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RUBENS QUEIROZ MORAIS SILVEIRA....pdf (640.3Kb)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE RUBENS QUEIROZ MORAIS SILVEIRA. OS IMPACTOS DA DOUTRINA NEOLIBERAL SOBRE A ESTRUTURA NORMATIVA PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988. SÃO PAULO 2016.

(2) RUBENS QUEIROZ MORAIS SILVEIRA. OS IMPACTOS DA DOUTRINA NEOLIBERAL SOBRE A ESTRUTURA NORMATIVA PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Bacharelado de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)/ Faculdade de Direito (FD), como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.. ORIENTADOR: Prof. Dr. Gilberto Bercovici. São Paulo 2016.

(3) RUBENS QUEIROZ MORAIS SILVEIRA. OS IMPACTOS DA DOUTRINA NEOLIBERAL SOBRE A ESTRUTURA NORMATIVA PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Bacharelado de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)/ Faculdade de Direito (FD), como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.. Aprovado em ___/___/___. BANCA EXAMINADORA. _____________________________________. _____________________________________. _____________________________________.

(4) Dedico este trabalho a Marco Aurélio Cezarino Braga, amigo e professor, por ter, desde o princípio, me incentivado na busca de um Brasil soberano e justo a todos e a todas. Obrigado por todos os ensinamentos e conselhos..

(5) AGRADECIMENTOS. Agradeço aos meus pais, Maria do Socorro de Queiroz Silveira e Geraldo Morais Silveira, por todo o esforço diário para que eu e o meu irmão tivéssemos a oportunidade da melhor formação acadêmica possível. Obrigado pelo exemplo de vida, pelo amor e carinho incondicional. Aos meus amigos e amigas de universidade, que percorreram comigo essa longa jornada. À Thayná Salles Ferreirinha Zendron de Campos, pelo amor e companheirismo, por sempre me apoiar e acreditar nos meus projetos. Por tudo, o meu eterno agradecimento. Ao orientador Gilberto Bercovici, pela engrandecedora orientação, a confiança no tema construído, e nas considerações dadas ao longo da pesquisa..

(6) RESUMO. A presente pesquisa tem como escopo as reformas impostas à Constituição Federal de 1988, baseadas no discurso neoliberal de que estaríamos em uma nova fase capitalista, na qual os ditames desenvolvimentistas não mais se encaixariam. Para isso, faz-se um estudo histórico, que percorre desde os antecedentes do neoliberalismo, abordando o “consenso keynesiano”, o sistema de Bretton Woods, desenvolvimentismo latino-americano, a crise da dívida externa, entre outros aspectos. Após isto, a passagem do neoliberalismo como ideologia restrita ao ambiente acadêmico, até ganhar ares políticos ao ser adotado pelos países centrais. Na última etapa histórica, a chamada Segunda Grande Transformação do capitalismo em que se dá três fenômenos: globalização, neoliberalismo e a reestruturação produtiva. Finalmente, o objeto principal do trabalho é a transformação do Brasil em uma plataforma de valorização financeira, possibilitada pelo próprio período industrializante. No âmbito jurídico, a necessidade de reformas neoliberais sobre a Constituição Federal, sendo encarada como um bloqueio à valorização do capital financeiro, este, por sua vez como soberano, viabiliza tal processo mediante a instalação do Estado de exceção permanente no país.. Palavras-chave:. Constituição. Federal,. neoliberalismo,. permanente, plataforma de valorização financeira.. Estado. de. exceção.

(7) ABSTRACT. The present research has as defined scope the reforms imposed to the Federal Constitution of 1988, based on the neoliberal speech that we are experiencing a new capitalist phase, to which developmental rules do not fit anymore. Hence, we propose a historical study that covers from the neoliberalism background, approaching the Keynesian. consensus,. the. Bretton. Woods. system,. the. Latin. American. developmentalism, the crisis of the external debt, among other aspects. After that, the passage from neoliberalism, as an ideology restricted to the academic environment, until reaching political domains by being adopted by key countries. In the last historical step, called the Second Great Transformation of Capitalism in which three phenomena take place: globalization, neoliberalism, and productive restructuring. Lastly, the main object of this work was the transformation of Brazil into a platform of financial valuation, enabled by the industrialization period. In the legal level, the need for neoliberal reforms of the Federal Constitution, faced as a blockage to valuation of financial capital, which in its turn is seen as sovereign, makes this process viable upon the installation of the Permanent State of Exception in the country.. Keywords: Federal Constitution. Neoliberalism. Permanent State of Exception. Platform of Financial Valuation..

(8) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO.............................................................................................................8 1.. CONTEXTO HISTÓRICO DO NEOLIBERALISMO: ORIGEM TEÓRICA E SUBIDA AO CAMPO POLÍTICO...............................................................11. 1.1.. Era de ouro do capitalismo. .......................................................................11. 1.2.. Origem acadêmica ao plano político.........................................................14. 2.. SEGUNDA GRANDE TRANSFORMAÇÃO DO CAPITALISMO..............21. 2.1.. Neoliberalismo: liberalismo clássico e a atuação estatal. ..........................21. 2.2.. Sobre a hegemonia norte americana........................................................23. 2.3.. Globalização..............................................................................................26. 2.4.. Flexibilização do trabalho..........................................................................29. 2.5.. Contradições entre a teoria e a prática neoliberal......................................30. 3.. NEOLIBERALISMO NO BRASIL..............................................................37. 4.. INPACTOS NA ORDEM JURÍDICA APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.....................................................................................................40. 4.1.. Brasil como plataforma de valorização financeira......................................40. 4.2.. Estado de exceção permanente: agressão à constituição federal..............41. 4.3.. Reformas institucionais e jurídicas para a garantia da valorização financeira...................................................................................................44. CONCLUSÃO......................................................................................................49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................51.

(9) 8. INTRODUÇÃO. O trabalho ora apresentado consiste em um estudo crítico sobre a deformação praticada, em razão do ideário neoliberal instalado no país, sobre a estrutura normativa brasileira, a partir da Constituição Federal de 1988. O tema é de extrema importância, vez que o neoliberalismo se apresenta de tal forma hegemônico no contexto nacional, que não se vislumbra nenhuma alternativa seja qual for o setor da sociedade. Deste modo, o ideário neoliberal passa a pautar a política econômica do país, tendo o direito como meio, no que diz respeito às reformas realizadas, como a questão previdência e o manejo das contas públicas, sobretudo a partir da década de 1990, o que representa uma frontal negação a todas as conquistas previstas na ordem constitucional. Para isso, a pesquisa parte de uma análise histórica do neoliberalismo, que se inicia, justamente, com o período que o antecede, o “consenso keynesiano”. Tal período também é conhecido como a Era de Ouro do Capitalismo (1945-1971), isto se deve ao fato de representar o estágio capitalista em que se conheceram as maiores taxas de desenvolvimento econômico e social, inclusive na periferia, ainda que com as suas características específicas. Posteriormente, o surgimento do pensamento neoliberal antes no ambiente restrito da academia, contudo, em um segundo momento, acaba por atingir o patamar político, tendo como marco a virada liberal dos governos norte-americano e britânico, no final da década de 1970. Diante disto, como último elemento histórico e segundo capítulo do trabalho, a chamada Segunda Grande Transformação, que se dá no fim da década de 1980 e perdura até o cenário atual. Para tratar de tal fenômeno complexo, faz-se uso da obra de Luiz Filgueiras (2006), que filtra em três processos principais, sem esgotar o assunto, quais sejam, o próprio neoliberalismo, a globalização que simboliza a chegada da "nova economia” a todo o globo, inclusive ao Brasil, boa parte por causa da crise da dívida externa. Ademais, a reestruturação produtiva, pautada flexibilização do trabalho, que se propaga a partir da crise fordista. Na terceira parte, uma breve análise do neoliberalismo no Brasil, a sua chegada atrasada, mas ao mesmo tempo incisiva, o que se inicia com a eleição de Fernando.

(10) 9. Collor, consolidado com o governo de Fernando Henrique Cardoso e mantido com Luís Inácio Lula da Silva. Na última parte do estudo, chega-se ao objeto principal, que por sua vez, é dividido em três subitens. O primeiro apresenta a tese de Leda Paulani, do Brasil como uma plataforma de valorização financeira, em que demonstra o período de industrialização brasileira, como fundamento material para se tornar, posteriormente, um mercado exportador de capitais. Por outro lado, a necessidade de retirar uma série de entraves à valorização financeira, a partir do receituário neoliberal, ocasionados pela regulação originada na Constituição Federal de 1988. Tal processo foi viabilizado graças ao fenômeno do Estado de Exceção permanente que inverte a ideia de Poder Constituinte, isto é, a soberania do povo, como regra e, em seu lugar, implanta um regime de exceção que tem como soberano o capital rentista. Para tanto, o método utilizado é o do Direito Econômico. Este surge a partir das crises e grandes conflitos do século XX, inicialmente com uma denominação de Direito Bélico, isto porque a guerra ganha tal proporção no período, que passa a demandar uma atuação do Estado na economia muito além do que era realizado no Estado Liberal (COMPARATO, 1978, p. 455-457). Todavia, após a fase turbulenta, como é o caso da crise de 1929, tal atuação estatal perdura, tendo em vista que deixa de ser algo excepcional, e após alguma resistência, acaba por se consolidar, mediante a denominação de Direito Econômico. Ou seja, traz uma nova dinâmica de atuação estatal, mediante todo o aparato jurídico do Direito Econômico, conforme Fabio Konder Comparato (1978, p. 465): “O novo direito econômico surge como um conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica”. O Direito Econômico pode ser encarado de duas formas, primeiro, como uma matéria apartada, que seria “(...) uma espécie de ordenamento constitucional da economia, no qual se situariam os princípios básicos que devem reger as instituições econômicas (...) a tradução jurídica da economia dirigida (...) (COMPARATO, 1978, p. 462). Em segundo lugar, pode ser encarado como um método, deste modo, parte-se do pressuposto de que o direito não só é objeto da realidade social, como também pode transformá-la, trata-se de seu “caráter contrafático” (BERCOVICI, 2011. p. 12). Neste sentido, apresenta-se o que Gilberto Bercovici (2009, p. 518) denomina de Desafio Furtadiano, isto é, o Direito Econômico tem como foco a superação do.

(11) 10. Estado subdesenvolvido brasileiro, mediante a transformação das estruturas sociais e econômicas, sendo este o método adotado. O texto parte de leituras de textos e obras, que dizem respeito ao processo de construção do neoliberalismo como uma ideologia e política econômica no mundo e no Brasil, como a já mencionada Leda Paulani, José Luís Fiori, Luiz Filgueiras, François Chesnais, David Harvey, entre outros. Além disso, os teóricos que tratam do Direito Econômico, como Fábio Konder Comparato, Gilberto Bercovici, Luís Fernando Massonetto, Alessandro Luís Serafim Octaviani, bem como autores que discutem o tema do Estado de Exceção permanente como o próprio Gilberto Bercovici e Paulo Arantes. Deste modo, busca-se entender como a doutrina neoliberal implantou um regime de exceção, mediante uma série de alterações na ordem jurídica em total desrespeito à Constituição Federal, culminando na perpetuação do Estado brasileiro como subdesenvolvido..

(12) 11. 1.0 CONTEXTO HISTÓRICO DO NEOLIBERALISMO, ORIGEM TEÓRICA E A ASCENSÃO AO CAMPO POLÍTICO. 1.1 Era de ouro do capitalismo: hegemonia norte-americana, Bretton Woods e o desenvolvimentismo. Os anos de ouro do capitalismo, que vão de 1945 até a década de 1970, constituem o segmento histórico em que o modo de reprodução capitalista conheceu o maior crescimento econômico, além do baixo desemprego e inflação reduzida (PAULANI, 2008, p. 111). Anteriormente, em 1929, dá-se a Grande Depressão, que tem como causa, entre outros fatores, a enorme queda da demanda em relação ao período expansivo da Grande Guerra. Os Estados Unidos vão superar tal cenário a partir de três processos. Em primeiro lugar, o New Deal de Franklin Roosevelt, plano que continha medidas de estabilização e recuperação da economia, através da atuação estatal. Em segundo lugar, referida intervenção do Estado ganha base teórica com John Maynard Keynes, que determina a atuação do estado de forma anticíclica1, através do investimento, e não a mera busca pelo equilíbrio fiscal. Como último processo, a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista o seu enorme esforço de guerra que garantiu o pleno emprego, além, claro, do não atingimento do país pelo conflito (MASSONETTO, 2006, p. 31-36). Com o fim da guerra, os ensinamentos dos períodos de crise não são deixados de lado, sendo mantidas as políticas intervencionistas. O projeto hegemônico dos Estados Unidos necessitava de uma ordem econômica controlada, o que será possibilitado por duas frentes, quais sejam, o controle militar global, além da ordem econômica e financeira, o que passa pelo fortalecimento do dólar, a adoção da Doutrina Truman2, bem como a implementação do sistema Bretton Woods (MASSONETTO, 2006, p. 38-42; 68-71).. 1. Em um contexto de desequilíbrio econômico, o Estado toma ações com o objetivo de produzir efeitos compensatórios. 2 Apoio às nações aliadas aos Estados Unidos, em face de suposta ameaça comunista..

(13) 12. O padrão normativo Bretton Woods, que perdura até 1971, substitui o padrãoouro clássico, pela conversão fixa do dólar em ouro, tendo as demais moedas como referência o próprio dólar:. O atrelamento do dólar ao ouro, mesmo que indireto, permitia, bem ou mal, que este alicerçasse um sistema financeiro e monetário internacional, que comportava a existência de autoridades estatais, dotadas de instrumentos que lhes possibilitavam controlar a criação de crédito e assegurara a relativa subordinação das instituições financeiras e do capital de empréstimo às necessidades do investimento industrial (CHESNAIS, 1996, p. 250).. Referido sistema possibilitou uma maior estabilização das taxas de câmbio, o que motivou o crescimento das economias no mundo, inclusive as periféricas (CARNEIRO, 2002, p. 34-35). Todavia, Bretton Woods vai além disso, ao retirar o controle das finanças do âmbito privado para o Estado: “Ao contrário dos anteriores, fortemente controlados pelas finanças, após o Bretton Woods, o dinheiro mundial tornou-se um subproduto das atividades de gestão do Estado” (MASSONETTO, 2006, p. 68). No tocante ao modo de produção, o período será definido pelo fordismo, tendo como pilares a evolução tecnológica da Segunda Revolução Industrial, o método de produção altamente especializado, a produção em larga escala de um mesmo produto, entre outros aspectos, o que passa a gerar um amplo aumento da produção. Para contrabalancear tamanha demanda, a inclusão do trabalhador no mercado de consumo, por meio do controle dos ganhos capitais em favor dos benefícios sociais (FILGUEIRAS, 2006, p. 49-51). Diante de tal cenário, dá-se a constituição do Welfare State (Estado de bemestar social), modelo que vai além do Estado liberal, ou seja, não visa simplesmente a liberdade para a reprodução do capital, mas garante, inclusive pela limitação deste último, a concretização dos direitos sociais, através da atuação do Estado. Destarte, o Estado social não é socialista, inclusive não se contrapõe aos direitos individuais, na verdade, até os possibilita, mediante a concretização de direitos sociais, direitos-meio, como, por exemplo, o exemplo dado por Maria Paula Dallari Bucci (2006, p. 3), do analfabeto exercer o seu direito à livre manifestação do pensamento, o que só seria possível mediante o direito social da educação..

(14) 13. David Harvey (2014a, p. 20) denomina tal processo histórico de liberalismo embutido, justamente para indicar como a liberdade capitalista passa a ser circundada por regulações de teor social. Trata-se de um verdadeiro compromisso de classe, entre o capital e o trabalho. Em relação ao Brasil, tal período de intervencionismo estatal inicia sob o governo de Getúlio Vargas na década de 1930, quando se estabelece o projeto de industrialização no país, com a sua consolidação em 1950, através do investimento de capitais estrangeiros, no governo de Juscelino Kubitschek (FIORI, 2001, p. 184187). A base teórica é formada a partir do pensamento estruturalista, caracterizado, assim como o keynesianismo, pela teoria do desenvolvimento econômico. Tal pensamento latino-americano foi organizado pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), tendo como um dos principais expoentes o economista brasileiro Celso Furtado. O desenvolvimentismo examina a questão do subdesenvolvimento da periferia, não como uma etapa necessária para se chegar ao desenvolvimento. Com efeito, trata-se de uma verdadeira forma de dominação entre os países centrais desenvolvidos e os periféricos subdesenvolvidos altamente desiguais:. (...) desenvolvimento visto desde então como um processo possível de ser induzido ou acelerado politicamente, e portanto, diferente, na teoria econômica, da ideia do simples crescimento (...) Ou seja, de que era possível a recuperação do atraso e portanto, vencer desigualdades diminuído as intoleráveis distâncias econômicas e sociais (FIORI, 2001, p. 163-164).. Ademais, o pensamento estruturalista parte do pressuposto de uma relação desigual entre o centro industrializado e homogêneo do ponto de vista social, e a periferia primária e heterogênea. Tal relação decorre de uma divisão internacional do trabalho, ou seja, o centro exportador de bens industrializados, em contrapartida, importa bens primários da periferia. Nas palavras do professor Alessandro Octaviani (2013, p. 172):. A tese parte da ideia de que o progresso técnico se desenvolveu de forma desigual nos dois polos. Foi mais rápido no centro, em seus setores industriais, e, ainda mais importante, elevou simultaneamente a produtividade de todos os setores das economias centrais, provendo.

(15) 14. um nível técnico mais ou menos homogêneo em toda a extensão dos seus sistemas produtivos. Na periferia, que teve a função de suprir o centro com alimentos e matérias-primas a baixo preço, o progresso técnico só foi introduzido nos setores de exportação, que eram verdadeiras ilhas de alta produtividade, em forte contraste com o atraso do restante do sistema produtivo.. Isto posto, o Estado brasileiro deve ter o papel central, em razão da própria instabilidade do mercado, em promover a internalização dos centros decisórios e a homogeneização social (OCTAVIANI, 2013, p. 177-181). Logo, trata-se de garantir a industrialização e o progresso técnico, entretanto, referido processo não pode ser de mera modernização, ou seja, a acumulação do capital como forma de imitar o consumo das classes abastadas, mas o real desenvolvimento, através de um consumo sustentável que seja alcançável a todos e a todas:. O objetivo deixaria de ser a reprodução dos padrões de consumo das minorias abastadas para ser a satisfação das necessidades fundamentais do conjunto da população e a educação concebida como desenvolvimento das potencialidades humanas nos planos ético, estético e da ação solidária (FURTADO, 1992, p. 77).. 1.2 Origem acadêmica ao plano político. O neoliberalismo tem como marco inicial o fim da Segunda Guerra Mundial, justamente como crítica a toda e qualquer forma de intervenção do Estado na economia, tão em voga na época. Em um primeiro momento, o neoliberalismo foi restrito ao ambiente acadêmico, liderado por Friedrich Hayek com a sua obra “O caminho da servidão” em 1944. Referido autor se reunia em Mont Pelerin, na Suíça, juntamente com os seus discípulos, como Ludwig Von Mises e Milton Friedman (FIORI, 2001, p. 58-59). Entretanto, diante da supremacia do keynesianismo, o pensamento neoliberal permanece como uma corrente de pensamento ignorada na academia e no plano político. O quadro se altera quando o neoliberalismo passa a ter destaque no ambiente acadêmico, já na década de 1970, com a chegada do pensamento neoliberal nas universidades. norte-americanas,. de. modo. a. produzir. economistas. que,. posteriormente, assumiriam o comando das políticas econômicas dos países latino-.

(16) 15. americanos. Ademais, o financiamento de bancos de ideias3, bem como o prestígio do prêmio Nobel obtido por Hayek em 1974 e Friedman em 1976 (HARVEY, 2014a, p. 30-31; FIORI, 1997, p. 205-206). Neste contexto, há de se levar em contar a dívida pública, como um fator crucial para a chegada do neoliberalismo ao mundo periférico. O processo de endividamento remonta desde o final da Segunda Guerra Mundial, neste período, diante da falta de liquidez nos países europeus devastados pela guerra, os Estados Unidos formulam o Plano Marshall, tornando a Europa um parceiro privilegiado do mercado norteamericano:. Mais do que simplesmente reconstruir as áreas afetadas pela guerra, os programas de assistência ao exterior visavam prover liquidez à economia internacional, aumentando as exportações norteamericanas e conquistando novos mercados para os seus bens e serviços (MASSONETTO, 2006, p. 71).. Luís Fernando Massonetto (2006, p. 72) elenca, ainda, outras duas soluções dadas à questão da liquidez: a injeção de capital pelos Estados Unidos nas instituições multilaterais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Ademais, o alto rearmamento nacional, ainda que em tempo de paz, como forma de gerar demanda, a partir de governos estrangeiros. A questão é que durante o período de crescimento da era desenvolvimentista surge uma massa exorbitante de capitais, que diante da produção já saturada, resolve-se aplicar no sistema financeiro, surgindo o euromercado. Na década de 1960, os bancos europeus acabam por exportar os denominados eurodólares para outras áreas do globo (MILLET; TOUSSAINT, 2006, p. 51). Havia, assim, um fluxo de capitais que partia dos países centrais para os periféricos, o que era de total interesse dos primeiros, por dois motivos, o fato de ser interessante aos países ricos pela questão da subordinação do país devedor: “O comportamento desejado incluía manter os comunistas fora de um governo de. 3. Os bancos de ideias, ou think tanks, como o Institute of Economic Affairs de Londres, Reino Unido, e o Heritage Foundation, localizado em Washington nos Estados Unidos, são institutos financiados pelas corporações com o intuito de divulgar o neoliberalismo, sob o pressuposto de cientificidade, dentro do espaço político..

(17) 16. coalização, votar no ‘nosso’ lado em organizações internacionais e aceitar as imposições do FMI e do Banco Mundial” (PAYER, 1989, p. 61). Ademais, cria um mercado de exportação de seus produtos, ou seja, o país devedor paga a sua dívida com a realização de novos empréstimos e a diferença de tal conta, era utilizada na importação de bens industrializados dos países credores. O fundamento teórico se deu pela teoria econômica convencional, que trata como natural o movimento de capitais centro-periferia, em razão de uma escassez de capital dos países periféricos. O caso é que o pagamento de dívidas com a realização de novos empréstimos não era algo sustentável, com isso, as economias do Sul vão cada vez mais se socorrer de suas exportações para manter o fluxo positivo, isto é, do centro para a periferia, o que vai se manter até a crise da dívida na década de 1980, quando ocorre a inversão do fluxo de capital, em outras palavras, periferiacentro (PAYER, 1989, p. 59-64). De volta ao contexto dos norte-americanos, estes passam a sofrer com uma crise, em decorrência de um forte déficit no balanço de pagamentos do país, justamente em razão dos próprios eurodólares, que criam um excesso de moeda que escapam à disciplina dos Estados Unidos, constituindo um dos fatores para a crise do “consenso keynesiano” (HARVEY, 2014a, p.153; BELLUZZO, 2005, p. 8-9). O ponto era que os Estados Unidos, por um lado, tinham a tarefa de estimular o seu crescimento, enquanto que, por outro lado, havia a necessidade de frear o próprio crescimento para manter a sua moeda forte. Deste modo, o padrão dólar-ouro era um impeditivo para a política econômica norte-americana. Referido processo se aprofunda, com a inflação, déficits comerciais, ampliando a dívida norte-americana. Não é por menos, que em 1971, o presidente norte-americano Richard Nixon rompe, de forma unilateral, o sistema Bretton Woods, ou seja, o dólar perde a sua convertibilidade com o ouro. Em seu lugar, surge o padrão dólar-dólar4, ou seja, autorreferenciado, deixando a moeda norte-americana ainda mais forte que no período Bretton Woods, sem a necessidade de um lastro (PAULANI, 2007, p. 112115). Para os demais países, tornava mais livre a aplicação de suas reservas em dólar, fora do sistema norte-americano (CARNEIRO, 2003, p. 52).. 4. Na época, chegou-se a cogitar uma moeda, de fato, internacional, proposta inclusive por Keynes. Outros países passaram a contestar a razão de um sistema internacional ter uma moeda nacional como moeda reserva. No entanto, acaba por prevalecer os interesses norte-americanos de ter o seu déficit de pagamentos financiado pelos outros países..

(18) 17. No ano de 1979, há de se destacar a política econômica restritiva do presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, ao subir, de forma súbita e unilateralmente, a taxa de juros norte-americanas (PAULANI, 2007 p. 117). Resolve-se, assim, qualquer questionamento que ainda houvesse sobre a supremacia do dólar: “(...) a política do Federal Reserve que, em 1979, elevou as taxas de juros, restituindo a supremacia do dólar como moeda de reserva. Tal medida consolidou o U.S. Treasury Bill Standard (...)” (MASSONETO, 2006, p. 40). Nesta esteira, durante a década de 1980, dar-se-á um largo processo de crescimento da dívida norte-americana, tornando-se, assim, de maiores credores do mundo para maiores devedores do mundo, utilizando-se da própria dívida como forma de sustentação do dólar como moeda do sistema financeiro (BELLUZZO, 2005, p. 9). Se não bastasse, houve, ainda, o Choque do Petróleo em 1973, que gerou um enorme excedente financeiro por parte dos países exportadores de petróleo, os denominados petrodólares. O raciocínio é parecido com o que ocorreu com os eurodólares, sob pressão dos norte-americanos, tal liquidez é revertida aos bancos de Nova York e emprestados às nações periféricas (HARVEY, 2014a, p. 31-36). Assim, os bancos privados ampliam o seu comprometimento com a dívida dos países periféricos, atraindo estes por meio de taxas de juros atrativas, mas flutuantes (MILLET; TOUSSAINT, 2006, p. 52). Além da questão do petróleo, outros elementos figuram como fatores externos para o sobreendividamento dos países periféricos na década de 1970, quais sejam, a própria crise dos países centrais e o fim do sistema Bretton Woods. Como fator interno para o endividamento dos países em desenvolvimento, destaca-se o anseio dos governos em se endividar (HARVEY, 2014a, p. 36). No caso brasileiro,. a. ditadura. militar. de. caráter. burocrático-autoritária,. tem. como. características, além da questão de segurança interna e externa, a adoção pelo crescimento estritamente econômico (OLIVEIRA, 1995, p. 30). Na verdade, referido modelo se dá pela modernização, isto é, acumulação do capital com vistas a imitar o padrão de consumo dos países centrais, sendo deixada de lado a questão da homogeneização social:. A consequência desse fato da dependência cultural é a dependência tecnológica e a heterogeneidade social, uma profunda disparidade nos padrões de consumo, a retroalimentar a dependência tecnológica, uma vez que o grosso do excedente.

(19) 18. produzido na periferia retorna ao centro, permitindo mais investimento em inovação, que as elites da periferia considerarão uma outra vez socialmente necessários” (OCTAVIANI, 2013, p. 177-178). O impulso ao crescimento econômico vai se pautar pela aplicação de altos incentivos fiscais, como forma de incentivo às exportações de manufaturados, o que vai resultar no chamado “milagre econômico”, período que vai de 1968 até 1973 (OLIVEIRA, 1995, p. 24-30). No entanto, logo os incentivos perdem o efeito: “(...) meras benesses que praticamente tornava uma ficção o risco empresarial” (OLIVEIRA, 1995, p. 33). O governo militar põe em prática a última tentativa industrializante do Brasil, através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1976), mas que também logo fracassa com a crise da dívida, adentrando a partir daí, a recessão e as políticas de ajuste ao longo da década de 1980. Neste período, o endividamento externo, conforme Rui Affonso (1990, p. 4546), pode ser dividido em três partes: i) internalização da dívida, em meados da década de 1970, tendo em vista a elevação dos juros para manter os capitais no país, o que gerou um excedente de reservas intencionais, solucionado com a emissão de títulos públicos; ii) garantias dadas aos credores contra o risco cambial, bem como a estatização da dívida; iii) endividamento das estatais diretamente com os bancos internacionais, não como forma de investimento, mas para o pagamento da própria dívida. A primeira experiência neoliberal se deu na periferia, mais especificamente no Chile, mediante o golpe de Pinochet em 1973 – auxiliado pelos economistas chilenos formados nas universidades norte-americanas – dado ao governo democraticamente eleito de Allende. Tal experiência serviu como base para a posterior adoção do neoliberalismo pelo centro (HARVEY, 2014a, p. 19; FILGUEIRAS, 2006, p. 57). A doutrina neoliberal, no entanto, vai alçar, de fato, o campo político no ano de 1979, com a chegada ao poder de Margaret Thatcher na Inglaterra, e nos Estados Unidos com Ronald Reagan, no ano seguinte de 1980. Os seus governos trazem o pensamento neoliberal do campo minoritário para o majoritário, não é por menos que, os seus sucessores mantiveram a mesma política, como Blair e Clinton, ainda que utilizassem o discurso de uma suposta terceira via (HARVEY, 2014a, p. 73; FIORI,.

(20) 19. 2001, p. 18). David Harvey fala sobre referida adoção do pensamento neoliberal pelas principais economias:. E foi Margaret Thatcher quem, buscando uma estrutura mais adequada para atacar os problemas econômicos de sua época, descobriu politicamente o movimento e voltou-se para seu corpo de pensadores em busca de inspiração e recomendações depois de eleita em 1979. Em união com Reagan, ela transformou toda a orientação da atividade do Estado, que abandonou a busca do bemestar social e passou apoiar ativamente as condições ‘do lado da oferta’ da acumulação do capital (HARVEY, 2014b, p. 130).. Na década de 1980, sucede a crise da dívida externa dos países em desenvolvimento, resultado da inversão do fluxo da periferia para o centro. Isto transcorre pelo impacto de determinados choques externos5, quais sejam, a mencionada subida da taxa de juros internacionais, a queda do preço das commodities, ou seja, se por um lado os países devedores precisam aumentar as suas exportações, como forma de fazer frente à explosão do serviço da dívida, por outro, o preço de seus produtos exportáveis caem (MILLET; TOUSSAINT, 2006, p. 63; SENGUPTA, 1989, p. 280). Ademais, a exclusão do mercado financeiro internacional, em que os bancos privados passam a limitar a concessão de novos empréstimos, como forma de se auto preservarem. Diante da possibilidade de não pagamento da dívida, havia alto grau de exposição dos bancos nos mercados secundários, tendo em vista a desvalorização de suas carteiras altamente comprometidas com a dívida dos países periféricos (BATISTA JÚNIOR, 1988, p. 252-254). O estopim da crise se dá com a declaração da moratória do México em 1982, sendo este um dos primeiros países a verem a sua política econômica submetida à receita neoliberal, através do ajuste estrutural ao qual é submetido (HARVEY, 2014a, p. 38). Ao longo de toda a década, a dívida será tratada sob a estratégia muddling through, ou seja, “empurrando com a barriga”6, tendo em vista que o problema será encarado como mera questão de liquidez, não de estoque. Assim, a dívida não deveria ser reduzida, mas somente rolada. 5. Apesar de todos esses choques externos, o discurso será de culpa exclusiva dos países devedores, responsabilização, pela crise da dívida. 6 Demonstra-se o fracasso de tal estratégia pela declaração da moratória de 11 países, inclusive o Brasil em 1987..

(21) 20. Ainda sobre a estratégia dos credores, durante todo o processo, os países se viram fora do mercado de crédito, diante disso, os países centrais obrigavam os bancos, mediante empréstimos-forçados, a enviarem um suposto “dinheiro novo” aos países em crise. O objetivo era manter o fluxo de capitais para o centro, tais recursos serviam somente como quitação de parte de juros, longe de retomar o crescimento dos países, tampouco resolver a questão da dívida (BAER, 1993, p. 61; BATISTA, 1994, p. 14). Em tal processo, os bancos tinham a ajuda do FMI e do Banco Mundial para reescalonar a dívida. Com efeito, o interesse de tais instituições, bancadas pelos Estados Unidos, era de salvaguardar os bancos, que se encontravam altamente comprometidos com a dívida na periferia (HARVEY, 2014a, p. 83). No entanto, para que os países devedores recebessem tais recursos, deveriam abrir mão da soberania sobre a sua política econômica, tendo em vista que submetiam a uma homogeneização de um programa política econômica (BATISTA, 1994, p. 26), ou melhor, sem levar as especificidades de cada país e situação econômica, determinadas pelos credores, através da atuação do FMI:. Desse modo, homogeneíza-se econômica, política e socialmente parte significativa do planeta, mas ao mesmo tempo, aprofunda-se a diferenciação no interior de cada espaço nacional, mesmo nos países mais desenvolvidos. Nessa medida, globaliza-se o ‘mal-estar’, inclusive entre as parcelas privilegiadas das sociedades, de se estar destruindo um ‘modo de vida’, sem, contudo, se ter ainda a clareza do que se está colocando em seu lugar (FILGUEIRAS, 2006, p. 73).. Portanto, o neoliberalismo, após atingir o patamar político, expande-se, ainda mais, agora por todo o globo, principalmente na América Latina, mediante a sua imposição aos países em crise pela dívida externa, como condição de retorno do fluxo de capitais, tão escassos por toda a década de 1980. Trata-se do fenômeno da globalização, ainda a ser explorado neste texto. Por fim, no ano de 1989, a estratégia chega a se alterar, por meio da proposição do Plano Brady, aceito pelo Brasil em 1994, em que os credores aceitam a redução da dívida, ainda que muito inferior ao necessário para a retomada ao crescimento, desde que os países se comprometessem ao pagamento do restante e, além disso, a adesão de uma série de reformas institucionais impostas pelos credores. (HARVEY, 2014a, p. 85; BATISTA, 1994, p.17)..

(22) 21. 2.0 SEGUNDA GRANDE TRANSFORMAÇÃO DO CAPITALISMO. A primeira grande transformação do capitalismo se dá após a Segunda Guerra Mundial, com a superação do Estado Liberal, o surgimento do sistema financeiro de Bretton Woods, bem como da política econômica desenvolmentista, culminando nos anos dourados do capitalismo. Por sua vez, a segunda grande transformação engloba uma série de processos que vão modificar de tal sorte o capitalismo, que seria somente comparável à instituição do Estado de bem-estar social na metade do século XX. Para apresentar de forma sistemática tal transformação, parte-se da obra de Luiz Filgueiras (2006), que divide o processo em três principais movimentos, quais sejam: o neoliberalismo, a globalização e a reestruturação produtiva. Esses três elementos não esgotam o tema, para além daqueles, também devem ser mencionados, a revolução tecnológica, a crise da hegemonia norteamericana, o suposto enfraquecimento dos Estados nacionais e da já tratada questão da dívida externa dos países periféricos (FIORI, 2001, p. 96-101).. 2.1 Neoliberalismo: liberalismo clássico e a atuação estatal. O neoliberalismo, como o próprio termo já sugere, retoma algumas ideias do liberalismo, o qual foi deixado de lado com a crise de 1929. Contudo, há diferenças determinantes de sua versão clássica. Em relação às semelhanças, há, como tese central, o tema do Estado mínimo, qual seja, a atuação estatal deve se dar somente na garantia dos contratos, além da segurança da ordem pública. Sobre este último, com o retrocesso do ponto de vista social, a repressão policial se torna um instrumento cada vez mais essencial para o Estado neoliberal se proteger dos desempregados e marginalizados (HARVEY, 2014a, p. 87). Parte-se da ideia do Estado ineficiente quando atua como empresário, considera o populismo econômico do período desenvolmentista como o principal culpado pela crise da segunda metade do século XX. Por sua vez, o mercado, a denominada “mão invisível”, é capaz de atuar, por si próprio, pelo benefício social, sem a intromissão do Estado, o que gera uma despolitização da economia..

(23) 22. Agora, no que diz respeito às diferenças, tem-se o combate ao tipo de Estado, como sistema político. Isto porque, o liberalismo foi revolucionário, nos séculos XVII e XVIII, ao subjugar o então Estado absolutista e mercantilista que impedia o exercício das liberdades individuais, entre elas, a da livre iniciativa (FIORI, 2001, p. 78-79). Por sua vez, o neoliberalismo também reage a um Estado, todavia, refere-se ao Estado intervencionista, o mesmo que vigorou no período de ouro do capitalismo e levou ao desenvolvimento dos países, inclusive os periféricos, ainda que com suas peculiaridades, como a não redução das desigualdades sociais (FILGUEIRAS, 2006, p. 45-46). Em um contexto mais atual, o Tratado de Maastricht assinado em 1992, que deu origem à União Europeia, longe de querer indicar um fim dos Estados Nacionais em nome de um suposto mundo cosmopolita, demonstra, na realidade, um “Superestado” com o fim de competir com os outros membros da chamada Tríade, que além da própria Europa, é composta pelos Estados Unidos e pelo Japão (FIORI, 2001, p.160-162). O caso é que, por mais que se declare como neoliberal, o Estado, na prática, dificilmente poderá seguir as suas ideias à risca, até os Estados Unidos, fazem uso de tarifas e cotas para promover a sua economia: “(...) seria de fato surpreendente ver mesmo o mais fundamentalista Estado neoliberal seguindo a ortodoxia neoliberal o tempo inteiro” (HARVEY, 2014a, p. 80). Assim, ao contrário do que os neoliberais argumentam sobre a suposta busca da não intervenção do Estado. Na realidade, a relação entre o poder político e o poder econômico, ao longo da história, ainda que tormentosa, foi primordial ao desenvolvimento do capitalismo. Nem mesmo no período do liberalismo clássico, o discurso anti-Estado foi aplicado (FILGUEIRAS, 2006, p. 44-45; FIORI, 2001, p. 3741). Há, em verdade, uma forma diferente de atuação, qual seja, em favor da restauração da classe capitalista, sendo este, possivelmente, o único real resultado do neoliberalismo, como veremos. Destarte, dá-se um verdadeiro retrocesso, posto que combate todas as conquistas dos trabalhadores ao longo do século XX, como salienta José Luís Fiori: (...) o neoliberalismo se transformou numa ideologia e numa política conservadora ou mesmo reacionária, ao legitimar uma verdadeira vingança do capital contra os trabalhadores, feita de forma do.

(24) 23. desmonte de sua legislação sindical e dos seus direitos sociais (FIORI, 2001, p. 79).. Sobre tal intervenção em favor da classe elitista, David Harvey (2014a, p. 83) observa outra diferença, no liberalismo, o empresário diante de seu fracasso, arca com as suas perdas, enquanto que no neoliberalismo, o Estado acaba por pagar o preço, ou seja, em última instância, o contribuinte é quem paga a conta, ainda que o socorro pelo Estado vá contra a sua teoria. Como exemplo, basta observar o caso, já mencionado, da crise da dívida externa, em que as instituições financeiras com suas carteiras altamente comprometidas, foram socorridas pelos Estados Unidos, através da atuação do FMI e do Banco Mundial. O neoliberalismo surge, assim, como um retorno ao laissez-faire7, podendo ser considerado um verdadeiro retrocesso na política econômica, conforme Paulo Nogueira Batista:. Ressuscitar a proposta neoliberal sessenta anos depois só pode ser visto como revolucionário apenas no sentido astronômico da palavra, na medida em que significa uma volta completa de 360 graus aos velhos usos (BATISTA,1994, p. 11).. 2.2 Sobre a hegemonia norte-americana. A ideia de hegemonia pode ser tratada como um misto de coerção e cooperação: (...) O poder do hegemon é, contudo, derivado de um equilíbrio sempre instável entre coerção e consentimento e se exprime por meio dele” (HARVEY, 2014b, p.40). No período da Segunda Guerra Mundial, é facilmente observável tal dualidade, tendo em vista a investida norte-americana sobre o povo japonês, e por outro lado, a enorme ajuda dada aos países destruídos pelo conflito, vide o próprio Plano Marshall. Os Estados Unidos já detinham o caráter imperialista desde antes, com a Doutrina Monroe e a teoria do destino manifesto, contudo, somente com o período desenvolvimentista (1945-1970), que os Estados Unidos despontam como potência mundial, ainda que houvesse a concorrência soviética no contexto da Guerra Fria. 7. Expressão-símbolo da atuação livre do mercado..

(25) 24. Conforme os seus interesses, norte-americanos fizeram uso de seu poderio militar para proteger e levar o seu modo capitalista para países aliados (HARVEY, 2014b, p. 52-55). Entretanto, a hegemonia norte-americana entra em crise a partir da década de 1970, além de toda a questão do colapso de Bretton Woods, em decorrência de excesso de capitais acumulados em outros hegemons regionais, como o Japão e a Alemanha, há de se destacar, ainda, os altos custos militares, principalmente com a Guerra do Vietnã (1955-1975), bem como a ascensão dos movimentos sociais, expressado pela revolução de maio de 1968, em Paris. A retomada da hegemonia norte-americana será feita através de duas vias, a militar e a econômica. Do ponto de vista econômico, dá-se uma “revolução financeira”, com base no neoliberalismo, mediante a adoção de mencionadas medidas de subida da taxa de juros e o fim da convertibilidade do dólar em ouro (FIORI, 2001, p. 32-33; 114-115). No campo militar, o retorno da hegemonia se deu através da denominada “nova guerra” (“guerra permanente”, “guerra cosmopolita”), como a ocorrida na Guerra do Golfo (1991), caracterizada pela forte assimetria entre o poder norte-americano se comparado com outras nações. A dominação dos Estados Unidos se difere da britânica, a partir da constituição de colônias não físicas, por intermédio da sua moeda e das finanças, além das próprias bases militares (FIORI, 2001, p. 116). Desta forma, surge a hegemonia neoliberal, com o reestabelecimento dos Estados Unidos:. Em suma, o capital financeiro passou ao centro do palco nessa fase da hegemonia norte-americana, tendo podido exercer certo poder disciplinar tanto sobre os movimentos da classe operária como sobre as ações do Estado, em particular quando e onde o Estado assumiu dívidas de monta” (HARVEY, 2014b, p. 59).. O argumento parte de uma suposta guerra ética, com o fim levar a democracia aos povos, intervenções humanitárias em regimes totalitários, o que acaba sendo posto em cheque. “(...) a Guerra do Golfo anunciou ao mundo que sua nova ética estará fundada no ‘instinto de poder’ e nos interesses dos mais fortes e no ‘instinto de medo’ dos mais fracos” (FIORI, 2001, p. 68)..

(26) 25. Diante de todas as inovações tecnológicas no âmbito militar, dá-se a falsa impressão de paz, pelo baixo recrutamento de civis à guerra e baixíssimos custos humanitários (do lado norte-americano). Todavia, basta observar a destruição da infraestrutura do país produtor de petróleo8 através de todas as inovações tecnológicas, quando são essas próprias estruturas que garantem a sobrevivência de tais povos (ARANTES, 2007 p. 55). Ademais, torna-se um negócio, realizado por um especialista (fusão do soldado com o policial). Desta forma, a guerra ao terror se torna a própria expressão do imperialismo norte-americano (ARANTES, 2007, p. 83). Caso da invasão ao Iraque, com a posterior imposição de leis de garantia ao mercado e ao comércio, ou seja, “(...) criar condições favoráveis à acumulação lucrativa de capital pelos capitalistas domésticos estrangeiros” (HARVEY, 2014a, p. 17; HARVEY, 2014b, p. 19). Com o novo milênio, dá-se uma mudança na geopolítica, diante das limitações da chamada “nova economia”, os Estados Unidos passam a adotar o que David Harvey (2014b) denomina de neoconservadorismo, tendo como marco a eleição de George Bush e os atentados de 2001. Diante de crise interna, demanda-se a expansão do poder externo como forma de manter a sua estabilidade.. Mais prosaicamente, esse compromisso baseia-se na esperança de que a supremacia militar permita manter, tanto tempo quanto possível, a economia norte-americana ao abrigo das consequências produzidas por um modo de produção e de consumo ‘insustentáveis’ para a maior parte do planeta” (SERFATI, 2005, p. 247).. Assim como o neoliberalismo, o neoconservadorismo também busca a mesma restauração do poder de classe, mas se preocupa com a desordem causada pelos interesses individuais, assim, faz-se uso de argumentos morais, inclusive por meio, que o neoliberalismo já rejeitava, do nacionalismo. Para tanto, o militarismo: “Em sua preocupação com a ordem, o neoconservadorismo se assemelha a uma mera retirada do véu de autoritarismo com que o neoliberalismo se cobre” (HARVEY, 2014a, p. 92). Isto não quer dizer que seja um movimento novo, posto que sempre teve os seus apoiadores no setor militar norte-americano, desde a Segunda Guerra Mundial.. 8. Há o claro interesse econômico dos Estados Unidos pelas regiões produtoras de petróleo, como forma de garantir a sua matriz enérgica..

(27) 26. Sobre as suas principais medidas, tem-se a renúncia de tributos às classes mais abastadas, largo aumento dos gastos militares, em consonância com o alto déficit. (SERFATI, 2005, p. 246).. 2.3 Globalização. O conceito de globalização surge no âmbito corporativo, sendo logo levado ao contexto político, diante das transformações decorrentes do neoliberalismo (FIORI, 2001, p. 28). O termo, muitas vezes, é utilizado com uma conotação positiva, sem um maior aprofundamento crítico, quando o trata como uma força do mercado, benéfica e inevitável9, sobre a sociedade, em que a economia poderia circular livremente pelo globo, sem a interferência das barreiras nacionais, como forma de redução das desigualdades sociais (CHESNAIS, 1996, p. 25). Assim, para eles, a globalização: “é um fenômeno econômico produzido pelas forças do mercado e liderado pela revolução informacional, que se universaliza na década de 1990” (FIORI, 2001, p. 31). Este discurso de transformação do capitalismo levou muitos setores da esquerda latino-americana, que um dia apoiaram o pensamento desenvolvimentista, a caírem neste discurso neoliberal. Assim, há uma inversão do pensamento e passa a se colocar a culpa nas políticas desenvolvimentistas por todo o contexto da crise: “Aqui, os mesmos formuladores keynesianos tradicionais nos anos 70 e 80 se transforaram, na década seguinte, em fervorosos divulgadores das novas teses e da fé nos mercados auto-regulados“ (FIORI, 2001, p. 82). Nesta perspectiva Paulo Nogueira Batista expõe:. Com a queda do Muro de Berlim, fez-se leitura simplificada do significado do fim da guerra fria, constatando-se precipitadamente a emergência de nova ordem internacional, uma definitiva Pax Americana, à qual seria inevitável ajustar-se. Aceita-se a proclamação do fim da História, com a vitória da economia de mercado e da democracia (BATISTA, 1994, p. 8).. 9. Parte-se da mesma ideia trazida por Thatcher: “Theres is no alternative”, ou seja, a inevitabilidade da submissão às políticas neoliberais..

(28) 27. Tal inversão de pensamento está aliada ao fim do mundo socialista, argumento de suposto fim do embate entre esquerda e direita (pós-capitalismo). Ainda sobre a crise do mundo socialista, esta também colaborou para que o neoliberalismo atingisse o patamar planetário, ao se espraiar outros locais que estavam sob o Socialismo Real, como é o caso da Europa oriental (FIORI, 2001, p. 131-137). Para eles, o capitalismo teria se transformado de uma tal forma que o trabalho teria perdido a sua centralidade (pós-industrialismo), de modo que o foco não seria mais a busca pela industrialização, mas o setor de serviços. Todavia, de acordo com José Luís Fiori (2001, p. 15-16), as relações de classe não só se mantiveram, como se agravaram por toda a precarização do trabalho, em prol de uma aclamada flexibilização. Na realidade, a globalização corresponde ao processo de adoção das práticas neoliberais em escala planetária, ou seja, a restauração do poder de classe elitista por todo o globo, ideia de “pensamento único” (FIORI, 2001, p. 74-76). Agora, sobre o discurso de transformação do capitalismo, há de se considerar o que, de fato, tornou-se global. A questão é que a manufatura ou a tecnologia não se mundializaram, ainda se encontraram restritas nos países centrais. A tecnologia pode até ter facilitado a comunicação e o transporte de mercadorias, gerando maiores lucros e produtividade, mas o sistema de exploração capitalista, dividido em classes se mantém o mesmo (FIORI, 2001, p. 46-53). Com efeito, a real globalização que ocorreu se deu somente no campo das finanças. Conforme José Luís Fiori (2001, p. 139) “Ou seja, as redes de dominação imperial e das altas finanças se globalizam, mas os espaços de luta dos trabalhadores, pobres e excluídos, seguem delimitados pelas fronteiras dos Estados nacionais”. Assim, no que diz respeito à globalização financeira, pode-se elencar três principais processos (FILGUERAS, 2008, p. 41): i) a desregulamentação ou liberalização do sistema financeiro como forma de integração aos mercados estrangeiros; ii) a desintermediação, em que as negociações financeiras se dão fora das instituições tradicionais (CHESNAIS, 1996, p. 262); iii) a abertura dos mercados comerciais nacionais. De maneira oposta à rápida introdução da “nova economia” nos países da américa-latina, em outros locais, pelo menos em um primeiro momento, houve resistência ao neoliberalismo, como é o caso dos países asiáticos, através, por exemplo, do controle de suas taxas de câmbio “(...) aceitaram algumas reformas.

(29) 28. compatíveis com os níveis mais altos de renda que haviam alcançado, mas preservaram autonomia nacional – suas estratégias nacionais de desenvolvimento” (BRESSER-PEREIRA, 2007, p. 29). No que se refere à periferia, no contexto de crise da dívida externa, a já mencionada atuação do complexo Wall Street-FMI-Tesouro do Estados Unidos na adoção das medidas neoliberais nos países em desenvolvimento, em troca do retorno dos capitais tão escassos na década de 1980. Neste sentido, José Luís Fiori diz:. (...) os países latino-americanos e alguns europeus, pressionados pela crise e renegociação das suas dívidas externa, aderiram às mesmas políticas liberalizantes, caminho seguido na década de 1990 pelos antigos países socialistas, o que criou uma impressão de automatismo e universalidade (FIORI, 2001, p. 32-33).. Além disso, há forte questão ideológica, instrumentalizada pelo Consenso de Washington (HARVEY, 2014a, p. 101-102). Referida instituição surge em 1989, formada pela reunião de agentes dos países centrais (EUA, FMI, BIRD, BID), ainda que sem caráter deliberativo, possui forte apelo político para estipular como deve ser, bem como avaliar a adoção da política econômica neoliberal na periferia (FIORI, 2001, p. 84-87; BATISTA, 1994, p. 5-6). Sobre as medidas, a repetição do mesmo receituário, qual seja, a austeridade fiscal, a disciplina monetária, a desregulação do mercado financeiro e do trabalho, as privatizações e a abertura comercial (FIORI, 2001, p. 142). Para os neoliberais, a justificativa das privatizações se daria pela eficiência do setor privado, além de conceder recursos em curto prazo como forma de pagar o déficit fiscal. Em verdade, as privatizações de serviços públicos são a melhor forma de garantir rendimentos ao capital privado, tendo em vista o investimento já realizado pelo Estado e pelo consumo cativo de serviços essenciais à população, como o serviço de gás, eletricidade ou telefone. Isto quando não se dá nem a privatização, mas somente a desnacionalização, ou seja, a compra de uma estatal por outra estrangeira (CHESNAIS, 2005, p. 62). Sobre a abertura comercial, apresenta-se a questão da ineficiência do protecionismo, como impeditivo da inserção na competição mundial. No entanto, deixa-se de lado a impossibilidade de os países periféricos competirem com as suas.

(30) 29. commodities, frente aos manufaturados de alto valor agregado dos países centrais (BATISTA, 1994, p. 20-22; CAMARA, SALAMA, 2005, p. 215). Aliás, José Luís Fiori (1997, p. 24) explora a relação entre o discurso neoliberal de inevitabilidade da globalização e a imposição de suas políticas neoliberais na periferia: “Com isto, se confunde intencionalmente a irreversibilidade da globalização econômica, com a inevitabilidade de determinadas soluções, como se elas fossem independentes das vontades internas dos países e de suas coalizões governantes” (FIORI, 1997, p. 30). Em vista disso, a globalização não pode ser resumida como algo inevitável, tampouco como uma solução aos problemas, pelo contrário, deve ser entendida como um desafio, o esforço por alternativas à ordem imposta (CHESNAIS, 1996, p. 43).. 2.4 Flexibilização do trabalho. Em relação ao setor produtivo, a crise do fordismo se dá a partir da turbulenta década de 1970 e vai se expressar por uma série de fatores:. Deste modo, a crise do fordismo originou-se e desenvolveu-se tanto por razões internas quanto externas a cada país, tanto no nível microeconômico quanto no macro, tanto na esfera produtiva e do emprego, a crise fiscal do Estado e aceleração da inflação se entrelaçaram, expressando as várias dimensões do problema (FILGUEIRAS, 2006, p. 53).. Neste contexto, a ideologia neoliberal se apresenta como base teórica ideal para a passagem do modelo fordista para o novo modelo, pautado pela flexibilidade, como forma de promover a acumulação: “O capital pode apropriar-se da especialização flexível como maneira conveniente de buscar formas mais flexíveis de acumulação” (HARVEY, 2014a, p. 86). Do ponto de vista do discurso neoliberal, culpam-se os próprios trabalhadores pelo seu desemprego, em razão das crises no último quartel do século XX, devido a todas as obrigações fiscais e custos sociais, na época do Estado de bem-estar social: “bastaria que eles [trabalhadores] abrissem mão de seus direitos adquiridos para que o número de postos de trabalho voltasse a crescer” (FIORI, 1997 p. 82-83)..

(31) 30. Luiz Filgueiras (2006, p. 51), em sentido oposto, diz que o colapso do fordismo representou “(...) a crise de um determinado ‘modo de vida’, a quebra de um pacto social, caracterizado pela busca do pleno emprego, por uma certa estabilidade no trabalho e por amplas garantias sociais”. No lugar da busca pelo pleno emprego, perseguem-se a máxima eficiência e diminuição dos custos, a orientação da gestão empresarial deixa de ser a demanda e passa para a produção. Trata-se da ideia do just-in-time, customização da produção que se dá exatamente conforme a demanda, sem estoques. Cria-se, assim, um ambiente de tensão permanente pela busca permanente de eficiência e corte de custos (FILGUEIRAS, 2006, p. 54). Somente uma pequena parcela de assalariados foi beneficiada, os denominados dirigentes, justificando a exacerbação da diferença salarial na hierarquia das empresas como nos Estados Unidos: “(...) a diferença entre a remuneração média de um diretor-geral de uma grande empresa e a de um operário cresceu consideravelmente ao longo das duas últimas décadas: de 1 para 41 em 1980, essa diferença passou de 1 para 531 em 2000” (SAUVIAT, 2005, p. 127). Ademais, a ideia de livre contratação, sem a intervenção estatal, como resultado, tem-se baixos salários, insegurança e perda de benefícios e proteções ao trabalho (HARVEY, 2014a, p. 86). Em paralelo, formas de subcontratação, como a terceirização contrato por tempo parcial, trabalho autônomo (FILGUEIRAS, 2006, p. 55; PAULANI, 2008, p. 122).. 2.5 Contradições entre a teoria e a prática neoliberal. Em relação aos resultados do neoliberalismo, os reais objetivos do neoliberalismo seriam a acumulação do capital e como já adiantado, a retomada do poder das elites. No que diz respeito ao primeiro quesito, o neoliberalismo foi incapaz de estimular o capital, se comparado com o período anterior. A partir da taxa de crescimento do produto mundial por habitante, tem-se o seguinte: “(...) enquanto a taxa se aproximava de 4% entre 1960 e 1973, caindo depois para 2,4% entre 1973 e 1980, não foi mais de 1,2% entre 1980 e 1993, não aumentando depois disso” (CHESNAIS, 2005, p. 57)..

(32) 31. De acordo com David Harvey, a classe dominante se interessava pelo modelo desenvolvimentista, durante o tempo em que o crescimento econômico compensasse a sua menor participação na renda:. Uma condição do acordo do pós-guerra em quase todos os países era que o poder econômico das classes altas fosse restrito e que o trabalho recebesse uma parcela bem mais ampla do bolo econômico (...) Enquanto o crescimento se mantinha em altos níveis, essa restrição não parecia importante. Mas quando o crescimento entrou em colapso nos anos 1970, quando as taxas de juros reais ficarem negativas e a norma eram pacos dividendos e lucros, as classes altas em toda a parte se sentiram ameaçadas (HARVEY, 2014a, p. 25).. Com a crise do Estado de bem-estar social, o rendimento cai e as elites passam a reagir, através da ampliação das desigualdades: “(...) os dados sugerem vigorosamente que a virada neoliberal está de alguma maneira e em algum grau associada à restauração ou reconstrução do poder das elites econômicas” (HARVEY, 2014a, p. 27). O processo de restauração de classe se dá por um processo de acumulação financeira, ou seja, em vez de reinvestir os lucros industriais no próprio setor produtivo, as instituições financeiras passam a centralizar os recursos na aplicação em ativos financeiros para a sua valorização (CHESNAIS, 2005, p. 37). Desta forma, freia-se o fenômeno de sobreacumulação do capitalismo, este, mais do que o mero desequilíbrio entre a demanda e a oferta, significa a impossibilidade do capital em obter investimentos lucrativos. Trata-se da ideia do capitalismo ter que sempre buscar algo de fora para que se mantenha estável: “A sobreacumulação, lembremos, é uma condição em que excedentes de capital (por vezes acompanhados de excedentes de trabalho) estão ocioso sem ter em vista escoadouros lucrativos” (HARVEY, 2014b, p. 124). Ou seja, diante da perda da rentabilidade no setor produtivo, o capital financeiro cobre a diferença, através de sua valorização, isto é possível graças ao seu caráter de exterioridade em relação à produção (CHESNAIS, 2005, p. 61). No entanto, o rentismo ainda depende de um certo lastro no setor produtivo para se valorizar (PAULANI, 2005, p. 102). Para viabilizar tal valorização, dá-se o processo denominado por David Harvey (2014b) de acumulação por espoliação, que assim como a acumulação primitiva de.

(33) 32. Karl Marx, busca se apossar de novos ativos para a sua valorização, nas palavras do autor:. Em suma, a acumulação primitiva envolve a apropriação e a cooptação de realizações culturais e sociais preexistentes, bem como o confronto e a supressão (...). O que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto de ativos (incluindo a força de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns casos, zero). O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e dar-lhes um uso lucrativo” (HARVEY, 2014b, p. 122-124).. Como exemplo, pode-se destacar a questão da propriedade intelectual e a sua proteção jurídica dada por meio do sistema de patentes. De acordo com o discurso neoliberal, o Estado deve estabelecer uma clara proteção aos direitos de propriedade intelectual, como forma de promover a tecnologia, caso contrário, coloca-se um entrave ao desenvolvimento do país. No entanto, as relações de informações entre as empresas são assimétricas, se uma possui uma patente, irá usar esse poder para buscar renda, através de seu poder de monopólio (HARVEY, 2014a, p. 75). Efetivamente, o sistema de patentes, originado nos países centrais e levado ao mundo, tem como principal foco evitar a imitação e a exploração dos países não detentores da tecnologia10. Conforme Chesnais (1996, p. 165): “São uma manifestação de poder político, a expressão da vontade de impor aos países pobres um tributo suplementar, além daquele representado pelos juros da dívida”. Mais do que isso, sob um pressuposto de “patrimônio comum da humanidade”, expande-se a proteção dada pela propriedade intelectual à biodiversidade. Assim, dáse a expropriação pelos países centrais de processos milenares e culturais protegidos pelos povos tradicionais, com a posterior venda aos próprios países periféricos de onde se originam tal patrimônio, agora patenteado (OCTAVIANI, 2013, p. 138). Outro caso, seria a já tratada privatização, mediante a expropriação de bens comuns, como é o caso da água. Suposta ineficiência do Estado, daí a necessidade de retirar das suas mãos, de modo que o mercado promova a competição (HARVEY, 2014a, p. 76). Entretanto, na competição entre empresas, as mais fortes tendem a absorver as menores, resultando em monopólio ou oligopólio. O neoliberalismo. 10. É o caso das chamadas patentes pipeline, em que se admite a proteção jurídica, mediante a dispensa do requisito da novidade, ou seja, a tecnologia que já se tornou pública no exterior..

(34) 33. considera tal processo normal, desde que não haja barreiras para o ingresso de novos competidores (HARVEY, 2014a, p. 77). Para a periferia, o capital sobreacumulado nos países centrais, como os eurodólares e os petrodólares, surge ainda no período desenvolvimentista, intensificando o processo de endividamento:. Aos eurodólares já acumulados na city de Londres vieram se juntar os petrodólares e uma nova leva de eurodólares, agora com mais motivos para desertar da atividade produtiva (...). Os países latino-americanos estiverem, portanto, entre as primeiras vítimas da sanha rentista desses capitais, já que muitos deles resolveram enfrentar, com elevação de seu grau de endividamento a crise então experimentada (PAULANI, 2007, p. 115).. Destarte, a acumulação por espoliação busca na periferia dar novo uso a estes capitais acumulados, não gerando assim riqueza (HARVEY, 2014a, p. 171), mas somente a redistribuindo em favor de abastadas classes rentistas, mediante o pagamento do serviço da dívida. Neste sentido, Chesnais elucida:. A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação. Ela mesma não cria nada. Representa a arena onde se joga um jogo de soma zero: o que alguém ganha dentro do circuito fechado do sistema financeiro, outro perde (CHESNAIS, 1996, p. 241).. De volta ao contexto de acumulação financeira, esta se inicia pela securitização (titularização) da dívida pública, ou seja, há uma mudança na composição da dívida, de empréstimos convencionais que compunham a crise da dívida de 1980, para a denominada dívida mobiliária, que servia ao “(...) financiamento dos déficits orçamentários mediante aplicação de bônus do Tesouro e outros ativos da dívida, nos mercados financeiros” (CHESNAIS, 1996, p. 259). Diferentemente da dívida na época da crise externa, em que o pagamento se dava a partir da produção impulsionada pela própria dívida, agora, a dívida pública emitida a partir de títulos, é fictícia, não se vincula a um capital produtivo em específico: “Por conseguinte, o atendimento desses ‘direitos’ implica a extração de renda real da sociedade como um todo” (PAULANI, 2008, p.102)..

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