 1989,

estabelece, em seu art. 28, que os convênios serão submetidos, até o quarto dia subsequente ao

da sua publicação no diário oficial da União, à apreciação da Assembleia Legislativa, que

deliberará e publicará decreto legislativo correspondente nos dez dias seguintes ao quarto dia

antes referido. Não havendo deliberação no prazo referido, consideram-se ratificados os

convênios. Embora o prazo para a apreciação da matéria pelo Poder Legislativo seja

extremamente exíguo, dificultando ou até mesmo impossibilitando a discussão do tema, e se

admita uma “ratificação tácita” das regras conveniais, certo é que o Estado do RS ao menos

possibilita a participação do Poder Legislativo na concessão dos benefícios fiscais.

do ICMS mediante convênio é, ao contrário, exclusiva e excludente da concessão ou revogação unilateral de isenções mediante lei do Estado-membro. Nesse sentido, é legítima a afirmação de que o convênio substitui a competência material do poder legislativo para disciplinar isenções tributárias, dado que a este cabe, no caso, apenas ratificar os convênios celebrados pelo poder executivo estadual. Exerce assim o convênio a função de um subrogado constitucional do princípio da reserva de lei tributária formal em matéria de isenção [...].” (fl. 168). 45 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 173. Em outro trecho, o autor confirma sua posição: “numa decorrência do princípio da legalidade tributária e sem a qual não estarão obedecidas as suas exigências solenes, o sistema da Constituição [de 1967] exige sejam os convênios ratificados pelas Assembleias Legislativas Estaduais. É portanto manifestamente inconstitucional a prática de ratificação dos convênios mediante Decreto do Poder Executivo” (p. 173).

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101

No julgamento do RE 539.130,

46

em que se debateu o tema, a relatora do processo,

Ministra Ellen Gracie, entendeu ser necessária a celebração de convênio no âmbito do Confaz

e a publicação de decreto legislativo, que consolida e viabiliza a benesse fiscal. Na hipótese,

apesar da previsão, na legislação do Estado do RS, de uma possível ratificação tácita, teria

havido efetiva ratificação, mediante decreto legislativo, do Convênio nº 91/1991, que

concedeu a benesse fiscal, motivo pelo qual não houve impugnação específica quanto à

legislação daquele Estado. Todavia, em voto-vista, o Ministro Joaquim Barbosa,

manifestou-se especificamente sobre a questão da ratificação tácita, entendo-a inadmissível. Assim manifestou-se

manifestou o Ministro a esse respeito:

Chamou-me a atenção no debate a afirmação constante na ementa do acórdão recorrido da existência de norma local que permitiria a ratificação tácita dos convênios.

É imprescindível resgatar a função que a regra da legalidade tem no sistema constitucional. Cabe ao Poder Legislativo autorizar a realização de despesas e a instituição de tributos, como expressão da vontade popular. Ainda que a autorização orçamentária para arrecadação de tributos não mais tenha vigência (“princípio da anualidade”), a regra da legalidade tributária estrita não admite tributação sem representação democrática. Por outro lado, a regra da legalidade é extensível à concessão de benefícios fiscais, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. Trata-se de salvaguarda a atividade legislativa, que poderia Trata-ser frustrada na hipóteTrata-se de assunto de grande relevância ser tratado em texto de estatura ostensivamente menos relevante. A história pátria contém registros do que se convencionou chamar de “caudas tributárias” e de “caudas orçamentárias”.

Neste ponto, entendo que o fundamento adotado pelo acórdão recorrido é equivocado. Não pode o Poder Legislativo delegar atividade que lhe é inerente, sob pena de usurpação e de ou de abdicação dos poderes inerentes a uma das três Funções do Estado. Por mais de uma vez esta Corte decidiu que “a outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributaria só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa”.

Sobre a edição de lei, o Ministro entendeu que, “especificamente para a concessão de

benefícios relativos ao ICMS, dou à palavra ‘lei’ interpretação mais ampla, de modo a

significar ‘legislação tributária’. [...] Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de

cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio”.

E a

46 Ementa: “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVÊNIO ICMS 91/91. ISENÇÃO DE ICMS. REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE LOJA FRANCA. ‘FREE SHOPS’ NOS AEROPORTOS. PROMULGAÇÃO DE DECRETO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido”. (RE 539.130, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe 04-02-2010).

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