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Educação do corpo: técnica e estética no esporte paralímpico

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Academic year: 2021

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EDUCAÇÃO DO CORPO:

TÉCNICA E ESTÉTICA NO ESPORTE PARALÍMPICO

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Doutora em Educação sob a orientação do Profº. Dr. Alexandre Fernandez Vaz.

Florianópolis – SC Abril de 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Torri, Danielle

Educação do Corpo : Técnica e Estética no Esporte Paralímpico / Danielle Torri ; orientador, Alexandre Fernandez Vaz, 2019.

216 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Educação. 2. Corpo. 3. Esporte Paralímpico. 4. Técnica. 5. Estética. I. Fernandez Vaz, Alexandre. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

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Bordar, num pano de linho

Um poema tambor que desperte o vizinho. Pintar, no asfalto e no rosto

Um poema alvoroço que adormeça a cidade. Dançar com tamancos na praça Cantar, porque um grito já não basta

Esfarrapados, banguelas e Meninos de rua, poetas, babás. Vistam seus trapos, abram os teatros,

É hora de começar:

Alerta, desperta, ainda cabe sonhar. Alerta, desperta, ainda cabe sonhar.”

Da cantata “Um bastidor de utopias”.

Coragem, a vida é feita de coragem!

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Para D. Vitalina Antonieta Torri, a mulher, analfabeta, que ousou sonhar com uma família letrada.

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À minha família que não mediu esforços para que eu entregasse esse trabalho. Ao meu pai, fã incondicional das filhas. Seu olhar terno, cheio de orgulho, levarei para sempre comigo. É meu maior título. À Minha mãe que viu a filha praticamente fugir de casa para estudar e entendeu que esse era o único caminho que eu precisava seguir. Minhas irmãs queridas, que estão sempre do meu lado me incentivando. E minha vó, D. Vita que, mesmo sem poder estudar porque nasceu mulher, leva sabedoria por onde passa.

À minha família da ilha: Sandra, D. Zilma, Gisele, Isadora, Michelle e Fernando. Vocês foram meu porto seguro todos esses anos. Essa ligação é para sempre.

À Meus amigos queridos: Weyder, Cris, Silvia, Giliane, Maivi, Cristiano, Lisandra.

Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea por toda a trajetória, desde 2002. Principalmente aos meus colegas de grupo de esporte: Cristiano, Veronica, Lisandra, Daniel, Wagner e Claudia, Patricia que, não aguentam mais ouvir falar em esporte Paralimpíco.

Ao Jaison, por ter-me “iniciado” nos caminhos da pesquisa; me apresentado aos estudos do corpo. Meu primeiro parceiro de pesquisa e escrita.

Aos atletas e técnicos que gentilmente se dispuseram a permitir que estivesse com eles durante todo esse tempo. Meu muito, muito, obrigado.

E Principalmente, ao meu orientador, Alexandre, que me estendeu a mão uma segunda vez. Que não desistiu, quando eu já havia quase desistido. Que trabalhou janeiro junto comigo, abrindo mão das férias. Que teve paciência e calma. Pela caminhada generosa. Pelos ensinamentos, pelas horas no computador, mesmo do outro lado do mundo. Sou imensamente grata por ter feito essa caminhada junto contigo, desde a graduação. Que continuemos seguindo, jogando, falando de futebol, discutindo esporte, nessa nova jornada. Te levarei comigo para sempre!

Agradeço ainda à CAPES, pela concessão da bolsa de estudos, sem a qual a realização dessa pesquisa seria prejudicada.

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O presente trabalho compreende o esporte como índice de nossa sociedade e estrutura modelar que participa de uma pedagogia corporal contemporânea. Esta se define por um intenso controle do corpo conforme expectativas de beleza e rendimento. A partir desse entendimento, ganham especial atenção corpos que não normativos, porque entendidos como deficitários, deficientes e ainda mais afastados do modelo ideal de perfeição. Desse modo, interessamo-nos principalmente por aquilo que o esporte pode dizer sobre a sociedade, em sua expressão corporal, analisando pedagogias do corpo que nele se estruturam, mais especificamente o esporte para pessoas com deficiência. Debruçamo-nos sobre o processo de incorporação técnica no esporte paralímpico, nos seguintes planos: na relação dos atletas com seu próprio corpo, tomado como objeto de domínio pelo treinamento esportivo; no entrelaçamento entre rendimento x beleza proporcionado pela técnica; na estética colocada para o corpo deficiente no esporte; nas aproximações e distanciamentos entre os esportes olímpico e paralímpico. A análise de dados foi realizada por meio de categorias articuladoras, resultado do cruzamento entre os objetivos da pesquisa e as expressões próprias do objeto investigado. Elegemos para nossas observações empíricas modalidades dos esportes paralímpicos: o atletismo, na prova de salto em altura categoria T42; o basquete em cadeira de rodas, e a natação. Ao conjunto de observações somou-se a realização de cinco entrevistas semiestruturadas com atletas e técnicos. Também como observações-piloto, assistimos aos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 e acompanhamos a mídia escrita sobre o evento. Os resultados nos indicaram 1) uma tensão referente às condições formais de chance no esporte paralímpico, colocada principalmente para a prova de atletismo, mas também, em menor grau, presente nas outras duas modalidades. 2) O entrelaçamento entre beleza e rendimento produzido pelo corpo com deficiência, fruto de intenso treinamento na busca da perfeição do gesto técnico. 3) Relações de intenso domínio corporal, dado pelo treinamento exaustivo, resultando na produção da dor, mas, também, na possibilidade de uma reconciliação entre o sujeito e sua natureza tomada como objeto. 4) Um hibridismo entre cadeira e atleta, em que a primeira,

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esporte olímpico e paralímpico. 6) A Possibilidade de o esporte para pessoas com deficiência comportarem Corpos e Práticas

Dissonantes e desse modo conformarem uma nova possibilidade

estética e talvez política que afirme a deficiência como diferentes formas corporais de estar no mundo. Por fim, aponta-se caminhos ainda pouco percorridos na análise do fenômeno, com elementos que o esporte paralímpico e também aquele praticado por pessoas sem deficiência podem oferecer como expressão social do tempo atual.

Palavras Chaves: Educação do Corpo; Esporte Paralímpico; Estética; Gumbrecht; Corpo; Técnica.

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The present work comprehends sport as an index of our society and a modeling structure that participates in a contemporary corporal pedagogy. It is defined by an intense control of the body according to expectations of beauty and output. From this point of view, special attention is paid to non-normative bodies, because they are understood as disabled, and even further away from the ideal model of perfection. In this way, we are mainly interested in what sport can say about society, in its corporal expression, analyzing pedagogies of the body that are structured in it, more specifically the sport for people with disabilities. We focus on the process of technical incorporation in Paralympic sport, in the following plans: in the relation of the athletes with their own body, taken as an object of mastery by the sports training; in the interweaving between output x beauty, provided by the technique; in the aesthetics placed for the disabled body in the sport; in the approaches and distances between Olympic and Paralympic sports. Data analysis was performed through articulating categories, a result of the cross - matching between the research objectives and the expressions of the investigated object. We chose for our empirical observations modalities of the Paralympic sports: the athletics, in the high jump test category T42; wheelchair basketball, and swimming. The set of observations included five semi-structured interviews with athletes and technicians. In addition, as pilot observations, we attended the Paralympic Games of Rio de Janeiro in 2016 and followed the written media about the event. The results showed us 1) a tension regarding the formal conditions of chance in the Paralympic sport, placed mainly for the athletics test, but also, to a lesser extent, present in the other two modalities. 2) The interweaving between beauty and output produced by the disabled body, regarding the intense training in the pursuit of the perfection of the technical gesture. 3) Relationships of intense corporal dominance, given by exhaustive training, resulting in the production of pain, but also in the possibility of a reconciliation between the subject and his/her nature taken as an object. 4) Hybridism between chair and athlete, in which the first one, understood as a prosthesis, seems to have a certain protagonism. 5) The presence of gender and amateurism issues that bring Olympic and Paralympic sports closer together.

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and perhaps political possibility that affirms the disability as different corporal forms of being in the world. Finally, there are some paths that have not been covered yet in the analysis of the phenomenon, with elements that Paralympic sport and also the ones practiced by people without disabilities can offer as social expression of the current time.

Key words: Paralympic Sports; Aesthetics; Gumbrecht; Body; Techinics.

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Figura 01 ... 83

Figura 02 ... 130

Figura 03 ... 131

Figura 04 ... 161

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1. DA CENTRALIDADE DO CORPO: UMA INTRODUÇÃO ... 19

1.1. ESPORTE PARALÍMPICO: EXPECTATIVAS DE INCLUSÃO E DE SUPERAÇÃO ... 26

1.2. A DEFICIÊNCIA: MODELO MÉDICO E MODELO SOCIAL ... 34 1.3 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ... 39 1.3.1 Corpos ... 43 1.3.2 Instrumentos ... 45 1.3.3 Graça e sofrimento ... 47 1.4 BELEZA E EFICIÊNCIA ... 48

1.5 JOGOS PARALÍMPICOS E OLÍMPICOS: UMA APROXIMAÇÃO TECNOLÓGICA ... 57

1.6. QUESTÕES METODOLÓGICAS: A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA ... 65

2. SALTAR COM DEFICIÊNCIA, COM EFICIÊNCIA ... 69

2.1. A SUPOSTA IGUALDADE FORMAL DE CHANCES ... 74

2.2. A BELEZA PROPORCIONADA PELA TÉCNICA BEM EXECUTADA E PELO TREINAMENTO DURO ... 81

2.3. TREINAMENTO: DOMÍNIO DO CORPO E DOR ... 92

3. BALÉ SOBRE RODAS ... 105

3.1. O CORPO COMO EXTENSÃO DA CADEIRA: EFICIÊNCIA E DEFICIÊNCIA NO JOGO E NA VIDA DIÁRIA ... 115

3.2. O ESPORTE PARALÍMPICO: UM “CIRCO DE HORRORES” OU POSSIBILIDADE DE UMA OUTRA ESTÉTICA? ... 123

3.3. GÊNERO, AMADORISMO, RENDIMENTO E PARTICIPAÇÃO: CENAS DE UM MESMO FENÔMENO ... 140

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4. O CORPO E A ÁGUA ... 157 4.1 TÉCNICA E CORPOS DISSONANTES: UMA NOVA POSSIBILIDADE POLÍTICA E ESTÉTICA? ... 173

5. CONTINUAR JOGANDO, SALTANDO, NADANDO ... 181 5.1 UMA OUTRA ESTÉTICA PARA CORPOS NÃO

NORMATIVOS? ... 185 5.2. EFICIÊNCIA, DEFICIÊNCIA ... 190 5.2.1. Um esporte de segunda categoria? ... 190 5.3 UMA ESTRUTURA MODELAR QUE REPETE O

ESPORTE OLÍMPICO... 192 5.4 DA CENTRALIDADE DO CORPO: CONCLUIR ... 198

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1. DA CENTRALIDADE DO CORPO: UMA INTRODUÇÃO O modelo de sociedade que compartilhamos hoje parece ser o desiderato das teorias que o frankfurtianos, em especial Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Max Horkheimer e Walter Benjamin, apontavam em seus textos na década de 1960. Um mundo intensamente “esclarecido”1, globalizado, no qual várias fronteiras da comunicação foram derrubadas e permitem que nossas vozes e imagens se desloquem em velocidade impressionante por quase todos os lugares do planeta. Uma sociedade em que a melhoria tecnológica parece estar atingindo seu ápice, pois, mais do que nunca as máquinas permeiam o trabalho humano e imprimem níveis avançados de incremento industrial. Este avanço, contudo, parece não permitir que o gênero humano alcance o mesmo desenvolvimento, pois crianças ainda perecem de fome em vários países, a guerra é sempre uma possibilidade, e as formas de dominação do homem pelo homem ainda persistem.

Nosso corpo segue neste mesmo processo, pois está cada vez mais cibernético, modificado com próteses, aumentado, diminuído, colorido com tintas, perfurado, mas, acima de tudo,

aperfeiçoado em seu rendimento. Nada lembra corpos

malcuidados, doentes, embora boa parte da humanidade siga com este modelo corporal – o da miséria e depauperação. Quase tudo, no entanto, parece ser possível hoje (e desejado) para aprimorar os corpos. Grande parte das predições dispensadas ao corpo para a melhora do seu desempenho, seguindo o modelo de rendimento em que a maioria da população parece se inspirar, faz parte de um fenômeno que no contemporâneo alcança enorme espaço, qual seja, o esporte.

1 Para os frankfurtianos, principalmente Adorno e Horkheimer, (mas também Benjamin), esclarecimento (Aufklärung), discurso filosófico da civilização ocidental, tinha como principal programa o desencantamento do mundo, como interpreta Weber: substituir a imaginação pelo saber, fazer valer o livre uso da razão. Entretanto, segundo os autores, esse esclarecimento acaba por dissolver-se em novo estágio mitológico ao reverter-se em puro cálculo, repetição. Para esses Autores, na tentativa de libertar os homens do medo e torna-los senhores, a racionalidade recaiu no mito e a prometida emancipação fracassou.

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Este é um fenômeno social moderno, por muitos considerado uma expressão da mais eficiente performance humana, dos ideais de beleza atlética, daquele que supera adversidades e que não é perdedor. Os feitos dos atletas superam a condição individual, sendo por vezes considerados conquistas da humanidade. Diz-se, por exemplo, que “o homem” correu uma certa distância abaixo de um determinado tempo, mesmo que apenas uma pessoa – quase sempre do sexo masculino – o tenha feito. Gênero, geração, nacionalidade, etnia, ter ou não deficiência, entre tantas outras possibilidades, balizam e fazem oscilar a individualidade e a universalidade esportiva.

O que mais claramente se apresenta no esporte é um misto entre uma tradição que opera mais no discurso que na realidade - afirmando que há algo de essencial no esporte ligado às práticas corporais gregas - e uma grande espetacularização (TORRI, 2008).

Como afirmamos, o fenômeno esportivo parece tornar-se um dos veículos privilegiados nesse processo de potencialização corporal do qual a Educação Física, como disciplina escolar, também participa. Os dois fenômenos, Esporte e Educação Física (aquele como conteúdo desta) fazem parte de uma espécie de

pedagogia corporal (VAZ, 2002) que juntamente com outros

discursos, confirma um papel positivo e inquestionável atribuído às práticas corporais. O esporte torna-se cura para vícios, para a obesidade, para a má qualidade de vida, para o tabagismo, o sedentarimo, a preguiça. Ele é responsabilizado pela formação de hábitos saudáveis e também pela inclusão social. Por meio dele se integram os indivíduos que, ocupando suas horas de lazer, devem vivenciá-lo, seja praticando ou mesmo assitindo-o como fenômeno espetacular. Desse modo a Educação Física escolar participa de uma “manobra de guerra” contra a falta de disciplina corporal, o ócio e a falta de vontade. Um exemplo desse processo é a presença massiva e hegêmonica do esporte como referência primeira nas aulas de Educação Física na escola (TORRI, 2008).

Por outro lado, somam-se também ao esporte as academias de ginástica e musculação, as cirurgias plásticas, as clínicas de beleza. À essas práticas parecem corresponder métodos e técnicas que pretendem otimizar o corpo. Estas operam conforme indicações que afirmam como ele deve ou não ser. Boa parte delas veiculam-se, mas também, se sustentam, por meio das revistas ilustradas (ALBINO; VAZ, 2008), e pela mídia televisiva, o que nos

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sugere, como afirmamos acima, a presença de uma educação do

corpo (VAZ, 2002), presente nos mais variados tempos e espaços

da sociedade atual, sempre mediada pela técnica.

O corpo é matéria por excelência do esporte. Esse fenômeno se enquadra no mesmo binômio amor/ódio dispensado ao corpo analisado por Horkheimer e Adorno (1985), pois é objeto de culto, de beleza, que é conquistada com muito treinamento, mas que opera, de certa forma, na destruição e violência corporal, pois o esporte toma o corpo como objeto, como matéria moldável que pode ser manipulada em nome da performance e da beleza atlética, tão admiradas e cultuadas. Essa construção opera pela dureza do treinamento esportivo.

Por um lado, o esporte faz uma ode à superação, ao fair play, à beleza, mas também permite o preconceito, a menoridade esportiva atribuída às mulheres, o embrutecimento masculino e a precocidade do treinamento. Entretanto, o esporte segue alistando para suas fileiras crianças, adultos, idosos os indígenas (sua mais nova aposta), e também as pessoas com deficiência.

O esporte tem sido objeto de pesquisas importantes, dentre as quais destacamos as exemplares análises deste fenômeno moderno realizada por Norbert Elias e Eric Dunning (1992). Estes situam o esporte como um espaço de expressão controlada da violência e de busca da excitação, com o uso legítimo da primeira2, e o controle das emoções. Da mesma forma, várias outras abordagens se dedicam a entender esse fenômeno social. Este espraiamento nos parece poder classificá-lo, com a ajuda de Mauss (2003), como um fato social total, compreendendo que este fenômeno só é explicado completamente na síntese de várias dimensões, nunca se esgotando completamente com o estudo de uma só área de conhecimento. Dessa forma podemos dizer que o esporte tem uma série de aspectos que tanto podem interessar à Economia, como à Geografia, à História, à Psicologia, à Sociologia, à Filosofia, à Medicina. Não é diferente com a Educação.

Essa vinculação do esporte com várias faces da sociedade se mostra também na crescente esportivização da vida, observada

2 É importante destacar que embora os autores apontem o esporte como importante meio civilizador no controle da violência, não discutem a extrema violência infringida ao corpo no processo de treinamento desportivo.

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no fato de que todas as dimensões de nossa existência precisam ser ranqueadas e estar adequadas aos padrões ascendentes, com o desempenho tornando-se o mais importante. A sexualidade é motivo de disputa, o trabalho é feito de rankings, práticas como as danças e as lutas se tornam esportes, os recordes são sempre bem-vindos e é esperado que sejam quebrados. Todos os corpos devem sempre competir uns com os outros e consigo mesmos em busca dos próprios recordes.

Como expressão dessa esportivização, a beleza, o desempenho e a suposta saúde proporcionada pelo esporte, parecem tornar-se índices ou parâmetros a serem seguidos no contemporâneo, sem que ninguém deixe de ser arregimentado por eles. A grande expressão estética e atlética desse fenômeno são os Jogos Olímpicos, que apresentam o que há de mais belo e de mais alto desempenho no esporte. E se esses são índices indicados para toda a sociedade, todos são convidados para deles participarem. Desse modo, várias práticas que anteriormente não estavam contempladas nas Olimpíadas têm sido colocadas para dialogar com a normatização olímpica. Uma dessas expressões são os Jogos para as pessoas com deficiência, as chamadas Paralimpíadas, que no Brasil, mas não somente, têm recebido especial atenção.

As Paralimpíadas são um conjunto de esportes adaptados para pessoas com deficiência que acontecem logo após a realização das Olimpíadas, na mesma cidade sede. Inicialmente nascido para a reabilitação dos soldados mutilados na guerra, esse acontecimento cresce em importância a cada dia, com o discurso de objetivar a inserção de pessoas com deficiência no mundo esportivo. Esta inclusão consiste na incorporação de corpos que se encontram fora dos padrões de normalidade (física, fisiológica, social) estipulados socialmente e reafirmados pelo esporte para pessoas sem deficiência. Assim, as Paralimpíadas corroboram o mesmo discurso esportivo, do desempenho, da potencialização corporal e da beleza atlética, quando os corpos e as performances dos atletas são tomados como índice de graça e perfeição, se aqui podemos seguir as análises de Hans Ulrich Gumbrecht (2007).

Ao compreendermos o esporte como índice de nossa sociedade, por aquilo que ele pode dizer sobre ela em sua expressão corporal, esta pesquisa dedica-se a estudar esse fenômeno social moderno que se apresenta potencializado pela

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técnica e pelo treinamento, analisando algo da educação do corpo que nele se estrutura, mais especificamente o esporte para pessoas com deficiência. Debruçamo-nos sobre uma face do esporte, qual seja, o processo de incorporação técnica no esporte paralímpico, nos seguintes planos:

1. Na relação dos atletas com seu próprio corpo, tomado como objeto de domínio pelo treinamento esportivo; 2. No entrelaçamento entre rendimento x beleza

proporcionada pela técnica;

3. Na estética colocada para o corpo deficiente no esporte paralímpico, inspirados nos escritos de Hans Ulrich Gumbrecht, 2007).

4. Nas aproximações e distanciamentos colocados para o esporte olímpico e paralímpico.

Entendemos que educar o corpo é conformá-lo a partir de práticas específicas com vistas, na maioria das vezes, a um padrão de normalidade. Desse modo, ao pretendermos nos dedicar a mais bem entender o esporte em sua forma paralímpica, fazemo-lo na perspectiva de que a forma do esporte para pessoas com deficiência traz algo ainda pouco pesquisado em si mesmo, mas que também demonstra o ponto chave do processo pelo qual passa o esporte, que é a tendência à mecanização do corpo.

Também destacamos o fato de esta pesquisa procurar uma dimensão importante no esporte, qual seja, a estética, visto que o código vitória-derrota ainda é muito presente como expressão única nesta prática, inclusive escolar. A dimensão estética traz algo mais ao esporte e também, para sua presença na escola,

para além de uma funcionalidade ou produção, o que agrega um

valor formativo a este tema central da Educação Física Escolar. Assim, é importante pensá-lo como conteúdo: “na sua complexificação, [que] significa desconstruí-lo e reconstruí-lo como conhecimento a ser trabalhado nas aulas de educação física” (VAZ, 2010, p. 103).

Uma expressão importante deste processo são as Paralimpíadas Escolares, que vem sendo realizadas desde 2009 e têm por finalidade declarada estimular a participação dos estudantes com deficiência física, visual e intelectual em atividades esportivas das escolas do território nacional, promovendo mobilização em torno do esporte. Trata-se de uma competição organizada pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) que reúne estudantes com deficiência que disputaram oito

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modalidades: atletismo, natação, bocha, futebol de sete, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, judô e goalball. No site do Comitê Paralímpico, disponível em uma rede social se encontra o seguinte: “É um evento que tem objetivos muito claros: formar futuros atletas e incluir socialmente milhares de pessoas, já que o esporte tem um grande poder de transformação”3. O que aponta a grande vinculação entre esporte, formação e pedagogia corporal em nossa sociedade4.

Isto posto, nas próximas páginas apresentamos, primeiramente, uma breve problemática em torno de objeto de pesquisa, qual seja, o paralimpismo, pensado o fenômeno com o auxílio de conceitos como técnica, estética e rendimento. Logo após estão os primeiros apontamentos dos processos metodológicos de investigação. Em seguida estão elencados três capítulos que dizem respeito as nossas observações empíricas.

No capítulo que denominamos de Saltar com Deficiência, Com Eficiência, discutimos aspectos da prática do atleta de salto em altura da cidade de Itajaí, Flavio Reitz. Como resultado, apresentamos três categorias elencadas a partir do cruzamento dos objetivos da pesquisa e de nossas observações. Elas apontam, em primeiro lugar, para uma tensão dada pela desconfiança sobre a igualdade formal de chances no esporte paralímpico, dada a dificuldade de existirem classificações para a grande variedade corporal presente no fenômeno. Em seguida, principalmente tendo como baliza proposições de Gumbrecht (2007), dedicamo-nos a mais bem entender como se coloca a beleza do corpo com deficiência, promovida pelo intenso treinamento na busca da perfeição do gesto técnico. Tal produção, da mesma forma que para os atletas sem deficiência, está

3 Segundo Furtado (2016), o objetivo final do projeto Paralimpíadas Escolares parece contraditório quando propõe fomentar e ampliar a participação de crianças e adolescentes no esporte, porém tendo como finalidade a identificação de novos talentos esportivos através da promoção de um evento que prioriza a participação de escolares que possuem um potencial para tornarem-se atletas de alto rendimento, a priori. A configuração apresentada por esse projeto tem base legal na Lei citada acima, a qual também exprime um paradoxo na medida em que busca fomentar o esporte escolar, porém tem como foco o investimento dos recursos na promoção do esporte de alto rendimento.

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colocada para o corpo deficiente e indica relações de intenso domínio corporal, resultando na produção da dor.

Em seguida estão nossos apontamos a partir das observações de uma equipe adulta masculina de basquete em cadeira de rodas da cidade de Florianópolis. Denominamos esta parte da tese de Balé sobre Rodas. O capítulo também foi desenvolvido a partir de nexos articuladores, ganhando especial atenção o hibridismo entre cadeira e atleta, sendo que a primeira, entendida como prótese, parece ter certo protagonismo. Tal hibridismo apontou para a possibilidade de uma outra estética e compõe nossa segunda discussão. Para finalizar, questões como gênero e amadorismo receberam um olhar mais apurado porque se destacaram em nossas observações.

Nossa terceira modalidade observada foi a natação e deu origem ao capítulo seguinte. Nele destacamos especialmente a relação entre corpo e água sem qualquer mediação tecnológica. Principalmente inspirados em Camargo (2016), finalizamos este capítulo discutindo a possibilidade de tais eventos comportarem

Corpos e Práticas Dissonantes e, desse modo, conformarem uma

nova possibilidade estética e, quem sabe,política, além de talvez possibilitarem outra relação entre sujeito e objeto, entre o atleta e seu próprio corpo.

Finalizamos a tese de forma provocativa, pensando na possibilidade de os Jogos Paralímpicos ainda serem vistos como esportes de segunda categoria, ou ainda no desejo de seus participantes de serem afirmados como atletas e não como paratletas. Seguimos ao final indicando que tais eventos são, mais do que nunca, expressão dos tempos contemporâneos, em que padrões de eficiência e beleza são representados pelos esportes e tomados como índice pela sociedade, oferecendo forma a toda uma tecnologia que vem orientando os corpos das pessoas. Por fim, afirmamos que talvez os Jogos Paralímpicos possibilitem que novas e diversas formas de estar no mundo sejam reconhecidas e que, em um futuro algo distante, possam ser as próprias Olimpíadas.

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1.1. ESPORTE PARALÍMPICO: EXPECTATIVAS DE INCLUSÃO E DE SUPERAÇÃO

Como antes dito, os Jogos Paralímpicos, competição que reúne um conjunto de modalidades esportivas para pessoas com deficiência, acontecem logo após a realização dos Jogos Olímpicos, na mesma cidade sede. Foi criado inicialmente para a reabilitação de soldados severamente feridos em guerra. Hoje mais de quatro mil atletas participam dos jogos (PEDROSO e col., 2018).

Segundo Cidade e Freitas (2009), desde 1888 se tem registros de clubes esportivos para pessoas com deficiência auditiva na Alemanha. Houve também tentativas após a Primeira Guerra Mundial para que soltados feridos e com sequelas físicas praticassem alguns esportes, nem sempre bem-sucedidas. Em 1922 foi fundada a Organização Mundial de Esportes para Surdos, que organizou sua própria competição internacional, chamada de

Jogos Silenciosos. Hoje esses jogos ainda acontecem e são

chamados de World Games for the Deaf. Entretanto, os soldados feridos em guerra ainda eram tema de preocupação e iniciaram-se, assim, tentativas de reabilitação que tiveram um incremento a partir de fevereiro de 1944 em Aylesbury, na Inglaterra (CIDADE; FREITAS, 2009).

A tarefa de demonstrar o papel da atividade física na reabilitação de soldados, os quais, segundo estudos da época tinham expectativa de vida muito baixa, foi dada ao médico neurocirurgião alemão, de origem judaica, radicado na Inglaterra, Ludwig Guttmann, encarregado pelo governo inglês, do primeiro ministro Winston Churchill, de criar um centro especializado em lesões da coluna – o Stoke Mandeville Hospital. Nele, o esporte recreacional era considerada atividade essencial no auxílio do tratamento das lesões medulares. “A reabilitação buscou, na atividade física, novos caminhos para possibilitar a interação dessas pessoas em sociedade, evidenciando as capacidades residuais das pessoas com deficiência física, através do esporte” (ARAÚJO, 1997, apud, CIDADE; FREITAS, 2009, p. 84). Quase ao mesmo tempo, o esporte para pessoas com deficiência se desenvolveu nos Estados Unidos com Benjamin Lipton, mais precisamente com a prática do basquete em cadeira de rodas (CIDADE; FREITAS, 2009).

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Aproveitando a realização dos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948, o neurocirurgião cria os Jogos de Stoke Mandeville. Deles, militares – homens e mulheres - com algum tipo de lesão participaram da competição de arco e flecha que, então começou a ser realizada anualmente. Nos anos seguintes, outras instituições, e soldados com diferentes lesões, como por exemplo, afetados por tiros, também participaram dos Jogos. Essas ações aumentaram o interesse pelos tratamentos e o Dr. Guttmann demonstra então disposição em estendê-los para todas as pessoas com deficiência e não apenas para soldados acometidos nas guerras. Com isso, cresceu a visibilidade sobre o esporte adaptado e outras modalidades começaram a ser modificadas, como tênis de mesa, atletismo e o basquete em cadeira de rodas. Depois da construção de uma piscina no centro de reabilitação, a natação também foi incluída (CIDADE; FREITAS, 2009).

Em 1952, holandeses convidados pelo médico inscreveram-se nos Jogos do referido hospital, dando status internacional à competição – primeiro passo para que, em 1960, em Roma, se organizasse os primeiros Jogos Paralímpicos (CIDADE; FREITAS, 2009). Originalmente adaptado do esporte convencional, com o tempo, outras modalidades foram incorporadas ao desporto para pessoas com deficiência, como é o caso do goalball, modalidade desenvolvida especificamente para a prática de pessoas com deficiência visual5.

A partir desse evento ficou acordado que tais Jogos aconteceriam no mesmo ano e cidade sede dos Jogos Olímpicos, o que se tornou realidade somente a partir de Seoul em 1988. Uma paciente do de Stoke Mandeville utilizou pela primeira vez o termo “paraolimpíadas” em um artigo intitulado Alice at the Paralympiad, publicado pela revista The Cord Journal of the Paraplegics, para descrever sua trajetória. Mas, em 1976, no Canadá, os Jogos foram chamados de The Olympiad for Physical Disabled. Entretanto, tal designação não foi bem recebida pelo Comitê Olímpico Internacional. Dessa forma, outras nomenclaturas foram sendo criadas até que em 1984, o médico Robert Jackson, também de Stoke Mandeville, buscou a aprovação do Comitê para utilizar Paralympics Games, sendo prontamente atendido (CIDADE; FREITAS, 2009). Atualmente são ofertados vinte

5 Disponível em: < http://cbdv.org.br/pagina/goalball>. Acesso em: 12 de janeiro de 2019.

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esportes de verão, cinco de inverno e um IPC (dança em cadeira de rodas). A grande maioria dos esportes são modificados/adaptados dos esportes disputados no evento olímpico.

O desporto Paralímpico cresce, em grande medida, adjetivado com discursos de inserção de pessoas com deficiência no mundo esportivo, marca de sua participação social mais ampla. Pessoas com deficiência têm sido, no entanto, convidadas a tomar parte das práticas esportivas, oferecendo e auferindo legitimidade e prestígio às modalidades esportivas por elas praticadas6. É preciso dizer que tais recursos também fazem parte do esporte para pessoas sem deficiência (GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2009).

Embora o discurso da superação seja constante quando se ouve sobre os paralímpicos, estes não têm a mesma percepção e chegam a contestar a forma como são vistos, arguindo que a superação é necessária tanto para atletas com deficiência quanto para os que não a possuem. A atleta Rosinha dos Santos, da equipe brasileira de atletismo presente nos Jogos Mundiais em Toronto, no Canadá, disse à TV Brasil “estar cansada” de ouvir o discurso de que o esporte é “uma terapia de superação”, algo que também apareceu em nossas observações:

As pessoas precisam enxergar que aqui o atleta com deficiência não é um coitadinho. Aqui, não tem nenhum atleta coitadinho, não. Ninguém aqui tá saindo de casa para conhecer pessoas e superar. Aqui tem atleta de alto rendimento. Igual aos atletas convencionais. O mesmo hino nacional que toca nas Olimpíadas, toca aqui. Todo o atleta com deficiência ou não tem que se superar. Aqui não é só superação (GARRITANO; RICHARD, 2015, s/p).

6 No esporte, o discurso da superação é utilizado para adjetivar o esforço físico e psicológico dos atletas nos treinamentos e nas competições. Refere-se à importância de os atletas persistirem e perseverarem frente às dificuldades impostas ao longo da carreira. A esse resultado na solução de problemas é dado o nome de “superação”. O discurso de exaltação das dificuldades, da resiliência é exaltado e comemorado, frequentemente, como se os atletas fossem heróis.

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Esses discursos são apoiados pela grande diversidade de pessoas com deficiência que participam dos Jogos, para além dos seriamente feridos em guerra7, seu público inicial. No Brasil, grande parte desses atletas é formada por lesados pelo trabalho, como policiais8; e acidentados de trânsito, com destaque, em algumas modalidades como o voleibol sentado (GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2007). Em alguns países, como a Colômbia, os praticantes são frequentemente pessoas que apresentam sequelas por ferimentos de ações violentas da guerra civil e do narcotráfico, principalmente ainda vítimas de artefatos explosivos como minas terrestres9 E, para além das modalidades para os que possuem deficiências físicas, há algumas que integram outros tipos de deficiência, como as intelectuais, e as sensoriais (fundamentalmente também corporais, aliás), nas quais competem atletas que apresentam deficiência em alguns dos cinco sentidos, notadamente, neste caso, a visão10.

Os Jogos Paralímpicos são organizados com os mesmos princípios de seu irmão - os Jogos Olímpicos. As disputas seguem os princípios de comparações objetivas e sobrepujança (FRANKFURTER ARBEITSGRUPPE, 1982). Posições de destaque nos rankings das modalidades são exigidas, e, da mesma forma daquele que lhe serve de modelo, há divisões internas, tentativas de categorização para cada deficiência, com classificação a partir do grau de comprometimento. Os homens são também separados das mulheres. Se o modelo é o esporte que poderíamos chamar de “convencional”, o discurso do caráter

7 Disponível em: <http://pan.uol.com.br/noticias/2015/08/13/eua-usam-parapan-para-ajudar-ex-militares-mutilados-em-guerras.htm>. Acesso em: 13 ago. 2015.

8Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/programas/esporte- espetacular/noticia/2015/10/policiais-acidentados-se-recuperam-e-tornam-se-paratletas-medalhistas.html>. Acesso em: 11 out. 2015. 9 Disponível em: https://www.icrc.org/pt/colombia-os-desafios-humanitarios-de-2016. Acesso em 05 de fevereiro de 2019.

10 Destacamos que os deficientes auditivos não tomam parte nas disputas paralímpicas, possuindo, desde 1924, sua própria competição, as Surdolimpíadas. São disputadas modalidades olímpicas, paralímpicas e outras que não estão no programa das duas competições. O Comitê Paralímpico Internacional entende que os surdos podem tomar parte das disputas convencionais.

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inclusivo do esporte paralímpico perde força, uma vez que se mostra igualmente segregador, pois, apesar de ser praticado por atletas com diagnóstico de deficiência, nem todos que gostariam de competir em uma Paralimpíada – ou ainda que possuem diagnóstico sobre sua condição correspondente a ela – chegam a alcançá-la, visto que, do mesmo modo que seu grande arquétipo, ela acolhe somente aqueles que se destacam e atingem os índices. Dessa forma, os Jogos corroboram o mesmo discurso esportivo, do desempenho e da potencialização corporal enunciados pelos Jogos Olímpicos.

As Olimpíadas são o acontecimento mais importante do esporte mundial. Trata-se do evento em que os maiores atletas de cada modalidade, com exceção do futebol, são consagrados e têm a chance de serem reconhecidos como heróis. Embora o discurso da inclusão ainda seja a tônica, é interessante perceber que, os atletas com deficiência são desencorajados e até mesmo proibidos de disputar entre os sem deficiência. Por exemplo, o ex atleta sul-africano de atletismo, Oscar Pristorius, mesmo após quebrar uma série de recordes no atletismo e ganhar todos os títulos possíveis no paradesporto, enfrentou dificuldades para conseguir participar dos Jogos Olímpicos. A alegação era de que sua prótese lhe poupava energia, fazendo-o correr mais, auferindo uma vantagem vedada aos sem prótese11 Entretanto, após uma série de polêmicas e batalhas judiciais, o atleta conseguiu provar que suas pernas artificiais não lhe traziam vantagem em relação aos outros e participou das Olimpíadas de Londres, ficando fora da final dos 400 metros rasos.

Em 2016 a discussão voltou a acontecer porque o atleta de salto em distância alemão Markus Rehm saltou 8,40 m, alcançando o novo recorde mundial paralímpico pela classe T44, em Doha, Catar. Com esta marca, ele teria obtido a medalha de

11 Alguns cientistas também argumentaram que, Pristorius foi capaz de correr com as suas lâminas protéticas à mesma velocidade que os velocistas sem deficiências com menos 25 por cento de energia gasta. Pois, a energia devolvida da lâmina é três vezes superior à da articulação de um joelho humano em velocidade máxima. Também foi alvo de comentários quanto a flexibilidade da lâmina oferecer algum tipo de

impulsão ao atleta. Disponível em:

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ouro nas Olimpíadas de Londres/2012 e de Pequim/2008, para atletas sem deficiência. O atleta foi impedido pela Federação Internacional de Atletismo (IAAF) de competir no Brasil, nas Olimpíadas em 2016, porque a IAAF ainda possui a compreensão de que competidores paralímpicos poderiam levar vantagem em relação aos Olímpicos, ao serem beneficiados pelo uso da prótese. Segundo o diretor de comunicação do Comitê Paralímpico Internacional (IPC), Craig Spence, em trinta anos podemos ter como homem mais rápido do mundo, ou com o melhor salto, um atleta paralímpico12.

Tais parecem esvaziar o discurso da inclusão, que incita os atletas a procurarem o esporte e estarem “incluídos” na sociedade, mas os impede de competir entre os ditos normais. Eles devem competir apenas entre eles. Ou seja, estar incluídos apenas entre as pessoas com deficiência.

Embora a primeira Paralimpíada date de 1960, foi nos últimos anos que sua visibilidade aumentou, principalmente no Brasil, em função do destaque de alguns atletas que venceram suas competições e ganharam medalhas em maior número do que na competição olímpica. E ainda porque os deficientes se tornam mais visíveis, dadas, por exemplo, as leis que inferem sobre a inclusão da pessoa com deficiência, como a mais recente: Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Há também as que tratam especificamente da inclusão de crianças com deficiência na escola, como a Lei 7.853, de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, assim como o capítulo específico da LDB de 1996 que versa sobre a Educação Especial. É preciso referir-se também à Declaração de Salamanca, de 10 de junho de 1994, resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais promovida pelo governo espanhol em colaboração com da Unesco. A declaração trata de princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas das pessoas com deficiência e repercutiu de forma

12 Disponível em:

http://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/noticia/2015/10/salto-que-daria-ouro-olimpico-alemao-amputado-polemiza-futuro-do-esporte.html. Acesso em: 28/10/2015.

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significativa, de modo que foi incorporada pelas políticas educacionais brasileiras.

Em relação especificamente ao esporte, este direito, assim como ao lazer está assegurado a todos os cidadãos brasileiros pela constituição de 1988, sejam eles com deficiência ou não. Na referida lei, no artigo 217 está descrito que é dever do estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um (BRASIL, 1988). A partir desse posicionamento, outras leis foram sendo criadas a fim de balizar as políticas públicas e regulamentar as fontes de financiamento para o esporte no Brasil. A mais importante delas é a Lei Agnelo Piva, de 2001, responsável pelo maior incremento repassado aos comitês, Olímpico e Paralímpico, provenientes dos recursos das loterias brasileiras. Somam-se a elas, a Lei Pelé, nº 9.615/1998, a Lei de Incentivo ao Esporte, nº 11.438/2006 e Lei do Bolsa Atleta, nº 10.891/2004. No caso do Comitê Paralímpico, além dos repasses públicos advindos das leis federais, ele conta também com o financiamento de empresas públicas e privadas por meio de patrocínios, como é o caso da Caixa Econômica Federal e da Brasken13 e também com verbas provenientes de convênios firmados com órgãos públicos, como o Ministério dos Esportes, Secretarias de Esporte estaduais e também municipais. De acordo com os dados disponíveis nos balanços financeiros e patrimoniais do CPB, este apresentou um constante crescimento. Em 2010, por exemplo, o órgão recebeu recursos que somaram R$ 37 milhões de reais, e até 2015, esse valor chegou a R$ 79 milhões de reais com vistas a participação brasileira nas Paralimpíadas pelo fato de ser sede da competição (FURTADO, 2017).

Tal aumento em sua arrecadação também se deu porque o Brasil vem obtendo bons resultados nestas competições desde o ano de 2000, diferentemente dos sucessivos resultados negativos nas Olimpíadas. O Brasil, um país de menor expressividade esportiva quando se pensa em resultado em Olimpíadas, que consegue poucas medalhas nesse cenário, tem enxergado nas Paralimpíadas uma possibilidade de se destacar. O sucesso dos

13 Criada em agosto de 2002 pela integração de seis empresas da Organização Odebrecht do Grupo Mariani, a Braskem é, hoje, a maior produtora de resinas termoplásticas nas Américas e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos. Disponível em: <https://www.braskem.com.br/> . Acesso em: 03 de fevereiro de 2019.

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Jogos Paralímpicos de Londres14 pelos atletas brasileiros que ficaram em sétimo lugar no quadro de medalhas, proporcionou grande visibilidade para alguns como, por exemplo, o nadador Daniel Dias, detentor de 24 medalhas paralímpicas. Tais resultados aumentaram a expectativa brasileira quanto à participação nas Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, dadas também pelo incremento no aporte financeiro para participação desses atletas, já que elas seriam realizadas no país. A meta do Comitê era de que o Brasil ficasse entre os cinco primeiros países na classificação geral, mas esse rendimento acabou por não ser alcançado. A participação verde-amarela encerrou o evento na oitava posição do quadro de medalhas.

Estes resultados poderiam ser ainda mais expressivos, já que boa parte da população com deficiência ainda não tem acesso às práticas esportivas15. Uma das hipóteses que levantamos seria o fato de tais esportes acontecerem em menor quantidade e arregimentam menos praticantes. Outra hipótese seria talvez a menor exigência técnica (algo discutível) de várias modalidades já que, por exemplo, alguns atletas que participam das Paralimpíadas não são profissionais. Um desses atletas que poderia ser apontado é o canadense Dave Marchand, responsável pelo funcionamento dos trens da maior companhia ferroviária do seu país, que participa na modalidade de vôlei sentado16.

Também é exemplar neste sentido, por se tratar de um ex-atleta, o brasileiro Joaquim Cruz, medalhista de ouro nos 800 m em Los Angeles (1984), por ter voltado a competir no ano de 2015 como guia17 de uma atleta cega dos Estados Unidos nos Jogos Parapan-americamos em Toronto, no Canadá, na prova de 1500 m categoria T1218, alcançando, com ela, o quarto lugar. Cruz

14 Disponível em: < http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/megaeventos/paraolimpiadas/o-brasil-nos-jogos/londres-2012>. Acesso em: 12 de maio de 2016.

15 Segundo o Censo 2010 realizado pelo IBGE, 23,9% da população brasileira possui algum grau de deficiência.

16 Disponível em: https://ndonline.com.br/florianopolis/esportes/chefao-na-maior-companhia-de-trens-do-canada-disputa-o-parapan-no-volei. Acesso em: 11 de agosto de 2016.

17 Desde 2011, o atleta-guia, que corre ao lado do atleta cego nas Paralimpíadas, também recebe medalha.

18 Nas disputas de para-atletas, as provas são divididas conforme o tipo de ou grau de comprometimento físico ou sensorial.

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também competiu em 2016 no Rio de Janeiro, além de ser treinador chefe da equipe de atletismo paralímpica dos EUA. Tais dados, apesar dos discursos sobre o potencial técnico dos atletas paralímpicos, ou da fala do diretor de comunicação do IPC em que afirma que, em breve, poderemos ter como homem mais rápido do mundo um atleta com (d)eficiência, parecem indicar que tais jogos ainda podem ser classificados como “de segunda categoria”. Algo que abordaremos em nosso capítulo final.

1.2. A DEFICIÊNCIA: MODELO MÉDICO E MODELO SOCIAL

O entendimento sobre deficiência passou por mudanças ao longo do tempo, e embora designações tenham sido mudadas com relação ao esporte, o que ainda impera é o modelo médico e funcional. Segundo Diniz (2012) o escritor argentino Jorge Luis Borges descrevia sua cegueira como um “um dos estilos de vida do homem. Uma das formas de estar no mundo” (p. 8). Entretanto, para viver plenamente esse modo de vida, necessitaria de condições favoráveis. Para a autora, não haveria condenação em não enxergar, antes sim, por existirem contextos sociais pouco sensíveis à diversidade corporal que englobaria não enxergar.

A possibilidade de reconhecer que lesões medulares, cegueira e amputações, são apenas diferentes modos corporais de vida é algo revolucionário na literatura acadêmica, pois a concepção de deficiência, desde muito cedo, foi entendida como uma variação do normal, definindo desde então o que seria “um corpo fora da norma” (DINIZ, 2012, p. 08). Ou, como chamamos, inspirados em Robert McRuer (2006), de corpos não normativos. Estes, desviantes seriam sempre comparados com o que seria um corpo sem deficiência, ou um corpo dentro da norma.

Ao contrário do que se imagina, não há como descrever um corpo como deficiência como anormal. A anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre estilos de vida. Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há também quem considere que essa é uma entre várias possibilidades para a existência humana (DINIZ, 2012, p.8).

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Essa mudança de compreensão, que coloca o modelo médico em questão, teve início a partir dos anos 1970, nos Estados Unidos e no Reino Unido, e envolveu várias entidades, portando avanços, mas também, retrocessos19. De certo modo, a deficiência começou a ser entendida para além do campo biológico, ao ser objeto também das Humanidades. Assim se começava a compreendê-la não somente como “expressão de uma lesão que impõe restrições à participação social” das pessoas, mas sim como conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, entende que talvez precise de cuidados médicos para a vida toda, e denuncia a estrutura da sociedade que faz com que esse corpo seja oprimido (DINIZ, 2009, p.10).

Essa mudança diz respeito principalmente à maneira como se começou a entender o corpo que possui essa lesão. Para o modelo médico, ainda hoje mais evidente do que o modelo social, há uma causalidade entre a lesão e a deficiência, referendando a tese de que ter um corpo com lesão naturalmente implica em estar em um sistema de opressão, algo negado pela modelo de análise social. O modelo médico, que ainda estrutura as políticas de bem-estar voltadas para as pessoas com deficiência, afirma que: “a experiência da segregação, desemprego e baixa escolaridade, entre tantas outras variações da opressão, era causada pela inabilidade do corpo lesado para o trabalho produtivo” (DINIZ, 2012, p. 24).

Na contramão, o modelo social advoga que a deficiência é resultado do ordenamento capitalista em que vivemos, onde todos devem atingir um ideal de normalidade do sujeito produtivo. Desse modo, a deficiência para este modelo, é decorrência do sistema opressivo e comparativo, ou seja, “dos arranjos sociais opressivos às pessoas com lesão”. Para o modelo médico, lesão leva à deficiência; para o modelo social, sistemas sociais opressivos levam as pessoas com lesão a experimentarem a deficiência a partir de comparações com corpos considerados dentro da norma. Foi o sociólogo Paul Hunt, que começou a esboçar o modelo social da deficiência, debatendo o conceito de estigma de Erving Goffman. Para esse último, “os corpos seriam espaços

19 Para compreender melhor toda trajetória do modelo médico da deficiência e o modelo social da mesma, com seus avanços e retrocessos, sugerimos o livro: O que é Deficiência de Debora Diniz. Descrever este processo nesta tese extrapolaria nossos objetivos.

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demarcados por sinais que antecipam papéis a serem exercidos pelos indivíduos” (citado por DINIZ, 2012, p. 13). A deficiência seria um dos atributos que mais despertavam a atenção quando se pensava em estigma. A partir de questionamentos sobre esses conceitos, o modelo social começou a questionar a compreensão tradicional da deficiência. De um problema individual para uma questão eminentemente social, de modo que a deficiência não deveria ser matéria exclusiva de cuidados médicos, “mas principalmente de ações políticas e de intervenção do estado” (DINIZ, 2009, p. 19).

Dessa forma, a deficiência passou a ser um conceito político, que expressaria a desvantagem social sofrida pelas pessoas com lesões. Nesse percurso as denominações e a forma de se referir a essas pessoas foram mudando, de maneira que:

Deficiência: caracteriza-se pelo resultado de um relacionamento complexo entre as condições de saúde de um indivíduo e os fatores pessoais e externos. É um conceito guarda-chuva para lesões, limitações de atividades ou restrições de participação. Denota os aspectos negativos da interação entre o indivíduo e os fatores contextuais (DINIZ, 2012, p. 48).

Essa definição está expressa na ICIDH/CID (Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde)20, que foi publicada pela primeira vez em 1990, sendo considerada pelos teóricos do modelo social um retrocesso nas conquistas políticas que vinham sendo implementadas, pois, segundo eles, o documento medicalizava novamente a deficiência. A Classificação foi revista em 2001:

Como a lesão e a deficiência são variáveis descritas em termos biomédicos, isto é, com

20 A CIF foi traduzida no Brasil a partir da sigla ICIDH: Internacional Classification of Impairments, Disabilities and Handcaps, seria em português, Classificação Internacional de Funcionalidade, incapacidade e Saúde. Mas, Diniz, por considerar o modelo social, que atuou diretamente na revisão do documento, entendeu que a melhor tradução para Disability é Deficiência .

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base em estatísticas de normalidade e em curvas de variação sobre os padrões corporais, acreditava-se que a controvérsia em torno dos conceitos de lesão e deficiência seria menor, o que de fato não ocorreu. A demanda dos movimentos sociais de deficiência era por descrever as lesões como uma variável neutra da diversidade corporal, entendendo-se o corpo como um conceito representativo da biologia humana. O sistema proposto pela ICIDH não apenas classificava a diversidade corporal como consequência de doenças ou anormalidades, como também considerava que as desvantagens eram causadas pela incapacidade do indivíduo com lesões de se adaptar à vida social (DINIZ, 2012, p. 45).

Desse modo, como afirmamos, em 2001, outro documento foi elaborado e a ele formam somadas perspectivas que consideram o corpo, o indivíduo e também a sociedade, e não somente as doenças, como havia sido proposto no primeiro documento. Foi então criado um novo vocabulário, no qual a conceituação sobre deficiência, que está referenciada acima, está presente.

No Brasil, a deficiência também é hoje reconhecida como um conceito político e a partir desse entendimento começou-se a discutir qual a melhor maneira de referir-se a essas pessoas. Passamos por alguns termos mais agressivos como, por exemplo, inválido, retardado, mongoloide, aleijado, para outros como portadores de deficiência, pessoa com necessidades especiais, até chegarmos à pessoa com deficiência, termo correto aprovado na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência em 2006. Há, no entanto, movimentos, notadamente britânicos, que reconhecem uma identidade na deficiência e por isso utilizam a expressão deficiente, ou pessoa deficiente, afirmando que a deficiência seria parte constitutiva da pessoa (DINIZ, 2012). De todo modo, a maneira correta, e que adotamos neste trabalho é pessoa com deficiência, embora também seja criticada, pois sugere que esta seja algo da propriedade do indivíduo.

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Embora se reconheça que o modelo social é a forma mais adequada para se pensar e entender os processos ligados às pessoas com deficiência, o esporte paralímpico, em função de sua característica comparativa e classificatória, se organiza a partir do modelo médico e funcional.

A classificação tem por objetivo assegurar a legítima participação de atletas com deficiências, independente da natureza e o grau de suas lesões. Ela também objetivaria um nivelamento entre os aspectos da capacidade física e competitiva, tentando colocar as deficiências semelhantes em um grupo determinado. Isso permitiria igualar a competição entre indivíduos, pois o sistema de classificação eficiente seria o pré-requisito para uma competição mais equiparada (CARDOSO; GAYA, 2014).

O primeiro tipo de classificação para pessoas com deficiência que praticavam esporte foi desenvolvido na Inglaterra, em 1940, por médicos, ficando então conhecida como classificação médica. Esta foi desenvolvida para lesados medulares parciais ou totais, baseada no nível de lesão de suas medulas. A classificação médica não perdurou por muito tempo, em função de aspectos discordantes da prática esportiva, pois se percebeu que classificar apenas pela lesão impedia que os atletas utilizassem seu verdadeiro potencial muscular, pois se balizava apenas pelas limitações motoras dos atletas e não por aquilo que estes eram capazes de realizar. Em seguida, se verificou que esse sistema se tornou incapaz de agrupar vários tipos de deficiência e funcionalidade, resultando em um número excessivo de classes. Desde então, as classificações são objeto de discussão e estudo para tentar se chegar a novas formas mais eficientes e agora entendidas como: classificação funcional:

A questão funcional é fundamental, seja qual for o sistema de classificação adotado, o tipo ou o nível de deficiência não deve ser determinante. O que o sistema de classificação funcional deve garantir é que o nível de treinamento e habilidade do atleta sejam os fatores decisivos para o seu sucesso (WINNICK, APUD CIDADE; FREITAS, 2009, p. 110).

A classificação funcional não está mais apenas voltada para as limitações motoras dos atletas, mas sim para o chamado

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“potencial residual” do atleta. Assim, o método consiste em uma categorização que o atleta recebe em função de sua capacidade de realizar movimentos, colocando em evidência a potencialidade motora dos seus resíduos musculares, bem como, dos músculos que não foram lesados (CARDOSO; GAYA, 2014).

O uso do sistema de classificação funcional acabou por reduzir o número de classes, centrando-se sobre a capacidade funcional em vez de na deficiência (CIDADE; FREITAS, 2009). Cada esporte, desde então, determina seu próprio sistema de classificação baseado nas habilidades funcionais, identificando as áreas-chaves que afetam o desempenho para a performance básica da modalidade escolhida.

A classificação, segundo Cardoso e Gaya, (2014), é um processo contínuo. Quando um atleta começa a competir ele é alocado em uma classe e esta pode ser revista ao longo de sua carreira. As classes são determinadas por uma variedade de processos que incluem: avaliação médica (relacionada à especificidade da deficiência), funcional (relacionada à especificidade do esporte) e de observação dentro e fora de competição. A equipe de classificação deve ser composta por três profissionais, sendo dois da área de saúde: médico, fisioterapeuta e professor de Educação Física (MAUERBERG-DeCASTRO, 2005). Durante a competição os classificadores podem verificar e reverificar o potencial do atleta, ou algo que tenha ficado obscuro nos outros processos de classificação. Muitos esportes, como o atletismo, basquete sobre rodas e a natação, têm a política de permitir que um classificador monitore uma classificação por vários eventos. Por vezes, algumas classificações são contestadas, como veremos nos capítulos a seguir (CARDOSO; GAYA, 2014).

O sistema classificatório vem se desenvolvendo gradativamente, juntamente com a ampliação dos estudos, principalmente fisiológicos e biomecânicos, realizados com pessoas com deficiência que praticam esportes (CIDADE; FREITAS, 2009).

1.3 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

O esporte tem se tornado um fenômeno tão abrangente que dimensões de sua prática antes menos discutidas vêm se

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tornando objeto de novos debates e pesquisas. Uma delas, que ultrapassou a barreira da arte, é a estética. Embora a beleza corporal obtida via esporte sempre estivesse presente em algumas pesquisas, a beleza da forma atlética, a plasticidade dos gestos e a possibilidade de uma obra esportiva é tópico relativamente recente (GONÇALVEZ, VAZ, 2017). A versão esportiva de alto rendimento é um dos fenômenos mais marcantes da tradição moderna, comportando, entre outros, parte significativa dos ideais de beleza e de desempenho que permeiam o imaginário de nossa experiência histórica. Os corpos dos atletas, suas performances graciosas e fortes, são frequentemente classificados como espetaculares. Seus corpos são modelos de perfeição.

Como afirmamos, autores têm se dedicado a investigar como esse conceito e essa experiência se fazem presentes no Esporte – se está na beleza dos gestos técnicos bem executados, na graça e na força dos corpos esculpidos, na linguagem esportiva expressa nos gestos que levam a um bom resultado, ou ainda na presença do grotesco em suas práticas.

Um autor que nos ajuda a pensar tal dimensão é o alemão radicado nos Estados Unidos Hans Ulrich Gumbrecht, que entende o esporte como um objeto de desfrute e prazer ao ser observado, isto é, a partir daqueles que assistem ao fenômeno. Para ele esta prática é “um fenômeno que paralisa os olhos, algo que atrai constantemente, sem indicar nenhuma explicação para a atração”. O autor analisa o esporte a partir de seu conceito de Estética da Presença, em grande medida uma expressão do que chama de “dimensão teatral da literatura” (GUMBRECHT, 2007, p. 20).

Talvez seja ele o autor contemporâneo mais interessado em mais bem entender o arrebatamento que o esporte parece provocar. O autor, baseando-se na obra de Kant (1993), principalmente em seus escritos sobre o belo, tenta entender como a beleza presente no esporte pode inspirar tantas pessoas a acompanharem o fenômeno e despertar sentimentos de prazer, proporcionando o que o filósofo de Königsberg descreve como uma experiência estética livre e desinteressada. Dessa forma, Gumbrecht entende que assistir esportes não tem qualquer ganho prático na vida das pessoas, mas as retêm fascinadas ante o desenrolar das contendas. Trata-se apenas de um sentimento interior de prazer ou desprazer, que não seria baseado em

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conceitos, em procura de significados, mas, que conjuga opiniões que se aglutinam, fazendo com que várias pessoas possuam o mesmo gosto, o que Kant definiu como universalidade objetiva (GUMBRECHT, 2007).

Tal fruição, além de impactar o expectador fã de esportes, também poderia ocorrer com os atletas, já que no momento de uma jogada bonita, ou do prazer da disputa, eles poderiam se “desligar” do resultado. Aproximando as experiências dos atletas das experiências de expectadores, acontece o que o autor chama de: “Perder-se na intensidade da concentração” (GUMBRECHT, 2007, p. 45). O autor argumenta que em uma experiência estética como o esporte, o que fascina, para além do resultado, é o conjunto de fenômenos que se coloca no momento da performance e o ato de julgá-la: “São movimentos corporais quase sempre já moldados pelas expectativas e pelo apreço que os espectadores levam com eles para o jogo” (GUMBRECHT, 2007, p. 109). Gumbrecht (2007), dedicou-se a descrever a atração que sente e a beleza que acredita estar presente no esporte. Para mais bem descrever as sensações que experimenta assistindo ao fenômeno, utiliza o conceito de fascínio para denominar o que ocorre com aquele que o assiste: “[...] já que ele trataria, por um lado, do olhar atraído e paralisado pelo apelo da performance atlética, captando, por outro, a dimensão adicional da contribuição do espectador” (GONÇALVES, 2014, p. 66). Seriam, nesse caso, sete os apontados pelo autor: 1) os corpos dos atletas, corpos esculturais que realizam feitos pouco comuns entre os “simples mortais”; 2) o sofrimento presente nas disputas, a aproximação com a morte; 3) a graça caracterizada pelo distanciamento dos movimentos corporais em relação à consciência; 4) os instrumentos utilizados em alguns esportes e sua relação simbiótica com o corpo, podendo ser eles animais ou máquinas; 5) as formas realizadas pelos corpos, em especial em modalidades consideradas estéticas; 6) as jogadas realizadas nos esportes com bola, mais precisamente a forma dessas jogadas; 7) o timing dos atletas durante a contenda esportiva, aquela capacidade de fazer movimentos certos no momento certo (GUMBRECHT, 2007). Ademais, O fascínio se refere ao olhar que é atraído – e até paralisado – pelo apelo de algo que é percebido (em nosso caso, a performance atlética). Mas, ela também capta a dimensão adicional da contribuição do telespectador (GUMBRECHT, 2007, P. 109).

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Se a estética esportiva é um tema relativamente novo, ou talvez, menos referenciado, quando nos dedicamos a investigar o esporte para pessoas com deficiência esta parece estar fora de lugar. Embora as competições possuam o mesmo caráter agonístico, estético e sejam estruturadas de maneira muito semelhante ao esporte convencional, as investigações sobre o tema ainda são escassas. Por um lado, como afirmamos, pela ainda incipiente produção que entende o esporte como objeto estético e, por outro, talvez porque corpos deficientes para o

esporte raramente são considerados como legitimamente aptos

para serem vistos e admirados. Esse olhar com muita frequência está presente apenas quando os corpos dos paratletas são objetos de grandes feitos e vitórias, fazendo com que a deficiência seja esquecida, ou pelo menos colocada em segundo plano, pois o rendimento, de um corpo deficiente ou não, é um dos fins mais importantes. Se este corpo serviu à vitória, sua deficiência é louvada em nome da superação das adversidades, mas dificilmente será lembrado pela possível beleza que tenha produzido.

Desse modo, neste trabalho também nos dedicamos a pesquisar a possibilidade da presença de uma outra estética para pensarmos o esporte para pessoas com deficiência. Utilizando o conceito de fascínio por ele elaborado. Alguns dos fascínios nos ajudaram de maneira mais contundente e estão brevemente descritos abaixo. Outros permeiam as modalidades que observamos compondo com estes a possibilidade de admirarmos o esporte para pessoas com deficiência e a performance de corpos considerados não normativos. Os fascínios que elencamos foram: A beleza corporal que o autor denomina Corpos - em nosso caso, os corpos dos atletas com deficiência, é o primeiro deles; O segundo fascínio diz respeito à incrível simbiose entre homem e maquinaria, indicada por Gumbrecht como instrumentos, e em nosso caso, ela aparece nas próteses e cadeiras de rodas e os corpos dos atletas. O terceiro e quarto fascínios são a Graça que, se soma ao Sofrimento, já que a dor se mostrou um parâmetro importante a ser considerado, na maioria de nossas análises.

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