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Resenha de BERTOLACCI, Amos. "The Reception of Aristotle's Metaphysics in Avicenna's Kitab al-Sifa: a Milestone of Western Metaphysical Thought"

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Academic year: 2021

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RESENHA

BERTOLACCI, Amos. The Reception of Aristotle’s Metaphysics in Avicenna’s Kitāb al-Šifā’: a Milestone of Western Metaphysical Thought. Leiden: E. J. Brill, 2006. (Islamic Philosophy, Theology and Science: Texts and Studies, vol. LXIII)

TADEU MAZZOLA VERZA

Departamento de Filosofia Universidade Federal da Bahia SALVADOR, BA tmverza@uol.com.br

Em 1988, Dimitri Gutas publicou Avicenna and the Aristotelian Tra-dition: Introduction to Reading Avicenna’s Philosophical Work1, obra fundamen-tal para o estudo de Avicena por dois motivos. Primeiro, ela estabelece a metodologia e ressalta as questões que passam a orientar os estudos pos-teriores de Avicena. Segundo, ela refuta categoricamente a posição,

de-fendida por Goichon2, Afnan3 e Nasr4, de que a verdadeira filosofia de

Avicena seria “Oriental”, ou seja, mística e não aristotélica. Gutas prova que Avicena se reconhece herdeiro da tradição aristotélica e nela se situa.

1 GUTAS, D. Avicenna and the Aristotelian Tradition: Introduction to Reading

Avicenna’s Philosophical Work. Leiden: Brill, 1988.

2 Encyclopedia of Islam 2, III, 941b-944a.

3 AFNAN, S. M. Avicenna, His Life and Works. London, George Allen; Unwin Ltd., 1958.

4 NASR, S. H. An Introduction to Islamic Cosmological Doctrines: Conceptions of

Na-ture and Methods used for Its Study by the Ikhwan Al-Safa, Al-Biruni and Ibn Sina. New

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Das bases assentadas por Gutas, nascem duas obras importantes para os estudos de Avicena: a de Robert Wisnovski, Avicenna’s Metaphysics in

Context5, que investiga Alexandre, Temístio, Amônio e Filopono, entre

outros, como fontes da noção de causalidade em Avicena e no sistema aviceniano, principalmente na Ilahiyyat (Metafísica da Shifa); e a de Amos Bertolacci, que se reconhece herdeiro das bases assentadas por Gutas (p. xi).

O livro de Bertolacci “tem como objetivo proporcionar uma ex-plicação, o quanto possível completa, do uso da Metafísica de Aristóteles na Ilahiyyat de Avicena. Da perspectiva da Metafísica, a presente investigação pode ser considerada como um estudo de sua influência em um dos mais importantes filósofos árabes. Da perspectiva da Ilahiyyat, é antes uma análise de sua principal fonte (a Metafísica), e das mudanças que esta sofreu de modo a ser ajustada ao programa metafísico de Avicena. No caso da Ilahiyyat, assim como de outras obras de avicenianas, o estudo das fontes está intimamente vinculada à apreciação da originalidade de Avi-cena” (p. xii).

O livro divide-se em três partes e contêm seis anexos. A primeira parte possui três capítulos, que tratam, respectivamente, das traduções

árabes da Metafísica6, da influência de al-Kindi e al-Farabi na leitura de

Avicena dessa obra7 e do papel do Maqala fi agrad ma ba’ad l-tabi’a

(Trata-do sobre os objetivos da Metafísica), de al-Farabi, no entendimento de

5 WISNOVSKI, R. Avicenna’s Metaphysics in Context. London: Duckworth, 2003.

6 Versão de BERTOLACCI. On the Arabic Translations of Aristotle’s

Meta-physics. Arabic Science and Philosophy 15, 2005: 241-275.

7 Versão de BERTOLACCI. From al-Kindi to al-Farabi: Avicenna’s Progres-sive Knowledge of Aristotle’s Metaphysics according to his Autobiography. Arabic

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Avicena do conjunto dos livros da Metafísica8. A segunda parte trata do

modo pelo qual Avicena considera a forma da Metafísica. Essa parte divi-de-se em quatro capítulos que tratam, respectivamente, do tema dessa

disciplina, sua estrutura9, seu método e sua vinculação com outras

ciên-cias. A terceira parte trata do uso que Avicena faz da Metafísica, e divide-se em quatro capítulos que apresentam: uma listagem anotada de “todas as citações da Metafísica na Ilahiyyat” (p. xiii), uma análise da reelaboração de Avicena dos livros Γ (IV)10 e Β (III)11 e, por fim, as fontes não aristotéli-cas da obra.

Quanto à primeira parte, além de defender que o texto de Avicena é testemunho de traduções da Metafísica que não sobreviveram e das quais só se pode inferir a existência por tal texto, a principal tese de Bertolacci é a de que Avicena teve contato de duas formas diferentes com a obra de Aristóteles. Analisando a autobiografia de Avicena, o autor defende que, em um primeiro momento, ele conheceu da Metafísica apenas as “partes essenciais” (fusus), ou seja, α (II) 1-2, e Λ (XII) 6-10, assim como os co-mentários à Λ de Temístio e Alexandre de Afrodisias, sendo que o modo

8 Versão de BERTOLACCI. Ammonius and al-Farabi: The Sources of

Avicenna’s Concept of Metaphysics. Quaestio 5, 2005: 287-305.

9 Versão de BERTOLACCI. The Structure of Metaphysical Science in the

Ilahiyyat (Divine Science) of Avicenna’s Kitab al-Sifa (Book of cure). Documenti e Stidi sulla Tradizione Filosofica Medievale 13, 2002: 1-69.

10 Versão de BERTOLACCI. La ricezione del libro Γ della Metafísica

nell’Ilahiyyat del Kitab al-Šifa di Avicenna. In: CELLUPRICA; D’ANCONA

(Eds.). Aristolete e i suio esegeti neoplatonici. Logica e ontologia nelle interpretazione greche e

arabe (Atti del convegno internazionale, Toma, 19-20 ottobre 2001). Napoli:

Bibliopolis, 2004.

11 Versão de BERTOLACCI. The Reception of Book B (Beta) of Aristotle’s

Metaphysics in the Ilahiyyat of Avicenna’s Kitab al-Šifa. In: MCGINNIS;

REIS-MAN (Eds.). Interpreting Avicenna: Sicence and Philosophy in Medieval Islam. Proceed-ings of the Second conference of the Avicenna Study Group. Leiden: E. J. Brill, 2004: 157-174.

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de integrar essas passagens segue a leitura efetuada por al-Kindi em seu Kitab al-falsafa al-ula (Livro sobre filosofia primeira), para quem a metafísi-ca era identifimetafísi-cada a teologia. Em um momento posterior, Avicena passa a conhecer toda a Metafísica (exceto A (I) e N (XIV)), o que explicaria sua confusão frente ao texto, conforme expressa na exaustivamente citada

passagem de sua autobiografia12, confusão esta apenas sanada quando da

leitura do Tratado sobre os objetivos da Metafísica de al-Farabi. Bertolacci fornece uma tradução integral dessa obra, o que é inédito, e defende que o modo pelo qual al-Farabi descreve a estrutura do texto da Metafísica e relaciona o conteúdo dos livros (pesadamente inspirado em Amônio) influencia Avicena em sua consideração da metafísica como uma discipli-na que não se limita à teologia.

No que concerne à segunda parte, o foco de investigação é a “re-forma” (p. 107) que Avicena opera na Metafísica: ele considera que o perfil epistemológico da disciplina expressa por essa obra é imperfeito e que, portanto, demanda uma nova forma, de modo a tal disciplina poder se transformar efetivamente em ciência. Segundo Bertolacci, o modo de Avicena realizar tal projeto passa, num primeiro momento, pela defesa de que a metafísica não trata primariamente de Deus (conforme defendia al-Kindi) ou do existente (mauwjud), conforme al-Farabi, mas que é antes de tudo uma síntese entre teologia e ontologia na medida em que seu sujeito (mawdu’a) é o existente enquanto existente e seu objeto (matlub) é o co-nhecimento de Deus, e prossegue pelo rearranjo da estrutura da Metafísica conforme as espécies, propriedades e princípios do existente, pela intro-dução de novos modos de argumentação, como as provas por divisão e classificação, e finda na relação da metafísica com as outras disciplinas, quais sejam, a lógica, a filosofia da natureza, a matemática e a filosofia

12 GOHLMAN. The Life of Ibn Sina: A Critial Edition and Annotated Translation. New Yourk: SUNY, 1974, p. 33. Cf. GUTAS, D. Avicenna and the Aristotelian

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prática. Nesse percurso, Bertolacci preocupa-se em fornecer as fontes que orientam o projeto de Avicena, voltando sua atenção principalmente para os comentadores antigos de Aristóteles.

Ressalta-se nessa parte da obra o quinto capítulo, designado “Avicenna’s Reworking of the Structure of the Metaphysics: Metaphysics as the Discipline Dealing with the Species, the Properties and the Princi-ples of ‘Existent’”. Nele, Bertolacci defende (e em vista disso divide a obra) que a estrutura da Ilahiyyat repousa verticalmente em dois eixos, que representam o existente enquanto existente e o uno e múltiplo que, por sua vez, são cortados horizontalmente por quatro outros: sujeito, espécie, propriedades e causas. Assim, o primeiro eixo é designado “Ontologia” e trata do existente como sujeito da metafísica – e, nesse caso, de seu papel de primeiro princípio, sua divisão de necessário e contingente e sua rela-ção com os axiomas –, das espécies de existentes (ou seja, nas categorias de substância, qualidade, quantidade, etc.), das propriedades do existente (ou seja, seus acidentes, atributos, estados, etc, e nesses casos trata do ato e da potência, da anterioridade e posterioridade, do perfeito e do imper-feito, do universal e do particular e causa e causado) e de suas causas (Deus e as causas primeiras). Paralelamente ao eixo do “existente”, o eixo do uno e do múltiplo recebe um tratamento relativo a suas espécies e propriedades: no primeiro caso trata-se do um por acidente e do um pela essência, do múltiplo absoluto e do múltiplo relativo; no segundo, trata-se dos concomitantes, acidentes e próprios do uno e do múltiplo. O pro-pósito de Bertolacci com essa divisão é mostrar que as linhas horizontais e o eixo ontológico da estrutura da Ilahiyyat são baseados nos Segundos analíticos, na medida em que este expressa “a idéia de que cada ciência tem seu sujeito e investiga as espécies e as propriedades desse sujeito” (p. 210), e que o eixo henológico, ainda que derive da Metafísica, tem seu conteúdo matizado pela doutrina neoplatônica do Uno como primeiro princípio e pelo tawhid Allah, o dogma islâmico da profissão da unidade

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de Deus. A estrutura seria, portanto, sincronicamente, uma síntese das diversas tradições e, diacronicamente, seria original.

Quanto à terceira parte da obra, ela é antes de tudo um meticuloso trabalho de listagem e descrição não apenas das citações da Metafísica na Ilahiyyat, separadas por tipos e traduções, como também de análise da ordem dessas citações, vistas tanto da perspectiva da “reforma” quanto em função da estrutura apresentadas na segunda parte. Esse trabalho é levado ao extremo na análise dos livros Γ (IV) e Β (III). Quanto ao pri-meiro, o objetivo de Bertolacci é mostrar que tal livro é uma espécie de ferramenta por meio da qual Avicena transforma a Metafísica, na medida em que tal livro forneceria os fundamentos para a metafísica como ciên-cia, conforme desenvolvido nos primeiros capítulos da Ilahiyyat. Quanto à análise de Β (III), o objetivo de Bertolacci é mostrar que a concepção de Avicena de metafísica como uma ciência demonstrativa faz com que ele nunca apresente as aporias de Β (III) como problemas, e que é o modo de proceder de Β (III) que reflete a preocupação de Avicena em compor uma obra seletiva em seu conteúdo, concisa na exposição, não ambígua no conteúdo e original na estrutura.

Por fim, outro ponto que deve ser destacado é a lista de correções (anexo I) à edição do Cairo, de 1960, da Ilahiyyat. Esta lista não se limita a uma correção de erros de leitura ou impressão, mas Bertolacci compara a edição com outros manuscritos não levados em conta por ela e estabelece

uma metodologia para uma futura edição crítica da obra13.

Mcginnis escreve14 que o livro de Bertolacci é o melhor e o pior

dos livros sobre Avicena. O pior porque suas seiscentas e setenta e cinco

13 Bertolacci informa que sua tradução para o italiano (à sair) do texto levará em conta essas alterações.

14 MCGINNIS, Jon. Review of Bertolacci, Amos. The Reception of Aristotle’s Metaphysics in Avicenna’s Kitāb al-Šifā’: a Milestone of Western Metaphysical Thought (mimeo).

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páginas estão repletas do mais minucioso e técnico detalhamento, de modo que se corre o risco de perder a trilha pela quantidade de árvores. O melhor porque suas seiscentas e setenta e cinco páginas estão repletas do mais minucioso e técnico detalhamento, de modo que se sabe exata-mente o quê, da Metafísica, Avicena usa na Ilahiyyat e como isso se reflete em sua obra. Por bem ou por mal, o livro coroa os esforços recentes de análise da metafísica aviceniana.

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