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O que conta um conto?

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA. JANISE DALLA ROSA. O QUE CONTA UM CONTO?. Ijuí 2016.

(2) 2. JANISE DALLA ROSA. O QUE CONTA UM CONTO?. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial para conclusão do Curso de Psicologia e obtenção do título de Psicólogo.. Orientadora: Kenia Spolti Freire. Ijuí 2016.

(3) 3. DEDICATÓRIA. Dedico este trabalho aos meus pais Rudi e Helenita pelo esforço e por permitir que eu pudesse realizar este sonho e, pela maior herança que pude receber de vocês que é o conhecimento..

(4) 4. AGRADECIMENTO Aos meus pais Rudi e Helenita que me deram a vida, me educaram, ensinaram valores e contribuíram muito para a realização deste sonho. Por compreender às muitas vezes em que não pude estar junto com a minha família durante o percurso de estudo e realização deste trabalho. Às minhas irmãs Marieli pelo apoio e Moisana pelas vezes em que dividi com você as minhas ansiedades e pelo apoio. Ao meu namorado Márcio pela paciência e compreensão nos momentos em que estive dedicada a este trabalho e por me incentivar sempre. À minha querida colega e amiga Lucélia que a Psicologia me deu, que dividiu comigo as experiências de estágio e que sempre me incentivou muito nas minhas escolhas pessoais, pelo momento de compartilhamento de experiências profissionais e pessoais. Aos demais colegas do curso pelos momentos de estudo e por dividir comigo as experiências no estágio básico, estágios de ênfase clínica e organizacional. À Professora Kenia, minha orientadora, pela disponibilidade em me acompanhar na construção deste trabalho, pela competência acadêmica, por ser uma excelente profissional, obrigada por contribuir comigo. À Professora Elisiane por aceitar ser a banca examinadora do meu trabalho e por ser minha supervisora em meu estágio básico, o qual me levou a desenvolver este trabalho com a temática dos Contos de Fadas. A todos os professores do Curso de Psicologia que me acompanharam nesta jornada, especialmente Professora Tania por me supervisionar nos estágios de ênfase organizacional e clínica. Agradeço imensamente e de coração pela contribuição de todos durante o meu percurso acadêmico e durante a realização deste trabalho..

(5) 5. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo o estudo acerca da significação dos Contos de Fadas às representações psíquicas constituídas durante a infância. Ao construir este estudo, fez-se importante percorrer aspectos teóricos que designam a construção do conceito de infância, bem como a história da origem dos Contos de Fadas e como estes foram sendo adaptados para destinar ao público infantil. Inicialmente estas histórias eram contadas às pessoas de todas as faixas etárias e possuíam um conteúdo que retratava cenas de brutalidade. Como toda e qualquer história traz em seus conteúdos diversos elementos, estas se apresentam como possuidoras de dispositivos significativos para auxiliar a criança na elaboração de conflitos inerentes às fantasias constitutivas do psiquismo. O trabalho apresenta, também, em seu último momento, uma leitura realizada a partir do Conto da Branca de Neve, abordando alguns aspectos psíquicos que esta história problematiza.. Palavras-chave: Infância. Fantasia. Contos de Fadas..

(6) 6. ABSTRACT. The present work has as objective the study about the significance of Fairy Tales to the psychic representations constituted during childhood. In constructing this study, it was important to go through theoretical aspects that design the concept of childhood, as well as the history of the origin of Fairy Tales and how they were adapted to be destined to children. Initially these stories were told to people of all age groups and had content that portrayed scenes of brutality. As each and every story brings in its contents various elements, they present themselves as possessors of significant devices to assist the child in the elaboration of conflicts inherent in the constitutive fantasies of the psyche. The work also presents, in its last moment, a reading made from the Snow White Tale, addressing some psychic aspects that this history problematizes.. Keywords: Childhood. Fantasy. Fairy tale..

(7) 7. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO……………………………………………………………...……...…...08 1 O CONCEITO DE INFÂNCIA E A HISTÓRIA DO CONTO...................................09 2 OS CONTOS DE FADAS E A CONDIÇÃO PSÍQUICA NA INFÂNCIA......................................................................................17 3 ANÁLISE DE UM CONTO: BRANCA DE NEVE...................................................26 CONCLUSÃO.........................................................................................................33 REFERÊNCIAS......................................................................................................35.

(8) 8. INTRODUÇÃO. Este trabalho tem como objetivo um estudo acerca dos Contos de Fadas, bem como os elementos que aparecem nas histórias e a importância destes para o psiquismo da criança. Aborda-se o modo como estes elementos, articulados pela fantasia, sustentam a criança na elaboração de conflitos psíquicos constitutivos da sua condição de sujeito, sua relação com o mundo e com o outro. A pesquisa a ser realizada é caracterizada como bibliográfica. O texto está dividido em três capítulos. Para transcorrer o estudo sobre esta temática, percorrem-se as ideias de autores que a discutem, tais como: Bruno Bettelheim, Diana Lichtenstein Corso e Mario Corso - autores estes que se propõem à realização de estudo sobre Contos de Fadas, embasados na teoria e na clínica psicanalítica. A propagação e a significação dos Contos de Fadas enquanto articulados à infância, foram sendo delineadas ao longo da história da humanidade, perpassada pela construção do conceito e do sentimento de infância. Com a invenção da infância, desdobra-se o reconhecimento de um momento da vida que se difere da vida adulta; a criança ganha um lugar de reconhecimento frente ao social. Com este reconhecimento, os Contos passam a ser adaptados para serem utilizados com este público, pois inicialmente eram utilizados às todas as pessoas, de todas as idades e, seu conteúdo retratava cenas de brutalidade. Esta abordagem temática é apresentada no primeiro momento deste trabalho. O texto segue com a apresentação de uma análise possível de ser considerada sobre a relação existente entre o conteúdo dos Contos de Fadas e problematizações inerentes à constituição psíquica na infância. Ao ouvir histórias, a criança pode encontrar possibilidades de elaboração de conflitos subjetivos e suas fantasias adjacentes. As experiências da criança são referenciais e fundadoras de sua posição de sujeito, incorrendo neste processo a construção e a função da fantasia. No terceiro capítulo deste trabalho segue uma análise do Conto Branca de Neve, buscando compreender elementos que esta história apresenta e a relação da mesma com questões relacionadas ao movimento de constituição psíquica e ao dizer de um sujeito..

(9) 9. 1 O CONCEITO DE INFÂNCIA E A HISTÓRIA DO CONTO O universo infantil nem sempre teve nuance “colorida” como se referencia discursivamente na contemporaneidade. Houve tempos em que as crianças não eram vistas como sujeitos a serem abordados e cuidados em sua fragilidade. Tampouco os Contos de Fadas que hoje são contados quase que unicamente para crianças eram destinados somente a elas; para serem endereçados às crianças, precisaram sofrer algumas alterações. Os Contos originaram-se de histórias passadas de geração a geração e por muitos séculos foram utilizados em momentos coletivos, sendo que a narrativa era composta por cenas de adultério, canibalismo, incesto e mortes. E por aí vai, do estupro e da sodomia ao incesto e ao canibalismo. Longe de ocultar sua mensagem com símbolos, os contadores de história do século XVIII, na França, retratavam um mundo de brutalidade nua e crua. Como pode os historiadores entender esse mundo? (DARNTON, 1986, p. 29). Os Contos surgiram ao longo dos séculos e passaram por muitas transformações. Uma delas foi a retirada da questão sexual de seus conteúdos; originalmente esta era uma temática abordada sem códigos e presente nos materiais literários. A sexualidade representava-se especialmente a partir dos referenciais reprodutivos, sendo a criança exposta ao seu discurso e permanecendo à mercê das vicissitudes de um tempo de vida sem privilégios de proteção. As mulheres concebiam os filhos quando “da vontade de Deus” e as crianças mantinham-se em vida mediante um discurso social atravessado pela mesma ordem discursiva. Destes pontos articuladores de um modelo do viver, acompanha-se o óbito de muitas crianças ao nascimento ou nos primeiros tempos de vida, outras eram sufocadas pelos pais enquanto dormiam, visto que havia poucas cenas representativas de cuidados num momento em que as famílias eram compostas por muitos membros, com muitos filhos e se aglomeravam, inclusive na cena do adormecimento. Assim, as crianças se tornavam observadoras participantes das atividades sexuais de seus pais. Ninguém pensava nelas como criaturas inocentes, nem na própria infância como uma fase diferente da vida, claramente distinta da adolescência, da juventude e da fase adulta por estilos especiais de vestir e de se comportar. As crianças trabalhavam junto com os pais quase imediatamente após começarem a caminhar, e ingressavam na força.

(10) 10. de trabalho adulta como lavradores, criados e aprendizes, logo que chegavam à adolescência. (DARNTON, 1986, p.47). No início dos tempos modernos na França, a vida era uma luta constante devido à pobreza, muitas crianças morriam antes mesmo de seu primeiro ano de vida, poucas sobrevivam para chegar à vida adulta. Assim como as crianças, os adultos faleciam muito cedo, antes mesmo do fim dos seus anos férteis, o que fazia com que os casamentos durassem pouco tempo, interrompidos não pelo divórcio, mas pela morte. Os pais sobreviventes casavam-se novamente, bem como as mães; ainda assim, a morte de mulheres era em número maior, o que evidenciava um grande número de madrastas na época, muito mais que padrastos. Ao nascerem, os bebês dos quais as mães não conseguiam se ocupar e/ou alimentar, eram expostos, abandonados na floresta para adoecer e morrer. A morte aparece também em versões camponesas do Conto e também se apresentam outras formas de maus tratos às crianças. Os pais jogavam seus filhos nas estradas para mendigar e roubar. Outras vezes, abandonavam suas casas e deixavam seus filhos mendigando em seu próprio lar. Os Contos orientavam os camponeses e suas narrativas apresentavam os caminhos do mundo, retratando situações cotidianas das quais viviam. Transmitidas oralmente, as narrativas ajudavam os camponeses a enfrentar as longas noites de inverno; sua matéria retratava os perigos do mundo e a situação vivenciada pelas pessoas na época. A função das narrativas maravilhosas da tradição oral poderia ser apenas a de ajudar os habitantes de aldeias camponesas a atravessar as longas noites de inverno. Sua matéria? Os perigos do mundo, a crueldade, a morte, a fome, a violência dos homens e da natureza. Os contos populares prémodernos talvez fizessem pouco mais do que nomear os medos presentes no coração de todos, adultos e crianças, que se reuniam em volta do fogo enquanto os lobos uivavam lá fora, o frio recrudescia e a fome era um espectro capaz de ceifar a vida dos mais frágeis, mês a mês. (CORSO; CORSO, 2006, p. 16). As narrativas populares adaptadas no século XIX deram origem aos Contos de Fadas que passaram a integrar a mitologia universal. Assim, o cenário se modifica: As modernas versões dos Contos de Fadas, que encantaram tanto nossos antepassados quanto as crianças de hoje, datam do século XIX. São tributárias da criação da família nuclear e da invenção da infância tal como a conhecemos hoje. (CORSO; CORSO, 2006, p. 16).

(11) 11. Com a invenção da infância e a consequente separação entre este tempo de vida e a condição adulta, ocorre a dissociação entre a casa e o trabalho. Até então a casa era representada como possibilidade de exercício do trabalho às crianças. As narrativas que eram tradicionais passam a ser infantilizadas, transformando-as em Contos de Fadas para o domínio infantil. Acompanha-se,. assim,. o desdobramento do Conto associado. à. construção do sentimento de infância. Percorrendo a construção do conceito e sentimento de infância, pode-se considerar, segundo Ariès (1981), que no século XII a figura da criança se diferenciava da figura dos adultos somente pelo seu tamanho, sem uma distinção de expressões; a criança não possuía uma representação própria de infância. Já nos séculos XIII e XIV, algumas imagens de crianças começaram a surgir, o que se pode dizer que se aproximam à infância dos tempos atuais. A primeira imagem de criança que surgiu foi de um anjo, representado por um adolescente; já a segunda imagem caracteriza o modelo de uma criança pequena, esta da história da arte, que é o Menino Jesus. O segundo tipo de criança seria o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da história da arte: o Menino Jesus, ou Nossa Senhora menina, pois a infância aqui se ligava ao mistério da maternidade da Virgem e ao culto de Maria. No início, Jesus era, como as outras crianças, uma redução do adulto: um pequeno Deus-padre majestoso, apresentado pela Theotókos. (ARIÈS, 1981, p. 19). A terceira imagem da criança aparece na fase gótica, sendo representada de forma nua. Nunca antes vista desta forma, o Menino Jesus aparecia sempre enrolado em camisola e somente aparecera despido no final da Idade Média. Uma nova iconografia1 surgiu no século XIV e persistiu até o século XVII, momento em que houve a multiplicação das cenas de crianças. Essa iconografia, segundo Ariès (1981, p. 20) “[...] coincidiu com um florescimento de histórias de crianças nas lendas e contos pios [...]”. Assim,. pode-se. observar. a. infância. sob. duas. possibilidades:. primeiramente que as crianças não descreviam exclusivamente a infância, pois ainda estavam submetidas ao contexto adulto, participavam dos momentos de vida 1. Iconografia: representação através de imagens; conjuntos de imagens características de uma obra, de um artista, de um tipo ou período artístico..

(12) 12. destes e de reuniões de trabalho, por exemplo; a segunda possibilidade é a de que os pintores da época preferiam representar em suas obras a criança por sua graça e destacavam a presença das crianças no meio das multidões. A origem do anjo e posteriormente as. evoluções iconográficas. compunham a representação da infância ainda no século XIII. Já no século XV surgiam dois novos modos de representar a infância: Enquanto a origem dos temas do anjo, das infâncias santas e de suas posteriores evoluções iconográficas remontavam o século XIII, no século XV surgiram dois tipos novos de representação da infância: o retrato e o putto. A criança, como vimos, não estava ausente da Idade Média, ao menos a partir do século XIII, mas nunca era o modelo de um retrato, de um retrato de uma criança real, tal como ela aparecia num determinado momento de sua vida. (ARIÈS, 1981, p. 21). O retrato da criança não era conservado, pois a infância correspondia a uma fase da vida a qual não era atribuída importância. Assim, não fazia sentido guardar lembranças dela. Havia alto índice de mortalidade entre as crianças, sendo que aquelas mortas eram enterradas em casa, nos jardins. Este fato leva ao levantamento de duas hipóteses: uma, que o fato de serem enterradas em casa poderia ser então para representar ou seguir um rito antigo; e outra, de que seria simplesmente como enterrá-las em qualquer lugar, assim como se enterra um animal doméstico que morre por uma causa qualquer. Percebe-se que ainda se fazia presente nas sociedades um sentimento de certa indiferença em relação à infância, não havendo sólida preocupação com um ser que está em plena constituição física, maturacional e psíquica. As sociedades romana e chinesa apresentavam uma insensibilidade a estes seres, com práticas de abandonos já aos recém-nascidos. Esta falta de sensibilidade à criança pertencia à cultura da época e se devia, em parte, às preocupações frente às condições demográficas 2. Não nos devemos surpreender diante dessa insensibilidade, pois ela era absolutamente natural nas condições demográficas da época. Por outro lado, devemos nos surpreender sim com a precocidade do sentimento da infância, enquanto as condições demográficas continuavam a lhe ser ainda tão pouco favoráveis. Estatisticamente, objetivamente, esse sentimento deveria ter surgido muito mais tarde. Ainda se compreende o gosto pelo pitoresco e pela graça desse pequeno ser, ou o sentimento da infância 2. Demografia é uma ciência, relacionada à Geografia, voltada para o estudo da população. A Demografia utiliza a estatística para organizar e analisar os diferentes aspectos de uma população..

(13) 13. “engraçadinha”, com que nós, adultos, nos divertimos “para nosso passatempo, assim como nos divertimos com os macacos”. (ARIÈS, 1981, p. 22). O novo gosto pelo retrato da criança era um indicativo que permitia a ela sair dessa posição de anonimato, evocando o desejo de fixar os traços da criança, mesmo se ela continuasse a viver ou se ela então viesse a falecer - mas que a sua lembrança fosse conservada. No século XVII a infância finalmente ganha um lugar de destaque através da arte, passando a ser representada sozinha nos retratos e não mais em conjunto com a família, apesar de as condições demográficas não terem mudado e de a mortalidade infantil continuar em alto índice de ocorrência. A criança recebe, então, o estatuto de reconhecimento. Outra representação encontrada acerca da criança é o putto3, retratado através da imagem da criança nua, que surgiu no final do século XVI: Uma outra representação da criança desconhecida da Idade Média é o putto, a criancinha nua. O putto surgiu no fim do século XVI, e, sem a menor dúvida, representou uma revivescência do Eros helenístico. O tema da criança nua foi logo extremamente bem recebido, até mesmo na França, onde o italianismo encontrava certas resistências nativas. (ARIÈS, 1981, p. 25). O século XVII foi determinante para a história da infância e de um lugar de destaque à criança. Ela foi reconhecida como sendo humano que está em um momento de construção – sejam nas questões orgânicas, assim como nas elaborações psíquicas – e passa a aparecer individualmente nos retratos, quando acompanhada dos seus familiares, ela ganha um lugar central. A infância, descoberta no século XIII, passa a ter reconhecimento marcado no século XVII momento histórico em que foram percebidos sinais de seu desenvolvimento, tornando-se a infância significativa para esta época. Esta trajetória acerca da construção do conceito da infância convoca à análise deste tempo de vida que, embora hoje seja caracterizado pela refer ência à fragilidade e constitutivo da condição humana; tem uma história marcada pelo sofrimento decorrente do descaso e da negligência, assim como pela adesão ao trabalho. Um longo período de tempo se passa até que a infância tenha. 3. Putto: figura de menino rechonchudo, quase sempre despido, surgida na pintura e na escultura decorativa da Renascença e inspirada em modelos clássicos de Eros/Cupido..

(14) 14. reconhecimento, até que se comece a registrar escritas que dizem da preocupação, cuidados e educação destes seres tão pequenos. Só muito tardiamente a nossa sociedade passou a levar em conta quão demorado é o processo chamado infância. Inclusive ele só foi se tornando mais extenso na medida em que foi recebendo espaço para se expressar. Nas sociedades pré-modernas, as crianças cresciam compartilhando o trabalho e a promiscuidade doméstica, a puberdade era sinal de maturidade sexual, dali para frente, casar e procriar já eram uma realidade. Aos poucos, foi se instalando a necessidade de diferenciar a vida dos adultos e das crianças, assim como de lhes dar o tempo e os estímulos que elas requeriam para sua evolução. Foi preciso admitir que, além de lento, o crescimento das crianças implica muito investimento por parte dos adultos, criar passou a equivaler a educar. (CORSO; CORSO, 2006, p.189). A criança deixa de ser o adulto em miniatura como era vista inicialmente e passa a ter uma atenção social especial e a ser considerada um sujeito em formação, que levará consigo as representações de situações experienciadas. A criação da infância às crianças permitiu que as narrativas dos Contos fossem reconstituídas para serem abordadas com elas. Muitas publicações passaram a serem realizadas considerando que a criança reconhecia o mundo de uma forma diferente dos adultos. Surge, então, a escrita destinada às crianças e a diferenciação entre os produtos endereçados aos adultos e às crianças. Alguns escritores se encarregaram de misturar magia às histórias e de modificá-las, retirando cenas, mas também acrescentando a elas novos trechos, cheios de encantamentos, para dar origem a uma nova literatura - agora infantil, a fim de que as crianças pudessem conhecê-las conforme o seu mundo e de acordo com esse momento mágico, conceito agora atribuído à infância. Com essa modificação e com a infantilização dos Contos, a modernidade distinguiu os produtos para adultos e os destinados às crianças: A partir da modernidade, começou a haver uma distinção entre produtos culturais para adultos e produtos para crianças, nosso tempo levou isso ao extremo, e cada idade passou a ter seus produtos bem delimitados. A cultura assimilou as leis do mercado, incorporando suas prerrogativas de consumo e publicidade. Em função das intenções pedagógicas e mercadológicas, passa então a ser importante a definição de um públicoalvo. Graças a isso, o grau de especialização da cultura produzida para a infância tornou-se algo a ser estabelecido com precisão. Levando em conta a psicologia de cada época da vida, temos ofertas culturais diferenciadas para bebês, crianças pequenas, escolares, pré-púberes, adolescentes, adultos solteiros, famílias e assim por diante. (CORSO; CORSO, 2006, p. 26).

(15) 15. Das cenas de incesto, adultério, canibalismo e mortes, às cenas de um mundo novo, dotado de magia, de histórias de fadas, príncipes e princesas que por sua vez não era visto como próprio da infância e sim em um mundo com tudo aquilo que pertencia ao mundo dos adultos. Com a criação deste mundo próprio da criança e com a infantilização da literatura, a história fica marcada e o mundo passa a ser apresentado de uma nova forma às crianças. Seres humanos nascem fracos, incapazes para a vida independente. Diferentemente de alguns animais, chegamos ao mundo física e mentalmente inválidos. Os bichos contam com um aparato de capacidades e/ou instintos capazes de sustentá-los minimamente quando nascem. Nós não somos capazes nem de segurar o peso da nossa própria cabeça. No intelecto, a mesma lentidão se reproduz, subjetivamente somos como bebês marsupiais. Mesmo do lado de fora, precisamos ainda, por um bom período, ser abrigados em uma bolsa, estar acoplados aos braços, ouvir a voz e receber o carinho da mãe ou substitutos, de onde tiramos um mínimo de conforto. (CORSO; CORSO, 2006, p. 189). O disposto acima remete à lembrança das vivências atribuídas às crianças no decorrer dos tempos. Muitas eram abandonadas recém-nascidas, diante de um sentimento de ausência de acolhimento à fragilidade destes pequenos humanos. Corso e Corso (2006, 189) atenta-se para a frase: “Nós não somos capazes nem de segurar o peso da nossa própria cabeça [...]” e faz-se possível um contraponto ao conteúdo trazido nos Contos, que tinham uma história brutal. Seria a criança capaz de suportar ouvir o peso de um discurso dotado de cenas que nem ela mesma poderia compreender? Um novo olhar à infância e às histórias dos Contos começa a ser construído. na. medida. em. Consequentemente, muitos. que outros. um. conceito. de. infância. é. inventado.. elementos surgem como norteadores. à. construção do amparo e da atenção para este momento da vida e às criações que lhes são peculiares, assim como à constituição do infantil. Os elementos norteadores desse momento da vida do sujeito são compostos de situações que interessam à criança, por serem dotado de encantamentos, que despertam curiosidade e fascínio. As crianças tomadas pelo fascínio do seu próprio universo de mistérios e encantamentos têm um mundo que lhes proporciona uma grande riqueza subjetiva que parece não os despertar. O interesse pelo mistério é imenso tanto que, segundo Corso e Corso (2006, p. 17), “as crianças continuam interessadas no mistério; se ele se empobrece, elas o reinventam”. Como pensar, neste contexto, a relação entre os.

(16) 16. Contos de Fadas e a fantasia, diante dos movimentos inerentes à constituição psíquica?.

(17) 17. 2 OS CONTOS DE FADAS E A CONDIÇÃO PSÍQUICA NA INFÂNCIA. Quando se fala em infância, em infantil, em Contos de Fadas, não há como não falar de um elemento fundamental: a fantasia. Durante a infância, considerando este como um tempo de estruturação subjetiva, as fantasias se apresentam em seus aspectos originários. Para falar de fantasia é preciso, antes de tudo, reconhecer esta como um traço de produção tipicamente humano, constitutiva de uma verdade psíquica que se esboça em condição de singularidade. Segundo Nasio (2007), a construção da fantasia transcorre através de duas vias: uma consciente e outra inconsciente. Trata-se de uma formação psíquica que por ora poderá estar em uma ou outra via, comtempla estas duas vias sem que se possa ter domínio sobre elas. Para Freud, a fantasia tanto era consciente quanto inconsciente, à maneira de uma formação psíquica em constante movimento. Ele a chamava de “preto-branco”, para mostrar que a fantasia muda ininterruptamente de registro, num vaivém entre o consciente e o inconsciente. Ora, podemos constatar que, em geral. A fantasia permanece inconsciente. (NASIO, 2007, p. 32). Investida de desejos, a fantasia remete à satisfação de conteúdos agressivos e sexuais imediatamente, podendo sequer considerar a realidade. Opera como possibilidade de acesso ao desejo, em condição de realização de cena impedida ao acontecimento, ao considerar a complexidade do funcionamento psíquico e do seu compromisso com as mediações e interdições humanas. Segundo Nasio (2007), a fantasia tem como seu conteúdo uma cena edipiana, que busca possuir o outro ou ser possuído por ele mesmo. Um desejo incestuoso, assim, quando não encontra na realidade vazão ao seu encontro com o seu objeto, pode recriar-se, junto ao eu, em caráter imaginário. Nesta condição, o sujeito pode desempenhar todos os papéis, seja de dominador ou dominado; por vezes poderá ser o adulto, assim como pode se representar criança. Entretanto, na ação fantasiada, o sujeito pode desempenhar todos os papéis: ora ele é o dominador, ora ele é o dominado; ora ele é o adulto molestador, ora a criança vitima: ora é um homem poderoso, ora uma mulher frágil etc. Frequentemente a situação de dominação é um misto de erotismo e agressividade, mas, insisto de erotismo e agressividade pueris, em que gestos são antes mímicas, como se em sua fantasia o sujeito “brincasse” não com soldadinhos, mas com pequenos personagens cruéis e sexuais. Sejamos então claros: a cena fantasiada não é uma cena.

(18) 18. pornográfica, nem uma cena de horror, é antes sua caricatura. (NASIO, 2007, p. 14). A formação da fantasia remete ao mecanismo de identificação do sujeito com o objeto em questão. Uma parte do corpo que assume a condição de objeto do desejo precisa ser formada por bordas erógenas e estar entre a demanda que vai do sujeito ao Outro e do Outro ao sujeito; sendo que a fantasia constitui-se em relação a muitas produções fantasmáticas, inclusive as fantasias originárias. A fantasia é vivida pelo sujeito, como um elemento enxertado, que se repete independentemente de sua vontade. Por exemplo, o termo verbal “espancado” na célebre fantasia em que “uma criança é espancada”, ou o verbo “morder” em “a criança foi mordida pelo cachorro” etc. Observe-se, desde já, que, do ponto de vista formal, o verbo da frase que designa a ação fantasística materializa o significante que já identificamos como sendo a borda dos orifícios erógenos, assim como o traçado do corte da dupla demanda. O verbo da frase da fantasia representa, de fato, o corte entre o sujeito e o objeto, é o significante separador e reunidor do sujeito e do objeto. (NASIO, 2007, p. 35). O motor inconsciente da ação fantasística é o afeto. Faz-se necessário entender três planos diferentes em que o sujeito é afetado: o primeiro é o mais-gozar que causa inconscientemente a fantasia; o segundo, a emoção ou o afeto que domina a cena fantasística vivenciada; e, por fim, o prazer ou até mesmo a dor que a fantasia produz ao sujeito. Para compor a fantasia, temos quatro elementos, sendo eles: um sujeito, um objeto, um significante e imagens que compõem a cena criada pelo sujeito. A separação do objeto e a identificação do sujeito com o objeto é uma distinção de natureza teórica, pois a queda do objeto produz a identificação do sujeito com o objeto do desejo. Não há, enfim perda sem que o sujeito se identifique com aquilo que perdeu; na fantasia, somos o que perdemos. Quando o objeto se separa, o sujeito se identifica com ele e assim constitui-se a fantasia. Afirmar que o sujeito é objeto significa que o agente da fantasia, isto é, o elemento organizador da estrutura fantasística não é a própria pessoa da criança ou do analisando. A fantasia não é obra de alguém, mas resultado, ao mesmo tempo, da ação do objeto e do corte do significante. O objeto a é a causa motora da fantasia, e o significante (representado pelo ◊) é sua causa eficiente. Em outras palavras, o motor da fantasia é um núcleo de gozo ao redor do qual se organiza a encenação fantasística. (NASIO, 2007, p. 41).

(19) 19. Assim, a fantasia é uma forma de gozar, é ela que está em torno da estrutura do mais-gozar. Um paciente que, em análise, revela ao seu analista que a sua vontade seria de devorá-lo, está tomado por uma fantasia oral. O seu gozo remete ao seio, sendo o sujeito ao mesmo tempo gozo e significante que marca esse gozo. O sujeito que aqui se fala é o sujeito do inconsciente, sujeito que é o efeito da experiência inconsciente que produziu essa fantasia - e não a pessoa em questão. O objeto do desejo na fantasia é o objeto a, objeto este que vem a ser o núcleo da fantasia e pode ser compreendido com um furo na estrutura e ser comtemplado como o mais-gozar. Por ser o objeto de desejo central, comporta um leque de formas corporais como o seio, a dor. Assim, o objeto a, é definido por Lacan como o objeto do desejo: O único objeto que poderia responder a esta propriedade só pode ser o objeto do desejo, este objeto que Lacan designará como objeto a, objeto do desejo e ao mesmo tempo objeto causa do desejo, objeto perdido. Assim, o objeto a, enquanto eternamente faltante, inscreve a presença de um vazio que qualquer objeto poderá ocupar. (DOR, 1989, p. 143). E ainda, Lacan designa semelhante objeto, simultaneamente objeto do desejo e objeto causa do desejo, como objeto a. O objeto a, por ser testemunha de uma perda, é, pois, em si mesmo, objeto produtor de falta, na medida em que essa perda é impossível de ser preenchida. (DOR, 1989, p. 146). A função desempenhada pela fantasia na esfera psíquica permitiu, à psicanálise, a grande descoberta acerca da sexualidade infantil e do Complexo de Édipo. À psicanálise, as fantasias originárias experienciadas no complexo edípico são matéria-prima às construções de outras fantasias que se produzem ao longo da vida. Não ao passo de ser observada, a fantasia no adulto se distingue e se apresenta diferente das fantasias infantis. Ao observar o brincar, percebe-se que a criança - quando brinca sozinha ou com outras crianças, em um determinado jogo ou até mesmo uma brincadeira - não oculta seu brinquedo ou o brincar; de alguma maneira, desvela (ou revela) a sua relação com o objeto. Já os adultos posicionamse de maneira a restringir o fantasiar a condição de ocultamento..

(20) 20. Freud em seu texto Escritores Criativos e Devaneios aborda: O brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por um único desejo – que auxilia o seu desenvolvimento -, o desejo de ser grande e adulto. A criança está sempre brincando ‘de adulto’, imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais velhos. Ela não tem motivos para ocultar esse desejo. Já com o adulto o caso é diferente. Por um lado, sabe que dele se espera que não continue a brincar ou a fantasiar, mas que atue no mundo real; por outro lado, alguns dos desejos que provocaram suas fantasias são de tal gênero que é essencial ocultá-las. Assim, o adulto envergonha-se de suas fantasias por serem infantis e proibidas. (FREUD, 1906, p. 137). O conteúdo das fantasias são os desejos impossibilitados de satisfação, sendo esta uma via de realização possível. Articulado à fantasia e sua função, os Contos de Fadas se apresenta como um dispositivo que sustenta possibilidade de abordagem de conteúdo psíquico que se amarra na condição fantasística. Dispõem de um conteúdo que se assemelha ao que a criança produz e à maneira como experimenta o mundo. Em tempo de constituição do eu e de descobertas sobre a vida e o mundo, a criança busca respostas para as tantas questões que se apresentam. O conto de fadas procede de um modo conforme aquele segundo o qual uma criança pensa e experimenta o mundo; é por isso que ele é tão convincente para ela. A criança pode obter um conforto muito maior de um conto de fadas do que de um esforço para confortá-la baseado em raciocínios e pontos de vista adultos. Uma criança confia no que o conto de fadas diz por que a visão de mundo aí apresentada está de acordo com a sua. (BETTELHEIM, 2015, p. 67). A criança reconhece o mundo de uma forma diferente dos adultos. Ainda que os adultos digam que os objetos não podem sentir, nem reagir para o que estiver à sua volta, a criança até pode dizer acreditar, mas somente para convencer o adulto; pois ela não acredita. Para a criança, em um tempo significativo da sua infância, não há uma diferenciação entre os objetos e as coisas que possuem vida. A criança, ao questionar a sua existência, busca respostas precisas. Os Contos de Fadas possibilitam a ela encontrar estas respostas, ainda que o recurso do Conto tenha um caráter de provisoriedade. A criança se pergunta: “Quem sou eu? De onde vim? Como surgiu o mundo? Quem criou o homem e todos os animais? Qual é o sentido da vida?” É verdade que não pondera sobre estas questões vitais em abstrato, mas sobretudo porque lhe dizem respeito. Não se preocupa se existe justiça para os indivíduos, mas se ela será tratada justamente. Pergunta-se sobre.

(21) 21. quem ou o quê a lança na adversidade, e o que pode impedir que isso lhe ocorra. Há outros poderes benévolos que não os seus pais? Seus pais são poderes benévolos? Como ela poderia formar a si própria, e por quê? Há esperanças para ela, embora possa ter agido errado? Por que tudo isso lhe aconteceu? O que significará para seu futuro? Os contos de fadas fornecem respostas a essas questões prementes, sendo que de boa parte delas a criança só toma consciência à medida que acompanha as histórias. (BETTELHEIM, 2015, p. 69). Representando os personagens presentes nas histórias, a criança se identifica com eles. Muitos Contos possuem em seu enredo personagens que apresentam alguns elementos que por vezes são semelhantes à sua história, à sua vida. A criança pode ter diferentes desejos, inclusive o desejo edipiano; temática esta também encontrada nestas produções literárias, assim como representada através do brincar. Ao se identificar com os personagens ou heróis, a criança, por meio da fantasia, também pode repetir o que ele faz - escalar o céu, derrotar gigantes, matar o lobo... Depois de seus desejos mais grandiosos terem sido desse modo satisfeitos em fantasia, a criança pode ficar mais em paz com seu corpo tal como ele na realidade é. O conto de fadas inclusive projeta essa aceitação da realidade para a criança, porque, enquanto ocorrem transfigurações extraordinárias no corpo do herói à medida que a história se desenrola, ele se torna novamente um mero mortal quando a lute termina. (BETTELHEIM, 2015, p. 84). Os Contos, assim, contêm conteúdos encontrados no universo das fantasias da criança. A sua história permite enfrentar sentimentos momentâneos, tais como a desesperança e o medo, por exemplo. Trata-se de temáticas que evocam verdadeiro fascínio por um “mundo encantado” articulado à fantasia. O medo é uma das sementes privilegiadas da fantasia e da invenção; grande parte dele provém das mesmas fontes do mistério e do sagrado. O medo pode ser provocado pela percepção de nossa insignificância diante do Universo, da fugacidade da vida, das vastas zonas sombrias do desconhecido. É um sentimento vital que nos protege dos riscos da morte. Em função dele, desenvolvemos também o sentido da curiosidade e a disposição à coragem, que superam a mera função de defesa da sobrevivência, pois possibilitam a expansão das pulsões de vida. (CORSO; CORSO, 2006, p. 17). As crianças experienciam o medo através das histórias, sendo este abordado em cenas assustadoras, que permitem a criança conhecê-lo e retratá-lo. Cenas que causam curiosidade e excitação na criança, faz com que ela solicite ao contador a repetição da narrativa..

(22) 22. Neste contexto, pode-se destacar que o grande conjunto de perigos que ameaçam o mundo infantil revela o desamparo das crianças frente às fantasias inconscientes de seus pais, como perigos irrepresentáveis: De toda a gama de ameaças e perigos que assolam e fascinam o mundo infantil, é importante destacar o desamparo das crianças diante das fantasias inconscientes dos pais, às quais estão particularmente expostas pelo fato de serem, para elas, perigos irrepresentáveis. Estes não se resumem às obscuras fantasias incestuosas dos adultos; englobam também toda uma gama de possiblidades de resposta à pergunta sobre o sonho parental: o que o Outro quer de mim? Pergunta cuja resposta é impossível de ser atendida pela criança. (CORSO & CORSO, 2006, p. 18). Para que a criança possa, então, experienciar a história, ela necessita ouvir por muitas vezes. Ao escutar a história, identifica qual Conto se assemelha à sua própria história, à questão subjetiva que lhe acomete; encontrando o suporte da história como recurso simbólico que permite a elaboração do seu questionamento. Só ouvindo repetidamente um conto de fadas e tendo-lhe sido amplamente dados tempo e oportunidade para se demorar nele é que uma criança é capaz de aproveitar na íntegra o que a história tem a lhe oferecer no que diz respeito à compreensão de si própria e de sua experiência de mundo. Só então as livres associações da criança com relação à história lhe fornecerão o significado mais pessoal do conto, e, assim, a ajudarão a lidar com problemas que a oprimem. (BETTELHEIM, 2015, p. 85). Ao se apropriar da história a criança por muitas vezes diz ao adulto que gostou. Por vezes, o adulto passa a contar uma nova história, com a ideia de que a satisfação da criança aumente. Grande equívoco, pois a criança está demonstrando que é a história contada que tem algo importante a lhe dizer - o que poderá ser perdido se a história não se repetir. É, pois, preciso sustentar à criança o acesso à elaboração do conteúdo ou, então, da fantasia que a história aborda. Além da história por si só ser de suma importância para a criança, quando ela vem acompanhada de ilustrações, há uma diferença em como a criança se apropria dela. Segundo Bettelheim (2015), as histórias ilustradas acabam por distrair a criança e assim distanciar a sua imaginação, ao invés dela dar um significado próprio à história ela faz uso daquilo que o ilustrador projetou. É por isso que um conto de fadas perde muito de seu significado pessoal quando suas personagens e situações adquirem substância não da imaginação da criança, mas da de um ilustrador. Os detalhes únicos derivados de sua própria vida particular, com os quais a mente de um ouvinte representa a história que lhe contam ou que lê, fazem dessa história.

(23) 23. uma experiência muito mais pessoal. Tanto os adultos quanto as crianças com frequência preferem o caminho mais fácil que é ter alguém que execute a árdua tarefa de imaginar a cena da história. Mas, se deixamos um ilustrador determinar a nossa imaginação, ela se torna menos nossa, e a história perde muito de sua significação pessoal. (BETTELHEIM, 2015, p. 87). Alguns Contos, tal como a criança em seu próprio fantasiar, iniciam de um modo um tanto realista, como nos casos das seguintes histórias: em “Chapeuzinho Vermelho” a mãe indaga que a filha deverá ir visitar a avó; “João e Maria” aborda a situação de pobreza que um casal está enfrentando. A história começa com uma situação que ocorre na sociedade, ou seja, é uma situação real, mas que vem acompanhada de um problema. Em outras situações, o Conto é revelador e representativo de crises que correspondem aos conflitos que a estruturam como sujeito. Bettelheim (2015) considera: O conto de fadas, embora possa começar com o estado de espirito psicológico da criança – como, por exemplo, sentimentos de rejeição quando comparada aos irmãos, tal como ocorre com Cinderela –, nunca tem início com sua realidade física. Nenhuma criança tem que se sentar no meio das cinzas, como Cinderela, ou é deliberadamente abandonada numa floresta densa, como João e Maria, visto que uma semelhança física seria muito assustadora para ela e “acertaria perto demais do alvo para ser capaz de confortar”, uma vez que confortar é um dos propósitos dos contos de fadas. (p. 90). Com uma história simples, mas composta por acontecimentos fantásticos, o Conto é um convite irrecusável para a criança embarcar na viagem a um mundo fabuloso. Ao chegar ao seu final devolve a criança à realidade, podendo recuar seu estado de angústia na medida em que suporta alguma condição ao processo de simbolização. A criança, tão mais segura do que o adulto, precisa ter certeza de que sua necessidade de se entregar às fantasias, ou sua incapacidade para deixar de fazê-lo, não é uma deficiência. Ao narrarem contos de fadas para o filho, os pais lhe dão uma importante demonstração de que consideram as experiências interiores da criança, tais como corporificadas nos contos, válidas, legitimas e, de certo modo, até mesmo “reais”. Isso faz com que a criança sinta que, uma vez que suas experiências interiores foram aceitas pelos pais como reais e importantes, ela, consequentemente, é real e importante. (BETTELHEIM, 2015, p. 92). A infância por ser um momento único na vida do sujeito, é o momento em que a criança passa a diferenciar as experiências subjetivas e o mundo real. Como a criança em sua infância ainda não tem possibilidades por si só de ordenar e dar.

(24) 24. sentido a seus processos subjetivos e a relação com a realidade externa, os Contos apresentam personagens nos quais ela encontra uma forma de exteriorizar o que se passa em seu ‘interior’; assim apresentam à criança um modo possível para corporificar os seus desejos destrutivos em um personagem, obtendo vias de satisfações desejadas. Os contos de fadas oferecem personagens nas quais ela pode exteriorizar sob formas controláveis aquilo que se passa em sua mente. Os contos de fadas mostram à criança de que modo ela pode corporificar seus desejos destrutivos numa personagem, obter de outra satisfações almejadas, identificar-se com uma terceira, ter ligações ideias com uma quarta, e dai por diante, segundo requeiram as suas necessidades do momento. (BETTELHEIM, 2015, p. 95). Os Contos de Fadas não têm o intuito de mostrar o caminho que a criança deve seguir para assim conseguir encontrar a melhor forma para resolver o que está em conflito e atravessar o momento pelo qual ela está vivendo, mas sim a história inicia no ponto onde a criança se encontra e sugere possibilidades de construções de representações em direção às resoluções de conflitos psíquicos. A resposta à pergunta se o conto de fadas diz a verdade não deveria remeter à questão da verdade em termos factuais, mas àquilo que preocupa a criança num determinado momento, quer seja o seu medo de estar propensa a ser enfeitiçada ou os seus sentimentos de rivalidade edipiana. Quanto ao mais, uma explicação de que essas histórias não ocorrem aqui e agora, mas numa longínqua terra do nunca, é quase sempre suficiente. Um pai que, a partir de sua própria experiência infantil, está convencido do valor dos contos de fadas, não encontrará dificuldade em responder às perguntas do filho; mas um adulto que pensa que esses contos são apensa um punhado de mentiras não deveria tentar contá-los; não será capaz de relatálos de forma a enriquecer a vida das crianças. (BETTELHEIM, 2015, p. 171). Assim, podemos compreender que neste universo da infância e de constituição do infantil, os Contos de Fadas são de grande importância. Apresentam pequenos dramas, sendo que ao desenrolar das histórias alguma resolução se estabelece, via possível de elaboração da angústia. A história pode emprestar à criança um sentido para dar um contorno ao seu sofrimento, sem que necessariamente haja semelhança com um problema real. Os Contos de Fadas, portanto, são produções que se emprestam como recursos ou instrumentos que podem servir como suporte à criança diante dos conflitos inerentes às crises decorrentes das decepções narcísicas, do momento de passagem pelo Complexo de Édipo, das rivalidades, dos medos; enfim, dos complexos que atravessam este.

(25) 25. tempo. de. estruturação. psíquica. que. problematização que nela se apresente.. transcorre. a. infância. e/ou. alguma.

(26) 26. 3 ANÁLISE DE UM CONTO: BRANCA DE NEVE. A relação entre os Contos de Fadas e as fantasias constitutivas de um sujeito é o percurso através do qual transcorreram os textos iniciais deste estudo. Neste momento, busca-se, através de uma análise do Conto Branca de Neve, compreender elementos subjetivos presentes nesta história. Desejada por seus pais, Branca de Neve nasceu. Como a mãe sempre imaginou, correspondeu ao desejo de seus pais. Por ser menina e ter um lugar idealizado é, assim, surpreendente, uma vez que a valorização da mulher é relativamente recente - pouco se celebrava com o nascimento de uma menina. A história de Branca de Neve aborda a relação entre homens e mulheres, a temática da feminilidade, do fascínio, da beleza, dos poderes e perigos. O desejo da mãe se realizou tal qual como ela pensou e que é descrito inicialmente na história; “deu à luz” a uma menina que era ‘branca como a neve’, corada como o sangue e que tinha os cabelos negros como o ébano. Recebeu o nome de Branca de Neve. A mãe da menina morreu logo após o seu nascimento e o pai, depois de passado um tempo, casa-se novamente. Seu desejo foi uma ordem, “pouco depois deu à luz uma filha que tinha cútis tão alva como a neve e tão corada como o sangue e cujos cabelos eram negros como o ébano que ficou chamada Branca de Neve.” Mas o que era bom durou quase nada, já que a mãe morreu logo após o nascimento. Essa rainha aparece apenas para ser quem faz a encomenda. Mãe boa, como todas as de Contos de Fada, que, por ter desejado tanto a criança, ficaria isenta de sentimentos hostis, abandona a cena rapidamente, para deixar surgir em seu lugar a madrasta num novo casamento do pai. Sempre claramente diferenciada da genitora, a mãe sobrevivente é essa madrasta, em cuja relação com a enteada não há o amor materno para amortecer o ciúme e a inveja. (CORSO; CORSO, 2006, p. 78). O pai de Branca de Neve não aparece mais na história. Em seu lugar surge um espelho mágico, ao qual constantemente perguntava: quem era a mais bela de todas as mulheres do reino? Enquanto o espelho, por sua vez, respondia que a madrasta era a mais bela mulher, Branca de Neve não representava nenhum problema. Até que certo dia o espelho responde que Branca de Neve é a mais bela do reino e ela se torna uma rival para a madrasta. Este fato acontece quando a menina tinha apenas sete anos de idade; mesmo assim, representa ameaça à madrasta que já é uma mulher adulta..

(27) 27. Nos Contos mais contemporâneos, Branca de Neve, ao representar uma rival para sua madrasta, passa a aparecer em idade adolescente. Isso porque é na adolescência que ela vai se apresentar não mais na condição de infantil e passa a representar uma ameaça para a rainha da casa. A madrasta, na tentativa de livrar-se da jovem, solicita a um caçador que leve Branca de Neve até a floresta e mate-a, trazendo como prova de sua morte seu fígado e seus pulmões. O caçador atende à solicitação da madrasta, porém não mata Branca de Neve. Deixa a jovem abandonada na floresta. Perdida na floresta, Branca de Neve encontra uma cabana e se surpreende ao perceber que tudo naquele lugar era muito pequeno, junto à mesa havia comida para sete, bem como tinham sete camas muito pequenas . Depois de organizar a casa, cansada, ela se alimenta e acaba adormecendo ali em uma das camas. A cabana encontrada por Branca de Neve pertencia a sete anões que ao retornarem para casa ao anoitecer, encontram a jovem adormecida. Ela conta a sua história aos moradores da cabana e pede-lhes que a deixem ficar. Eles aceitam, mas em troca solicitam que ela realize os afazeres domésticos. A partir deste instante, os anões solicitam que ela não deixe que estranhos entrem em casa, procurando preservar, assim, a sua segurança. Dias se passaram e a madrasta acaba descobrindo através de seu espelho que Branca de Neve continua viva. O espelho revela qual é o seu paradeiro. Como a morte de Branca de Neve era o desejo da madrasta, ao descobrir que ela havia sobrevivido, tenta matá-la novamente. Desta vez ela mesma vai visitar a jovem. Na primeira tentativa, ela vai até a casa disfarçada e tenta vender cadarços para o corpete de Branca de Neve. Quando esta aceita, a madrasta aperta o cadarço até sufocá-la. Porém os anões chegam a tempo de salvá-la. Não satisfeita com a tentativa frustrada, a madrasta retorna, mas dessa outra vez oferece um pente envenenado. Ao tocar os cabelos negros de Branca de Neve, a jovem cai desfalecida. Novamente os anões, retirando o pente da sua cabeça, a salvam. Por fim, a madrasta, ainda não obtendo êxito nas tentativas de matar Branca de Neve, dá a jovem uma bela maçã envenenada. Ao morder a fruta, Branca de Neve cai parecendo estar morta. Os anões nada conseguem fazer desta vez, então colocam Branca de Neve em um caixão de vidro e passam a vigiá-la. Um príncipe que passava por ali ficou encantado com a beleza de Branca de Neve e.

(28) 28. pediu aos anões para levá-la ao seu castelo. Ao levar a jovem, acabam por tropeçar no caminho; assim, saltou o pedaço da maçã envenenada que estava preso em sua garganta e que fazia com que ela ficasse em condição de sono profundo. O príncipe se declara para a jovem e casa-se com ela. Na festa de casamento a madrasta recebe o seu castigo ao calçar sapatos cobertos de brasa e dançar com eles até a sua morte. Analisando agora mais precisamente os elementos presentes neste conto, observa-se que: A morte precoce da rainha-mãe representa que o filho que nasce não fica com a cara da encomenda por muito tempo: assim que começa a crescer, passa a escolher sua própria carta de cores e matizes. Na versão dos irmãos Grimm, a rainha morre no parto, o que é bem correto, pois a criança que nasce não é nunca exatamente como se sonhou, afinal ela já chega ao mundo berrando, dando mostras de alguma insatisfação. Assim, quem morre no parto é esse ideal de que um filho será capaz de satisfazer plenamente o desejo da mãe. (CORSO; CORSO, 2006, p. 79). A morte da mãe após o nascimento do filho, considerando uma interpretação psicanalítica, remete à representação à morte desse ideal de filho desejado pelos pais. Neste Conto, a mãe desejou que ela fosse branca como a neve, corada como o sangue e tinha os cabelos negros como o ébano. A “mãe má”, nos Contos, é representada de duas formas: a bruxa ou a madrasta. Em Branca de Neve, ela tem a bruxa e a madrasta em uma só; apesar de a madrasta ser uma mulher muito bela, a bruxa está em seu interior. A beleza ligada à mulher é algo que refletia a sua índole e aquela que não possuía tamanha beleza era considerada pessoa do mau. A madrasta de Branca de Neve não se contentava em ser bela, pois a sua beleza deveria ser insuperável, tanto que ela passa a consultar seu espelho pedindo a ele que lhe diga quem é a mais bela das mulheres. A verdade é que a beleza só existe para um olhar, sem esse reconhecimento ela não faz sentido, por isso o espelho é o complemento necessário da imagem. O olhar no espelho traz sempre uma pergunta e uma resposta. Cada um o contempla tentando se ver “de fora”, buscando decifrar o impacto de sua imagem nos olhos dos outros, interrogando como somos vistos. (CORSO; CORSO, 2006, p. 80). Não há nada melhor que a admiração de um ser amado, que a confirmação de que a imagem é apreciada por ele, é uma certificação que o olhar do outro revela. Assim, o espelho da madrasta é uma busca pela confirmação da sua beleza, mas quando ele não responde o que ela tanto desejava ouvir, a convivência.

(29) 29. com a jovem não é mais suportada pela madrasta, pois ela passa a comparar a sua beleza com a de Branca de Neve. Como neste Conto não há somente a madrasta, apesar de ela estar em evidência, pouco pela sua beleza que segundo o espelho mágico já não é tão bela quanto Branca de Neve, mas mais pelas maldades que faz à jovem. O pai de Branca de Neve também aparece no decorrer da história. O pai que agora é esposo da madrasta deveria ter olhos somente para a sua beleza, mas como homem e também espelho, não admira somente a beleza de sua esposa, mas também de sua filha, que não olha mais como uma menina, mas sim como uma mulher. Desta forma, o espelho vai enunciar que além da madrasta há uma jovem mulher na casa. Esta condição produz efeitos à subjetividade da madrasta. Diante da problemática do nascimento da mulher, se destaca a ideia de que na casa só há lugar para uma mulher a ser desejada pelo pai-esposo. À Branca de Neve resta buscar pelo seu próprio espelho, ou seja, ir à busca de seu amor, um homem que possa desejá-la enquanto mulher. O pai, sendo o espelho da madrasta, está preso à parede do quarto. Mas teria ele a possibilidade de ser o caçador que salva Branca de Neve da morte? Nessa história, o personagem do pai é uma figura subordinada à madrasta, um olhar preso à parede do quarto. Mas por que ele não poderia ser também representado pelo caçador, como se fossem duas faces da mesma moeda? Afinal, ele se submete à madrasta, mas por outro lado a engana. Diferentemente desta, o caçador consegue ver a moça como uma menina frágil, tem pena dela e a salva da inveja assassina materna. Há uma cumplicidade entre o caçador e a jovem, que minimiza o poder da madrasta e permite a fuga. O mais importante é o fato de a mãe poder ser enganada, dela não ter controle total sobre esse homem. O pai é fraco, pode enganar, mas não reverter o quadro, por isso, não vale a pena ficar em casa por ele. Além disso, é indigno do amor da filha, livra-a da mãe, mas a deixa na floresta à mercê das feras. Nesse caso, o amor do pai é impotente no mundo externo, fica restrito aos muros da casa. (CORSO; CORSO, 2006, p. 80). Sem que ela pudesse imaginar e, sejam quais forem os seus poderes, a madrasta é traída por seu espelho e pelo caçador. O espelho enxerga além do quarto e assim pode ver a beleza de Branca de Neve, já o caçador não obedece às suas ordens. Se a mãe com sua beleza pudesse capturar todos os olhares do pai, ele não haveria de ter olhos para a filha, somente para a sua amada. A filha, por sua vez, para tornar-se amada, precisaria se assemelhar à mãe?.

(30) 30. Buscando elementos de identificação com a mãe, a menina se vê frente a “Ser como ela em alguns aspectos, mas como ponto de partida, não de chegada. Perceber a limitação do modelo materno empurra ao trabalho de buscar referenciais e vivências que ampliam o horizonte da filha.” (CORSO; CORSO, 2006, p. 81). Assim: A criança interessa-se por aquilo que é importante para seus pais, porque, num primeiro momento está buscando lugar para si no amor deles, mas termina descobrindo um mundo mais vasto, pleno de opções amorosas, de realizações possíveis e variadas formas de realizar seus desejos. (CORSO; CORSO, 2006, p. 81). E os anões? Livre da morte, Branca de Neve fica perdida na floresta até que encontra a casa onde moravam os anões, que a acolhem e permitem que ela seja a nova moradora da casa. Porém é exigido a ela que desempenhe os cuidados com a casa. Ao ter um novo lar, a jovem pode ocupar um lugar feminino, mas não sexuado, ela é somente a mulher da casa, pois os anões buscam riquezas nas montanhas e não desejam as princesas. Outro elemento importante que deixa Branca de Neve aliviada é o fato dos anões possuírem a aparência de idosos, e o tamanho de crianças; com isso eles permanecem fora do contexto da sexualidade. É neste momento que Branca de Neve transita do olhar e do desejo do pai para buscar o seu príncipe. O amor entre mãe e filha é rodeado por muitas queixas. Ao separar-se da mãe, a filha a acusa-a de abandono e que ela não teria a capacidade de lhe dar tudo o que ela necessita. Sim, a mãe sempre deixa a desejar, pois o amor materno jamais será absoluto. Por tudo isso, as mães farão papéis extremamente cruéis quando a heroína do conto for uma moça, serão finalmente derrotadas e cruelmente castigadas. Quanto aos pais, quando fazem suas maldades, sempre encontram algum tipo de conciliação ou perdão no final. Realmente, ser mãe é desdobrar fibra por fibra... (CORSO; CORSO, 2006, p. 83). Cruel, a madrasta descobrindo que a Branca de Neve continuava viva resolve por si só envenenar a princesa, para tanto em um disfarce de idosa engana Branca de Neve e lhe dá uma maçã envenenada. Branca de Neve sem ao menos desconfiar que por trás da velha bondosa estivesse a sua madrasta querendo o seu fim, aceita a maçã. Certo, a jovem jamais iria desconfiar ou pensar que a idosa lhe.

(31) 31. faria algum mal, pois é nos idosos se encontra uma referência de consolo ou amparo aos conflitos, ao amor materno perdido. A maçã que a madrasta dá a jovem e que aparece no mito de Adão e Eva é a simbologia para o desejo proibido, ao morder a fruta Branca de Neve cai em um sono profundo e ao acordar terá um novo destino, de jovem. Passa ao lugar de mulher. Assim, o veneno do qual a maçã é portadora é a sexualidade. A cena não é incomum no cotidiano de mães e filhas. Na maior parte das vezes, a vida erótica da jovem é bem maior na fantasia de sua mãe do que na prática da vida da filha. A mãe supõe acontecimentos que a jovem nem sequer ousa pensar, quanto mais dizer. Em determinada etapa do início da adolescência, a mãe passa antecipando em seus pensamentos a principiante sexualidade que sua jovem ainda não sente condições de exercer. É isso que a bruxa foi fazer na casa dos anões, na história vai para matá-la, na prática se trata de fazê-la despertar para o desejo sexual, para a tentação. Tanto é assim que é sob os efeitos da maçã que a beleza de Branca de Neve se expõe, tornando-se disponível para o olhar do príncipe. (CORSO; CORSO, 2006, p. 83). Branca de Neve permanece corada, indicando que ela não está morta e sim em um sono profundo a espera de seu príncipe encantado, que se apaixona pela sua beleza. A criança que a mãe enfeita exclusivamente para admirá-la, é envenenada para morrer, morre para nascer uma jovem com uma beleza incomparável que passa a se endereçar não mais à mãe e sim a um príncipe que se encantará por ela. Enfim, convém ressaltar a ligação dessa princesa com as cores, desde as características com as quais deveria nascer, até as que conservou em seu sono enfeitiçado. Tanto uma como a outra são as cores com as quais a mãe pintou, as primeiras do desejo da rainha boa, as segundas as da inveja da madrasta. Seja pelo direito ou pelo inverso, temos o fato de que o amor materno será sempre uma espécie de matriz que definirá a carta de cores dos amores que o sucederão. (CORSO; CORSO, 2006, p. 84). A análise propriamente do Conto Branca de Neve permite explorar muitas possibilidades de compreender as cenas e relacioná-las com as experiências subjetivas da criança, sendo desde a identificação com a mãe até a rivalidade que há na relação entre mãe e filha; assim como o processo de passagem da infância para a adolescência. Entre as heranças simbólicas que passam de pais para filhos, certamente, é de inestimável valor a importância dada à ficção no contexto de uma família. Afinal, uma vida se faz de histórias – a que vivemos, as que contamos e as que nos contam. (CORSO; CORSO, 2006, p. 23).

(32) 32. Os Contos de Fadas ao serem transmitidos para uma criança permitem que ela possa compreender que a vida também é feita de muitas histórias, sejam as que ela vivencia que fazem parte da sua construção, como as que ela cria em seu próprio imaginar, bem como as que ela escuta, contadas pelos seus pais, avós, enfim pelas pessoas que transmitem esta grande herança simbólica..

(33) 33. CONCLUSÃO. Muitas são as questões que se apresentam quando iniciamos um trabalho de pesquisa acerca de um conteúdo de nosso interesse. O primeiro passo, é de pesquisar e buscar compreender a temática minimamente, para assim poder reunir elementos e realizar um estudo mais aprofundado. Uma das questões que inicialmente se apresentou durante o percurso acadêmico foi de uma prática de Estágio Básico com crianças que frequentavam uma instituição, no qual realizei oficinas com Contos. Através desta experiência e também por uma experiência de vida pessoal em que presenciei por um tempo pessoas que contavam histórias para crianças, a temática inerente aos Contos de Fadas mobilizou a realização deste estudo. Compreender a trajetória que originou os Contos de Fadas remete ao percurso de reconhecimento social à criança e à construção do sentimento de infância, diferenciando este tempo da correspondência às necessidades da vida adulta. Os Contos, atravessados pelo conceito social sobre a infância, passaram por muitas adaptações a fim de serem utilizados para este público; uma vez que originalmente retratavam muitas cenas de brutalidade, de canibalismo, de incesto e de mortes. Com a invenção da infância, as narrativas que eram tradicionais passam a ser infantilizadas, transformando-se em Contos de Fadas e passando a ser utilizadas para o público infantil. Difícil foi ganhar um lugar de destaque para que a sociedade compreendesse que a infância é um momento único da vida. É na infância que transcorre o processo de estruturação psíquica, momento este em que estão presentes as fantasias originárias. Para a psicanálise, a fantasia é produção inerente à condição humana e opera como recurso de acesso à simbolização e meio de satisfação de desejos que recebem o crivo da impossibilidade e/ou da interdição. A fantasia é composta pelas produções fantasmáticas que se repetem independente da vontade do sujeito – diz-se desta maneira, pois há diferença substancial entre desejo inconsciente e vontade. Por conter muitos elementos que permitem à criança se utilizar da fantasia para resolver seus conflitos internos, os Contos de Fadas são de grande importância, pois auxiliam na compreensão das situações que ela experiencia. Não tendo como objetivo indicar o caminho pela qual a criança deverá seguir para encontrar solução aos seus conflitos, os Contos de Fadas iniciam no ponto onde a.

(34) 34. criança se encontra e sugerem vias de elaboração da angústia inerente ao processo de constituição psíquica ou às problematizações que podem se apresentar em seu viver..

Referências

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