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Investigação das bases moleculares da síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal e de condições potencialmente relacionadas  

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

CAROLINA ARAUJO MORENO

INVESTIGAÇÃO DAS BASES MOLECULARES DA SÍNDROME DE MEGABEXIGA-MICROCÓLON-HIPOPERISTALSE INTESTINAL E DE CONDIÇÕES

POTENCIALMENTE RELACIONADAS

CAMPINAS 2018

(2)

INVESTIGAÇÃO DAS BASES MOLECULARES DA SÍNDROME DE MEGABEXIGA-MICROCÓLON-HIPOPERISTALSE INTESTINAL E DE CONDIÇÕES

POTENCIALMENTE RELACIONADAS

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ciências Médicas, na área de Genética Médica.

ORIENTADORA: DENISE PONTES CAVALCANTI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA

CAROLINA ARAUJO MORENO, E ORIENTADA PELA PROFA DRA. DENISE PONTES CAVALCANTI

CAMPINAS 2018

(3)

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas

Maristella Soares dos Santos - CRB 8/8402

Moreno, Carolina Araujo,

C314i MorInvestigação das bases moleculares da síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal e de condições potencialmente relacionadas / Carolina Araujo Moreno. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

MorOrientador: Denise Pontes Cavalcanti.

MorTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas.

Mor1. Peristaltismo. 2. Músculo liso. 3. Doenças genéticas inatas. I. Cavalcanti, Denise Pontes, 1957-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Investigation of the molecular bases of megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis and conditions potentially related

Palavras-chave em inglês: Peristalsis

Smooth muscle

Genetic diseases, Inborn

Área de concentração: Genética Médica Titulação: Doutora em Ciências Médicas Banca examinadora:

Denise Pontes Cavalcanti [Orientador] Antonia Paula Marques de Faria Robert Edward Pogue

Ana Beatriz Alvarez Perez Antonio Fernando Ribeiro Data de defesa: 21-02-2018

Programa de Pós-Graduação: Ciências Médicas

(4)

ORIENTADOR: DENISE PONTES CAVALCANTI

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. DENISE PONTES CAVALCANTI

2. PROFA. DRA. ANTONIA PAULA MARQUES DE FARIA

3. PROF. DR. ROBERT EDWARD POGUE

4. PROFA. DRA. ANA BEATRIZ ALVAREZ PEREZ

5. PROF. DR. ANTONIO FERNANDO RIBEIRO

Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

(5)

Àqueles para os quais me volto no exercício do meu ofício com o mais profundo respeito e dedicação e com os quais aprendo cotidianamente: os pacientes.

(6)

amigos, pelo apoio e estímulo ofertados durante os anos de realização deste projeto.

À Profa. Denise Pontes Cavalcanti, por inicialmente ter acreditado na ideia do projeto e pela orientação realizada. Além disso, agradeço a inestimável contribuição à minha formação de médica geneticista desde os anos de graduação.

Aos membros da banca pelos comentários e sugestões apresentados na qualificação e na defesa da tese.

Aos pacientes e aos familiares que participaram deste projeto.

Aos médicos e a outros profissionais das instituições locais (CAISM e Hospital de Clínicas da Unicamp) e aos médicos externos à Unicamp, que colaboraram para a realização desse trabalho.

Às pessoas do grupo de trabalho coordenado pela Profa. Denise pelas discussões e pelo aprendizado propiciados durante o projeto.

Às pessoas do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp que contribuíram por meio de sugestões e de ensinamentos práticos – agradecimento especial à Simoni Helena Avansini.

Às pessoas que contribuíram para a investigação molecular de alguns casos: Dra. Nara Sobreira e demais profissionais do Baylor-Hopkins Center for Mendelian Genomics envolvidos no projeto, Profa. Íscia Lopes-Cendes e Dr. Fábio Rossi Torres.

Ao Prof. Robert Edward Pogue e ao Prof. André Schwambach Vieira pelas discussões e sugestões feitas durante a execução do trabalho.

Ao Sr. Mário Moreira da Silva do Serviço de Audiovisual da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp pelo auxílio na elaboração de algumas figuras da tese.

Às agências de fomento à pesquisa que contribuíram para a execução do projeto: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (FAEPEX) e ao National Human Genome Research Institute (NHGRI).

(7)

caracterizada por hipocontratilidade nos tratos urinário e gastrointestinal. A etiologia da MMIHS começou a ser definida em 2013 e até dezembro-2017, quatro genes haviam sido associados a essa condição: ACTG2, MYH11, LMOD1 e MYLK, sendo o primeiro autossômico dominante e os demais autossômicos recessivos (AR). Além da MMIHS, a síndrome de disfunção multissistêmica do músculo liso (MSMDS) e o fenótipo de pseudo-obstrução intestinal crônica (CIPO) também se apresentam com disfunção contrátil visceral. O presente trabalho teve início a partir de uma família consanguínea com dois irmãos afetados com a MMIHS e teve como objetivos a identificação das bases moleculares da MMIHS nessa família, a investigação clínico-molecular de outros pacientes com quadro esporádico da MMIHS ou com fenótipos relacionados como a MSMDS e a CIPO, e a revisão de uma coorte de 24 recém-nascidos com o fenótipo prune belly (PB), visto que esse fenótipo pode estar associado à MMIHS. Também foi realizada revisão da literatura para avaliar uma possível correlação genótipo-fenótipo tentando estabelecer uma estratégia de investigação. Utilizou-se o sequenciamento completo do exoma (WES), com a abordagem do trio, para investigar a família consanguinea com recorrência da MMIHS. Para os outros 11 pacientes – MMIHS [3], CIPO [3], MSMDS [1] e fenótipo PB sem disfunção contrátil visceral [4], foi realizado o sequenciamento dos genes ACTG2 [MMIHS, CIPO], ACTA2 [MSMDS] e CHRM3 [PB] pelo método de Sanger. Para avaliar a correlação genótipo-fenótipo, foram revisadas as bases de dados Medline, EMBASE, Lilacs, Scopus, Google Scholar e Cochrane Library. A análise do exoma na família consanguínea com MMIHS levou à identificação, pela primeira vez, de uma deleção em homozigose no gene MYL9. Variantes patogênicas no ACTG2 foram detectadas em quatro pacientes – três com a forma esporádica da MMIHS e um paciente com CIPO. A paciente com MSMDS apresentou uma variante patogênica no ACTA2, enquanto que nenhuma mutação no CHRM3 foi encontrada nos quatro pacientes investigados com o fenótipo PB. Embora a disfunção contrátil visceral esteja presente tanto na MMIHS, quanto na MSMDS, a presença de achados-chaves como microcólon na MMIHS, e midríase associada à persistência do ducto arterioso e a anormalidades vasculares na MSMDS, orientam o diagnóstico diferencial e a investigação molecular. Ainda que o fenótipo PB possa ser uma manifestação da MMIHS, nesse caso ele usualmente está associado a outros achados como hipoperistalse gastrointestinal e microcólon. O fluxograma diagnóstico proposto para cada fenótipo avaliado inclui: sequenciamento por Sanger do ACTG2 (hotspot nos éxons 6 e 7) e do ACTA2 (hotspot no éxon

(8)

Concluindo, o presente trabalho identificou o MYL9 como um novo gene AR associado à MMIHS, confirmando que, até o momento, todos os genes relacionados a essa condição codificam proteínas envolvidas na contração do músculo liso. Além disso, ratificou-se a grande heterogeneidade genético-clínica da MMIHS, bem como dos fenótipos relacionados.

(9)

The megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome (MMIHS) is a severe disease characterized by hypocontractility in the urinary and gastrointestinal tracts. The etiology of MMIHS started to be defined in 2013 and until December 2017, four genes have been associated with this condition: ACTG2, MYH11, LMOD1 e MYLK, being the former autosomal dominant, and the remaining autosomal recessive (AR). In addition to MMIHS, the multisystemic smooth muscle dysfunction syndrome (MSMDS) and the chronic intestinal pseudo-obstruction (CIPO) phenotype also present with visceral contractile dysfunction. The present study started from a consanguineous family with two siblings affected with MMIHS and aimed to identify the molecular bases of MMIHS in this family, the clinical and molecular investigation of other patients with sporadic MMIHS or with related phenotypes as MSMDS and CIPO, and a review of a cohort of 24 newborns with the prune belly (PB) phenotype, since this phenotype may be associated with MMIHS. It was also performed a review of the literature to evaluate a possible genotype-phenotype correlation, trying to establish an investigation strategy. The whole exome sequencing (WES), using the trio approach, to investigate the consanguineous family with recurrence of MMIHS was used. For the other 11 patients – MMIHS [3], CIPO [3], MSMDS [1] and PB phenotype without visceral contractile dysfunctional [4], the Sanger sequencing of the following genes ACTG2 [MMIHS and CIPO],

ACTA2 [MSMDS] and CHRM3 [PB], was performed. To evaluate the genotype-phenotype

correlation, the Medline, EMBASE, Lilacs, Scopus, Google Scholar and Cochrane Library databases were reviewed. The exome analysis in the inbred family with MMIHS led to the identification, for the first time, of a homozygous deletion in the MYL9 gene. Pathogenic variants in the ACTG2 were detected in four patients – three with the sporadic form of MMIHS and one patient with CIPO. The patient with MSMDS presented with a pathogenic variant in the ACTA2, whereas no mutation in the CHRM3 was found in the four patients investigated with the PB phenotype. Although the visceral contractile dysfunction is present in MMIHS as well as in MSMDS, the presence of key findings such as microcolon in MMIHS, and mydriasis associated with persistence of ductus arteriosus and vascular abnormalities in MSMDS, guide the differential diagnosis and the molecular investigation. Although the PB phenotype may be a manifestation of MMIHS, in this case it is usually associated with other findings such as gastrointestinal hypoperistalsis and microcolon. The proposed diagnostic flowchart for each evaluated phenotype includes: Sanger sequencing of ACTG2 (hotspots in exons 6 and 7) and

(10)

associated with MMIHS, confirming that, to date, all genes related to this condition encode proteins involved in smooth muscle contraction. Beside this, it has been ratified the great genetic and clinical heterogeneity of the MMIHS, as well as the related phenotypes.

(11)

AD autossômico dominante

BHCMG Baylor-Hopkins Center for Mendelian Genomics

CaM calmodulina

CD caldesmon

CIPO pseudo-obstrução intestinal crônica

DAG diacilglicerol

DOC depth of coverage

eMLC cadeia leve de miosina essencial

F-actin actina filamentar

GATK genome analysis toolkit

HAR herança autossômica recessiva

HE coloração hematoxilina-eosina

IHQ imuno-histoquímica

IGV integrative genomics viewer

IP3 inositol 1,4,5-trifosfato

IRT tripsina imunorreativa

LMOD leiomodina

MG mosaicismo germinativo

MHC cadeia pesada de miosina

MLC cadeia leve de miosina

MLCK quinase de cadeia leve de miosina

MLCP fosfatase de cadeia leve de miosina

MMIHS síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal

MSMDS síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa

NP nutrição parenteral

pb pares de base

PB prune belly

PCR reação em cadeia da polimerase

PDA persistência do ducto arterioso

PIP2 fosfatidilinositol 4,5-bifosfato

PKC quinase de proteína C

PLC fosfolipase C

(12)

RM ressonância magnética

RN recém-nascido

RnAch receptores nicotínicos de acetilcolina

RyR receptor de rianodina

SNA sistema nervoso autônomo

SNA-P sistema nervoso autônomo parassimpático

SNA-S sistema nervoso autônomo simpático

SNC sistema nervoso central

SNE sistema nervoso entérico

SR retículo sarcoplasmático

TGI trato gastrointestinal

TUI trato urinário inferior

VQSR variant quality score recalibration

VUP válvula de uretra posterior

(13)

1- INTRODUÇÃO ... 16

2- OBJETIVOS ... 18

3- REVISÃO DA LITERATURA ... 3.1- Síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal (MMIHS) ... 3.1.1- Aspectos clínicos ... 3.1.2- Bases moleculares ... 3.1.3- Patogênese ... 3.1.4- Modelos animais ... 3.2- Mecanismo contrátil do músculo liso ...

3.3- Disfunção contrátil nos tratos gastrointestinal e/ou urinário – outros

fenótipos ... 3.4- Fenótipo prune belly ...

19 19 19 21 22 23 24 31 33 4- CASUÍSTICA E MÉTODOS ... 4.1- Casuística ... 4.2- Protocolo de investigação ... 4.3- Métodos ... 4.3.1- Extração do DNA genômico ... 4.3.2- Sequenciamento automático pelo método de Sanger ... 4.3.3- Sequenciamento do exoma ... 4.3.4- Análise de microrrearranjo cromossômico ... 4.4- MMIHS e MSMDS: revisão da literatura de casos com genótipo definido para avaliar correlação genótipo-fenótipo ... 4.5- ACTG2 e fenótipos relacionados ...

36 36 37 39 39 40 41 42 43 43 5- RESULTADOS ... 5.1- Síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal ... 5.1.1- Descrição clínica ... 5.1.2- Estudo molecular ... 5.2- Síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa ... 5.2.1- Descrição clínica ... 5.2.2- Estudo molecular ... 5.3- Pseudo-obstrução intestinal crônica ...

45 45 45 46 53 53 53 53

(14)

5.4- Fenótipo prune belly ... 5.5- MMIHS e MSMDS: revisão da literatura de casos com genótipo definido para avaliar correlação genótipo-fenótipo ... 5.6- ACTG2 e fenótipos relacionados ...

63

67 71

6- DISCUSSÃO ... 6.1- Síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal ... 6.1.1- Bases moleculares ... 6.1.2- Aspectos clínicos ... 6.1.3- Patogênese ... 6.2- Síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa ... 6.2.1- Bases moleculares ... 6.2.2- Aspectos clínicos ... 6.2.3- Patogênese ... 6.3- Pseudo-obstrução intestinal crônica ... 6.3.1- Bases moleculares ... 6.3.2- Aspectos clínicos ... 6.3.3- Patogênese ... 6.4- Fenótipo prune belly ... 6.4.1- Bases moleculares ... 6.4.2- Aspectos clínicos ... 6.4.3- Patogênese ... 6.5- Considerações adicionais ... 6.5.1- ACTG2 e fenótipos relacionados ... 6.5.2- Fluxograma de investigação ... 76 76 76 80 85 86 86 87 91 92 92 94 95 95 95 96 98 98 98 100

6.5.3- Distúrbios da motilidade visceral – considerações finais 103

7- CONCLUSÕES ... 105

8- REFERÊNCIAS ... 107

9- APÊNDICES ...

9.1- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – Participante ou

Responsável ... 9.2- Ficha clínica do projeto ...

123

123 127

(15)

ACTG2 e CHRM3 ... 9.5- Reação de sequenciamento pelo método de Sanger ... 9.6- Protocolo de purificação e de solubilização do produto da reação de

sequenciamento ... 9.7- Reação em cadeia da polimerase (PCR) para amplificação do gene MYL9 ... 9.8- Reação em cadeia da polimerase (PCR) para definição dos pontos de quebra da deleção envolvendo o gene MYL9 ... 9.9- Resumo da avaliação dos pacientes com o fenótipo prune belly ... 9.10- Resumo dos dados clínicos dos indivíduos com a MMIHS com genótipo

definido descritos na literatura e na casuística do trabalho ... 9.11- Resumo dos dados clínicos dos indivíduos com a MSMDS com genótipo definido descritos na literatura e na casuística do trabalho ... 9.12- Resumo do fenótipo, do genótipo e da história familiar dos indivíduos com

disfunção contrátil visceral relacionada ao ACTG2 descritos na literatura e na casuística do trabalho ... 133 136 137 138 139 140 144 149 152

9.13- Artigo publicado: “Visceral Myopathy: Clinical and Molecular Survey of

a Cohort of Seven New Patients and State of the Art of Overlapped

Phenotypes” ...

157

9.14- Artigo publicado: “Homozygous deletion in MYL9 expands the molecular

basis of megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome”... 167

10- ANEXOS ... 10.1- Comprovante de aprovação do projeto junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa ... 10.2- Ficha clínica utilizada em projetos de pesquisa do ProGePe ... 10.3- Regulamento do Biorrepositório ...

173

173 175 179

10.4- Licença da editora para reprodução do artigo (apêndice 9.13) na tese ... 181

(16)

INTRODUÇÃO

A síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal

(megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome – MMIHS) caracteriza-se clinicamente por

motilidade visceral ausente ou acentuadamente reduzida decorrente de disfunção contrátil nos tratos gastrointestinal e urinário. Os achados de distensão vesical, hipodesenvolvimento do cólon e redução da peristalse do trato gastrointestinal configuram a tríade típica do quadro. As manifestações usualmente têm início pré-natal ou no período neonatal. Esta condição está associada à elevada morbimortalidade1.

A MMIHS foi descrita pela primeira vez por Berdon et al. em 19762 e desde então mais de 200 indivíduos com a síndrome foram relatados na literatura1. Embora a ocorrência seja esporádica na maioria das famílias, a recorrência da síndrome numa mesma irmandade e/ou a presença de consanguinidade parental apontaram desde cedo para uma causa genética com padrão de herança autossômico recessivo3.

A etiologia da MMIHS era completamente desconhecida até 2013 e as duas principais questões relacionadas ao fenótipo eram: 1) a possibilidade de expressividade variável da síndrome, portanto sem a presença obrigatória da tríade clássica4,5; e 2) a hipótese de que o fenótipo conhecido como prune belly (abdome volumoso e flácido secundário à obstrução baixa no trato urinário) pudesse representar, ao menos em alguns casos, uma variação da MMIHS5.

Nessa mesma época, uma família consanguínea com dois filhos afetados pela MMIHS estava sendo avaliada no Programa de Genética Perinatal (ProGePe) no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (CAISM) – Unicamp, tendo sido considerada potencialmente informativa para estudo genético visando à identificação da base molecular dessa condição, ao menos nessa família.

No entanto, logo após o início do projeto, as bases etiológicas da síndrome começaram a ser desvendadas6,7, o que levou a modificações no protocolo inicial de investigação. Além da família inicial, novos casos foram identificados, tanto localmente, quanto em serviços externos por meio de estudo colaborativo, e foram incluídos na avaliação. Às apresentações clínicas com achados sugestivos de disfunção contrátil visceral, porém sem as características da tríade clássica da MMIHS – dentre elas a síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa (multisystemic smooth muscle dysfunction syndrome – MSMDS)8, e a pseudo-obstrução intestinal crônica (chronic intestinal pseudoobstruction – CIPO)7, foi dado o nome de fenótipos potencialmente relacionados.

(17)

Desse modo, o presente trabalho visou identificar as bases moleculares da MMIHS em uma coorte de pacientes com o fenótipo clássico, bem como entre aqueles com fenótipos potencialmente relacionados a esta condição. Para isso, realizou-se a investigação da família inicial por meio da análise do exoma, enquanto que para os demais indivíduos com disfunção contrátil visceral foi realizado o sequenciamento dos genes ACTG2 e ACTA2 de acordo com o fenótipo. Além disso, o fenótipo prune belly foi revisado, a fim de avaliar se o mesmo pode ser considerado uma variação da MMIHS.

(18)

OBJETIVOS

O objetivo geral do projeto foi determinar as bases moleculares da MMIHS e realizar a avaliação clínica e molecular de condições potencialmente relacionadas a ela.

Os objetivos específicos foram:

1. Investigar a etiologia da forma clássica da MMIHS, bem como de outros quadros de disfunção contrátil visceral em uma coorte de pacientes, utilizando o sequenciamento automático de Sanger para avaliar genes já associados a essas condições.

2. Investigar a base molecular da MMIHS em uma família consanguínea com dois irmãos afetados por meio do sequenciamento completo do exoma, se negativa para os genes conhecidos até aquele momento.

3. Revisar o quadro clínico dos pacientes com fenótipos de disfunção contrátil visceral (MMIHS, MSMDS e CIPO) investigados neste projeto, bem como dos indivíduos relatados na literatura com genótipo conhecido, a fim de avaliar uma possível correlação genótipo-fenótipo e estabelecer uma estratégia de investigação com base nessa correlação.

(19)

REVISÃO DA LITERATURA

3.1- Síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal (MMIHS) 3.1.1- Aspectos clínicos

A MMIHS (MIM 155310) é uma condição rara, na qual ocorre uma disfunção grave da contratilidade visceral. O quadro clínico resulta de uma obstrução funcional, também conhecida como pseudo-obstrução, nos tratos urinário e gastrointestinal, sendo caracterizado pela tríade que dá nome à síndrome: megabexiga, microcólon e redução ou ausência da peristalse intestinal. Outras manifestações relacionadas ao fenótipo incluem dilatação renal e das vias urinárias e má rotação intestinal9. Embora incomum, também foram descritos midríase10,11 e o fenótipo PB7,12.

O termo prune belly (inglês: prune= ameixa seca; belly= abdome) tem sido usado para descrever o fenótipo de alguns indivíduos ao nascimento, caracterizado por abdome flácido com pele redundante e enrugada e alças intestinais evidentes à inspeção e à palpação, conferindo um aspecto que se assemelha a uma ameixa seca. Tal aspecto, observado sobretudo em meninos, resulta da hipoplasia da musculatura da parede abdominal, frequentemente secundária a uma obstrução baixa no trato urinário13.

A MMIHS foi descrita pela 1ª vez por Berdon et al. em 1976 em cinco indivíduos com distensão abdominal significativa ao nascimento, todos do sexo feminino. A avaliação evidenciou intenso aumento do volume vesical, cólon encurtado e de calibre reduzido, distensão de alças do intestino delgado na ausência de obstrução mecânica e hipoperistalse grave no trato gastrointestinal, refratária à terapia instituída. Em nenhum dos casos foi observada redução do número de células ganglionares intestinais e todos os indivíduos faleceram nos primeiros dias ou meses de vida. A recorrência da síndrome foi identificada em uma das famílias avaliadas, com duas irmãs afetadas, sendo que uma delas apresentava hipoplasia da musculatura da parede abdominal, ou seja, o fenótipo PB2. Desde o 1º relato, mais de 200 casos foram publicados, havendo claramente um predomínio de indivíduos do sexo feminino (2,4:1)1.

A apresentação clínica pode ter início no pré-natal ou após o nascimento. Durante o pré-natal, o achado mais frequente é o comprometimento do trato urinário detectado pela ultrassonografia e caracterizado pela distensão vesical com ou sem dilatação de outros segmentos da via urinária. O volume do líquido amniótico varia de normal a alterado, podendo ocorrer polidrâmnio ou oligoâmnio9. Na gestação, a MMIHS faz parte dos diagnósticos diferenciais do quadro de uropatia obstrutiva baixa fetal, caracterizado por megabexiga e

(20)

obstrução uretral, e a ressonância magnética pode auxiliar na avaliação, especialmente se for observada imagem sugestiva de microcólon14.

Após o nascimento, são identificados os sintomas relacionados à pseudo-obstrução intestinal: distensão abdominal, vômito bilioso, ausência ou redução significativa da eliminação de gases, ausência da eliminação de mecônio e constipação grave. Usualmente os indivíduos afetados são dependentes de nutrição parenteral (NP) prolongada. A disfunção contrátil no trato urinário também está presente e a maioria dos indivíduos necessitam de cateterização vesical intermitente ou de vesicostomia para esvazimento vesical1.

A respeito do tratamento, diferentes modalidades terapêuticas já foram utilizadas. Procedimentos cirúrgicos como ostomias no estômago e em diferentes porções do intestino, assim como na bexiga, foram realizados respectivamente para descompressão intestinal e vesical, sem melhora significativa do quadro. De modo geral, eficácia também não foi obtida com o uso de pró-cinéticos. Diante da gravidade do quadro, da falta de terapias de sucesso e de complicações relacionadas às medidas usualmente empregadas no tratamento – NP (risco de infecção, disfunção hepática e má nutrição) e à cateterização vesical (risco de infecção); o transplante multivisceral passou a ser considerado como opção terapêutica. Nessa cirurgia, diferentes vísceras, incluindo fígado, pâncreas, estômago e intestino, podem ser transplantadas1. Ainda que tal procedimento esteja associado à elevada morbimortalidade, os indivíduos que sobreviveram ao procedimento passaram a tolerar alimentação enteral e apresentaram esvaziamento gástrico adequado. A bexiga usualmente não é transplantada e os indivíduos mantém disfunção urinária pós-transplante, necessitando de tratamento para esvaziamento vesical15.

O prognóstico é grave e está associado à elevada mortalidade – em torno de 80%1, embora existam relatos de pacientes que chegaram à 2ª e à 3ª década de vida16,17. O óbito decorre principalmente de complicações como sepse, desnutrição, disfunção renal e hepática1. O diagnóstico correto traz implicações relacionadas à definição do prognóstico, das opções terapêuticas e do risco reprodutivo para os familiares e para o indivíduo afetado, caso o mesmo atinja idade reprodutiva1.

A hipótese de expressividade variável do quadro clínico, na qual os indivíduos afetados não apresentariam a tríade clássica da síndrome, mas sim um dos achados isoladamente ou uma combinação de dois achados, foi considerada por diferentes autores4,18,19. Por exemplo,

Ozok et al. relataram dois pacientes com microcólon e hipoperistalse intestinal de causa não obstrutiva sem dilatação vesical associada4, enquanto Shimizu et al. descreveram um caso de

(21)

intestinal não estava afetada de modo significativo18. Adicionalmente, Lapointe et al., ao avaliar indivíduos com disfunção significativa da contratilidade intestinal caracterizada por pseudo-obstrução intestinal crônica, chamaram atenção para a alta frequência de megabexiga (69%) associada ao quadro19.

A possibilidade do fenótipo PB ser uma variação da MMIHS foi considerada em razão da sobreposição fenotípica de ambas as condições no que diz respeito aos achados no trato urinário12, bem como pela coocorrência da MMIHS e do fenótipo PB em uma mesma irmandade 5.

3.1.2- Bases moleculares

Até 2013, antes do surgimento das primeiras evidências das bases moleculares da MMIHS, a mesma era considerada de herança autossômica recessiva (HAR) – MIM 249210 (http://omim.org/entry/249210)20, com base na recorrência da síndrome em irmãos, na presença

de consanguinidade parental em diversas famílias ou na coocorrência desses achados.

A definição etiológica da MMIHS começou a ser estabelecida no final de 2013, quando Thorson et al. descreveram dois casos esporádicos da síndrome causados por variantes de novo em heterozigose no gene ACTG26. Na sequência, outra publicação demonstrou a ocorrência da síndrome em onze indivíduos não relacionados com alteração em heterozigose no mesmo gene7. A heterogeneidade genética da MMIHS tornou-se evidente nesse estudo, uma vez que se identificou alteração no ACTG2 em apenas metade dos pacientes com a síndrome. A partir de então, o tipo de herança foi revisto e se passou a considerar a possibilidade de mais de um mecanismo. Enquanto a ocorrência esporádica do quadro parecia estar relacionada frequentemente à variante de novo no ACTG2, os casos com história familiar sugestiva de herança autossômica recessiva permaneciam sem causa. No entanto, apesar das evidências de HAR em algumas famílias, o número da síndrome na base de dados OMIM foi rapidamente alterado depois da 1ª publicação relacionando a MMIHS ao ACTG2

(http://omim.org/entry/155310)20, levando em conta apenas o padrão autossômico dominante. O gene ACTG2 está localizado no cromossomo 2, possui dois transcritos (NM_001615.3 e NM_001199893.1) com nove éxons (oito codificantes) e oito éxons (sete codificantes) respectivamente. A proteína produzida por cada transcrito possui 376 (NP_001606.1) e 333 (NP_001186822.1) aminoácidos respectivamente21. O gene codifica uma

isoforma de actina, denominada gama-2, que é a principal isoforma de actina presente no músculo liso visceral e tem papel importante na contratilidade da célula muscular lisa22.

Seguindo a descrição do 1º gene associado à MMIHS, foram identificados três genes envolvidos na etiologia de casos autossômicos recessivos – MYH11, LMOD1, MYLK;

(22)

todos envolvidos na contração do músculo liso. A definição dos três genes foi realizada a partir do estudo de indivíduos afetados, todos filhos de casais consanguíneos, com ou sem recorrência da síndrome na irmandade23-25. A estratégia de investigação incluiu o sequenciamento completo do exoma23-25, por vezes combinado com o mapeamento de regiões de homozigosidade24,25.

3.1.3- Patogênese

A patogênese da MMIHS permaneceu desconhecida até que a base molecular da mesma começasse a ser definida. Ao longo do tempo, diferentes hipóteses foram aventadas tendo em conta os principais elementos envolvidos na peristalse do trato gastrointestinal: sistema nervoso entérico, células musculares lisas e células intersticiais de Cajal26. A

possibilidade de aganglionose como origem do quadro havia sido excluída a princípio, visto que estudos anátomo-patológicos não detectaram alteração nas células ganglionares intestinais na maioria dos casos9.

Trabalhos com modelos animais (camundongos) sugeriram uma possível causa neurogênica ou neuromuscular ao demonstrar que o comprometimento de receptores nicotínicos de acetilcolina (RnAch), especificamente das subunidades 3, 2 e 4, resultaram em alterações semelhantes às apresentadas pelos indivíduos com a MMIHS. Tais receptores são expressos nos gânglios simpáticos e parassimpáticos, estão envolvidos na contração do músculo liso e uma alteração nos mesmos poderia levar à disfunção contrátil. Os animais que tiveram as duas cópias do gene 3 silenciadas (3-/-) apresentaram megabexiga, retenção urinária associada à infecção, ausência de contração vesical após administração de nicotina e midríase com ausência de resposta pupilar ao estímulo luminoso27. Os camundongos 2-/-4-/-

desenvolveram os mesmos sinais dos animais 3-/-, além de hipoperistalse intestinal28.

A hipótese de comprometimento da subunidade 3 do RnAch foi reforçada por outro estudo, que demonstrou a redução dessa subunidade no intestino de um paciente com a MMIHS29. Tal possibilidade, porém, não foi confirmada em estudo subsequente, uma vez que

não foi identificada variante patogênica nos genes responsáveis pela codificação das subunidades 3 e 4 do RnAch em indivíduos com a MMIHS30.

Além da hipótese neurogênica, algumas evidências apontavam para uma possível origem miogênica. Diferentes achados histológicos foram identificados no músculo liso visceral de indivíduos com a MMIHS, tais como: alterações degenerativas vacuolares e excesso de tecido fibroso no músculo liso vesical e intestinal31, redução significativa da actina no músculo liso intestinal e vesical26,32,33 e comprometimento de proteínas do citoesqueleto na musculatura lisa intestinal26. Além disso, a possibilidade de alteração envolvendo as células de

(23)

Cajal também foi sugerida a partir da observação da redução do número dessas células no intestino e na bexiga de pacientes com a MMIHS26,33.

3.1.4- Modelos animais

Quadros de disfunção contrátil nos tratos urinário e/ou intestinal semelhantes ao encontrado na MMIHS, associado ou não à midríase, foram observados em animais a partir do silenciamento da expressão de diferentes genes ligados ao mecanismo contrátil visceral

24,27,28,34-40. O quadro 1 lista alguns desses estudos e as principais manifestações observadas em

cada um deles.

Dos sete genes listados, três já foram identificados em humanos como causa da MMIHS com herança autossômica recessiva: MYH11, LMOD1 e MYLK23-25. Os genes CHRNA3 e CHRNB4 já foram considerados genes candidatos para a MMIHS, porém o

envolvimento dos mesmos em humanos não foi demonstrado até o momento30.

Quanto ao gene CHRM3, embora o mesmo codifique o principal subtipo de receptor muscarínico envolvido na contração vesical e do trato gastrointestinal, não foi observada disfunção contrátil no trato gastrointestinal em modelo animal, sugerindo que outros mecanismos, possivelmente não colinérgicos, exercem efeito na contração do músculo liso gastrointestinal. Além disso, a disfunção vesical associada à retenção urinária foi significativa somente em animais do sexo masculino, sugerindo uma possível diferença no mecanismo de contração vesical entre os sexos36,37. O mesmo padrão de comprometimento contrátil foi observado posteriormente em humanos, a partir da identificação de uma variante patogênica no gene CHRM3 em uma família com seis irmãos afetados. As manifestações incluíam megabexiga, dilatação em outras porções do trato urinário, fenótipo PB, midríase e redução da secreção de saliva41.

O gene CACNA1C, homólogo ao gene Cav1.2 -/- em camundongos, codifica um canal de cálcio expresso tanto no músculo liso, quanto no músculo cardíaco, e já foi associado em humanos à síndrome de Timothy e à síndrome de Brugada, ambas caracterizadas por disfunção no ritmo cardíaco42,43. Nesses casos, os indivíduos apresentavam variantes potencialmente patogênicas em heterozigose. No modelo animal, que exibiu sintomas de disfunção contrátil visceral, a inativação do gene foi realizada apenas em células musculares lisas após o nascimento38, uma vez que animais inicialmente Cav1.2 -/- apresentaram letalidade

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Q ua dro 1 - E x emplo s de estu do s co m mo delo a nim a l que re pro du ze m a cha do s se melh a nte s a o s identif ica do s em in div ídu o s co m a M M IH S Re fer ên cia 34 24 35 27 28 36 e 3 7 38 -40 Ma n if estaçõ es Me g ab ex ig a, r eten çã o u rin ár ia , h ip o p er is tals e in test in al, atr aso d o fec h am en to d o d u cto ar te rio so , h ip o ten são ar ter ial , d éf ic it d e cr escim en to p ó s-n atal, ó b ito p rec o ce Me g ab ex ig a, h id ro n ef ro se , d ilataçã o g ástrica , in test in o cu rto , h ip o co n tr atilid ad e v is ce ral Dis fu n çã o d a co n tr atilid ad e v es ical, h ip o p er is tals e g astro in test in al co m p io ra p ro g ress iv a ir rev er sív el , d ilataçã o in test in al (s ilen ciam en to g ên ico rea liza d o no an im al ad u lto ), h ip o ten são ar ter ial Me g ab ex ig a, reten çã o u rin ár ia, m id ríase, p to se p alp eb ral, d ef iciên cia d e cr escim en to p ó s-n atal, ó b ito p rec o ce Me g ab ex ig a, r eten çã o u rin ár ia , h ip o p er is tals e in test in al, m id ríase, p to se p alp eb ral, d ef iciên cia d e cr escim e n to p ó s-n atal, ó b it o p rec o ce Me g ab ex ig a (in ten sa n o s ex o m ascu lin o e le v e n o s ex o f em in in o ), d is fu n çã o co n tr átil v esical, h id ro n ef ro se lev e (s o m en te n o s ex o m ascu lin o ), m id ríase, red u çã o d a sec reç ão d e saliv a. Dis fu n çã o d a co n tr atilid ad e in test in al (s o m en te in vitr o ) Au m en to v esical, reten çã o u rin ár ia e fec al, d is fu n ção d a co n tr atilid ad e in test in al (íleo p ar alítico ), h ip o te n são ar ter ial Pro teín a Mio sin a d e ca d eia p esad a tip o 1 1 L eio m o d in a 1 p ro teín a li g an te d a ac tin a Qu in ase d e ca d eia lev e d e m io sin a R ec ep to r n ico tín ico d e ac etilco lin a n o sis tem a n er v o so a u tô n o m o ( su b u n id ad e  3) R ec ep to r n ico tín ico d e ac etilco lin a n o sis tem a n er v o so a u tô n o m o ( su b u n id ad es 2 e 4 ) R ec ep to r m u sca rín ico d e ace tilco lin a n o sis tem a n er v o so a u tô n o m o ( su b tip o 3 ) C an al d e cá lcio tip o L ( v o lt ag em d ep en d en te) Gen e (m o d elo an im al - kn o ck o u t) Myh 1 1 - /-(ca mu n d o n g o ) Lmo d 1 - /-(ca mu n d o n g o ) Mylk -/ - (ca mu n d o n g o ) C h rn a 3 - /-(ca mu n d o n g o ) C h rn b 2 - b 4 - /-(ca mu n d o n g o ) C h rm3 - /-(ca mu n d o n g o ) C a v1 .2 -/ - (ca mu n d o n g o )

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3.2- Mecanismo contrátil do músculo liso

A contração dos diferentes órgãos que compõem o trato gastrointestinal (TGI) e o trato urinário inferior (TUI) depende de um mecanismo complexo envolvendo a musculatura lisa45,46. Considerando que uma alteração num determinado componente dessa via possa levar a um quadro de dismotilidade visceral, como ocorre na MMIHS, serão descritos a seguir os principais elementos relacionados à contratilidade normal do músculo liso visceral com vistas a uma melhor compreensão desse processo fisiológico.

O tubo digestivo apresenta uma estrutura geral comum, na qual se identificam quatro camadas distintas: mucosa, submucosa, muscular e serosa. No TGI, os principais elementos responsáveis pelo peristaltismo estão localizados na camada muscular e são o plexo mioentérico, as células intersticiais de Cajal e as células musculares subdividas nas camadas circular (interna) e longitudinal (externa) – Figuras 1A e 1B. Exceto os 2/3 proximais do esôfago e o esfíncter anal externo, que contém células musculares do tipo esquelético, a camada muscular do restante do TGI é formada por células musculares lisas47.

O plexo mioentérico, juntamente com o plexo submucoso, formam o sistema nervoso entérico (SNE), que funciona de forma autônoma e é responsável pela inervação intrínseca do TGI. Os neurônios motores do plexo mioentérico que inervam os músculos lisos são de duas classes: excitatórios e inibitórios. O principal neurotransmissor excitatório é a acetilcolina e a resposta é mediada por receptores pós-juncionais do tipo muscarínico (subtipos M2 e M3). O principal neurotransmissor inibitório é o óxido nítrico, cuja ação se dá por diferentes mecanismos45– Figura 1B.

Adicionalmente, existe a inervação extrínseca, realizada pelo sistema nervoso autônomo (SNA), constituído pelas fibras parassimpáticas (SNA-P) e simpáticas (SNA-S), cuja ação modula a contração das vísceras: o peristaltismo é aumentado pela ação do SNA-P e reduzido pelo SNA-S. O efeito dos SNA-P e SNA-S nos órgãos é mediado pelos neurotransmissores acetilcolina e noradrenalina, que interagem respectivamente com receptores colinérgicos e adrenérgicos48. Os neurônios do SNE são conectados entre si e com os neurônios do SNA. Além disso, o sistema nervoso central (SNC) também interage com o SNE, por meio de neurônios aferentes e eferentes45– Figura 1B.

As células intersticiais de Cajal apresentam proximidade com os neurônios motores entéricos e com as células musculares lisas. Elas funcionam como marca-passo no TGI, gerando ondas lentas que estimulam a contração muscular e além disso, estão envolvidas na comunicação entre os neurônios motores e as células musculares lisas. Um outro tipo de célula

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intersticial foi identificado recentemente – célula PDGF (platelet-derived growth factor α); e teria papel contrário ao das células de Cajal, levando à inibição da contração celular45.

Além dos mecanismos já citados, a contração também é modulada pela ação de hormônios que atingem o TGI via circulação sanguínea, substâncias parácrinas e mediadores inflamatórios45.

As células musculares lisas têm aspecto fusiforme e estão intimamente conectadas entre si. Diferentes proteínas intracelulares estão envolvidas no mecanismo contrátil dessas células, tais como: miosina tipo II, actina, tropomiosina, caldesmon, calponina e calmodulina49. A contração celular resulta, em última instância, da interação entre a miosina e a actina.

A miosina tipo II é uma proteína hexamérica, formada por duas cadeias pesadas e quatro cadeias leves, sendo duas regulatórias e duas essenciais. A região N-terminal da cadeia pesada (cabeça da miosina) possui atividade catalítica (hidrólise de ATP) e interage com a actina. As cadeias leves de miosina se ligam à porção intermediária da cadeia pesada (pescoço da miosina) e a região C-terminal forma a cauda espiralada do filamento50. A actina envolvida

na contração está presente nas células musculares lisas na forma de polímero (actina-F), este formado a partir da união de monômeros (actina-G). Os filamentos de actina se ancoram na membrana celular via proteínas de adesão e em estruturas citosólicas, conhecidas como corpos densos, formados por diferentes componentes, criando uma estrutura estável e que serve de base para a contração celular51– Figura 1C. Durante a contração, a miosina se desloca sobre a actina, formando uma ponte actina-miosina. Esse movimento da miosina tensiona o complexo actina-proteínas de ancoragem, levando ao encurtamento e à contração celular.

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Figura 1- Estrutura do trato gastrointestinal

A: representação das quatro camadas observadas na histologia; B: diagrama da camada muscular com ênfase no controle realizado pelo SNA-P (estimulação da contração) e SNA-S (inibição da contração) e respectivos neurotransmissores e receptores, e em outros elementos relacionados ao controle da contração do músculo liso; C: representação dos principais filamentos contráteis (actina e miosina) e do complexo actina-proteínas de ancoragem da célula muscular lisa.

Acet: acetilcolina; Adr: receptor adrenérgico; Col: receptor colinérgico; Hor: hormônios; ICC: interstitial Cajal cells (células intersticiais de Cajal); L: segmento lombar da medula espinhal; M: muscarínico; n.: nervo; N: nicotínico; NO: óxido nítrico; Nor: noradrenalina; PDGF: platelet-derived growth factor α (fator de crescimento α derivado de plaqueta); S: segmento sacral da medula espinhal; SNA: sistema nervoso autônomo; SNC: sistema nervoso central; SNA-P: SNA parassimpático; SNA-S: SNA simpático; SNE: sistema nervoso entérico; T: segmento torácico da medula espinhal

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A contração da célula muscular lisa é um processo complexo e foi descrito em detalhes por Sanders et al.45 e Webb RC52. Os principais aspectos dessa via de sinalização serão descritos na sequência e podem ser observados na Figura 2.

Figura 2. Contração da célula muscular lisa: principais aspectos da via de sinalização

celular*

O processo é dependente de pontos-chaves que estão intimamente relacionados: 1. aumento intracelular de cálcio [Ca2+]i, que ocorre por diferentes mecanismos; 2. ativação da enzima MLCK a partir do aumento de [Ca2+]i; 3. fosforilação da rMLC pela MLCK na presença de ATP; 4. deslocamento da miosina em direção à actina, formando uma ponte, levando consequentemente à contração celular – formas em laranja: estímulo à contração; formas em azul: inibição da contração.* Ilustração elaborada com base em diferentes artigos45,46,52,53

CaM: calmodulina; CD: caldesmon; DAG: diacilglicerol; eMLC: cadeia leve de miosina (essencial); F-actin: polímero de actina; G: proteína G; IP3: inositol 1,4,5-trifosfato; IP3R: receptor de IP3; rMLC: cadeia leve de miosina (regulatória); MHC: cadeia pesada de miosina; MLCK: quinase de cadeia leve de miosina; MLCP: fosfatase de cadeia leve de miosina; P: fosfato; PIP2: fosfatidilinostol 4,5-bifosfato; PKC: quinase de proteína C; PLC: fosfolipase C; RhoK: quinase de Rho; RyR: receptor de rianodina; SR: retículo sarcoplasmático; TM: tropomiosina; ZIPK: quinase de ZIP.

No TGI, a contração é deflagrada por diferentes fatores, que incluem estímulos locais – químico, mecânico (distensão da fibra muscular), hormonal e nervoso. Os receptores na membrana das células musculares lisas interagem com diferentes agonistas. Na célula muscular lisa, o passo inicial para o processo de contração é o aumento da concentração intracelular de cálcio ([Ca2+]i). Isso pode ocorrer por dois mecanismos:

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I. Influxo direto de íons Ca2+ do meio extracelular para o citosol a partir de diferentes canais: canal de Ca2+ voltagem-dependente e canais de cátions não seletivos. Inicialmente, ocorre ativação de canais de cátions mediada por estímulo químico ou mecânico, levando à despolarização da célula. Essa despolarização ativa os canais de Ca2+ voltagem-dependentes e resulta em influxo significativo de cálcio para o meio intracelular. Em contrapartida, os canais de K+ atuam no sentido inverso, pois levam ao efluxo de K+ para o meio extracelular, hiperpolarizam a célula e inibem os canais de Ca2+;

II. Liberação de Ca2+ armazenado no retículo sarcoplasmático (sarcoplasmatic

reticulum – SR) a partir da ativação da cascata mediada pela proteína G (G). A ligação de

agonistas ao receptor transmembrana acoplado à proteína G aumenta a atividade da fosfolipase C (phospholipase C – PLC), levando à produção de inositol trifosfato (inositol

1,4,5-triphophate – IP3) e de diacilglicerol (diacylglycerol – DAG) após clivagem do fosfatidilinostol

4,5-bifosfato (phosphatidylinositol 4,5-biphosphate – PIP2), um fosfolipídeo da membrana. O IP3 liga-se a um receptor no SR, causando a liberação do Ca2+ armazenado nesse compartimento. A ativação concomitante do receptor de rianodina (ryanodine receptor – RyR) no SR também leva à liberação de Ca2+ para o citosol. Além disso, o próprio aumento de Ca2+ intracelular amplifica a resposta desses receptores.

A partir do aumento de [Ca2+]i, dois processos estão envolvidos na contração muscular:

I. Calmodulina (CaM): a CaM se liga ao Ca2+ (quatro moléculas) e esse complexo ativa a enzima quinase de cadeia leve de miosina (myosin light chain kinase – MLCK). Uma vez ativada, essa enzima fosforila a cadeia leve de miosina regulatória (regulatory myosin light

chain – rMLC), aumentando a atividade ATPase da cabeça da miosina. Uma vez ocorrida essa

ativação, a miosina se desloca em direção à actina filamentar (F-actin), promovendo o tracionamento do complexo actina-proteínas de ancoragem, levando consequentemente à contração celular.

II. Caldesmon (CD): o CD é uma proteína que se liga à actina e à tropomiosina (TM) e inibe a contração celular. O aumento da [Ca2+]i reverte esse efeito inibitório,

estimulando a contração celular53.

O relaxamento da célula depende da desfosforilação da miosina, que é mediada pela fosfatase de cadeia leve de miosina (myosin light chain phosphatase – MLCP). Esse complexo enzimático é inibido pela ação de diferentes quinases (quinase de proteína C: protein C kinase – PKC, quinase de Rho: Rho kinase – RhoK e quinase de ZIP: ZIP kinase – ZIPK) e estimulado pelas vias dependentes de nucleotídeo cíclico (cGMP e cAMP). O DAG e a proteína G

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estimulam a contração celular pela ativação da quinase da proteína C e da via de sinalização da proteína Rho.

Assim como ocorre no TGI, a bexiga é capaz de gerar atividade elétrica e contrátil espontaneamente e também está sob o controle do SNA-P e SNA-S. Recordando, o TUI é formado pela bexiga e pela uretra. A bexiga funciona como um reservatório de urina e a eliminação da mesma é dependente da contração muscular, realizada pelo músculo detrusor, localizado na camada muscular. A bexiga possui ainda outras duas camadas: mucosa e serosa47. A ação do SNA-P, que estimula a contração vesical, é mediada pela acetilcolina e pelo ATP, que interagem respectivamente com receptores muscarínicos (subtipos M2 e M3) e purinérgicos. A inervação realizada pelo SNA-S leva ao relaxamento do músculo detrusor e é mediada por mecanismos adrenérgicos. As células intersticiais, que se assemelham às células de Cajal no TGI, também estão presentes e teriam papel na indução da contração54. A via de

sinalização intracelular que leva à contração do músculo liso vesical é semelhante ao mecanismo descrito no trato gastrointestinal46,54.

A bexiga possui uma alta complacência, mantendo-se sob baixa pressão na fase de armazenamento da urina e se contrai vigorosamente durante a micção. Já os músculos da uretra devem se manter contraídos a maior parte do tempo e se relaxam durante a micção, permitindo a passagem da urina46. A uretra é formada por músculo liso e músculo esquelético (esfíncter externo). Na uretra, em contraposição ao que ocorre na bexiga, e permitindo com isso uma ação sincrônica, o SNA-P atua no relaxamento da musculatura lisa e o SNA-S gera contração da mesma46. O esfíncter externo uretral está sob o controle de fibras somáticas e a contração do mesmo é voluntária. Um resumo da estrutura do TUI e do controle da contração muscular mediada pelo sistema nervoso autônomo pode ser observado na Figura 3.

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Figura 3. Trato urinário inferior – controle da contração muscular pelo sistema nervoso autônomo

SNA-P: ação leva à contração do músculo detrusor e ao relaxamento do músculo liso uretral, promovendo o esvaziamento vesical; SNA-S: ação leva ao relaxamento do músculo detrusor e à contração do músculo liso uretral, mantendo a urina armazenada na bexiga

n.: nervo; S: segmento sacral da medula espinhal; SNA: sistema nervoso autônomo; SNA-P: SNA parassimpático; SNA-S: SNA simpático. SNS: sistema nervoso somático; T: segmento torácico da medula espinhal

3.3- Disfunção contrátil no trato gastrointestinal e/ou urinário – outros fenótipos Além da MMIHS, outros fenótipos se apresentam clinicamente com sinais e sintomas relacionados à dismotilidade no TGI e/ou no TUI.

Um diagnóstico diferencial importante da MMIHS é a síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa (multisystemic smooth muscle dysfunction syndrome – MSMDS; MIM 613834), que como o próprio nome sugere, caracteriza-se pelo acometimento extenso da musculatura lisa, afetando dessa forma diferentes órgãos. Parte das manifestações estão presentes desde o nascimento e além do comprometimento visceral, afetando o TGI e o TUI, o quadro clínico é marcado por alterações vasculares sistêmicas, em especial na aorta e nas artérias do SNC, persistência do ducto arterioso (PDA), midríase e hipertensão pulmonar. As alterações vasculares incluem dilatação ou estenose, dependendo do vaso envolvido. Em geral, ocorre dilatação aneurismática dos grandes vasos, em especial da aorta, e estreitamento ou oclusão das pequenas artérias, principalmente no SNC. Essa síndrome é causada por alteração em heterozigose no gene ACTA2, que codifica uma isoforma específica de actina,

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denominada alfa-28. Esse gene está localizado no cromossomo 10, possui três transcritos (NM_001141945.2; NM_001613.3; NM_001320855.1) com nove éxons, sendo oito codificantes. A expressão do mesmo leva à produção de uma proteína de 377 aminoácidos (NP_001135417.1; NP_001604.1 e NP_001307784.1)21. Esse gene também está associado a outros fenótipos, predominantemente vasculares, caracterizados por aneurisma aórtico e doença arterial oclusiva (doença coronariana e acidente vascular cerebral)55,56. Diferentemente do que ocorre na MSMDS, causada por alterações no códon 1798, nesse outro fenótipo essencialmente vascular, as variantes patogênicas afetam diferentes códons do ACTA255,56. Em relação às anomalias vasculares associadas à alteração no códon 179, a penetrância é maior e a idade de aparecimento das lesões é mais precoce em relação às outras variantes patogênicas identificadas no gene8.

Outro fenótipo marcado por disfunção contrátil visceral é o quadro de pseudo-obstrução intestinal, no qual existem sinais e sintomas sugestivos de pseudo-obstrução intestinal, porém sem evidência de lesão ocluindo o lúmen intestinal. A obstrução decorre de alteração funcional e é precedida pelo prefixo “pseudo”, contrapondo-se à obstrução de origem mecânica. A pseudo-obstrução pode ser aguda ou crônica. No 1º caso, o quadro se instala principalmente após cirurgias abdominais e costuma ter duração limitada. Na 2ª situação, ocorrem episódios recorrentes de suboclusão intestinal. Os sintomas mais comuns são dor e distensão abdominal, náusea, vômito, constipação e diarreia. A pseudo-obstrução intestinal crônica (chronic

intestinal pseudoobstruction – CIPO) não é uma doença única, mas sim uma apresentação

clínica de etiologia extremamente variável, podendo ter origem primária, ou secundária a diferentes doenças e medicamentos57. Quando primária, a maioria se apresenta de forma esporádica, porém formas familiares com padrão compatível com herança autossômica dominante já foram descritas58-60. Embora a base molecular permaneça desconhecida em vários casos, alguns genes já foram relacionados a fenótipos específicos: FLNA (pseudo-obstrução intestinal com envolvimento do sistema nervoso ligada ao X; MIM 300048)61; SOX10 (síndrome Waarbenburg-Shah; MIM 609136)62; TYMP (encefalopatia neurogastrointestinal mitocondrial – MNGIE; MIM 603042)63; SGOL1 (disritmia atrial crônica e intestinal; MIM

616201)64, RAD21 (síndrome Mungan; MIM 611376)65 e ACTG2 (miopatia visceral; MIM

155310)66.

Conforme descrito anteriormente, o ACTG2 foi o 1º gene associado à MMIHS, no entanto, o 1º fenótipo associado a esse gene foi o de uma forma familiar de CIPO com herança autossômica dominante. Clinicamente, o quadro de CIPO relacionado ao ACTG2 difere da

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MMIHS por ausência de sintomas proeminentes no trato urinário, por ter início mais tardio e evolução menos grave, com sobrevida até a vida adulta66.

3.4- Fenótipo prune belly

A 1ª descrição dos achados observados no fenótipo PB é frequentemente atribuída a Fröhlich F, autor do trabalho intitulado “Mangel der Muskeln, insbesondere der

Seitenbauchmuskeln”*1e teria ocorrido em 183967. Outra possibilidade é que o 1º relato tenha sido feito por Morgagni GB no século XVIII68.

Conforme descrito previamente, o termo prune belly é usado para descrever a aparência do abdome, que se assemelha a uma ameixa seca, decorrente da hipoplasia dos músculos da parede abdominal – Figura 4A. A patogênese do quadro ainda é controversa e diferentes hipóteses já foram aventadas: compressão e perda secundária da musculatura da parede abdominal por ascite69 ou por dilatação vesical decorrente de obstrução uretral70; e

hipoplasia muscular decorrente de defeito primário do mesoderma durante a embriogênese71,72. Na maior parte dos casos, existe uma obstrução baixa no trato urinário, ao nível da uretra, levando à dilatação secundária e variável a montante do ponto de obstrução e à criptorquidia nos meninos, configurando uma sequência malformativa73 – Figura 4B. Além da ureterohidronefrose e da criptorquidia nos meninos, alterações em diferentes estruturas integram essa sequência malformativa74 – Figura 4C.

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Figura 4. Sequência de prune belly – fenótipo e mecanismo patogênico mais frequente

A: aparência abdominal semelhante à ameixa seca; B: obstrução no trato urinário inferior levando à dilatação vesical e à ureterohidronefrose, configurando uma sequência malformativa; C: alterações secundárias observadas a partir da obstrução baixa no trato urinário

*: alterações faciais (Face de Potter: face achatada, pregas epicânticas, implantação baixa de orelhas, retrognatia) e esqueléticas (contraturas articulares); **: testículos ectópicos, usualmente intra-abdominais (achado exclusivo em indivíduos do sexo masculino);

Anomalias extra-urinárias (primárias ou secundárias) são frequentes, podendo afetar mais da metade dos indivíduos e são predominantemente gastrointestinais, ortopédicas, cardiopulmonares e neurológicas75. Existe um predomínio evidente do sexo masculino em relação ao feminino, provavelmente relacionado a um maior risco de obstrução da uretra masculina durante a formação da mesma devido a questões anatômicas73.

Estudo epidemiológico realizado em Nova Iorque entre os anos 1983-1989, com base em um registro de malformações congênitas, identificou 60 indivíduos com o fenótipo PB entre nativivos (masculino: 50 e feminino: 10), resultando em uma prevalência de 3,2:100.000. Também foi observada uma prevalência quatro vezes maior em gestações gemelares (12,2:100.000 vs 3:100.000)76.

Na literatura, o termo prune belly frequentemente é acompanhado da palavra síndrome. Na base de dados Online Mendelian Inheritance in Man20, prune belly syndrome tem um código próprio – MIM 100100. Apesar do fenótipo PB ser de ocorrência esporádica na maioria das vezes73, devido à recorrência principalmente em indivíduos de uma mesma

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irmandade, associado ou não à consanguinidade parental77, e finalmente à identificação em dois irmãos de uma variante potencialmente patogênica em homozigose no gene CHRM341, esse fenótipo passou a ser reconhecido como uma condição com herança autossômica recessiva. No entanto, o CHRM3 foi associado ao fenótipo PB com base em um único relato da literatura, no qual seis indivíduos de uma mesma irmandade, todos do sexo masculino e filhos de casal consanguíneo, apresentavam quadro de obstrução baixa no trato urinário caracterizado por megabexiga e disfunção contrátil vesical. Entre os seis irmãos, dois apresentavam o fenótipo PB41. Além das alterações no trato urinário, foram identificadas midríase e boca seca nos indivíduos afetados. O estudo molecular revelou uma variante em homozigose, que leva à mudança na matriz de leitura do gene e que cosegrega na família de forma consistente com o fenótipo. O CHRM3 codifica o principal receptor muscarínico de acetilcolina envolvido na contração vesical e também está presente em outras partes do trato urinário41. Além disso, esse

receptor tem papel na secreção salivar e na constricção pupilar78.

Apesar do termo prune belly aparecer na literatura associado à palavra síndrome, o fenótipo PB é um termo descritivo e já foi empregado na descrição de pacientes com diferentes diagnósticos, incluindo aneuploidias – monossomia do X79, trissomia do 1380, 1881 e 2182, anomalias cromossômicas estruturais em diferentes cromossomos83-87 e síndromes como Beckwith-Wiedemann88, MMIHS5 e MSMDS89.

Além disso, deleção no locus 17q12 em pacientes com o fenótipo PB – casos esporádicos; levantaram a hipótese de que a etiologia do quadro decorreria da haploinsuficência de genes dessa região90,91. O principal gene candidato seria o fator nuclear hepatocítico 1-beta (HNF1B), que codifica um fator de transcrição que participa da regulação da expressão gênica em diferentes órgãos e causa a síndrome de cistos renais e diabetes – MIM 13792092. Posteriormente, o gene HNF1B foi sequenciado em 30 indivíduos com o fenótipo PB, sem que se identificassem variantes patogênicas. Entretanto, nem variação no número de cópias do gene, nem microrrearranjo cromossômico foram avaliados nesse trabalho93.

Ainda do ponto de vista etiológico, embora vários casos sejam esporádicos e não relacionados a quadro sindrômico específico, a recorrência do fenótipo PB em algumas famílias sugere a influência de fatores genéticos. De acordo com o padrão de recorrência, diferentes heranças já foram consideradas, especialmente autossômica recessiva e ligada ao X. Curiosamente, foi observado que a frequência de indivíduos afetados do sexo feminino é maior na presença de recorrência familiar, se comparado com os casos esporádicos77.

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CASUÍSTICA E MÉTODOS

Participaram do presente estudo indivíduos com o diagnóstico de MMIHS, CIPO, ou fenótipo PB registrados no banco de dados do ProGePe no período de 1993 até junho de 2017. Também foram incluídos no projeto, por meio de estudo colaborativo, pacientes com MMIHS, CIPO ou MSMDS avaliados em serviço externo à Unicamp.

O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP - CAAE 25031514.8.0000.5404 (Anexo 10.1). Os indivíduos que participaram do estudo ou os respectivos responsáveis e os familiares incluídos no mesmo foram orientados quanto ao projeto e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido - TCLE (Apêndice 9.1).

4.1- Casuística

A avaliação clínica foi realizada pela autora deste trabalho ou por outros médicos geneticistas do ProGePe. Os pacientes atendidos em serviço externo foram avaliados pelo médico assistente e colaborador do projeto. Os dados foram obtidos a partir da revisão da ficha clínica do ProGePe (Anexo 10.2) e da ficha preenchida pelos médicos colaboradores (Apêndice 9.2).

A definição da MMIHS utilizada para a inclusão de um paciente no estudo foi: quadro crônico de disfunção contrátil no trato gastrointestinal e urinário, caracterizado por megabexiga associada à retenção urinária, hipoperistalse intestinal e pseudo-obstrução intestinal, com ou sem microcólon. Microcólon não foi considerado um achado obrigatório, pois a ausência do mesmo na MMIHS foi demonstrada já nos primeiros trabalhos que relacionaram o ACTG2 à síndrome6,7.

Os critérios de inclusão para a investigação de indivíduos com condições potencialmente relacionadas à MMIHS foram:

1. Disfunção contrátil crônica no trato gastrointestinal, sem evidência de obstrução mecânica e após exclusão de causas extrínsecas e de aganglionose;

2. Fenótipo PB.

O 1º critério foi definido para avaliar a etiologia de quadros de disfunção contrátil visceral, especialmente no gastrointestinal, em indivíduos sem o quadro clássico da MMIHS; enquanto o 2º critério foi definido para avaliar se o fenótipo PB é uma variante da MMIHS.

Os achados definidos como critérios de inclusão foram avaliados por diferentes métodos:

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- megabexiga: aumento do volume vesical identificado por ultrassonografia pré e/ou pós-natal e por outros métodos de imagem como tomografia computadorizada, ressonância magnética e cistografia; avaliação intraoperatória ou necropsia;

- hipoperistalse intestinal/pseudo-obstrução intestinal: avaliação clínica evidenciando quadro de intolerância à alimentação via oral associada a vômitos, dor e distensão abdominal, constipação intestinal ou ausência de eliminação de mecônio nos recém-nascidos; exames comprovando atraso do esvaziamento gástrico e do trânsito intestinal e exames de imagem evidenciando alças intestinais dilatadas;

- microcólon: hipodesenvolvimento do cólon observado a partir de exame de imagem pré-natal, enema opaco, avaliação intraoperatória ou necropsia;

- fenótipo PB: avaliação clínica evidenciando abdome com parede flácida e pele redundante sugestivos de hipoplasia da musculatura abdominal; identificação de hipoplasia da musculatura da parede abdominal por avaliação intraoperatória ou pelo exame de necropsia.

4.2- Protocolo de investigação

A pesquisa da etiologia da MMIHS e de fenótipos potencialmente relacionados foi realizada a partir de um protocolo definido com base no quadro clínico e nas novas evidências relacionadas às bases genéticas dessas doenças. A investigação foi feita de acordo com os fluxogramas ilustrados na Figura 5.

Os indivíduos com quadro clínico sugestivo da MMIHS e aqueles com CIPO sem hipótese diagnóstica específica tiveram o ACTG2 sequenciado pelo método automático de Sanger (éxons codificantes e regiões limítrofes íntron-éxon). A investigação dos pacientes com a MMIHS foi iniciada pelo estudo do ACTG2, pois esse era o único gene relacionado à síndrome no início do trabalho. O ACTG2 foi sequenciado mesmo diante da hipótese de herança autossômica recessiva pela possibilidade de mosaicismo germinativo. Em caso de exame normal ou inconclusivo, o fenótipo foi revisado. Diante da hipótese da MSMDS, realizou-se o sequenciamento do ACTA2 pelo método de Sanger. Na ausência de diagnóstico diferencial, realizou-se o sequenciamento do exoma do trio (paciente, pai e mãe).

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Figura 5. Protocolo de investigação da casuística com base no fenótipo

A: MMIHS; B: CIPO; C: fenótipo prune belly.

CIPO: pseudo-obstrução intestinal crônica; MMIHS: síndrome de megabexiga-microcólon-hipoperistalse intestinal; MSMDS: síndrome de disfunção multissistêmica da musculatura lisa; Seq.: sequenciamento

O fenótipo PB foi classificado em dois grupos segundo a apresentação clínica: grupo 1 – anomalia isolada (anomalia congênita maior única ou anomalias congênitas múltiplas decorrentes de uma única alteração inicial, configurando uma sequência) ou pares (duas anomalias congênitas maiores aparentemente não relacionadas do ponto de vista etiológico ou patogênico); grupo 2 – anomalias congênitas múltiplas (três ou mais anomalias congênitas maiores, cujo padrão de apresentação não pode ser reconhecido como uma síndrome ou uma

A

B

Referências

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