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A presença paterna no período gestacional: limites e possibilidades através do projeto Cegonha Carioca

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Academic year: 2021

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ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

A PRESENÇA PATERNA NO PERÍODO GESTACIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES ATRAVÉS DO PROJETO CEGONHA CARIOCA.

PABLO IRIO FERREIRINHA PEREIRA

RIO DE JANEIRO 2017.

A PRESENÇA PATERNA NO PERÍODO GESTACIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES ATRAVÉS DO PROJETO CEGONHA CARIOCA.

Monografia exigida como requisito parcial para conclusão do curso de graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

ORIENTADORA: Professora Ana Izabel Moura de Carvalho Moreira.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________________ Professora Dr ª Andrea Moraes.

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___________________________________________________

Professora Drª Orientadora Ana Izabel Moura de Carvalho Moreira.

Dedicatória

“Dedico este trabalho a minha família, especialmente aos meus pais, Pedro Irio e Maria da Conceição, que ao longo desses anos, me ajudaram sempre da maneira que esteve alcance, e promoveram os meios necessários para minha sobrevivência e reprodução nesta sociedade que me permitiram chegar até aqui.”

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pessoas que fizeram parte de nossa trajetória. Correndo o risco de ser injusto, gostaria de registar meu profundo agradecimento a algumas pessoas. Como meus grandes amigos Daniel e Leandro Blossey e família, por todo apoio e carinho, que foram essências e importantes nestes últimos anos. E os amigos que fizeram parte dessa história e que não poderia deixar de registrar: Diogo, Rodrigo Oliveira, Rafael Ricardo, Emmanuel Gonsalves Gregory Rodrigues, Larissa Souza, Iorrane Cunha, Fernando, Elton, Fred Borges, Fábio Mattos dentre outros. E minha grande amiga Karine Cuppelo pelos dias, conversas, viagens e de todos os momentos divididos nesses últimos anos.

Ao meu primo Renan Ferreirinha, pelas discussões, conversas e viagens e que apesar da distância cotidiana, seu amor e companheirismo foram essenciais para minha formação enquanto cidadão.

Ao meu tio Franduya pelas conversas e discussões durante a madrugada, que com certeza, me estimularam a seguir sempre estudando.

Ao Seu Tião FC., Time de futebol do curso, com o qual pude consolidar amizades e por vezes extravasar e relaxar do cotidiano e cansativo dessa sociedade e faculdade.

Um agradecimento especial a minha orientadora, que em um dos momentos mais difíceis em minha vida, já havia me demonstrado uma imensa compressão, e agora nesta reta final do TCC foi muitas vezes o gás que precisava para continuar escrevendo, gratidão e admiração pelo profissional e pessoa que é.

Quase terminando, a minha namorada, Ana Carolina, que nesses últimos meses com muito carinho compreensão, aguentou e ajudou os meus problemas, e me estimulou a concluir muitas linhas desse trabalho.

Finalmente, mas com muita importância, aos meus pais e família, razão de todo meu amor e inspiração para seguir mesmo nas dificuldades, construindo o meu caminho que por mais longe que possa ser, meu coração sempre estará perto deles.

Resumo

Pereira, P. I. F. A PRESENÇA PATERNA NO PERÍODO GESTACIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES ATRAVÉS DO PROJETO CEGONHA CARIOCA. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social) Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

O presente trabalho de conclusão de curso busca realizar uma reflexão acerca da presença paterna no período gestacional, reafirmando sua importância, já comprovada em outros estudos, a partir das experiências vividas durante o período de estágio de 2015 e 2016.1 na Maternidade Escola da UFRJ, localizada na Rua das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

O objetivo deste trabalho é demonstrar que através das experiências e relatos observados no contato cotidiano com tais sujeitos, sem excluir outros determinantes que incidem neste processo e suas devidas importâncias para o debate, um grande motivo que os impede de fazer parte deste processo é a necessidade de garantir os meios para sua reprodução material, via trabalho, seja ele formal ou informal.

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acerca dos autores que norteiam nossa compressão de sociedade.

O que se constatou é que para este público específico, classe trabalhadora dos setores mais subalternos, que sofre diariamente com as incidências da “questão social”, fruto de um modo de produção explorador e opressor, apresentam-se empecilhos materiais e cotidianos que impedem que os homens estejam presentes e participem de um dos períodos mais importantes e vitais para o nascimento do recém nascido e posteriormente sua criação, bem como a manutenção e criação dos vínculos afetivos dessa família. Situação esta que poderá ter implicações e refrações em toda a vida desta família.

Palavras-chaves: Capitalismo; Paternidade; Gestação; Politica Social

ABSTRACT:

The present work of course completion seeks to reflect on the presence of the father in the gestational period, reaffirming its importance, already proven in other studies, based on the experiences lived during the period of the 2015 and 2016 internship at the UFRJ School Maternity, located In Rua das Laranjeiras, in Rio de Janeiro.

The objective of this work is to demonstrate that through the experiences and reports observed in the daily contact with such subjects, without excluding other determinants that influence this process and its due importance for the debate, a great reason that prevents them from being part of this process is the necessity To guarantee the means for their material reproduction, through work, be it formal or informal.

For that, a review of the field diaries was carried out, which covers the period of one year and eight months of internship, as well as a bibliographical review about the authors that guide our society compression.

What has been verified is that for this specific public, the working class of the subaltern sectors, which suffer daily from the effects of the "social question", fruit of an exploitative and oppressive mode of production, present themselves with material and daily obstacles that prevent Men are present and participate in one of the most important and vital periods for the birth of the newborn and its creation, as well as the maintenance of the affective ties of this family. This situation may have implications and refractions throughout the life of this family.

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Ernesto Guevara de la Serna

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 08 CAPÍTULO 1: Capitalismo e “questão social”: acumulação de capital e as bases da exploração ... 10

1.1 Capitalismo e acumulação de capital: as bases da exploração... 11 1.2. Capitalismo e “questão social”: exploração, acumulação e pauperismo... 15

CAPÍTULO 2: Questão social e política social ... 21

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CAPÍTULO 03: A presença paterna no período gestacional: reflexões sobre limites e possibilidades das políticas sociais junto aos pais trabalhadores a partir da experiência no Projeto Cegonha Carioca.

3.1 Conclusões e reflexões sobre a experiência de estágio a partir de outros estudos e experiências ... 41 3.2 Reflexões sobre limites e possibilidades das políticas sociais junto aos pais trabalhadores a partir da experiência no projeto cegonha carioca... 53

Considerações Finais ... 58 Referências Bibliográficas ... 62

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Introdução

A ideia de desenvolvimento do tema apresentado nesse trabalho monográfico partiu do contato com as situações de ausência dos pais (os homens) ao longo do período gestacional, ocorrido durante o período de estágio de 2015 e 2016.1 na Maternidade Escola da UFRJ, localizada na Rua das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Nossa apreciação pelo tema deu-se devido ao fato tanto de termos percebido essa ausência quanto à procura dos pais para nos relatar a vontade de estarem presentes neste momento, e o real motivo para sua ausência.

Devemos mencionar que, ainda que fosse importante para um estudo mais acurado, não foram realizadas entrevistas com os sujeitos em questão, em razão do processo burocrático que envolveria a busca das autorizações, bem como pelo período prolongado que aguardaríamos para termos acesso aos prontuários de atendimento de cada um por parte da instituição de saúde.

Neste trabalho buscamos introduzir uma reflexão sobre a situação de ausência dos homens no período já mencionado, apontando hipóteses baseadas na experiência vivida, seus relatos e suas repercussões na vida desta família. Para tanto, trabalhamos de três maneiras: a) posicionando o tema na sociedade em que vivemos, no modo de produção capitalista e nossa compreensão sobre este modo de produção e reprodução; b) situando o tema como expressão da “questão social”, suas conceituações e relações com as politicas sociais, bem como seu desenvolvimento histórico; e c) uma reflexão mais aprofundada das situações vividas do período de estágio e da bibliografia que aponta a importância da presença do pai neste momento, além de outros estudos que apresentam resultados semelhantes. Cabe ressaltar a grande dificuldade em levantar conteúdo bibliográfico que abordasse o tema no que tange à bibliografia do serviço social.

Concluímos como é difícil apresentar uma visão mais simplificada da questão, ainda que fosse o nosso intuito, uma vez que o tema referido já é

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complexo, fundamentalmente se tratando de suas relações com o modo de produção capitalista, o que além de tudo é controverso. Desse modo, optamos por uma exposição que contivesse ideias, conceitos, interpretações, estudos sobre o tema, além da análise dos diários de campo do período mencionado.

Portanto, situamos a ausência paterna no período gestacional como uma das expressões da “questão social”, o que a relaciona com aspectos históricos, culturais, econômicos e sociológicos, e que é produto do modo de produção capitalista. Assim sendo, que sofre profundas transformações desde o seu surgimento histórico, em meados do século XIX, mas que guarda uma relação de continuidade com os aspectos fundantes desse modo de produção. Contudo, não deixamos de apontar, com sua devida importância, outras manifestações que incidem nesse processo, como a presença constante do machismo e patriarcado na sociedade brasileira. Citaremos conceitos a respeito da nossa compreensão sobre o modo de produção capitalista, política social e a “questão social” para balizar nossa reflexão. Abordaremos também os conteúdos extraídos dos diários de campo que permitiram compreender e detalhar melhor o relato dos sujeitos mencionados.

Por fim, apontaremos para a necessidade de mais elaboração de pesquisas acerca desta relação tão complexa do homem e a sua presença na gestação, principalmente porque as consequências, sejam elas econômicas ou sociais, podem ser enormes, incidindo ao longo da vida do recém-nascido e de sua família, como consequência do afastamento desses homens.

CAPÍTULO 1: Capitalismo e “questão social”: acumulação de capital e as bases da exploração

O ser humano, mesmo possuindo um incontornável vínculo com a natureza pelas suas necessidades biológicas (comer, beber, se reproduzir, etc.), extrapolou os limites estreitos que os animais possuem na sua relação meramente biológica, na medida em que a própria natureza (e os chamados “instintos naturais”) se subordinam ao social. É com esse entendimento que compreendemos que a gestação não compete exclusivamente à mãe (mesmo que só a mulher tenha a capacidade biológica de desenvolver um feto); ou seja, os impactos do período gestacional comparecem também no cotidiano do pai e não apenas no da mãe. Assim, compreendemos que dentre as expressões da “questão social”, a presença do pai no período que compreende a gestação é uma dessas manifestações. Este problema apresenta-se nas relações sociais, principalmente no mundo do trabalho, e podem ser vivenciados principalmente por homens que estão inseridos em postos informais e precários no mercado de trabalho, com fortes

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desdobramentos nas condições de reprodução social. Portanto, é prática de violação dos direitos humanos e de saúde, visto que os pais, apesar de peça importante neste período, tanto para mulher como para a criança, como podemos observar no guia do pré-natal para o parceiro do Ministério da Saúde de 2016, deparam-se com o dilema das condições e exigências do mundo do trabalho, onde as necessidades de acumulação de capital e de produção de riqueza se sobrepõem às questões de saúde, educação, moradia, e, inclusive, gestacional, como queremos mostrar nessa monografia.

Desta forma, por constituir-se com uma expressão da questão social é essencial inserir nessa monografia nossa compreensão sobre o modo de produção em que nos reproduzimos, o capitalismo e o que compreendemos como “questão social”, apoiados em determinados autores marxistas e no próprio Marx, que consideramos continuar sendo o melhor analista da sociedade capitalista.

1.1 Capitalismo e acumulação de capital: as bases da exploração

Para que o capital pudesse se fazer o “senhor” do chamado novo tempo era necessário romper uma série de correntes existentes no mundo feudal1. Do âmbito econômico ao cultural, passando pelo político e social, a

modernidade representou uma revolução que incidiria sobre o cotidiano de

cada habitante, a curto, médio ou longo prazo. Decerto nenhum parto ocorre sem dores, uns mais e outros menos, e o parto da nova época deixa traumas permanentes sobre o mundo todo, iniciando e se alojando na Europa e crescendo na medida em que ganha consistência e força para subsumir tudo que lhe opõe resistência ao longo do tempo.

Os primórdios desse tempo nos remetem aos primeiros passos que se dá no interior da antiguidade para a constituição de comércios, a partir da inserção de novas tecnologias no campo, que gera a expulsão de camponeses para as cidades à procura de meios de sustento próprio, carregando consigo apenas o seu corpo. Aqui temos o início da constituição da chamada Indústria Moderna, com o desenvolvimento gradual de meios e técnicas de transformação da natureza e grandes avanços científicos que permitem maiores descobertas sobre o mundo e sobre a própria humanidade. Papel central teve a chamada acumulação primitiva, que dá o alicerce da forma capitalista de acumular, arrancando os produtores de seus meios de produção e lhes dando a “liberdade” de transitar pelo território somente com sua força de trabalho a ser utilizada pelos novos “senhores”, os capitalistas, donos das indústrias, provedores do novo tipo de servidão: a “servidão assalariada”, melhor conhecida como exploração capitalista.

Este processo histórico culminou na existência de duas classes distintas, e que não é resultado de uma lei natural ou acidente, mas resulta de um período histórico que propiciou as condições para que se encontrassem, como o próprio Marx (1988, p. 829) escreveu:

1 O Feudalismo foi um sistema econômico, político e social que se desenvolveu na Europa a partir da decadência do Império Romano, no séc. V d.C., e tem seu declínio por volta dos sécs. XVII e XVIII, marcadamente com as revoluções burguesas (Revolução Gloriosa de 1688 e Revolução Francesa de 1789), porém o início de seu declínio pode ser localizado no séc. XV, com as expedições marítimas.

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Duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de confrontar-se e entrar em contato: de um lado, o proprietário de dinheiro, de meios de produção e de meios de subsistência, empenhado em aumentar a soma de valores que possui, comprando a força de trabalho alheia, e, do outro, os trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, portanto, de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não são parte direta dos meios de produção, como escravos e servos, e porque não são donos dos meios de produção, como o camponês autônomo, estando assim livres e desembaraçados deles. Estabelecidos esses dois pólos do mercado, ficam dadas as condições básicas da produção capitalista. [...] O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos.

Desse modo, ao compreendermos como surge a sociedade capitalista, temos o entendimento de como está estruturada a partir de certos pilares sobre os quais se afirmam as novas relações sociais. Assim que, paulatinamente, o capital toma o controle de todos os poros do tecido social, carregando em si sua lógica inerente, sem a qual não permanece. Essa lógica é o que chamamos de acumulação de capital, conteúdo de qualquer forma que assuma na sociedade. A acumulação capitalista, que necessariamente deve ser produção e reprodução ampliada (para que se mantenha o movimento do capital), se dá a partir da já mencionada exploração dos trabalhadores pelos capitalistas, extraindo mais-valia do processo de trabalho então realizado e reinvestindo em um novo processo produtivo. Assim que:

A forma típica da reprodução no MPC [Modo de Produção Capitalista] é a reprodução ampliada (ou alargada). Nela, apenas uma parte da mais-valia apropriada pelo capitalista é empregada para cobrir seus gastos pessoais; outra parte é reconvertida em capital, isto é, utilizada para ampliar a escala da sua produção de mercadorias (aquisição de máquinas novas, contratação de mais força de trabalho etc.). (NETTO e BRAZ, 2010, p. 125)

Esse processo, imprescindível ao capital, se dá por meio da apropriação privada da riqueza socialmente produzida, onde uma maioria trabalha em prol de uma minoria parasitária que detém os meios fundamentais de produção. O trabalho, meio a partir do qual o homem se constitui como ser social, é todo organizado em prol da acumulação capitalista.

Sob essa dinâmica se efetiva o que podemos compreender como produção de mais-valia. É no decurso da produção capitalista que se realiza a exploração do trabalho. No âmbito dessa vinculação entre trabalhador e capitalista, este não comete nenhum golpe ou ato ilegal ao admitir o trabalhador e lhe pagar um salário fixo para uma jornada de oito horas, por exemplo. Deveria este pagar mediante o salário os valores necessários para sua reprodução no cotidiano da vida social. Todavia, durante o período em que o trabalhador está contratado produzindo para o capitalista, o mesmo produz mais que o valor necessário para sua reprodução. É o valor que excede a quantidade necessária para sua reprodução, estipulada pelos

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capitalistas, que o capitalista se apropria, sem esforço ou custo nenhum, que chamamos de mais-valia ou mais valor, fonte do lucro.

Numa palavra, do valor criado pela força de trabalho, a parte que excede o valor de sua produção/reprodução é apropriada pelo capitalista – a relação capital/trabalho, personalizada na relação capitalista/proletário, consiste, pois, na expropriação (ou extração, ou extorsão) do excedente devido ao produtor direto (o trabalhador): é nessa relação de exploração que se funda o MPC. (NETTO E BRAZ, 2010, p. 101)

De acordo com a concepção ontológica do trabalho, entende-se que essa atividade é um processo que acontece quando o ser humano prevê, antecipadamente, a ação que realizará para transformar o meio em que se encontra. Tanto aranhas e abelhas quanto tecelões e arquitetos constroem algo, porém o que diferencia as primeiras dos segundos é que aquelas fazem suas atividades como algo biologicamente dado, sem grandes alterações ou readequações, enquanto arquitetos e tecelões já têm na sua mente o que querem construir, mesmo que o produto final não seja exatamente aquilo que esperavam. Assim, a chamada capacidade teleológica humana é o que nos diferencia radicalmente dos animais. Portanto, entendemos trabalho como toda atividade humana que quer transformar a natureza, orientada a um fim previamente determinado, envolvendo seu objeto e seus meios, sendo que o ser humano, nesse mesmo processo, também transforma a si mesmo. Como nos diz Marx (s/d, p. 208):

o processo de trabalho [...] é atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessário do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais.

Ou seja, o homem, se valendo de suas capacidades físicas e intelectuais, no ato cujo resultado já antecipa mentalmente, utiliza os meios de trabalho que se encontram ao seu dispor para transformar a matéria-prima (a natureza, podendo já conter trabalho prévio ou não) em produtos que serão úteis às suas necessidades. Nesse processo, o sujeito que realizou o ato de trabalho, ao transformar a natureza, também transformou a si mesmo, transformou suas próprias capacidades humanas.

No capitalismo, o trabalho é condicionado aos ditames dessa sociedade, em prol da acumulação ampliada de capital. Nesse sentido, “o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho” (MARX, s/d, p. 209) e, consequentemente, “o produto [do trabalho] é propriedade do capitalista, e não do produtor imediato, o trabalhador” (MARX, s/d, p. 209). Ou seja, o processo de trabalho, inerente à condição humana e, portanto, à sua reprodução enquanto tal, na sociedade capitalista vira produção e reprodução de capital por meio da produção de mais-valia, que é o tempo de trabalho excedente apropriado pelo capitalista e incorporado à circulação de capital, ampliando-o.

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Para afirmarmos que na sociedade capitalista a força de trabalho é convertida em uma mercadoria devemos entender como tal sociedade se encontra dividida, fundamentalmente, entre capitalistas e trabalhadores, sendo que aqueles contêm a propriedade privada dos meios de produção e estes apenas a própria força de trabalho, ou seja, a sua capacidade

produtiva. Como o capitalista precisa de alguém que produza e seja sua fonte

de lucro, encontra o trabalhador no mercado, precisando que lhe comprem a força de trabalho para garantir suas condições de vida, seus meios de subsistência. Nesse sentido, por ser vendável (ter valor de troca) e por ser útil a alguém (ter valor de uso), a força de trabalho, ao ser adquirida por um preço, torna-se mercadoria.

Dentro do processo de produção de mercadorias, temos tanto matérias-primas quanto meios de produção. Ambos são produtos de processos anteriores, que, nesse em específico, tiveram suas funções redefinidas para atingir determinado objetivo final. Um mesmo produto, portanto – no mesmo processo de produção – pode ser tanto meio de produção quanto matéria-prima, que varia pela sua função múltipla num processo produtivo. Como afirma Marx (s/d, p. 206): “o mesmo produto pode no mesmo processo de trabalho servir de meio de trabalho e de matéria-prima”.

1.2. Capitalismo e “questão social”: exploração, acumulação e pauperismo.

Retomando o que já anunciamos, capitalismo é a afirmação de relações sociais histórica e socialmente determinadas, apoiadas sobre a apropriação privada da riqueza socialmente produzida, quando capitalistas e trabalhadores encontram-se no mercado de trabalho, sobrevindo daí uma relação de exploração que, ao final, se condensa em mercadoria que necessita ser vendida para retornar ao capitalista a quantidade que se excedeu de valor a ser reincorporado no processo produtivo que retoma toda a engrenagem fundamental do capital. Retomamos, com o risco de parecer repetitivo, para elucidar que esse é o processo que produz tudo o que existe nessa sociedade, e sobre o qual erguem-se (sem determinismos) as demais formas ideológicas e políticas que conectam o capitalismo enquanto uma totalidade social, reafirmando-o.

O processo de produção capitalista reproduz […], mediante seu próprio procedimento, a separação entre força de trabalho e condições de trabalho. Ele reproduz e perpetua, com isso, as condições de exploração do trabalhador. Obriga constantemente o trabalhador a vender sua força de trabalho para viver e capacita constantemente o capitalista a comprá-la para se enriquecer. […] O processo de produção capitalista, considerado como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz, por conseguinte não apenas mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado. (MARX, 1984 apud NETTO; BRAZ, 2010, 137)

Por se encontrar sob a lógica do capital, a produção de riqueza na sociedade capitalista (inegavelmente maior do que nas que a precederam, dado o necessário avanço das forças produtivas em prol da acumulação) é,

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imediatamente, enriquecimento do polo que detém os meios fundamentais de produção: da burguesia. Na mesma razão e pelo mesmo processo a que está vinculado, ainda que produzindo toda a riqueza existente, ao trabalhador (já expropriado antes mesmo do início da produção) só resta a pauperização.

Os trabalhadores experimentam, no curso do desenvolvimento capitalista, processos de pauperização que decorrem necessariamente da essência exploradora da ordem do capital. A pauperização pode ser absoluta ou relativa. A pauperização absoluta registra-se quando as condições de vida e trabalho dos proletários experimentam uma degradação geral: queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do desemprego. A pauperização relativa é distinta: pode ocorrer mesmo quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e moradia mais elevados; ela se caracteriza pela redução da parte que lhes cabe no total dos valores criados, enquanto cresce a parte apropriada pelos capitalistas. (Netto e Braz, 2010, p. 135)

Ora, a pauperização é, para a classe trabalhadora, a principal consequência da relação que estabelece com a classe burguesa. Pela sua lógica de acumulação ampliada, o capital empurra cada vez mais os trabalhadores à miséria. Uma nova (aparentemente) forma de pobreza se apresenta à sociedade, totalmente distinta àquelas formas passadas, decorrentes de incapacidade produtiva, pestes, guerras etc., subjazendo às próprias relações sociais capitalistas. A nova pobreza então produzida nos marcos da sociedade burguesa advirá do mesmo solo em que se produz a riqueza; riqueza e pobreza, no capitalismo, constituirão uma unidade de contrários que se reproduz e se reatualiza constantemente com novas expressões. Denomina-se, destarte, a nova pobreza de “questão social”.

Seguindo os pensadores da tradição critica, afirmamos que a expressão “questão social” começou a ser utilizada no início do século XIX, para caracterizar um fenômeno novo sem precedente: o pauperismo em larga escala que afetava a ascendente classe trabalhadora inglesa que, desde o final do século XVIII, sofre os impactos da industrialização e urbanização provocada pela instituição do capitalismo industrial – concorrencial. O caráter de novidade deste pauperismo é que se antes a desigualdade entre ricos e pobres estava vinculada aos próprios limites das forças produtivas do sistema, que resultava numa escassez; no capitalismo a ampliação da pobreza é acompanhada pelo desenvolvimento das forças produtivas e das possibilidades de ampliar o processo da produção de riqueza (NETTO, 2001).

A partir de meados do século XIX, a expressão “questão social” é incorporada pelo pensamento conservador e laico, que desassocia a “questão social” com o modo de produção capitalista e a partir dessa lógica passa a ser entendida como conjunto de problemas sociais, que tem sua gênese em dificuldades individuais e naturais a qualquer ordem social. Deste modo, a mesma não poderia ser solucionada de forma alguma (descartando por princípio a proposta revolucionária), mas apenas amenizada por meio de medidas paliativas, focalizadas, fragmentadas e com feitio moralizador e filantrópico.

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A classe proletária passa a questionar essa explicação após as revoluções de 1848, no entanto é com a análise da lei geral de acumulação

capitalista desenvolvida por Marx em “O Capital” (1867), que se consolida a

explicação dos fundamentos da “questão social”, como determinado pelo modo de produção capitalista. Como explicado por Netto e Braz (2010), a reprodução capitalista requer não apenas a produção de mercadorias, mas também a reprodução das relações sociais em que os proprietários – a burguesia – exploram a classe trabalhadora que, não possuindo os meios de produção, é obrigada a vender sua força de trabalho, de modo que o proletariado produz a riqueza, mas quem se apropria dela é a burguesia. Essa contradição é acentuada com o desenvolvimento das forças produtivas, pois o aumento da produção da riqueza é concomitante ao aumento da exploração, tendo em vista que essa riqueza se concentra entre os capitalistas e o trabalhador continua destituído dos bens que produz2.

Vale apontar que a “questão social” só é certificada devido à organização política dos trabalhadores, ao se reconhecerem como classe3 e se organizarem em movimentos como sindicatos e partidos políticos, exigem respostas às expressões da “questão social” por parte da classe hegemônica.

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão (IAMAMOTO & CARVALHO. 2011, pp. 83 e 84).

Neste sentido, a “questão social” é o conjunto de desigualdades sociais, produto da contradição entre capital e trabalho no modo de produção capitalista, que provém da apropriação privada da riqueza socialmente produzida e que ganha visibilidade a partir da organização política dos trabalhadores.

2

[...] todos os métodos de produção da mais valia são, simultaneamente, métodos de acumulação e toda expansão da acumulação torna – se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos. [...]. À medida que se acumula capital, a situação do trabalhador, qualquer que seja o seu pagamento, alto ou baixo, tem de piorar [a acumulação] ocasiona uma acumulação de miséria correspondente á acumulação de capital. A acumulação da riqueza num polo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização, e degradação moral no polo oposto [...] (MARX, 1984 apud NETTO; BRAZ, 2010, p.138).

3

Marx distingue o primeiro momento em que o operariado é em classe si, ou seja, existiam como classe, mas ainda não se reconheciam como tal; do momento em que se tornam classe para si ao tomarem consciência de sua unidade como classe e passam a defender seu interesse. Nos termos do autor “as condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa [...] em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma situação comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao capital, uma classe, mas não o é para si mesma. Na luta [...], esta massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe” (MARX, 1848 apud MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.97).

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Em outras palavras, “questão social” significa uma determinada forma de pobreza que só acontece dentro de um tipo de sociedade e que incomoda aquela mesma sociedade, o capitalismo. Esse fenômeno tem fundamento na exploração do trabalho pelo capital, onde quem produz a riqueza é aquele que mais se empobrece, física e mentalmente. Já diz Marx: “o trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz”. A “questão social” só é tomada como tal a partir do momento em que o sujeito que sofre diretamente com esse fenômeno se percebe como sujeito histórico, explorado e alienado pelo modo de produção capitalista e se opõe a este, em suas variadas expressões sociais. Como expõe Netto (2011, p. 154): “foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo se designou como ‘questão social’”.

Ao entendermos que a “questão social” é inerente a esse modo de produção, pois está associada à condição de sua sobrevivência – a exploração da classe trabalhadora pela burguesia –, gestando-se por essa lei, e compreendendo que continuamos no capitalismo é que, segundo Netto, inexiste uma “nova questão social”, pois as bases que estruturam nossa sociedade são as mesmas daquelas do século XIX, quando surge esse fenômeno. Atualmente, com as grandes mudanças ocorridas na própria sociedade, o que temos são novas expressões da “questão social”, mas cujas estruturas sociais e econômicas não se alteraram, mas, inclusive se intensificaram.

Assim, resume Netto (2011, pp.152 e 153):

A expressão “questão social” tem história recente: seu emprego data de cerca de cento e setenta anos. Parece que começou a ser utilizada na terceira década do século XIX e foi divulgado até a metade daquela centúria por críticos da sociedade e filantropos situados nos mais variados espaços do espectro político. A expressão surge para dar conta do fenômeno mais evidente da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do fenômeno do pauperismo. Com efeito, a pauperização (neste caso, absoluta) massiva da população trabalhadora constitui o aspecto mais imediato da instauração o capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial.

No Brasil, o surgimento do capitalismo possuiu algumas particularidades se comparamos com o berço do capitalismo ocidental: a Inglaterra e, posteriormente a consolidação plena desse ordenamento societário, nos Estados Unidos. Considerando os limites dessa monografia, destacamos que não será feita qualquer análise mais abrangente sobre as características do capitalismo brasileiro em seus vínculos com os países desenvolvidos. Entendemos ser suficiente indicar que no Brasil, a gênese do capitalismo pode ser reconhecida a partir do esgotamento da chamada economia agrária e exportadora, ainda na virada do século XIX, o aparecimento das primeiras fábricas, acompanhadas das experiências de urbanização. Esses processos se alimentam dos suspiros republicanos que se faziam sentir nas Américas colonizadas e exigiam alguns requisitos imprescindíveis ao capitalismo: a liberdade e a democracia liberais. Assim, visualizamos como característica mais expressiva no capitalismo brasileiro a herança do trabalho escravo e a inexistência de direitos sociais, civis e

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políticos. A marca da mão de obra escrava, sem nenhuma qualificação, terá impactos profundos na conformação do mercado de trabalho brasileiro, na medida em que os processos de produção se desenvolvem, fundamentalmente, a partir do final da segunda guerra mundial, quando o Brasil “desponta” no cenário mundial como uma das alternativas para a crise do capitalismo nos países desenvolvidos de Europa e Estados Unidos, dizimados pelos intensos conflitos da segunda guerra mundial.

No próximo capítulo discorreremos sobre como o Estado vinha lidando com as expressões da “questão social” no período industrial-concorrencial e, na passagem para o período monopolista, reorienta totalmente sua lógica, conectado às mudanças no modo de produção capitalista, desenvolvendo as Políticas Sociais como medidas interventivas de caráter contínuo e sistemático de enfrentamento às expressões, sequelas, refrações, rebatimentos, etc. da “questão social”.

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CAPÍTULO 2 – ESTADO, “QUESTÃO SOCIAL” E POLÍTICA SOCIAL 2.1 O Estado e a “questão social”

Temos em Marx (com a fundamental colaboração de Engels) a compreensão de como as relações de produção configuram a base da sociedade, sobre a qual se erguem as demais esferas da vida social, a superestrutura jurídico-política.

[…] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. (MARX, 2008: 47)

Dessa maneira, Marx compreende o Estado como intrinsecamente articulado à base econômica da sociedade, ao espaço onde ocorrem as relações sociais de produção, denominada por ele de sociedade civil. Assim, para Marx, “a gênese do Estado reside na divisão de sociedade de classes, razão por que ela só existe quando e enquanto existir essa divisão (que decorre por sua vez das relações sociais de produção).” (COUTINHO, 2007, p. 123).

O Estado, nesse sentido, existe e se afirma como ente universal, com o único propósito de assegurar a reprodução das relações sociais capitalistas, na medida em que a burguesia se utiliza de mecanismos vários para impor suas ideias a toda a sociedade. Ou seja, o Estado possui um inerente caráter de classe, atende à classe dominante dessa sociedade. Assim, em uma determinada sociedade:

Suas ideias são produto das relações burguesas de produção e de propriedade, assim como o Direito não é nada mais que a vontade de sua classe erigida em lei, uma vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições materiais de sua própria classe. (MARX e ENGELS, 2008: 36)

Em outras palavras, para Marx e Engels, “o poder do Estado moderno não passa de um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo” (Marx e Engels, 2008, p. 12). Nesse sentido, para Marx, o Estado buscaria assegurar tais “negócios comuns da classe burguesa” essencialmente pela força, pela coerção, detendo o monopólio legal da violência. No período em que Marx escreve (meados do século XIX), o Estado apresentava esse viés fundamentalmente coercitivo, enquanto que o direito ao voto era apenas para proprietários, sendo colocados grandes limites para a organização da classe trabalhadora. Valendo-se, portanto, da força do Direito (e do direito da força), visa controlar uma classe operária em vertiginoso crescimento, no mesmo passo em que a acumulação de capital

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significava acumulação de pobreza para os trabalhadores, a já referida “questão social”.

Conforme dito anteriormente, esse período, do capitalismo concorrencial4, foi a fase de estabilização do modo de produção capitalista, um momento que o capitalismo buscava romper com as estruturas do feudalismo, que limitava o desenvolvimento do modo de produção. É neste momento que a burguesia captura o Estado para que atenda aos seus interesses, tornando-o um importante instrumento na consolidação do capitalismo. Tendo como suporte teórico as ideias liberais, principalmente através de David Ricardo e Adam Smith, o Estado passa a ser entendido como uma espécie de “mal necessário”, como proposto por Behring e Boschetti (2011).

Netto e Braz (2010) sustentam que é neste período que se inicia a luta de classe entre burgueses e trabalhadores. Os operários reivindicavam a limitação das longas jornadas de trabalho, no que receberam concessões pontuais e o Estado burguês respondia de maneira fundamentalmente violenta.

O essencial das funções do burguês restringia-se às tarefas repressivas: cabia-lhe assegurar o que podemos chamar de condições externas para a acumulação capitalista – a manutenção da propriedade privada e da “ordem pública” (leia se enquadramento dos trabalhadores). Tratava-se do Estado reivindicado pela teoria liberal: um Estado com mínimas funções econômicas; mas isso não significa um Estado alheio à atividade econômica – pelo contrário: ao assegurar as condições externas para a acumulação capitalista, o Estado intervinha no exclusivo interesse do capital (e era exatamente essa a exigência liberal). (NETTO; BRAZ, 2010, p. 145)

A partir da segunda metade do século XIX, o modo de produção capitalista passa por uma série de transformações que alteram a dinâmica da produção e reprodução, culminando num novo estágio deste modo de produção: a fase monopolista.5 Netto e Braz (2010) destacam como principais transformações o desenvolvimento tecnológico a concentração e centralização do capital e o protagonismo alcançado pelos bancos no desenvolvimento capitalista.

O grande desenvolvimento das forças produtivas (pela própria necessidade do capital) permite acelerar a produção de mercadorias e exige um maior investimento no capital constante6 (maquinaria, etc) o que

4 Netto e Braz (2010) apontam que o capitalismo concorrencial (clássico ou liberal) vigorou do fim do século XVIII o último quarto do século XIX liderado pela Inglaterra. Os autores afirmam que foi o período de consolidação do capitalismo, marcado pela industrialização e urbanização dos países europeus e a formação de um mercando mundial, com a predominância de pequenas e médias empresas.

5 Netto e Braz (2010) para fins metodológicos, fundamentados em Mandel (1982), utilizam a distinção do capitalismo imperialista (ou monopolista) em três fases: o imperialismo clássico (1890-1940), os anos dourados (1940-1970) e o capitalismo contemporâneo.

6 O aumento no investimento em capital constante é paralelo à redução do gasto com capital variável, a força de trabalho, o que contribui para o aumento do exército industrial de reserva, expondo a tendência do capitalismo de subconsumo.

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inviabiliza a competição para os pequenos capitalistas. Essa situação leva à centralização e concentração de capitais – monopólio – em que as grandes empresas, detentoras de uma enorme soma de capital, são as únicas capazes de manter e, consequentemente, dominar o mercado, de modo que as pequenas e médias empresas ou são postas a falência ou se subordinam aos grandes monopólios. Neste cenário, os bancos assumem um papel central com a concessão de empréstimos às indústrias e com a própria aquisição de ações de empresas. Esta fusão entre capital industrial e bancário constitui o capital financeiro, que passa a comandar o mercado mundial na fase monopolista (NETTO; BRAZ, 2010).

Estas alterações compõem a passagem para uma nova etapa do capitalismo, o imperialismo em sua fase clássica. Sobre isso, Lenin sinteticamente afirma:

O imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes (LENIN, 1977 apud NETTO; BRAZ, 2010, p. 180.)

Tais modificações requerem uma alteração na função do Estado, que é demandado a expandir sua atuação, visionando a acumulação e intensificação de lucros do capital. Netto elucida as novas funções do estado:

O elenco de suas funções econômicas diretas é larguíssimo. Possuem especial relevo a sua inserção como empresário nos setores básicos não rentáveis (nomeadamente aqueles que fornecem aos monopólios, a baixo custo, energia e matérias-primas fundamentais), a assunção do controle de empresas capitalistas em dificuldades (trata-se, aqui, da socialização das perdas, a que frequentemente se segue, quando superadas as dificuldades, a reprivatização), a entrega aos monopólios de complexos destruídos com fundos públicos, os subsídios imediatos aos monopólios e a garantia explícita de lucro pelo Estado. As indiretas não são menos significativas; as mais importantes estão relacionadas às encomendas/compras do Estado aos grupos monopolistas, assegurando aos capitais excedentes possibilidades de valorização; não se esgotam aí, no entanto – recordem-se os subsídios indiretos, os investimentos públicos em meios de transporte e infraestrutura, a preparação institucional da força de trabalho requerida pelos monopólios e, com saliência peculiar, os gastos com investimentos e pesquisa. (2011, pp. 25 e 26).

Além disso, o Estado é requisitado para preservar a reprodução da força de trabalho e controlá-la, pois o capitalismo em seu estágio monopolista intensifica as contradições entre capital e trabalho. Assim, o Estado é requisitado a ampliar suas funções direcionadas aos trabalhadores para atuar na manutenção da força de trabalho, ocupada e excedente, assegurando o consumo, socializando os custos do capital.

No entanto, outro aspecto levantado por Netto (2011) é que o Estado se vê obrigado a intervir nas expressões da “questão social”, para além da repressão, não apenas por necessidades econômicas, mas também políticas. É na passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista que a classe

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trabalhadora se consolida como classe-para-si e, como tal, começa a reivindicar pela ampliação dos direitos políticos e sociais. É neste período que em muitos países da Europa a classe trabalhadora avança em direção à maior participação na vida política (o sufrágio universal é um exemplo) e organização em grandes partidos e sindicatos.

Aqui cabe falar brevemente acerca das características novas que o Estado assume diante das alterações na sociedade de classes (da concorrência para o monopólio), desenvolvida fundamentalmente em Gramsci na perspectiva da chamada “ampliação do Estado”, sendo central nesse debate o conceito de sociedade civil no mencionado autor.

Como já dito, para Marx sociedade civil correspondia à estrutura, ao conjunto de relações econômicas; já Gramsci identifica essa categoria sociedade civil, segundo Coutinho, como:

Um momento ou esfera da superestrutura. Designa, mais precisamente, o conjunto das instituições responsáveis pela representação dos interesses de diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos e de ideologias: ela compreende assim o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, as organizações profissionais, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico etc. (COUTINHO, 1984, p.53).

Neste sentido, a hegemonia – a direção social através do consenso – tem sua base material nos “aparelhos privados de hegemonia” como igreja, partidos políticos e mídia, que constituem a denominada sociedade civil.

Portanto, o Estado Ampliado no entendimento de Gramsci é composto pela sociedade política, que se refere ao Estado “restrito” de Marx, com papéis essencialmente coercitivos, e pela sociedade civil, correspondente aos aparelhos privados de hegemonia.

O termo Estado “ampliado” se desenvolve a partir da percepção do fenômeno da socialização da política, que já mencionamos anteriormente. Ou seja, a incorporação de novas determinações no sentido de o Estado responder às expressões da “questão social” não apenas via coerção, mas também via consenso. Isto é, o Estado burguês não utiliza apenas da coerção para consolidar sua dominação. Para isso é necessário desenvolver junto à classe trabalhadora um consenso, em que os valores, ideologia, cultura são absorvidos e reproduzidos socialmente, garantindo a direção social da classe hegemônica economicamente, que passa a ter a legitimação das classes subalternas. A esse processo de forma alguma excluem-se os conflitos, o dissenso, os antagonismos e as lutas de classe.

O Estado, assim, deve ser visto como uma instituição própria do sistema capitalista, orientado a: a) garantir os fundamentos da acumulação capitalista (a propriedade privada, a exploração, o controle capitalista sobre o destino da riqueza socialmente produzida e a repressão a todo ato que ameace a “estabilidade social”; b) promover a legitimação da ordem social vigente (tanto garantindo o envolvimento e o respeito às leis, quanto criando a vinculação e o compromisso dos cidadãos com um ideológico Estado neutro e um também ideológico sistema de liberdade e igualdade de oportunidades para todos); e c) responder a demandas das classes trabalhadoras, desde que não corroam os

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aspectos anteriores, constituindo tais respostas (leis e direitos trabalhistas, direitos e serviços sociais, direitos políticos), verdadeiras conquistas de trabalhadores e setores subalternos da população (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p. 143).

Para tanto, utiliza-se de diferentes estratégias para representar os interesses da classe capitalista como o interesse do conjunto da sociedade. Bem como o Estado endossa a produção e reprodução capitalista, os direitos sociais, os direitos civis e políticos, políticas sociais e os serviços sociais não devem ser concebidos como mera estratégia de dominação burguesa, as políticas sociais e os direitos expressam a correlação de forças entre as classes.

Dentro deste cenário, o aparelho estatal é então obrigado a atender alguns dos pleitos da classe trabalhadora, com vistas manter sua legitimação perante os segmentos subalternos, produzindo um consenso. É importante deixar claro que o Estado não abandona em nenhum momento suas estratégias coercitivas, mas amplia suas funções. É no capitalismo monopolista que o Estado inicia uma “intervenção contínua, sistemática, estratégica sobre as sequelas da 'questão social' através das políticas sociais” (NETTO, 2011, p. 26) 7.

2.2 “Questão social” e Política Social no Capitalismo Monopolista

Na fase clássica do imperialismo, conforme o pensamento liberal vigente na época, o Estado não deveria interferir no mercado e não se reconhecia o atendimento das necessidades sociais como direitos, afirmando que as politicas sociais, ao intervir na pobreza (considerada natural), incentivavam a preguiça. Assim, as ações sociais eram paliativas e constituíam-se principalmente através dos seguros sociais contributivos. Ademais, as expressões da questão social eram tratadas de forma individualizada e moralizante, conforme Behring e Boschetti (2011).

Apesar das políticas sociais representarem uma contradição em relação ao pensamento liberal, elas são implantadas de maneira que não rompam com tal tradição. Conforme Netto “na escala em que se programam medidas públicas para enfrentar as refrações da questão social, a permanência de suas sequelas é deslocada para o espaço da responsabilidade dos sujeitos individuais que as experimentam. ” (NETTO, 2011, p. 32).

Durante as três décadas pós 2° Guerra Mundial, o capitalismo monopolista vivenciou os chamados “anos dourados”. Fundamentando no modo de produção fordista-taylorista e no Estado keynesiano, o capitalismo apresentou uma onda longa expansiva o que fez parte de “períodos cíclicos de prosperidade que [são] mais longos e intensos, e mais curtas e mais superficiais as crises cíclicas”. (MANDEL, 1982 apud NETTO; BRAZ, 2010,

7 Um importante ponto a ser levantado é o caráter fragmentador destas políticas sociais. O Estado responde as expressões da “questão social” (habitação, previdência, educação, violência e etc) como fenômenos isolados, os designados problemas sociais, de modo a desvincular com o modo de produção capitalista, tendo em vista se trata de um Estado Burguês que como vimos buscar conservar a ordem capitalista.

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p.213). A capacidade de produção aumentou, assim como as taxas de lucro das empresas e o crescimento econômico nos países centrais, sob a liderança política e econômica dos Estados Unidos, que se consolidam como a grande potência capitalista. As determinações do período provocaram uma ampliação das funções do Estado, que resultaram na expansão da proteção social da classe trabalhadora.

As transformações na estrutura capitalista decorrem da reconfiguração do capital como resposta a crise de 1929. Advertimos que tal crise não foi novidade à estrutura capitalista em razão de que a própria sociabilidade burguesa, em sua essência e natureza, condiciona o sistema a crises de superprodução e financeiras. Segundo Netto e Braz (2010) o que particulariza a crise no sistema capitalista é que são crises de superprodução, já que os capitalistas produzem incessantemente as mercadorias em busca do lucro, sem um controle global, todavia, estas não conseguem ser escoadas por falta de mercado consumidor, tendo em vista que a classe trabalhadora tem dificuldades materiais para adquirir produtos. Ainda sobre este assunto os autores discorrem que

A análise teórica e histórica do modo de produção capitalista comprova que a crise não é um acidente de percurso, não é aleatória, não é algo independente do movimento do capital. Nem é uma enfermidade, uma anomalia ou uma excepcionalidade que pode ser suprimida no capitalismo. Expressão concentrada das contradições inerentes ao MPC, a crise é constitutiva do capitalismo: não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 157).

Como resposta à crise de 1929, o capital vê a necessidade de um Estado que promova “uma intervenção que envolvesse as condições gerais de produção e de acumulação” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 193), ou seja, o Estado é requisitado a ampliar suas funções econômicas, a intervir nas relações de mercado e amenizar as manifestações da questão social.

Na esfera produtiva o capital também introduz mudanças na organização da produção, que passa a ser predominantemente organizado apoiado nos princípios do fordismo–taylorismo. Conforme Harvey (2012), este modelo se refere aos métodos de organização de produção introduzidos por Henry Ford8 que tem como principais fundamentos a produção em massa e a divisão do trabalho (através da linha de montagem móvel, em que os trabalhadores se inserem de modo fixo e o produto que é deslocado) e aumento salarial para proporcionar o consumo também massificado. Ademais, o fordismo incorporou os princípios científicos de Taylor que em busca do aumento da produtividade, promoveu técnicas de “racionalização” da produção, com medidas como rígido controle do tempo do processo de trabalho. É importante salientar que tais medidas provocam uma intensificação da exploração do trabalhador, que tem seu ritmo de trabalho controlado constantemente, além disso, ao promover a divisão de tarefas exacerba a fragmentação do trabalho, aprofundando a separação entre o trabalho intelectual e o manual.

8 Henry Ford foi um empresário norte americano que na década de 1910 implantou a linha de montagem e de produção em massa no ramo automobilístico. No pós-guerra esses princípios foram expandidos mundialmente.

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Harvey (2012) designa esse modo de organização de produção de

acumulação rígida, pois “havia problemas com a rigidez dos investimentos de

capital fixo em larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa [...] havia problemas de rigidez no mercado, na alocação e no contrato de trabalho” (HARVEY, 2012, p.135).

Neste contexto, o Estado também é requisitado a ampliar sua regulação social, visando desonerar o custo de reprodução do capital e ampliar o poder de consumo dos trabalhadores, para comportar a poder em massa, apesar da tendência de subconsumo. Assim, a ampliação dos serviços sociais é resultante da necessidade do Estado atender aos interesses do capital, fornecendo as condições de absorção das mercadorias, que são produzidas em larga escala segundo a organização de produção fordista. Deste modo, entendemos que o Welfare State reforça o caráter contraditório das políticas sociais, pois a melhora das condições de vida de parcelas da classe trabalhadora foi atrelada a uma valorização muito maior do capital.

Outro fator importante para a ampliação dos direitos é o contexto sócio histórico. Em um primeiro momento, no contexto da Revolução Russa em 1917 e o avanço do movimento socialista e concomitante, o robustecimento do movimento operário. Além disso, o contexto social e histórico que o capitalismo evidenciava, como a Guerra Fria, o fortalecimento de sindicatos e partidos, a ameaça socialista na antiga URSS era um perigo para a ordem burguesa.

Desse modo, a expansão dos direitos sociais pela via da ampliação do papel regulador do Estado burguês foi importante na administração do

consenso na sociedade. Para a burguesia alcançar a hegemonia, necessitou

atender algumas demandas dos operários e/ou atuar sobre as expressões da “questão social”, via políticas sociais (não exclusivamente) que são expandidas.9 Vale destacar a importância da categoria consenso expressada em Gramsci, como objeto fundamental de controle social exercida pela classe dominante sobre a classe dominada, em que pela ideologia garante-se a cooptação da massa com vistas à reprodução do status quo.

E a partir daí o Estado é obrigado a expandir suas funções, visto que sua intervenção é uma necessidade do capital para garantia de direção ideológica.

Desses processos complexos decorre, então, uma espécie de “contestação burguesa” do liberalismo ortodoxo, expressa principalmente na chamada “revolução keynesiana”. As proposições de Keynes estavam sintonizadas com a experiência do New Deal americano, e inspiraram principalmente as saídas europeias da crise, sendo que ambas têm um ponto em comum: a sustentação pública de um conjunto de medidas anticrise ou anticíclicas, tendo em vista amortecer as crises cíclicas de superprodução, superacumulação e subconsumo, ensejadas a partir da lógica do capital (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 71).

9 Ademais, o Estado de Bem-Estar Social reforça o controle exercido pelos capitalistas e Estado sobre os trabalhadores, os benefícios sociais são atrelados à fiscalização dos operários. Conforme vimos no modelo de produção fordista combinado com um Estado regulador para vigiar, monitorar e limitar o cotidiano dos operários.

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Como suporte teórico o principal representante é Keynes que defende maior intervenção do Estado na economia e descarta a tese de que a economia capitalista é autônoma e autorregulada, propondo a necessidade da participação do Estado na dinamização da economia através da geração de empregos, aumento de salários, etc. Essas ideias serão expandidas como suporte teórico, político e ideológico utilizado pela burguesia para justificar suas ações e a consolidação dos Estados de bem-estar social. As transformações do Estado apoiadas nas ideias de Keynes e seus seguidores se colocam como uma necessidade do capital de ampliar o Estado e suas atribuições.

Keynes assevera que a mão invisível do mercado por si só não é suficiente para gerir a economia, segundo o autor os empresários não pensam na coletividade e por isso, não alcançaria uma conciliação entre capitalistas e trabalhadores. Por isso, evoca o Estado10 regulador como juiz neutro e imparcial que tem como função a organização da vida econômica, social e política, além de ser o salvaguarda da dívida pública.

Um dos pilares do Estado keynesiano é a chamada política do pleno emprego, destarte afirma-se que com a geração de empregos haveria um aumento do consumo e o escoamento de mercadorias, e, a partir dessa lógica, incentiva-se e impulsiona-se o crescimento e desenvolvimento da economia capitalista; outro pilar dessa teoria é o alcance do aumento da igualdade social através do acréscimo da renda, ampliando as ofertas de serviços sociais e políticas sociais à classe trabalhadora.

O keynesianismo ao combinar-se com o fordismo contribuem com a acumulação acelerada do capital, segundo Behring e Boschetti (2011), alcança altas taxas de lucro, intensificando o processo de mundialização do capital. Muitos pensadores acrescem a isso a elevação do padrão de vida do trabalhador, contudo esse padrão de qualidade não se refletiu nas classes operárias dos países periféricos. Após a Grande Depressão consolidou-se

A convicção sobre a necessidade de regulação estatal para seu enfrentamento. Esta só foi possível pela conjugação de alguns fatores como: a) estabelecimento de políticas keynesianas com vistas a gerar pleno emprego e crescimento econômico num mercado capitalista liberal; b) instituição de serviços e políticas sociais com vistas a criar demanda e ampliar o mercado de consumo; e c) um amplo acordo entre esquerda e direita, entre capital e trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 92).

Portanto, nos chamados “anos dourados” do capitalismo, houve a expansão de direitos sociais materializada com as políticas sociais, como por exemplo, o crescimento de beneficiários de aposentadorias, expansão dos serviços de saúde, cobertura de acidentes de trabalho, seguro-doença, seguro-desemprego, aposentadoria por invalidez e auxílio-maternidade. Esses direitos sociais são produtos das lutas da classe trabalhadora, apesar

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Tal como mencionado acima, neste trabalho defendemos a ideia de que o Estado não é um ente desvinculado dos interesses de classe, além dos interesses unilaterais, o Estado é um instrumento da classe dominante que tem um claro compromisso de classe, sendo a burguesia. Pode haver momentos em que cede às pressões da classe trabalhadora para garantir determinado direito, todavia este é o comitê executivo da burguesia.

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do que o projeto societário dos trabalhadores não ter confluído na transformação da ordem, os direitos sociais têm um limite claro na acumulação capitalista, no entanto contribuem com a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores explorados.

No entanto, ao final da década de 1960, de acordo com a tendência à queda de taxa de lucros, o modelo fordista-keynesiano já apresentava sinais de esgotamento, com a redução dos lucros e de crescimento econômico nos países centrais, sendo o epicentro da crise o ano de 1973.

Uma crise clássica de superprodução, se observadas as tendências de longo prazo fundadas na lei do valor. O já presente agravamento do problema do desemprego pela introdução de técnicas capital-intensivas e poupadoras de mão de obra, a alta dos preços de matérias-primas importantes, a queda do volume do comércio mundial e um poder de barganha razoável dos trabalhadores empregados, advindo do ainda recente período de pleno emprego no capitalismo central, são elementos que estão na base da queda da demanda global (de um ponto de vista keynesiano) e da erosão inexorável da taxa média de lucros, de uma óptica marxista, no início dos anos de 1970 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 116)

Com intuito de reverter estes sinais, os Estados burgueses dos países centrais apostam no aumento de emissão de moedas, que provocam o agravamento da inflação e crise inerentes ao Estado capitalista. O capital ainda enfrentava uma crise política em decorrência dos fortes movimentos sociais que desde a década de 1960, lutavam por direitos, transformações culturais e a construção de um novo sistema de produção, conforme Netto e Braz (2010).

Como já mencionado, as crises no capitalismo são estruturais, produtos das contradições inerentes ao modo de produção capitalista, e ascendem a partir de detonadores. Em 1973, a desvinculação do dólar norte-americano ao ouro, que fundamentava o sistema financeiro mundial e o aumento do preço do petróleo em virtude de decisão dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) eclodem como detonadores da crise.

Deste modo, na década de 1970 o capitalismo mundial entra em recessão generalizada, com queda das taxas de lucro e crescimento somados ao aumento descontrolado da inflação. Utilizando os termos de Netto e Braz (2010), o capitalismo entra em uma onda longa recessiva, que perdura até a atualidade, em que as crises se tornam mais intensas e mais constantes em relação aos períodos de crescimento.

A fim de retomar as taxas de lucro, o capital sofre uma série de modificações econômicas, políticas e culturais, que constituem a atual etapa do imperialismo – o capitalismo contemporâneo.

Harvey (2012) identifica que para enfrentar a crise estrutural do capital e retomar as taxas de lucros, a partir da década de 1970 o capital requer encontrar novas formas de organização, dessa forma consolida-se a sua reestruturação, modificando produção, substituindo a lógica de acumulação rígida pela organização flexível.

A acumulação flexível, como vou chama-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na

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