• Nenhum resultado encontrado

Aspectos da evolução urbana de Itapiranga (SC): cidade nova e pequena

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Aspectos da evolução urbana de Itapiranga (SC): cidade nova e pequena"

Copied!
287
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E

URBANISMO

SUÉLEN CRISTINA MAZZARDO

Dissertação de Mestrado

ASPECTOS DA EVOLUÇÃO URBANA DE ITAPIRANGA (SC): CIDADE NOVA E PEQUENA

Área de Concentração: Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade

Linha de Pesquisa: Urbanismo, Cultura e História da Cidade

Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Fontoura Teixeira

Florianópolis 2017

(2)
(3)

ASPECTOS DA EVOLUÇÃO URBANA DE ITAPIRANGA (SC): CIDADE NOVA E PEQUENA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Fontoura Teixeira

Florianópolis 2017

(4)
(5)
(6)
(7)

À Itapiranga. Para que seus moradores nunca deixem de conhecer a sua história.

(8)
(9)

O caminho nem sempre é fácil. Porém, às vezes, só precisamos de segundos de otimismo, uma palavra de incentivo e uma coragem insana para correr atrás daquilo que sonhamos. Assim, ao findar a jornada, olharemos para trás com alegria e gratidão por aqueles que estiveram ao nosso lado durante o percurso.

Agradeço a Deus por iluminar o meu caminho.

Aos meus pais, Cleuza e Alvari, e minha irmã, Daniele, pessoas incríveis que, com seu amor incondicional, sempre acreditaram no meu potencial e me impulsionaram para voos mais altos.

Ao meu orientador, professor Luiz Eduardo Fontoura Teixeira, pelos dois anos e meio de grandes ensinamentos sobre arquitetura, cidade, patrimônio e, por que não, sobre a vida. Obrigada pelo incentivo nos momentos mais difíceis, por ter acreditado na pesquisa e por ter sempre me colocado no caminho certo, possibilitando meu crescimento pessoal, acadêmico e profissional.

Aos membros da banca de defesa, professores Gilberto Sarkis Yunes, Paulo Ricardo Bavaresco e Nelson Popini Vaz, pelas valiosas contribuições que encorajam o avanço da pesquisa.

À Universidade Federal de Santa Catarina e, em especial, ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, seus professores e funcionários, pela acolhida em Florianópolis e pela oportunidade de estudar uma parte, por vezes esquecida, de nosso belo estado.

Aos funcionários da Prefeitura Municipal de Itapiranga pela colaboração na obtenção de dados essenciais.

Por fim, um agradecimento muito especial à Universidade do Oeste de Santa Catarina pelo apoio constante, aos amigos e àqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a finalização (provisória) desta pesquisa.

(10)
(11)

O passado é totalmente imaterial e perdido. Não existe mais, mesmo sendo indestrutível. O que existe é uma reconstrução constante de uma memória efêmera.

(12)
(13)

A presente pesquisa buscou compreender um período da história de colonização de Santa Catarina a partir da imigração teuto-brasileira em Itapiranga, pequeno município localizado na região extremo oeste do estado, na margem direita à montante do rio Uruguai, cuja colonização foi impulsionada pela atuação de uma associação jesuíta que pretendia formar uma colônia étnica e confessional exclusiva para descendentes de alemães católicos. Para tanto, foram investigadas as características peculiares e contraditórias que permeiam seu processo de ocupação territorial identificando os condicionantes e fatores que influenciaram sua evolução urbana. A fim de cumprir com os objetivos propostos e responder as questões levantadas, para a presente pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa. Os procedimentos técnicos utilizados abrangeram o levantamento de dados por meio da pesquisa bibliográfica, indispensável nos estudos históricos, e a da pesquisa documental como alternativa para complementar as informações, utilizando legislações municipais, mapas e fotografias. Por fim, utilizou-se da pesquisa de campo, a partir de observações e visitas exploratórias ao local de estudo, para analisar a paisagem de Itapiranga e identificar os espaços residuais que a configuram. O processo de evolução urbana foi dividido em três períodos a partir da colonização promovida pela associação até os dias atuais. A primeira fase abrangeu os anos que podem ser considerados como período fundacional até a emancipação político-administrativa de Itapiranga; a segunda fase considerou este período até a instituição do primeiro Plano Diretor Físico-Territorial; e a terceira fase, até o Estudo Ambiental sobre as Áreas de Preservação Permanente aprovado pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA) em outubro em 2017. Essa periodização buscou resgatar a história e a memória urbana por meio da reflexão sobre a evolução urbana e o modo pelo qual os processos sociais, culturais, econômicos e políticos atuaram e tem atuado sobre a

(14)

construção e a transformação da paisagem, considerada como o patrimônio ambiental urbano de uma cidade nova e pequena. Palavras-chave: Forma urbana. Paisagem. Evolução urbana. Transformação da paisagem. Patrimônio ambiental urbano.

(15)

The present research aimed at understanding a period of the colonization history of Santa Catarina from the immigration of German-Brazillian in Itapiranga, a small city located in the extreme western region of the state, on the right bank of the Uruguay River, which colonization was driven by a Jesuit association that sought to form an ethnic and confessional colony exclusively for descendants of Catholic Germans. Therefore, we investigated the peculiar and contradictory characteristics that permeate its territorial occupation process, identifying the constraints and factors that influenced its urban evolution. In order to fulfill the proposed objectives and answer the questions raised, for the present research, a qualitative approach was chosen. The technical procedures used included data collection through bibliographic research, indispensable in historical studies, and documentary research as an alternative to complement information, using municipal legislation, maps and photographs. Finally, it was used field research, from observations and exploratory visits to the place of study, seeking for analyzing the landscape of Itapiranga and identifying the residues that configure it. The process of urban evolution was divided in three periods from the colonization promoted by the association until the present day. The first phase covered the years that can be considered as the founding period until the political and administrative emancipation of Itapiranga; the second phase considered this period until the establishment of the first Physical-Territorial Directorial Plan; and the third phase reached the Environmental Study on the Areas of Permanent Preservation approved by the Fundação do Meio Ambiente (FATMA) in October 2017. This periodization sought to rescue history and urban memory through reflection on urban evolution and the way that social, cultural, economic and political processes have played a role in the construction and transformation of the landscape, considering it as the urban environmental heritage of a new and small city.

(16)

Keywords: Urban form. Landscape. Urban evolution. Landscape transformation. Urban environmental heritage.

(17)

Figura 01 – Território catarinense durante a Guerra do Contestado

72 Figura 02 – Território catarinense após a Guerra do

Contestado

72 Figura 03 – Strassendorfen e Waldhufendorfen:

povoações alemães originadas a partir de uma rua

82

Figura 04 – Florianópolis, cidade de origem portuguesa: formação do núcleo a partir da praça e da igreja

84

Figura 05 – Blumenau, cidade de origem alemã:

formação do núcleo a partir da rua comercial 84 Figura 06 – Lotes coloniais de Blumenau em 1864 85 Figura 07 – Pe. Max von Lassberg com os pioneiros em

em 1926

98 Figura 08 – Margem do Rio Uruguai onde foi iniciada a

colônia de Porto Novo em 1926

98 Figura 09 – Localização de Itapiranga no contexto

nacional e estadual

100 Figura 10 – Divisão das comunidades da nova colônia e

demarcação das primeiras áreas ocupadas

107 Figura 11 – Porto Novo em linhas coloniais: os números

indicam o número de lotes à venda

108

Figura 12 – Hotel Schoeller em 1929 111

Figura 13 – Hotel Schoeller em 1929 111

Figura 14 – Primeiro hospital em Sede Capela 113 Figura 15 – Visita do governador Adolfo Konder em

1929

115 Figura 16 – Divisão completa dos lotes coloniais da

Colônia Porto Novo

122 Figura 17 – Stadplatz da Colônia Porto Novo vista do

outro lado do rio Uruguai

123

(18)

Figura 19 – Rua principal como Rua do Comércio na década de 1970

125 Figura 20 – Rua principal como Rua do Comércio na

década de 1970

126

Figura 21 – Rua do Comércio em 2017 126

Figura 22 – Igreja Matriz surgindo do alto sobre o centro urbano

127 Figura 23 – Igreja Matriz surgindo do alto sobre o centro

urbano

128

Figura 24 – Criação de porcos 129

Figura 25 – Plantação de milho em 1929 130 Figura 26 – Plantação de fumo em 1929 130 Figura 27 – Exportação de madeira em balsas pelo rio

Uruguai

132 Figura 28 – A paisagem formada pelo rio Uruguai e o

núcleo urbano de Itapiranga vista a partir de Barra do Guarita/RS

135

Figura 29 – Travessia do rio Uruguai feita em barcos e pequenas balsas

136 Figura 30 – Uma das “gasolinas” utilizadas na travessia

do rio Uruguai

137 Figura 31 – A estrada em Sede Capela e ao fundo o

Hotel Schoeler

138 Figura 32 – Abertura de estradas em Porto Novo 141 Figura 33 – Escola-capela (Schulkapelle) e casa do

professor

143 Figura 34 – Igreja matriz e escola da sede na década de

1940

144

Figura 35 – Casa Canônica em 1933 146

Figura 36 – Construção da Associação Católica Kolping em 1933

148 Figura 37 – Primeiro hospital da Sagrada Família

inaugurado em 1938

150 Figura 38 – Igreja São Pedro Canísio na década de 1950 153 Figura 39 – Igreja São João Berchmans em 1950 154

(19)

Figura 41 – Momento de encontro na comunidade durante a missa

159 Figura 42 – Banda Stahl, primeira bandinha de Porto

Novo em 1936

160 Figura 43 – Jogo de futebol na década de 1930 em

Itapiranga

162 Figura 44 – Solenidade de posse do primeiro prefeito de

Itapiranga em frente à sede provisória

163 Figura 45 – Antigo Colégio São Vicente 166 Figura 46 – Construção da sede própria da Caixa Rural 167 Figura 47 – Eletrificação de alta tensão trazida de

Tenente Portela/RS

169 Figura 48 – Rua de Itapiranga na década de 1960 169 Figura 49 – Rua do Comércio e edificações 178 Figura 50 – Ocupação do núcleo urbano de Itapiranga

na década de 1970

179 Figura 51 – Construção da Safrita em 1966 185 Figura 52 – Caminhões da Safrita cruzando a Rua do

Comércio na década de 1960

187 Figura 53 – Inauguração da rodovia SC 472 entre

Itapiranga e Iporã do Oeste em 1978

190 Figura 54 – Esporte Clube Cometa na década de 1960 193 Figura 55 – Demarcação das ruas asfaltadas em 1980 207 Figura 56 – Área urbana de Itapiranga em 1998 com

destaque para a torre sineira da Igreja Matriz 212 Figura 57 – Construção da Faculdade de Itapiranga em

2002

214 Figura 58 – Atual sede da Faculdade de Itapiranga 214 Figura 59 – Vila São João na década de 1950 217 Figura 60 – Vista aérea do núcleo urbano de São João

do Oeste em 2017

218

(20)

Figura 62 – Vista aérea do núcleo urbano de Tunápolis em 2017

220 Figura 63 – Primeiros participantes da Oktoberfest em

1978 e em 2008

224 Figura 64 – Abertura da Oktoberfest 2017 com a sangria

do primeiro barril de chopp e apresentações artísticas

225

Figura 65 – Rainha e princesas da Oktoberfest 2017 226 Figura 66 – Casais Fritz e Frida, Hansel e Gretel E Oma e

Opa em 2017

226 Figura 67 – Desfile nas ruas de Itapiranga na Oktoberfest

2017

227 Figura 68 – Concurso de chopp em metro e prato típico

organizado pela comunidade de Linha Becker

228

Figura 69 – APP do Rio Uruguai 240

Figura 70 – Enchente de 2014 na Avenida Uruguai e transversais

241 Figura 71 – Setores de risco de escorregamentos no

município de Itapiranga

242 Figura 72 – Visão geral das áreas consideradas de risco

de deslizamento

242 Figura 73 – Setores de risco de inundação no município

de Itapiranga

243 Figura 74 – Linha Média Calculada (LMC) 243 Figura 75 – Limite máximo de ocupação e LMC 244 Figura 76 – Classificação da área com risco de

escorregamento na área do Bairro Santa Teresa

245

Figura 77 – Vista aérea do núcleo urbano do município de Itapiranga evidenciando o principal curso d’água (rio Uruguai), o relevo envoltório demarcador da área urbana composto por morros, o eixo estruturador (rua comercial) e

(21)

período fundacional componentes da paisagem urbana gerada

Figura 78 – Ocupação urbana de Itapiranga às margens do rio Uruguai enfatizando as construções verticalizadas no centro e a ocupação das margens, morros e encostas

(22)
(23)

Fotografia 01 – Residência em Sede Capela construída em enxaimel em 1932 e demolida em 2016

109

Fotografia 02 – Antigo Hotel Schoeller abandonado em 2017

112 Fotografia 03 – Conjunto de edificações abandonadas

em Sede Capela: hotel, depósito e casa comercial

112

Fotografia 04 – Vista aérea da área urbana do

município de Itapiranga às margens do Rio Uruguai

119

Fotografia 05 – Edificação comercial em Sede Capela construída entre 1928

133 Fotografia 06 – Balsa de travessia no porto em

Itapiranga

139 Fotografia 07 – Travessia de pessoas em pequenas

embarcações no porto em Itapiranga

139 Fotografia 08 – Museu Almiro Theobaldo Müller, antiga

Casa Canônica, em 2017

147 Fotografia 09 – Associação Católica Kolping em 2017 149 Fotografia 10 – Igreja São Pedro Canísio em 2017 153 Fotografia 11 – Igreja São João Berchmans em São João

do Oeste em 2017

155 Fotografia 12 – Interior da Igreja São João Berchmans

em São João do Oeste

155 Fotografia 13 – Capela de Linha Popi em 2017 156 Fotografia 14 – Edificação do Hospital Sagrada Família 157 Fotografia 15 – Antiga sede provisória da Prefeitura

Municipal

165 Fotografia 16 – Atual sede da ADR de Itapiranga 166 Fotografia 17 – Edificação da atual Sicoob

Creditapiranga

(24)

Fotografia 18 – Configuração da Praça Nereu Ramos em 2017

171 Fotografia 19 – Localização da Safrita dentro do

perímetro urbano

186 Fotografia 20 – Frigorífico de aves da JBS em Itapiranga 188 Fotografia 21 – Avenida Uruguai com duas pistas para

trânsito de veículos e vagas de estacionamento

199

Fotografia 22 – Bancos e churrasqueiras existentes ao longo da Avenida Uruguai

199 Fotografia 23 – Acesso ao porto para pequena

embarcações

200 Fotografia 24 – Localização do Edifício Kliemann em

relação à Igreja Matriz

205 Fotografia 25 – Edifício Kliemann com 15 pavimentos 205 Fotografia 26 – Vista do centro urbano de Itapiranga a

partir da Rua do Comércio com a demarcação de edificações que “competem” com a Igreja

206

Fotografia 27 – Clube Imigrantes na margem do rio Uruguai

208 Fotografia 28 – Terminal Rodoviário Pedra Vermelha de

Itapiranga

209 Fotografia 29 – Praça dos Imigrantes em Itapiranga 210 Fotografia 30 – Praça dos Pioneiros em Itapiranga 211 Fotografia 31 – Hotel Mauá no centro de Itapiranga 230 Fotografia 32 – Hotel Mauá com mansardas no telhado

e simulação de enxaimel

231 Fotografia 33 – Edificação da Rádio Itapiranga em

“estilo germânico”

(25)

Quadro 01 – Procedência de grupos alemães para o Brasil

68 Quadro 02 – Evolução populacional de Itapiranga no

período de 1930 a 2010

102 Quadro 03 – Índices de ocupação na LMC e áreas de

inundações

276 Quadro 04 – Restrições áreas com risco de

escorregamento

(26)
(27)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 29 CAPÍTULO 1 – APORTE TEÓRICO... 35 1.1 MEMÓRIA E IDENTIDADE... 35 1.2 PATRIMÔNIO... 39 1.2.1 A busca pela preservação do patrimônio... 41 1.2.2 A materialidade e a imaterialidade do

patrimônio... 47 1.3 PAISAGEM... 51 1.3.1 A paisagem como patrimônio... 53 1.3.2 A identidade urbana... 56 1.3.3 A memória urbana e a memória da cidade... 57 1.3.4 A forma urbana... 59 1.3.5 A morfologia urbana... 63 CAPÍTULO 2 – A PAISAGEM EM CONSTRUÇÃO:

ANTECEDENTES... 66 2.1 OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS PARA O

BRASIL... 66 2.1.1 A ocupação do oeste catarinense... 71 2.1.1.1 Índios, caboclos e “brancos” ... 75 2.2 A INFLUÊNCIA DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NA

FORMAÇÃO DE CIDADES NO SUL DO BRASIL... 79 2.3 A RELIGIÃO CATÓLICA E A ATUAÇÃO JESUÍTA... 86 2.3.1 A Volkverein e o projeto de uma comunidade

para alemães católicos... 91 CAPÍTULO 3 – A PAISAGEM EM CONSTRUÇÃO:

FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO URBANA DE ITAPIRANGA... 100 3.1 PRIMEIRA FASE: A FORMAÇÃO DA PAISAGEM... 106 3.1.1 A constituição da forma urbana... 119 3.1.2 A base econômica da colônia... 128 3.1.3 Os transportes e as estradas de rodagem... 134 3.1.4 A participação dos padres jesuítas... 141 3.1.5 A vida social na colônia... 158

(28)

3.2 SEGUNDA FASE: A TRANSFORMAÇÃO DA

PAISAGEM... 163 3.2.1 Itapiranga na busca pelo desenvolvimento... 180 3.2.2 A evolução do transporte rodoviário... 189 3.2.3 As mudanças na vida social... 192 3.3 TERCEIRA FASE: A CONSOLIDAÇÃO DA PAISAGEM 194 3.3.1 A expansão da área urbana... 206 3.3.2 Os desmembramentos... 216 3.3.3 O resgate cultural... 221 3.3.4 A criação de uma imagem... 229 3.3.5 A revisão do Plano Diretor... 232 3.3.6 Os estudos ambientais... 237 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 247 REFERÊNCIAS... 257 ANEXOS... 271 APÊNDICES... 277

(29)

INTRODUÇÃO

A partir do final do século XIX uma grande leva de imigrantes europeus cruzou o Oceano Atlântico trazendo consigo suas tradições, sua religião e seus costumes, e, consequentemente, contribuindo para a construção da identidade cultural brasileira. O estado de Santa Catarina, por sua vez, foi ocupado por diversos movimentos migratórios de diferentes nacionalidades, constituindo características diferenciadas e histórias próprias para cada lugar. No caso do Oeste catarinense, as companhias colonizadoras foram as grandes responsáveis pelo início da ocupação oficial e do desenvolvimento regional, uma vez que atraiam os descendentes dos imigrantes europeus que estavam no Rio Grande do Sul e buscavam melhores condições de vida.

Dentre os projetos de colonização, um se diferenciou dos demais. A singularidade do “Projeto Porto Novo”, colônia que em 1929 recebeu o nome de Itapiranga1, se deve ao fato de ter sido

organizado por uma associação de alemães católicos, fundada por jesuítas, a Volksverein für die Deutschen Katholiken im Rio Grande do Sul (Sociedade União Popular para Católicos do Rio Grande do Sul), que pretendia formar uma comunidade étnica e religiosamente homogênea, a fim de fortalecer sua identidade alemã e sua religiosidade.

Estudar e analisar a evolução urbana da cidade e tentar resgatar a memória urbana é um processo novo para Itapiranga, pois não existem pesquisas semelhantes a esta. Existem sim outros estudos sobre o município, mas que tratam especificamente da história de formação da Colônia Porto Novo. Outro fator de relevância no tema é por entender que nos últimos anos a preservação dos conjuntos históricos da imigração europeia tem

1 Localizada na extremidade Oeste do território catarinense, nas margens do Rio Uruguai – divisa entre Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Argentina –, a colônia Porto Novo passou, em 1929 a se denominar Itapiranga em decorrência da visita do presidente do estado de Santa Catarina, Adolfo Konder (JUNGBLUT, 2011).

(30)

sido interesse dos órgãos de preservação em Santa Catarina. No entanto, o oeste catarinense acabou ficando a descoberto no processo de identificação e salvaguarda dos bens culturais. Observou-se então que a questão patrimonial também figura como uma lacuna nos estudos sobre Itapiranga.

Desta forma, a presente pesquisa teve como objetivo a busca por compreender esse período da colonização de Santa Catarina a partir da imigração teuto-brasileira em Itapiranga e as características peculiares e contraditórias2 que permeiam sua

formação, bem como a oportunidade de ampliar os estudos existentes e ser precursora de uma proposta de compreensão da história e da evolução da cidade, identificando os condicionantes e fatores que influenciaram nesse processo e resgatando a memória urbana por meio da recomposição da paisagem, buscando, assim, a identificação das perdas e dos resíduos ao longo do tempo.

Considerando o contexto das discussões apresentadas e a ausência de estudos acerca da evolução urbana e configuração da paisagem do município estudado, ao longo do desenvolvimento da pesquisa diversas indagações surgiram, as quais se buscou responder: Quais condicionantes e fatores influenciaram na implantação da colônia? Quais as características de implantação da cidade alemã? Há elementos perceptíveis em Itapiranga? Qual o papel da Igreja na cidade católica? E o papel dela na formação e evolução urbana de Itapiranga? Como ocorreram a apropriação do ambiente natural e a constituição dos espaços urbanos? Como se estabeleceu e como se configura o núcleo urbano fundador de Itapiranga? Quais as transformações ocorridas na paisagem de Itapiranga desde o momento de sua colonização dirigida até os dias? O que se perdeu ao longo do tempo? Onde estão os resíduos? No entanto, o estudo foi direcionado a fim de compreender qual é a singularidade da formação urbana de

2 Como, por exemplo, o fato de haver uma população já existente e possíveis conflitos de identidade daí resultantes.

(31)

Itapiranga. Sob essa perspectiva, foram definidos como objetivos específicos da pesquisa:

a. Refletir sobre a relação entre memória e identidade, conceitos-chave do discurso preservacionista, e analisar a evolução conceitual e teórica relacionada ao patrimônio cultural e seu processo de identificação e preservação.

b. Investigar as motivações da implantação de uma colônia étnico-confessional e os aspectos históricos e característicos da formação do oeste catarinense e, consequentemente, do município de Itapiranga. c. Analisar o processo de ocupação territorial,

crescimento e desenvolvimento urbano de Itapiranga a fim de identificar os condicionantes e os fatores que influenciaram sua implantação, compreendendo como ocorreram as formas de apropriação do ambiente natural e de constituição dos espaços urbanos.

d. Refletir acerca da evolução urbana e analisar o modo pelo qual os processos sociais, culturais, econômicos e políticos atuaram sobre a construção e a transformação da paisagem de Itapiranga.

e. Identificar e analisar os espaços residuais que configuram a paisagem e o patrimônio de Itapiranga, identitários de sua singularidade, resgatando a história e a memória urbana.

Portanto, a fim de cumprir com os objetivos propostos e responder as questões levantadas, para a presente pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa, pois considerou-se o ambiente natural como fonte de dados e o pesquisador como instrumento fundamental, possibilitando uma maior interação entre ele e a realidade. Com relação aos objetivos, a pesquisa possui caráter exploratório, uma vez que pretendeu proporcionar maior familiaridade com o problema, envolvendo levantamento bibliográfico, documental e estudos de caso; e caráter explicativo,

(32)

pois buscou identificar os fatores que contribuem para a ocorrência de determinados fenômenos (GIL, 2008).

Os procedimentos técnicos de coleta de dados utilizados abrangem, primeiramente, o levantamento de dados por meio da pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de material já publicado, a fim de conhecer e avaliar as principais contribuições teóricas e conceituais existentes sobre os temas de interesse (KOCHE, 2011), como memória, identidade, forma urbana, paisagem e patrimônio. Da mesma forma, a partir do objeto de estudo selecionado, o município de Itapiranga/SC, cuja colonização foi estimulada por uma companhia jesuítica, católica e alemã, além de compreender e contextualizar a vinda dos imigrantes, buscou-se investigar as motivações para a implantação da colônia e o processo de ocupação, bem como identificar as características de implantação do sítio, formação e evolução urbana, destacando padrões com características de imigração alemã na região sul do Brasil.

Além da pesquisa bibliográfica, indispensável nos estudos históricos, fez-se uso da pesquisa documental como alternativa para complementar as informações, em especial, aquelas sobre o objeto de estudo que ainda “não receberam tratamento analítico ou que podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 2008, p. 51). A fim de compreender a ocupação territorial, as formas de apropriação do ambiente natural e de constituição dos espaços urbanos, foram investigadas as leis municipais aprovadas3 desde a emancipação

político-administrativa de Itapiranga e foram utilizados mapas existentes e correspondentes ao período de implantação da colônia, ao plano urbano municipal e à situação urbana atual, acompanhados de intervenções da autora. Como em alguns momentos, os dados encontrados se mostraram insuficientes para compreender o que

3 Todas as leis municipais mencionadas no decorrer da dissertação estão disponíveis em: <http://cespro.com.br/visualizarIndicePorAssunto.php?cd Municipio=8271&cdTipoDiploma=590?cdMunicipio=8271&cdTipoDiploma =590>.

(33)

foi proposto pelo estudo, fez-se uso de fotografias como documento base para traçar a história e a evolução urbana, uma vez que fornecem elementos para a leitura dos lugares, dos eventos e da paisagem. Essa etapa procurou auxiliar na análise do processo de ocupação territorial, crescimento e desenvolvimento urbano.

A partir do levantamento bibliográfico e documental foi possível desenvolver a pesquisa de campo para obter dados e informações de forma a aumentar a familiaridade da pesquisadora com o objeto de pesquisa e, assim, atingir os objetivos propostos (LAKATOS; MARCONI, 1985). Para tanto, foram utilizadas técnicas de observação e visitas exploratórias no local de estudo, a fim de ler e interpretar as transformações ocorridas na paisagem a partir de processos sociais, culturais, econômicos e políticos, buscando resgatar, assim, a história e a memória urbana.

Como meio de identificar as permanências que configuram a paisagem e o patrimônio de Itapiranga, como primeiro passo, foi realizado um levantamento preliminar que resultou na determinação dos bens existentes na área estudada, a partir de uma visão crítica adquirida por meio do aporte teórico trabalhado. Essa etapa auxiliou na seleção dos bens que poderiam ser identificados e inventariados de forma mais detalhada.

Após a realização dos procedimentos descritos acima, os resultados foram analisados e interpretados a fim de determinar fases de ocupação e evolução urbana, apontando as transformações ocorridas na paisagem de Itapiranga a partir de fatores sociais, econômicos, culturais e de intervenção no espaço urbano, levantando ainda os elementos remanescentes que se configuram como identitários de sua singularidade.

Conforme as etapas de pesquisa, a dissertação está organizada em três capítulos. O primeiro capítulo atua como um aporte teórico versando sobre os principais conceitos e temas desenvolvidos na pesquisa a fim de compor uma base teórica e conceitual para as discussões dos próximos capítulos. Dessa forma, busca refletir sobre a cidade, a forma e a morfologia urbana, bem

(34)

como a relação entre memória e identidade. Aborda o desdobramento acerca da evolução e ampliação do termo patrimônio, tanto em sua natureza material quanto imaterial, e as políticas patrimoniais aplicadas ao longo da história; abrangendo ainda o conceito de paisagem e sua interpretação como patrimônio cultural.

O segundo capítulo se aproxima do objeto de pesquisa por meio de aspectos históricos de fundação e colonização da Colônia Porto Novo, hoje Itapiranga, apresentando um panorama dos movimentos migratórios da Alemanha para o Brasil, uma reflexão sobre a influência alemã na formação das cidades no sul do país e as motivações e características de implantação de uma colônia étnico-confessional.

O terceiro capítulo discorre sobre os resultados obtidos por meio das análises dos dados coletados das diferentes fases do estudo e apresenta detalhadamente o objeto da pesquisa, apresentando as considerações relacionadas à evolução urbana e às transformações ocorridas na paisagem de Itapiranga. A evolução urbana é subdivida em três fases no intervalo de tempo considerado a partir da colonização promovida pela Volksverein até os dias atuais, abordando condicionantes e fatores sociais, econômicos, culturais e de intervenção no espaço urbano, analisando os elementos remanescentes que configuram a paisagem de Itapiranga.

Por fim, nas considerações finais, resgatam-se os objetivos propostos a fim de verificar seu cumprimento e se apresenta a síntese dos resultados obtidos pela pesquisa, a partir dos quais procura-se discutir a proteção e a preservação do patrimônio ambiental urbano do município de Itapiranga. Além disso, apresenta recomendações e sugestões para futuros trabalhos de investigação e aplicação prática na vida urbana.

(35)

1

APORTE TEÓRICO

O presente capítulo versa sobre os principais conceitos e temas desenvolvidos na pesquisa a fim de compor uma base teórica e conceitual para as discussões dos próximos capítulos. Aborda a relação entre memória e identidade e o desdobramento acerca da evolução e ampliação do termo patrimônio, tanto em sua natureza material quanto imaterial, e as políticas patrimoniais aplicadas ao longo da história. O capítulo visa também abranger o conceito de paisagem e sua interpretação como patrimônio cultural, buscando refletir ainda sobre forma e morfologia urbana. 1.1 MEMÓRIA E IDENTIDADE

O campo de estudos da memória aborda a relação entre tempo e espaço como categorias básicas do pensamento humano e da prática social. O tempo pode ser diferenciado em duas concepções, linear e cíclica, que produzem diferentes maneiras de trabalho com a memória. Nas sociedades ocidentais modernas, aborda-se a concepção linear do tempo, na qual ele é representado cronologicamente com um passado, um presente e um futuro e está diretamente relacionado à noção de história. Já nas sociedades chamadas tradicionais, o tempo é cíclico e remete ao contexto mítico-religioso no qual os acontecimentos são reversíveis e repetitivos. Porém, apesar das diferenças, essas duas concepções não são excludentes, pois o contato entre diferentes culturas resulta na convivência entre elas (ABREU, 2007).

Por ter sido formulado no contexto da sociedade ocidental moderna, a noção de patrimônio está diretamente relacionada a uma concepção linear de tempo e se relaciona com um sentido de herança, sendo que em todas as sociedades adquire certa dinâmica

(36)

entre lembranças e esquecimentos (ABREU, 2007), tornando-se base para a memória.

A memória, por sua vez, possui a propriedade de conservar informações, remetendo a um conjunto de funções psíquicas que possibilita ao homem evocar seu passado, ou o que ele acredita ser passado, por meio de lembranças (LE GOFF, 2003). Para Nora (1993, p. 9), “a memória é a vida, [...] está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento”, é um fenômeno atual, como um elo vivido no eterno presente.

Le Goff (2003) considera a memória um fenômeno individual e psicológico que tem ligação com a vida social, podendo ser objeto utilizado pelo Estado para conservar as marcas dos acontecimentos do passado como história. Por outro lado, por mais que pareça um fenômeno individual, Halbwachs (2006) esclarece que a memória deve ser entendida também como um fenômeno coletivo e social, constantemente construído e submetido a transformações e mudanças. Acrescenta ainda que a memória coletiva contem as memórias individuais, pois cada memória individual ou pessoal é um ponto de vista da memória coletiva ou social, a qual também pode ser considerada como histórica, pois abrange a história em geral.

Considerando estas características, Pollak (1992, p. 201) determina que a memória é constituída por acontecimentos, personagens e lugares, existindo, assim, marcos imutáveis ou invariáveis que caracterizam os períodos relacionados com a memória. O autor estabelece que os acontecimentos podem ser identificados por aqueles vividos pessoalmente ou pelo grupo ao qual se pertence. Nesse caso, são ”acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não”, inclui-se aqui eventos que estão fora do tempo-espaço de uma pessoa ou grupo, reconhecidos como um fenômeno de projeção do passado por meio da socialização política ou histórica. Os personagens, por sua vez, podem ser classificados em personagens encontrados no

(37)

decorrer da vida, aqueles que também estão fora do tempo-espaço da pessoa e os que conhecidos “por tabela”. Já os lugares podem ser lugares de memória, particularmente ligados a uma lembrança, a qual pode ser pessoal, como um lugar visitado durante a infância, ou não estar ligada ao tempo cronológico. Há também os lugares de apoio à memória, como os lugares de comemoração ou os lugares que são importantes para a memória do grupo e que remetem a acontecimentos marcantes.

Sobre os lugares, Halbwachs (2006, p. 170) destaca que as imagens espaciais tem um importante papel na memória coletiva uma vez que o lugar recebe a marca do grupo que ali vive. Além disso, “não há memória coletiva que não aconteça em um contexto espacial”, pois “o espaço é uma realidade que dura”, sendo utilizado como ponto de fixação do pensamento para que uma categoria de lembranças reapareça.

A partir do entendimento dos diferentes elementos da memória e os fenômenos de projeção e transferência, Halbwachs (2006) caracteriza a memória como seletiva, uma vez que nem tudo acaba por ser registrado e Pollak (1992) considera ainda que ela pode ser herdada de outras gerações, pois não se refere apenas à vida física da pessoa. Neste contexto, pode-se dizer que a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, seja ela individual ou coletiva (LE GOFF, 2003) uma vez trata da seleção do que é relevante para a continuidade e o sentimento de unidade. Assim, a identidade remete ao sentimento de pertencimento a um povo, a uma cultura ou a um lugar, que resulta em coesão social e reconhecimento. Porém, discute-se se deveria se falar sobre “identidade” ou “identidades”.

É consenso que em todas as sociedades há uma enorme variedade de identidades, compostas por diferentes afiliações e pertenças a um determinado grupo étnico, cultural, religioso, dentre tantos outros (RODRIGUES, 2012). Para Pesavento (2008, p. 4), as identidades se fundamentam em “dados reais e objetivos, recolhendo traços, hábitos, maneiras de ser e acontecimentos do

(38)

passado, tal como lugares e momentos”, podendo ser fabricadas e inventadas, o que não significa que sejam falsas.

Por outro lado, Hall (2006; 2009) caracteriza a identidade como algo formado ao longo do tempo que está sempre em processo de formação. Por esse motivo, acredita que em vez de falar de identidade ou identidades – que remetem a algo acabado –, dever-se-ia falar de identificação, que pode entendida como uma construção a partir do “reconhecimento de uma origem comum ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal”. Nessa concepção, as identidades não são unificadas e singulares, elas são fragmentadas, fraturadas e multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições, estando em constante processo de mudança e transformação.

Pela sua essência de representação da unidade, da coesão e do pertencimento, a identidade está intimamente ligada ao conceito de cultura, sobre o qual Gonçalves (2005) aponta duas concepções: de um lado, a clássica, na qual cultura é pensada como processo de auto aperfeiçoamento humano, e de outro, a moderna, sendo a manifestação da identidade dos diversos grupos sociais, pensada como expressão da alma coletiva.

Claval (2001, p. 1001) considera que a “a cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas” e pelos grupos dos quais fazem parte, sendo indispensável a eles. Ou seja, de uma forma geral, a cultura deve ser considerada a expressão de uma coletividade, como algo herdado ao longo do tempo, da mesma maneira que deve ser reconhecida como um trabalho de reconstrução consciente e constante.

Resumidamente, destaca-se que as diferentes formas de expressão de um grupo social, como sua língua, seu trabalho e os produtos dele, sua criatividade, seus valores e crenças, constituem sua cultura. Deste modo, conforme Fonseca (2004), a cultura pode

(39)

ser caracterizada como dinâmica, não estática e mutável, pois está em constante transformação e evolução.

Após a Segunda Guerra Mundial, o conceito de cultura foi abordado antropologicamente, trazendo em seu bojo discussões relacionadas com a diversidade cultural e a valorização das diferenças, e se firmou como condutor das iniciativas referentes ao patrimônio, legitimando a noção de patrimônio cultural (ABREU, 2007).

Portanto, falar de memória, identidade e cultura é falar de patrimônio. Como atributo coletivo, o patrimônio cultural abarca um conjunto de bens, materiais e imateriais, naturais ou construídos, que auxiliam na (re)memoração da história, dos lugares e dos acontecimentos. Desta forma, são referências que “se convertem em testemunhos de uma cultura, evidenciando a diversidade da humanidade” (FONSECA, 2004, p. 1). Neste sentido, patrimônio cultural é uma das formas de representação da identidade de um povo, é o símbolo reproduzido e preservado pela memória coletiva que torna sua cultura viva e em permanente construção na paisagem.

1.2 PATRIMÔNIO

A origem do conceito de “patrimônio” remete à Antiguidade Clássica, porém, não com o entendimento que temos hoje enquanto bem de interesse coletivo que deve ser preservado como referência para as gerações futuras. Constituído inicialmente para se referir aos “bens de herança” que seriam transmitidos dos pais aos filhos, ao longo da história, a amplitude do termo se tornou sua característica mais marcante e evidente (POULOT, 2009), pois passou a evocar múltiplos significados, vinculando além de aspectos financeiros e imobiliários, aspectos históricos, artísticos e culturais, e, adaptando-se a diferentes contextos.

De origem latina, patrimonium, na Roma Antiga, referia-se a tudo que pertencia ao pai, pater ou pater famílias, pai de família, sendo que à família compreendia tudo estava sob domínio deste

(40)

pai e que poderia ser deixado em testamento, incluindo não apenas bens móveis e imóveis, mas animais e pessoas, como mulher, filhos e escravos. O patrimônio era patriarcal, individual e privativo da aristocracia (FUNARI; PELEGRINI, 2006).

Entre os séculos IV e XV, o termo assumiu o caráter religioso por meio do culto aos santos e a valorização de relíquias e, no Renascimento, houve uma verdadeira mudança de perspectiva a partir da busca de inspiração na Antiguidade Grega e Romana, o que resultou na coleta e catalogação de objetos e vestígios que remetessem a estes períodos (FUNARI; PELEGRINI, 2006). No entanto, o patrimônio atingiu novos patamares quando rompeu com suas bases aristocráticas e privadas no surgimento dos Estados Nacionais.

Nos primeiros registros, a ideia de patrimônio estava associada à ideia de “monumento” e “monumento histórico”. O primeiro provém do latim monumentum, que, por sua vez, deriva de monere (“advertir” ou “lembrar”), e remete a um passado invocado, ao que é criado com a intenção de lembrar, ou seja, aquilo que é construído materialmente por um determinado grupo para servir de testemunha da história para as gerações futuras. Por outro lado, o segundo representa o que adquire significado com o tempo, relevante não apenas como elemento memorial, mas englobando também seu caráter estético, sendo constituído por bens móveis (documentos, obras de artes, jóias, etc) e imóveis (edificações) (CHOAY, 2006; RIEGL, 2014).

A noção atual de patrimônio – “enquanto um bem coletivo, um legado ou uma herança artística e cultural por meio dos quais um grupo social pode se reconhecer enquanto tal” – foi lenta e gradual (ABREU, 2007, p. 267). Ao longo dos anos, novos sentidos foram sendo incorporados ao termo. O adjetivo “cultural”, em substituição ao “artístico” e ao “histórico”, buscou uma forma de melhor representar os valores que cada grupo social atribui a um conjunto de objetos, materiais ou imateriais, reconhecendo-o também como possuidor de valor.

(41)

O patrimônio cultural de um grupo social tem a função de sustentar a sua identidade e o diferenciar de outros grupos, abarcando não apenas monumentos históricos e outros bens físicos, mas também a experiência vivida condensada nos bens culturais invisíveis, tais como as linguagens, os saberes e os fazeres (CANCLINI, 1994).

Constata-se, assim, que a concepção de patrimônio é dinâmica e envolve memória, cultura e tradição na construção de uma identidade coletiva. Um bem cultural representa a marca deixada no tempo e no espaço pelos diversos grupos que formam as sociedades atuais. Porém, ele passa a ser considerado patrimônio na medida em que a ele são atribuídos significados, funções e valores e, para que seja transmitido e conhecido por outras gerações, ele tem que ser preservado. Compreender os contornos que o conceito toma se torna o ponto de partida para contextualizar as políticas de preservação e os valores e por trás do seu processo de identificação.

1.2.1 A busca pela preservação do patrimônio

Os primeiros registros de colecionismo de antiguidades remontam ao Reino de Pérgamo, onde emissários eram enviados para procurar por esculturas e objetos de arte decorativa produzidos na Grécia clássica. Posteriormente, o Império Romano também demonstrou interesse na busca por vestígios, porém, descartava-se o sentido histórico tanto dos bens móveis quanto dos edifícios antigos, pois não havia preocupação de preservar estes objetos para o futuro, mas sim, por pertencerem a uma civilização superior, eram admirados e considerados modelos. Entretanto, é a experiência francesa que marca o início das primeiras ações efetivas de seleção e preservação de bens de interesse coletivo (CHOAY, 2006).

Durante o século XVIII, com o advento da Revolução Francesa, houve a promulgação de decretos que transferiram todos os bens do clero, da coroa e dos nobres para a Nação, que

(42)

ficou responsável por levantar, catalogar, classificar e dar destino ao que fora adquirido4. Para tanto, em 1790, foi criada a Comissão

de Monumentos, cuja função era definir critérios de valoração para decidir o que deveria ser preservado como patrimônio (CHOAY, 2006).

O exemplo francês denota que o surgimento da noção de patrimônio como representação coletiva esteve fortemente ligado a formação e consolidação dos Estados Nacionais a partir da construção de uma identidade nacional comum, sendo amplamente difundido em toda a moderna sociedade ocidental. Além disso, instituiu instrumentos para salvaguarda vinculando-os a uma ideia de seleção e escolha a partir da adoção de parâmetros e critérios de valoração do que deveria ser preservado ou não. A partir desse momento, embora com particularidades entre países, as questões relacionadas ao patrimônio e às formas de preservação e, consequentemente, à restauração, espalharam-se de maneira geral por toda a Europa, sendo o século XIX marcado pelo surgimento de correntes teóricas em defesa do patrimônio.

Neste contexto, o vocábulo “restauração” começou a ser abordado. Um importante nome é o do francês Eugène Emmanuel Viollet-Le-Duc (1814-1979) que representou a corrente intervencionista que ficou conhecida como “restauro estilístico”. Racionalista e adepto dos ideais iluministas, acreditava ser fundamental conhecer o passado para recompor o edifício em sua forma original, ou, em suas próprias palavras, “restaurar um edifício não é fazer a sua manutenção, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode jamais ter existido em um momento dado” (CHOAY, 2011, p. 135).

Paralelamente, surgiu na Inglaterra uma corrente teórica considerada antagônica à de Viollet-Le-Duc e que ficou conhecida como “restauro romântico”. John Ruskin (1819-1900), cuja

4 Uma grande quantidade de objetos estava reunida em depósitos, o que resultou em problemas de guarda e controle. Assim, a venda a particulares e a criação de museus (que deram aos objetos uma função instrutiva) foram as soluções encontradas (WEISSHEIMER, 2015).

(43)

produção teórica abrange diversos temas, desde história da arte até filosofia, em seu livro “As Sete Lâmpadas da Arquitetura” influenciou o campo da preservação do patrimônio e da restauração. Nele, defende um antiintervencionismo radical, estabelecendo uma analogia com a biologia, na qual sustenta a ideia de que era necessário aceitar a morte dos monumentos assim como era inevitável o fim da vida humana (CHOAY, 2006; RUSKIN, 2008).

Nesse período, na Itália, país que desde o século XVIII vivenciava ações de preservação dos monumentos, surgiu outro teórico de grande destaque. Camillo Boito (1835-1914), ponderando o melhor das duas doutrinas predominantes, formulou um conjunto de diretrizes para a conservação e restauração dos monumentos. De Ruskin, ele se apropriou da concepção de conservação dos monumentos baseada na noção de autenticidade, e de Viollet-Le-Duc, sustentou a prioridade do presente em relação ao passado, afirmando a validade da restauração (CHOAY, 2006). Por fim, estabeleceu alguns princípios fundamentais para os trabalhos de restauro.

Na medida em que as discussões foram sendo ampliadas, outros profissionais foram se envolvendo com o tema. O austríaco Alois Riegl (1858-1905), em seu livro “O Culto Moderno aos Monumentos”, empreendeu uma análise crítica da noção de patrimônio, abordando as definições de “monumento” e “monumento histórico”, e, por tratá-los como objetos sociais e filosóficos, definiu-os a partir de uma nova teoria de valores5, como

5 Os valores de rememoração, valendo-se da memória, referem-se ao passado. Neste contexto, estes se diferenciariam em valor histórico e valor de antiguidade. O primeiro remete a um saber e está ligado à história e à história da arte e diz respeito aos bens conservados que representam momentos da evolução humana, sendo sua preservação fundamental. O segundo se refere à “transitoriedade das criações humanas” cujo fim é eminente, ou seja, remete à idade do monumento e ao tempo transcorrido, que é revelado pelas marcas deixadas por ele. Neste sentido, as intervenções no monumento são indesejadas e fogem ao ciclo natural. Já os valores de contemporaneidade compreendem o valor de uso ou instrumental e o valor artístico, os quais

(44)

“valores de rememoração” e “valores de contemporaneidade” (CHOAY, 2006).

De volta à Itália, no início do século XX, Gustavo Giovannoni (1873-1947) revisou as teorias anteriores e ampliou a noção de monumento, constituindo, assim, uma nova categoria, a dos conjuntos urbanos antigos, ou seja, o patrimônio urbano. O autor, cuja teoria ficou conhecida como “Restauro Crítico”, partia do princípio de que a cidade era um organismo vivo e não deveria ser relegada à função de museu (CHOAY, 2006). Também aplicou os princípios de Camillo Boito aos núcleos urbanos, sendo que as intervenções deveriam respeitar a escala e a morfologia existentes e abordou que os monumentos não deveriam ser vistos como objetos isolados, mas que seus entornos construídos eram essenciais (MEIRA, 2008).

Com as constantes discussões a respeito do patrimônio e das formas de preservação e a partir da revisão das correntes de pensamento adotadas até então, houve a necessidade de debates e estudos acerca da definição e da gestão do patrimônio, bem como da atuação dos diferentes atores envolvidos. As chamadas Cartas Patrimoniais, frutos destas discussões, registram as diversas abordagens pelas quais o conceito de patrimônio flutuou ao longo da história e versam acerca de princípios e critérios que podem servir como base para a atuação de profissionais e instituições na conservação e preservação do patrimônio cultural.

A Carta de Atenas6, de 1931, que resultou da conferência

realizada em Atenas pelo Escritório Internacional dos Museus da

pertenceriam ao presente, pois responderiam às exigências da sociedade contemporânea. O valor de uso corresponderia à possibilidade de utilização do monumento. Já o valor artístico subdividir-se-ia em duas categorias. Na primeira, o valor artístico relativo se refere às obras antigas que ainda continuariam acessíveis à sensibilidade moderna e na segunda, o valor artístico de novidade corresponde ao aspecto fresco e intacto da obra, pois na medida em que novos atributos artísticos são acrescentados, ela passa a agregar um valor artístico de novidade (RIEGL, 2014).

6 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Carta%20de%20Atenas%201931.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

(45)

Sociedade das Nações, representou o marco inicial sobre preservação do patrimônio nos Estados Modernos. Com avanços significativos, a Carta abordava princípios de conservação e restauração estabelecidos por Camillo Boito, aceitava a adoção de técnicas e materiais modernos nas intervenções e passava a considerar os entornos urbanos dos monumentos antigos como dignos de preservação.

A partir deste momento, o debate preservacionista foi ganhando destaque e aos poucos novas cartas foram sendo escritas, atualizando métodos, introduzindo novos conceitos e novas abordagens da questão patrimonial. As Recomendações de Paris7 de 1962, por exemplo, tiveram como base a salvaguarda das

paisagens e sítios que apresentassem interesse cultural ou estético, fossem eles naturais, rurais ou urbanos, considerando, principalmente aqueles, cuja formação, se devesse à obra do homem. Neste contexto, a Carta de Veneza8 de 1964, realizada pelo

Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), versava sobre a conservação e restauração de monumentos e sítios. Apesar de definir “monumento histórico” como “criação arquitetônica isolada”, tratou-o como indissociável do seu entorno e do seu contexto histórico.

A década de setenta foi marcada pela preocupação com os sítios históricos, uma vez que o acelerado processo de urbanização e crescimento das cidades ameaçava a permanência do patrimônio cultural e natural. Assim, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural9 ocorrida em 1972

reafirmou a obrigação dos Estados na identificação, proteção, conservação e valorização do patrimônio cultural situado em seus territórios. Para tanto, a convenção classificou os bens em

7 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Recomendacao%20de%20Paris%201962. pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016. 8 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

9 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Recomendacao%20de%20Paris%201972. pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

(46)

patrimônio cultural (monumentos, conjuntos e lugares notáveis) e patrimônio natural (monumentos naturais, formações geológicas e fisiográficas e lugares notáveis naturais).

A salvaguarda dos conjuntos históricos e a sua função na vida contemporânea também foram discutidas em 1976 nas Recomendações de Nairóbi10. Considerando os conjuntos

históricos como símbolo da expressão cultural e parte do ambiente cotidiano, o documento definiu os conceitos de “ambiência” e “salvaguarda” e recomendou a adoção de legislações efetivas para a proteção destes conjuntos da deterioração e de intervenções inadequadas.

Na década de 1980, frente às transformações vivenciadas mundialmente, em conferência do ICOMOS, a Declaração do México11 de 1985 buscou “reconhecer a igualdade e dignidade de

todas as culturas, assim como o direito de cada povo e de cada comunidade cultural a afirmar e preservar sua identidade cultural, e a exigir respeito a ela”. Quatro anos mais tarde, a cultura tradicional e popular, enquanto expressão cultural, foi reconhecida em conferência da Unesco por meio das Recomendações de Paris12.

Seguindo a temática da diversidade de expressões culturais, a Carta de Mar Del Plata13 de 1997 fez referência ao

tratamento e proteção do patrimônio imaterial por meio do registro documental e catalogação e do fomento às pesquisas na área. Neste contexto, considerando a interdependência entre patrimônio material e imaterial e sua importância como fonte de diversidade cultural, a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio

10 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Recomendacao%20de%20Nairobi%20197 6.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016. 11 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Declaracao%20do%20Mexico%201985.pd f>. Acesso em: 20 ago. 2016. 12 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Recomendacao%20Paris%201989.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

13 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/ Carta%20de%20Mar%20del%20Plata%201997.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

(47)

Cultural Imaterial realizada em 2003 pela UNESCO resultou nas Recomendações de Paris14, que estabeleceu que “patrimônio

cultural imaterial” seriam os bens transmitidos de geração para geração, tais como “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados” que os grupos sociais reconheceriam como parte integrante do seu patrimônio cultural e que promoveriam um sentimento de identidade e continuidade.

Apesar de breve, a descrição cronológica das Cartas Patrimoniais demonstra o desenvolvimento teórico pelo qual a temática percorreu ao longo dos anos, introduzindo e ampliando gradativamente conceitos, métodos e técnicas, aplicados a bens em diferentes contextos, e servindo de referência para ações em prol da valorização, preservação e conservação dos bens patrimoniais.

1.2.2 A materialidade e a imaterialidade do patrimônio

Como pode ser observado, desde o surgimento do termo, o conceito de patrimônio passou por diversas reformulações, sendo ampliado por meio da aquisição de novos sentidos, revelando sua complexidade e a necessidade de uma abordagem interdisciplinar. A partir dessa perspectiva, em linhas gerais, definiu-se que o patrimônio cultural de um povo seria composto por bens considerados testemunhos das manifestações culturais, “são referências a partir das quais se constroem e se reelaboram as identidades dos grupos sociais”, selecionados com base em critérios que variam no tempo e no espaço (FONSECA, 2004, p. 1).

Silveira e Lima Filho (2005) ressaltam três temas importantes e articulados que tem qualificado os estudos sobre esta temática: a materialidade dos objetos; o patrimônio como

14 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos /Recomendacao%20Paris%202003.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2016.

(48)

categoria para simbolizar, representar, comunicar e agir; e as reflexões sobre a imaterialidade do patrimônio.

Conforme conceituação adotada pelo IPHAN, os bens podem ser distinguidos em materiais e imateriais. Os bens materiais estão subdivididos em móveis (objetos, obras de arte, coleções, acervos, documentos, etc.) ou imóveis (cidades, sítios arqueológicos, edificações, etc.) e os bens imateriais dizem respeito às práticas da vida social vinculadas ao território que se manifestam em saberes, ofícios, modos de fazer, celebrações, etc. Esta diferenciação entre material e imaterial expressa a moderna concepção antropológica de cultura que dá ênfase, não apenas aos objetos materiais e técnicas, mas às relações sociais e simbólicas (GONÇALVES, 2005).

Alguns autores acreditam que não há distinção entre materialidade e imaterialidade. Gonçalves (2005) enfatiza o patrimônio trata de uma categoria ambígua que transita entre o material e o imaterial. Para o autor, é curioso usar a noção da imaterialidade para classificar bens que seriam tão tangíveis e materiais quanto lugares, festas e alimentos, pois o objeto carrega em si as duas dimensões.

Neste sentido, Castells e Rotman (2007) corroboram com esta ideia e acreditam que seja inviável a separação entre o material e o imaterial, pois ambos os aspectos estão inevitavelmente unidos e articulados. Ressaltam ainda que a imaterialidade de um objeto pode ser valorizada e considerada seu aspecto mais relevante, pois sua legitimação como bem cultural está nos sentidos e valores atribuídos a ele, determinando sua inclusão no campo patrimonial. Os contornos que o campo do patrimônio cultural tomou ao longo do século XX aumentaram a diversidade dos bens que passaram a serem possuidores de valor, ou seja, reconhecidos como patrimônio. Um marco na ampliação do conceito foi a introdução da natureza imaterial, destacando seu caráter dinâmico e mutável. Como visto anteriormente, o conceito de “patrimônio cultural imaterial” foi adotado pela UNESCO no ano de 2003. A nova categoria resultou na ampliação, a nível mundial, do conceito

(49)

de patrimônio, diferenciando o tangível do intangível e incluindo um maior número de manifestações culturais que compõe e representam a diversidade das nações15.

Como o próprio termo sugere, a ênfase recai nos aspectos ideais e valorativos em detrimentos aos aspectos materiais. Como consequência, a preservação deste “novo” patrimônio trouxe novas perspectivas e desafios. Por possuírem atributos mais dinâmicos, não se propõe o tombamento, mas sim um registro destas práticas ou representações, as quais devem ser acompanhadas periodicamente a fim de verificar sua permanência e transformações (CASTELLS, 2007; GONÇALVES, 2003).

No Brasil, o patrimônio imaterial foi reconhecido pelo artigo 216 da Constituição Federal de 198816. Porém, visando

implementar uma política específica de inventário e valorizar o patrimônio imaterial brasileiro, no ano de 2000, foi aprovado o Decreto nº 3.551 que instituiu o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial17. O mesmo Decreto criou Programa Nacional

do Patrimônio Imaterial que, por meio do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), estabeleceu como categorias de bens culturais a serem adotadas no Brasil: as celebrações (festividades que marcam momentos especiais da vida em comunidade e que podem tem caráter religioso e/ou cívico ou estarem relacionadas

15 Disponível em <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Reco mendacao%20Paris%202003.pdf>. Acesso em 20 de abr. 2017.

16 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais (BRASIL, 1988).

17 BRASIL. Decreto-Lei n. 3551, de 04 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 ago. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/D3551.htm>.

(50)

aos ciclos produtivos), as formas de expressão (maneiras não linguísticas pelas quais uma comunidade expressa e comunica sua cultura), os ofícios e modos de fazer (envolve técnicas e conhecimentos próprios que identificam um grupo social ou uma localidade), as edificações (associados a fatos significativos da história de determinado grupo e que possuem forte relação com a memória e a experiência das pessoas que o compõe) e os lugares (territórios utilizados e valorizados por determinados grupos cujas experiências dão sentidos especiais a eles).

Os objetos do INRC constituem marcos e referências de identidade para os diversos grupos sociais. Neste sentido, falar em referências culturais significa olhar para as manifestações culturais que configuram a “identidade” de uma região e seus habitantes, podendo remeter a paisagens, edificações e objetos, aos fazeres e saberes, às crenças e tradições (LONDRES, 2000).

Referências são edificações e são paisagens naturais. São também as artes, os ofícios, as formas de expressão e os modos de fazer. São as festas e os lugares a que a memória e a vida social atribuem sentido diferenciado: são as consideradas mais belas, são as mais lembradas, as mais queridas. São fatos, atividades e objetos que mobilizam a gente mais próxima e que reaproximam os que estão longe, para que se reviva o sentimento de participar e de pertencer a um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referências são objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na construção de sentidos de identidade, são o que popularmente se chama de raiz de uma cultura (LONDRES, 2000, p. 29).

Quando se fala em referências culturais, questiona-se para quem são estas referências. Presume-se, então, que há um grupo para o qual estes bens têm algum significado, ou seja, há um grupo que atribui valores e sentidos aos bens e os reconhece como possuidores destes valores e sentidos. Dessa forma, estão associados à história de um grupo em um determinado espaço,

(51)

que atribui a eles a capacidade de evocar o passado e de estabelecer uma ligação entre passado, presente e futuro, garantindo, assim, a continuidade no tempo (GONÇALVES, 1988). 1.3 PAISAGEM

A noção de paisagem sempre esteve ligada à existência humana representando a relação do homem com o meio em que ele vive. Contudo, o conceito de paisagem foi sendo desenvolvido ao longo de várias décadas, manifestando-se claramente no período do Renascimento, no Ocidente, “como aspecto visual, frequentemente estético, captado e representado de maneira objetiva e subjetiva a partir da observação de artistas”, como pintores e poetas (MAXIMIANO, 2004, p. 90).

Em fins do século XIX, a concepção de paisagem se afastou do conceito, relacionado com técnicas de perspectiva e pintura, fugiu do sentido restrito de espaço que se abarca com o olhar e se aproximou da geografia, como método de abordagem do espaço, associando o termo a amplas porções de terra (HOLZER, 1998).

Holzer (1998) destaca que o problema quando se trabalha com conceitos é a questão do idioma e suas diferentes traduções, como é o caso da palavra “paisagem”. Etimologicamente, o conceito de paisagem deriva do vocábulo paysage. Porém, o primeiro termo utilizado para designar paisagem foi definido na Alemanha como landschaft18 cujo significado engloba toda uma

região e suas complexidades morfológicas, referindo-se à relação entre o sítio e seus habitantes, ou então, à relação entre a morfologia e a cultura. Na França, o termo semelhante paysage tem seu significado relacionado com o radical pays, que significa

18 A palavra landschaft “talvez tenha surgido de ”Land schaffen”, ou seja, criar a terra, produzir a terra. Esta palavra transmutada em ”Landscape” chegou a geografia norte-americana pelas mãos de Sauer que, cuidadosamente, enfatizava que seu sentido continua sendo o mesmo: o de formatar (land shape) a terra, implicando numa associação das formas físicas e culturais (HOLZER, 1999, p. 152).

Referências

Documentos relacionados

3 THE NORMATIVE DISCOURSE AND THE COLLECTIVE HOUSING IN OPORTO Let us focus on two architectural aspects that are relevant in the design of Oporto's urban hous- ing in the 1st half

Objetivou-se com este estudo avaliar o efeito da redução de nutrientes e energia suplementada ou não com fitase para frango de corte na fase 14 a 24 dias de idade

Este dado diz respeito ao número total de contentores do sistema de resíduos urbanos indiferenciados, não sendo considerados os contentores de recolha

A associação do presidente Fernando Collor com Paulo César Farias (PC Farias), seu tesoureiro de campanha e amigo pessoal, também foi fartamente explorada pela caricatura e

163 “Consequently, the envisaged agreement, by conferring on an international court which is outside the institutional and judicial framework of the European Union an

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Além do teste de força isométrica que foi realiza- do a cada duas semanas, foram realizados testes de salto vertical (squat jump e countermovement jump), verificação da

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá