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o binomio esquerda direita no portugal pos 25 de abril

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O Binómio «Esquerda/Direita»

no Portugal pós-25 de Abril

Ângela Montalvão Machado*

Resumo

A esquerda e a direita estão, passados 35 anos, diferentes do que eram, mas iguais na clivagem que as distingue. PCP e CDS/PP alargaram até o grau de polarização, PS e PSD tornaram-se amiúde irmãos siameses que o eleitorado premeia ou penaliza ciclicamente, mas aos quais concede, desde 1975, o seu voto de confiança. na verdade, desde então o PCP está sozinho à esquerda e o CDS/PP à direita, aguardando sempre que um dos partidos chamados a formar governo (PS ou PSD) necessite de uma coligação.

Palavras-chave: esquerda, direita, Portugal, democracia Abstract

The left and right are, 35 years later, different than they were, but similar re-garding the divisions between them. PCP and CDS/PP extended the polarization degree, PS and PSD have often become Siamese twins that the electorate re-wards or punishes cyclically, but to which it provides, since 1975, its vote of con-fidence. In fact, since then the PCP is at left, alone, and CDS/PP at right, waiting always that a party called to form government (PS or PSD) needs a coalition.

Keywords: left, right, Portugal, democracy

* Professora Catedrática do Departamento de Ciência Política, Segurança e Relações Internacionais da ULHT

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A presente reflexão

sobre «esquerda» e «direita» em Portugal constitui parte da investigação realizada para tese de doutoramento, presente a ato público de defesa em 2010.

A divisão entre esquerda e direita surgiu durante a Revolução Fran-cesa, na altura em que os grupos mais radicais ou antimonárquicos, quase por acaso, se sentaram à esquerda do rei, logo após a reunião dos Estados Gerais, no verão de 1789, enquanto à direita se sentaram os grupos promonárquicos.

Anteriormente, outros termos existiram mas, como disse Marx, a história da Humanidade é a história da divisão de dois grupos, em con-fronto de princípios e de objetivos. Os ingleses dividiram-se em dois campos: os whigs, a fação que apelava às classes médias urbanas, e os tories, a fação rural, liderada por pares do reino e lordes que viviam fora de Londres. Em França, mais significativa talvez do que a divisão esquerda e direita, foi a distinção entre «partido da ordem» e «partido do movimento». E a América, na sua excecionalidade descrita por Ale-xis de Tocqueville, produziu uma ideologia singular – o americanismo – onde coabitam a esquerda e a direita americanas.

Contudo, a mais geral de todas as distinções seria a de «liberais» e «conservadores», termos cujo significado se alterou ao longo do tempo e do espaço. no século xIx, os termos esquerda e direita e liberal e conservador podiam ser utilizados indiferentemente; mas é no século xx que a divisão política se torna num código de comunicação política reconhecido universalmente, sobretudo no Ocidente e em particular na Europa continental, sendo mesmo designado pelo psicólogo canadiano Jean Laponce (1981) como uma espécie de «esperanto político».

Em Portugal, a divisão política chegou através da versão francesa. Primeiro com a Revolução Liberal de 1820, depois com a Revolução de 1910 e, finalmente, com a Revolução de 1974.

A presente investigação pretende, tendo como objeto de análise os principais partidos políticos em 1974 (Partido Comunista Português, Partido Socialista, Partido Popular Democrático e Centro Democrático e Social), caracterizar o que representavam, o que defendiam a esquerda e a direita há 35 anos e o que representam e defendem hoje, visando responder à questão: o que é que mudou em mais de três décadas na esquerda e na direita em Portugal? Pretende-se aferir o significado da divisão entre esquerda e direita, medindo nomeadamente a distância ideológica, o grau de polarização, entre os partidos políticos em análise.

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26 Durante o Estado novo, o Partido Comunista Português (PCP) foi o único partido verdadeiramente organizado, que existia na clandes-tinidade e que chegou a 1974 com um conjunto de princípios e linhas programáticas há muito definidos. O Partido Socialista (PS) surgiu um ano antes da Revolução, em 1973, enquanto o Partido Popular Demo-crático (PPD) e o Centro DemoDemo-crático Social (CDS) surgiriam já depois de derrubado o Regime.

Assim, tudo levaria a crer que o PCP seria o líder da Revolução, fruto da sua história bem sedimentada, como se tivesse adquirido esse direi-to pelos anos de prisão e exílio que o Estado novo lhe infligira.

Em 1974, PCP e PS representavam a esquerda, o PPD reclamava para si uma parte entre a esquerda e o centro e o CDS afirmava-se, fazendo jus ao nome, como partido do centro. Com exceção do CDS, todos viam no socialismo o melhor projeto para Portugal.

Esperamos que esta reflexão crítica possa ser mais um contributo para o estudo da esquerda e da direita em Portugal, no âmbito da ciên-cia jovem que só as democraciên-cias em liberdade permitem – a Ciênciên-cia Política.

1. A Questão Conceptual

A origem política da divisão esquerda/direita remonta, como referi-mos, à Revolução Francesa. nos Estados Gerais de 1789, o rei ocupa-va uma plataforma alteada, destacando-se de todos os outros (família real, ministros, nobreza, clero e povo) que se encontravam abaixo do monarca. O próximo e o longínquo, ou seja, a distância, têm uma im-portância fundamental, maior do que esquerda ou direita. A distinção ou divisão é topológica e não ideológica.

Quando os Estados Gerais franceses, ainda em 1789, decidem transformar-se em Assembleia nacional Constituinte, a Assembleia fi-cou dividida quanto à quantidade de poder a atribuir ao rei, quanto a permitir o poder de veto ou não à legislação. Os deputados favoráveis ao veto do rei agruparam-se do lado direito e os que eram contra essa prerrogativa real sentaram-se do lado esquerdo.

Assim, a divisão tinha sido criada, transformando a divisão espacial e simbólica numa divisão ideológica. Esta divisão permanecerá nas as-sembleias seguintes, mas a generalização da utilização da dicotomia acontece nas primeiras décadas do século xIx.

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27 na Europa do século xIx, a divisão entre esquerda e direita

tor-nou-se quase sinónima da divisão entre liberal e conservador. Os conservadores, o partido da monarquia e da aristocracia, defendiam um Estado forte, fundado na História da nação, intimamente ligado a uma Igreja nacional hierárquica. Como dizia Edmund Burke (1989), os conservadores pretendiam conservar, e se possível recuperar, os valores do Antigo Regime. Acreditavam na manutenção dos estratos sociais, numa sociedade hierarquizada e contrapunham aos direitos humanos, os direitos herdados. Com base na tradição, a monarquia seria sempre o melhor regime e o rei o melhor intérprete do espírito nacional.

Os conservadores defendiam que as classes privilegiadas e o rei, seguindo um conjunto de valores com raízes feudais e do cristianis-mo medieval, tinham a obrigação de auxiliar os pobres, os servos, os camponeses1. Talvez isto sirva de explicação para o facto de Benjamin

Disraeli e Otto von Bismark, dois conservadores, terem sido respon-sáveis pela emergência do Estado-Providência na Europa. Foram eles que implantaram as primeiras pensões de velhice, os subsídios de de-semprego, as medidas de saúde pública e os ressarcimentos aos tra-balhadores.

Os liberais constituíam o partido ligado às classes urbanas de em-presários, aos estratos médios urbanos que defendiam um Estado fraco e o laissez-faire e que não queriam pagar impostos para sustentar o rei, a aristocracia e a Igreja.

Ideologicamente, os liberais rejeitavam o estatuto social atribuído, herdado e a exigência de deferência. Reivindicavam o direito à pro-priedade, sobretudo à propriedade fundiária, historicamente na posse da aristocracia. Socialmente, eram igualitários. Filosoficamente, defen-diam a democracia e o parlamentarismo, mas na Europa do século xIx, tanto liberais como conservadores, tanto homens de esquerda como homens de direita2, representavam elementos privilegiados. E

nem uns nem outros apoiavam o sufrágio popular, universal. Todos os que contavam social e politicamente (aristocracia e burguesia) nasciam conservadores ou liberais, mas todos constituíam uma minoria definida pela propriedade e pelo rendimento.

1. Daí a expressão noblesse oblige.

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28 Com o crescimento das cidades, da indústria e do comércio surgiu uma nova classe, o proletariado, a classe trabalhadora de assalariados, que veio alterar definitivamente a distinção esquerda/direita, mudando as estruturas objetivas de classe e de ocupação. Cumprindo as ex-pectativas de Marx, os trabalhadores com um nível de instrução mais elevado tomavam consciência da sua classe e organizavam-se, reivin-dicando o direito ao voto e a melhores salários.

nas lutas pelo Poder entre a esquerda e a direita, os trabalhadores e até um cada vez maior número de camponeses obtiveram o direito de voto. O eleitorado, assim alargado, abriu espaço para novos partidos, cujas ideais e objetivos modificaram o sentido da esquerda e da direita, bem como a influência política de liberais e conservadores. Os partidos de notáveis (das elites socioeconómicas) cedem espaço aos partidos de massas.

A divisão esquerda/direita generaliza-se relativamente a todos os modernos regimes constitucionais. À medida que o constitucionalismo liberal-democrático cresce na Europa e no mundo, a dicotomia aplica--se nos novos contextos. Existe sempre uma esquerda e uma direita e é sempre possível situar as diferentes forças políticas usando a dicotomia e as poucas variantes que ela permite – o centro, o centro-esquerda, o centro-direita, os extremos de esquerda e de direita.

Tudo o que dissemos, remete-nos para a pergunta que se impõe: E o centro? Vários autores defendem que o centro político não existe, como Giovanni Sartori (1992), pertencendo a Maurice Duverger (1980) o pioneirismo da ideia.

Assim sendo, ou se é de esquerda ou de direita e as várias for-ças políticas em jogo vão ocupando o seu lugar no espectro político, consoante a fragmentação existente, definindo-se também o grau de polarização.

Anthony Giddens (1994) sobrevalorizou o centro. A «terceira via» é a tentativa de encontrar o ponto de equilíbrio nas sociedades liberais--democráticas, de encontrar a virtude, como diz Aristóteles (1926) na Ética a Nicómaco, entre uma esquerda socialista e uma direita con-servadora. Giddens (1997) diz que a sociedade passou por mudanças significativas nos últimos 50 anos. Processos como a queda do Muro de Berlim, a globalização e a expansão da reflexividade social alteraram os paradigmas existentes.

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29 Francis Fukuyama (1992) anunciou o «fim da história», mas a

ver-dade é que a distinção esquerda/direita não dependia e não depende do fim dos totalitarismos, quer de esquerda, quer de direita. As bases ideológicas podem sofrer as mutações de cada contexto histórico, mas estão lá. E numa distinção talvez demasiado simplista, mas defendida, por exemplo, por norberto Bobbio (1995), o que distingue a esquerda e a direita é a sua atitude perante a igualdade.

Como procuramos e procuraremos mostrar, desde a origem da di-visão política, os vários cenários sócio-políticos, ao longo dos tempos, produziram várias esquerdas e várias direitas. A direita pode ser con-servadora e/ou liberal e a esquerda pode ser socialista e/ou liberal. Para complicar, existem vários conservadorismos, vários liberalismos e vários socialismos.

Entre os princípios que servem para enfatizar a divisão esquerda e direita, Igualdade e Liberdade surgem como uma espécie de corolário de que decorrem todos os outros valores. A esquerda tenderá a valori-zar sobretudo a igualdade, visando reduzir as desigualdades sociais e a tornar menos determinantes as diferenças naturais. A direita tenderá a sobrevalorizar a liberdade. A liberdade individual como valor supremo e que pode originar naturalmente, pela sua prática, a desigualdade.

Esta nossa época, este século xxI, é, na opinião de vários intelec-tuais, uma época de incertezas em relação aos valores. Edgar Morin (2005) refere essa incerteza na coletânea de testemunhos publicada pela UnESCO. Diz-nos que foi o aumento da autonomia e da responsa-bilidade individual que substituiu um imperativo ético que já não vem de Deus, nem do Estado, nem da sociedade mas do próprio indivíduo que escolhe os seus valores de acordo com o imperativo categórico de Kant.

Assim, a ética da convicção é uma ética pessoal, individual que cor-re sempcor-re o risco de levar ao cor-relativismo. A transmutação dos valocor-res neste século xxI levanta questões sobre a eutanásia, o aborto, os di-reitos dos homossexuais, entre muitas outras.

não podemos também esquecer que a dominação mais cruel que alguma vez existiu na História da Humanidade foi levada a cabo pela Europa sobre o resto do mundo, desde o século xVI. Basta recordar a colonização, a escravatura, o Holocausto, as vítimas de Estaline, para percebermos a fragilidade do código de valores ocidental.

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30 no entanto, porque a História é feita das grandezas e misérias dos homens, foram também os valores do Ocidente, potencialmente univer-sais (liberdade, igualdade, direitos humanos, etc.) que permitiram aos dominados sonhar com a libertação e lutar pela independência.

neste estudo sobre a esquerda e a direita em Portugal, parece-nos por demais pertinente tentarmos esclarecer a razão pela qual, na nossa opinião, as duas matrizes de pensamento (a anglo-americana e a fran-cesa) são responsáveis pela divisão esquerda e direita. E mais, como o Liberalismo, concebido e aplicado por estas duas matrizes, produziu dois tipos de liberalismo, responsável por todas as ideologias que reac-tivamente surgiram – conservadorismo, anarquismo, marxismo, etc.

Assim, na nossa opinião, o Liberalismo fez-se e difundiu-se, dividin-do os seus seguidividin-dores entre o charme continental francês e/ou o fair play das ilhas inglesas. Em Portugal, como em todos os países, incluin-do França e Inglaterra, as duas grandes tradições liberais surgem mis-turadas, mas são distintas. São, simultaneamente responsáveis pela criação de uma esquerda e de uma direita inglesa e pela criação de uma esquerda e de uma direita francesa, mas uma e outra produzem uma matriz singular. A esquerda francesa não tem correspondência com a esquerda inglesa e a direita inglesa não tem correspondência com a direita francesa, já para não falar da esquerda e da direita ame-ricanas.

é essa singularidade continental, por um lado, e das ilhas britânicas, extensiva à América, por outro, que se pretende demonstrar.

A conceção inglesa do primado da lei, expressa na máxima «não é o rei que faz a lei, mas a lei que faz o rei» e que Friedrich Hayek (1977: 163) traduz pela «crença numa lei que existe à parte e acima do go-verno», é diferente da conceção continental. A common law inglesa é vista não como produto de um legislador, mas como resultado da per-sistente procura, ao longo de séculos, de uma justiça comum impessoal e distingue-se da ideia saída da Revolução Francesa que sustenta que a lei emana dos representantes do povo devidamente eleitos.

São duas conceções paralelas que traduzem, na nossa opinião, a distinção das duas matrizes. na matriz inglesa, a lei resulta do melhor resumo da História. na matriz continental, a lei resulta do legislador que representa o povo e é resumo, não da História, mas da Razão.

As ideias de governo limitado ou supremacia da lei foram ganhando relevo nos debates que tiveram lugar durante a guerra civil inglesa e

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31 no período da Commonwealth, mas foi só depois da Glorious Revolution de 16883 que se transformaram nos princípios orientadores do partido

whig. Princípios que se sedimentaram durante o século xVIII, sob as orientações ideológicas que vinham de John Locke e sobretudo de Da-vid Hume e Adam Smith4.

Em A Democracia na América, Tocqueville defende que as causas responsáveis pela democracia americana, assente na liberdade, são as boas leis e mais ainda os hábitos, os costumes e a prática da religião. Esta última responsável pela liberdade americana. Tocqueville afirma que, se tivéssemos que procurar uma causa única que torna provável a sobrevivência da liberdade na América e precário o futuro da liberdade em França, essa causa seria a de que a sociedade americana soube reunir o espírito de religião e o espírito de liberdade; ao contrário da sociedade francesa, que vive dilacerada pela oposição entre a Igreja e a democracia ou entre a religião e a liberdade.

O espírito da América resulta, pois, da conjunção do espírito de re-ligião, do espírito de liberdade e do espírito de comércio, comandado pelo american dream. Os americanos trouxeram os valores que herda-ram e aplicaherda-ram-nos ao novo mundo, numa simbiose que Tocqueville considera perfeita para a sobrevivência da democracia liberal.

A América reúne, assim, o melhor de dois mundos – o que conser-vou da herança dos seus antepassados, sobretudo britânica (o pragma-tismo) e o que criou no novo mundo (bebendo do racionalismo francês, sobretudo de Montesquieu), num «país a estrear» –, uma sociedade nova que consegue conviver com os valores da igualdade e da liberda-de, experimentando uma espécie de síntese entre o jovem território e o melhor da velha Europa.

Também Seymour Martin Lipset e Gary Marks (2001) explicam que a ideologia dominante fundadora dos Estados Unidos foi o Liberalismo

3. A Revolução Gloriosa foi um dos momentos mais importantes na longa evolução dos poderes na posse do parlamento e da coroa inglesa. Com a passagem no parlamento da Bill of Rights (declaração de direitos), tornou-se impossível para um católico voltar a ocupar o trono e acabou com as tentativas de regresso ao absolutismo monárquico ao circunscrever os poderes do monarca. 1688 marcou a supremacia do parlamento sobre a coroa.

4. A Hume deve a doutrina whig uma cuidada fundamentação da teoria liberal e a Adam Smith a explicação da ordem espontânea do mercado («mão invisível») na célebre obra A Riqueza das Nações.

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32 clássico – não havia conservadores na América5, no sentido europeu

pós-feudal. Havia liberais de esquerda e liberais de direita, mas todos eram liberais.

Alguns autores defendem que, à falta de ideologias por parte da sociedade americana, ela própria constituiu-se como ideologia – o americanismo. Lipset e Marks (2001) defendem que o americanismo é um «ismo», ou uma ideologia como o socialismo, o comunismo, o liberalismo, o conservadorismo e todos os restantes «ismos». Define a ideologia americana em torno de cinco características: antiestatis-mo, laissez-faire, individualisantiestatis-mo, populismo e igualitarismo. As duas últimas características seriam parcialmente responsáveis pela fraca implantação do socialismo – o conteúdo social do socialismo, com a grande exceção das relações de propriedade, é semelhante ao que os americanos já são ou pensam que são – uma sociedade democrática, antielitista e sem classes.

na verdade, o contínuo conflito com a Igreja de Roma tornou-se uma das principais características do liberalismo continental, que irá marcar todo o movimento liberal de matriz francesa, do fim do século xVIII e do século xIx, nomeadamente em Portugal.

é a procura da emancipação de todo o preconceito e de todas as crenças que não possam ser racionalmente justificadas. Podemos dizer, uma libertação da autoridade de «padres» e «reis», expressa por Espi-noza (2007: 125): «é um homem livre aquele que vive unicamente de acordo com os ditames da razão».

Contrariamente ao liberalismo de matriz inglesa, o liberalismo con-tinental pretende construir um futuro sem passado. A grande diferença entre Jean-Jacques Rousseau e Edmund Burke é que, enquanto para Rousseau a «vontade universal» é a vontade coletiva depois de expur-gada do tradicional e do puramente empírico, já para Burke qualquer «vontade universal» seria um prolongamento do tradicional na cons-ciência popular6.

O espírito liberal francês encontra-se bem patente na frase de Vol-taire: «Voulez-vous avoir des bonnes lois? Brulez les votres et faites-en des nouvelles» (Burdeau, 1979: 118).

5. O Conservadorismo está ligado à aristocracia da terra, como já vimos, à sociedade estratificada, à História. Os Estados Unidos não podiam ter conservadores porque não tinham passado, tinham acabado de nascer como sociedade.

6. nisbet (1987: 59) defende que, para Burke, «o preconceito é o melhor resumo, na mente individual, da autoridade e da sabedoria contidas na tradição».

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33 nunca é demais realçar que o liberalismo pressupõe uma

descon-fiança face ao poder político, face ao Estado. Mas, ao contrário da ma-triz anglo-americana que, como tentamos fundamentar, tem uma forte sociedade civil que estabelece a ponte entre os indivíduos e o Estado, a tradição continental exige que o Estado resolva todos os problemas da sociedade.

O resultado é que o liberalismo de matriz inglesa tende a opor-se à centralização (à burocracia) e o liberalismo de matriz francesa ou con-tinental tende a opor-se à descentralização (à anarquia). Hayek (1977: 15) defende que, entre tratar as pessoas igualmente (matriz inglesa) e tentar torná-las iguais (matriz francesa), há uma grande diferença. O liberalismo francês estará sempre pronto a ir mais longe na «igual-dade de oportuni«igual-dades», ainda que para tal seja necessário restringir a liberdade; o liberalismo inglês privilegiará sempre a liberdade, des-confiando dos resultados de uma intervenção estatal com o objetivo de corrigir ou redistribuir mais justamente os rendimentos.

A implantação do liberalismo vai ter grande dificuldade em cumprir os valores da Revolução – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – e é isso mesmo que Rousseau constata. A contradição fundamental do li-beralismo assenta, exatamente, na proclamada igualdade de jure e na desigualdade económica de facto, promovida pela máxima «cada um é livre de ser proprietário». Rousseau (1999) interroga-se sobre o que impede os homens de serem bons e livres? Porque razão o homem, ori-ginalmente bom no estado de natureza, segrega uma sociedade «que por toda a parte se encontra sob grilhões?» Rousseau descobre, assim, uma relação de causa e efeito entre a opressão política e a injustiça económica, reconhecendo que é a propriedade que divide os homens, atiça os ódios e torna as relações sociais desiguais.

Desta forma, parece-nos inegável que Rousseau foi um precursor da esquerda, utópica ou científica, a quem Marx prestará homenagem, re-conhecendo no legado rousseauniano a visão da contradição essencial do liberalismo. Visão que Marx estenderá para justificar a sua proposta de sociedade ideal – sociedade sem classes e sem Estado.

Em nossa opinião, os movimentos anarquistas (socialismo utópico), primeiro, e o marxismo (socialismo científico), depois, mais não fize-ram do que exacerbar o embrião de esquerda contido no espírito da própria Revolução, mesmo que tenham nascido por oposição à socie-dade liberal-capitalista.

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34 O espírito revolucionário, de rutura com o passado, «cortando ca-beças» para mostrar que o passado não volta, que substitui a reli-gião (perseguindo-a) pelo império da Razão, o Estado centralizado e centralizador, sem grupos intermédios porque deles desconfia, o gran-de peso da igran-deologia expressa na Lei fundamental – são ingredientes que levam a poder classificar a matriz continental como um liberalismo que abriu portas ao socialismo, em contraposição à matriz anglo-ame-ricana de um liberalismo conservador, que obedece e vai ao encontro aos valores tradicionais.

As diferenças entre a matriz anglo-americana e a matriz francesa, que temos referido quase até à exaustão, verificam-se, como não podia deixar de ser, quanto aos sistemas constitucionais. A grande diferença entre o sistema constitucional francês e os sistemas constitucionais britânico e americano reside, antes de mais, «na sua origem revolucio-nária e também na vocação universalista de difusão de ideias que lhe está associada» (Miranda, 1996: 159).

2. Génese da Esquerda e da Direita em Portugal

Pelos alvores do Liberalismo, o pensamento político ocidental regia--se, assim, por duas matrizes – a inglesa (anglo-saxónica) e a fran-cesa. Os Estados Unidos da América criaram, pela prática, através da Revolução de 1776, um modelo adaptado da Inglaterra, em nome do qual reclamaram a independência, mas sem renegarem a matriz.

A importância que atribuímos a esta distinção aumenta pelo facto de Portugal estar, pela sua História, vincadamente ligado a estas duas influências. Mais do que a influência dos nossos irmãos espanhóis, foi a presença francesa e a presença inglesa que moldaram os nossos mo-delos e valores. na nossa opinião, como a História nos mostra, Portugal tem sobretudo uma predominante influência francesa7. Como afirma

António José Saraiva (1971: 71), «[os] Portugueses tiveram sempre tendência para emigrar, não só com o corpo, mas também com o pen-samento. Quase não há sítio onde não tenham ido tentar o golpe que de campónios esfarrapados os fizesse fidalgos, brasileiros ou lordes. E em todos os países do mundo procuram o modelo messiânico que resgatará o País. Já Fernão Mendes Pinto propunha que se adaptassem 7. Já Eça, em A Ilustre Casa de Ramires, dizia que «Portugal é a França traduzida em

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35 a Portugal as leis da China, então imperial. Ramalho sonhava

transfor-mar-nos numa Holanda próspera. E quase não houve político, do sécu-lo xVIII para cá, que não ambicionasse traduzir alguma reformazinha do inglês ou do francês. Hoje vários modelos se oferecem ao nosso persistente gosto de evasão: Cuba, nova Iorque, Moscovo, Estocolmo, Pequim, sem falar de Paris, que é uma doença crónica».

E, como diz Moreira (1996), essa influência, as ideias e valores dis-tintos, essas diferentes formas de «ver» e de «estar», plasmam os mais pequenos atos do quotidiano, como um bilhete de identidade que nos faz ser e agir de um modo e não de outro8.

Herdeiro da matriz continental, o constitucionalismo surge em Portu-gal por via revolucionária, por corte com o passado do Estado absoluto para o Estado constitucional. As nossas seis Constituições – decretadas em 1822, 1826, 1838, 1911, 1933 e 1976 – refletem as atribulações vividas nos últimos dois séculos em termos políticos, económicos, so-ciais e culturais.

Como na maioria dos países latinos, a história constitucional por-tuguesa é feita, pois, de ruturas. As Constituições surgem em rutura com as anteriores, sofrem alterações e acabam com novas ruturas ou revoluções. Assim, a Constituição de 1822 é consequência da Revolu-ção de 1820, a de 1838 da RevoluRevolu-ção de 1836, a de 1911 da RevoluRevolu-ção de 1910, a de 1933 da Revolução de 1926 e a de 1976 da Revolução de 1974. A única exceção é a Carta Constitucional de 1826, embora se situe na vertente de 1820.

A «Revolução dos Cravos», em 1974, foi o primeiro e, em muitos aspetos, o caso mais original da onda de democratização que se espa-lhou desde o sul da Europa até à América Latina, à Europa de Leste e à Ásia e que parece estar também a afetar a África e o Extremo Oriente. O golpe de Estado que, segundo Samuel Huntington, iniciou a «terceira vaga» de democracia estava traçado9.

Referindo os protagonistas da transição para a democracia em Por-tugal, Mário Soares contribuiu decisivamente para incutir nos portu-gueses o significado mais alto da palavra liberdade e para assegurar o 8. Exemplo disso é a Academia Portuguesa. nos meios universitários é ainda evidente a difícil convivência entre os que vêm da cultura inglesa e os que vêm da cultura france-sa, como se de dois mundos diferentes se tratasse.

9. A chamada «terceira vaga» representa, segundo Samuel Huntington, o período de de-mocratização iniciado pela Revolução Portuguesa de 1974 nos países do Sul da Europa, da América Latina e da Ásia.

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36 sucesso da transição portuguesa para a democracia pluralista e repre-sentativa europeia de finais do século xx. Mas não estava sozinho; Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa e Salgado Zenha são rostos importantes da democracia, sem os quais teria sido outro o rumo para Portugal.

E Álvaro Cunhal – a história da esquerda portuguesa tem o seu cunho – passa pela sua ética da convicção, já que o país nunca quis testar a sua ética da responsabilidade. Durante mais de 30 anos como secretário-geral do PCP, Cunhal é responsável pela fidelidade do partido à ortodoxia da ideologia marxista-leninista, que se mantém até hoje. Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa representam a continuação des-sa ortodoxia comunista, como se o Partido Comunista Português fosse o último resistente pós-queda do Muro de Berlim e dissolução da União Soviética.

A história da democracia portuguesa e da divisão esquerda/direita desenrola-se, assim, à volta dos quatro principais partidos (PCP, PS, PPD/PSD e CDS) e dos seus líderes.

Historicamente, como sabemos, os partidos dividem-se em «parti-dos de notáveis» ou de quadros e «parti«parti-dos de massas». Estes últimos são, por excelência, os partidos de representação, que organizam e representam uma determinada classe social, defendendo os seus in-teresses de classe. Os partidos de massas têm um forte enraizamen-to social, são estáveis em termos de identificação ideológica e estão alicerçados num elevado número de militantes e numa densa rede de organizações sociais.

Muitos autores consideram, pela sua centralidade e organização, o partido de massas como o tipo ideal de partido. Duverger (1980: 214) previu mesmo «um contágio da esquerda, à medida que a forma organizacional superior dos partidos de massas se sobrepõe ao seu predecessor, o partido de quadros». E Sartori (1992: 109) defende que «a consolidação de um sistema de partidos ocorre precisamente quando estes passam de partidos de notáveis e de quadros a partidos de massas».

A partir dos anos 60, os partidos mudaram, transformaram-se, tor-naram-se partidos catch-all, na tipologia de Otto Kirchheimer (1966). O objetivo principal deixou de ser a representação de camadas sociais específicas para passar a ser a maximização dos votos, os partidos tornam-se máquinas eleitorais que procuram expandir o seu apoio

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elei-37 toral para lá do seu grupo social tradicional. A mensagem veiculada passa a ser mais abrangente e menos ideológica, reduzindo-se também o peso dos militantes de base.

Carlos Jalali (2007) defende que, em Portugal, com a exceção do PCP, os partidos de massas nunca existiram – o apoio partidário é abrangente e catch-all, com um fraco enraizamento social. Isto expli-ca também o êxito da estratégia interclassista conseguido, sobretudo, pelo PS e pelo PPD/PSD, deixando isolado na solidez organizacional e no vínculo à ideologia marxista-leninista o PCP.

na verdade, fruto do «Verão Quente» de 1975, o processo crático português levou a uma cooperação entre uma «coligação demo-crática implícita», constituída pelo PS, PPD e CDS contra uma «ameaça totalitária», representada pelo PCP. A divisão entre socialistas e co-munistas, como já referimos, era notória desde as eleições de 196910

e, com o país à beira de uma guerra civil, com a possibilidade de im-plantação de um sistema pró-soviético em Portugal, o PS demarca-se claramente do PCP, procurando apoios na sua ligação à Internacional Socialista, à ala moderada do MFA, à Igreja e aos media.

3. A Análise dos Programas dos Partidos Políticos

3.1. Partido Comunista Português (PCP)

O Partido Comunista Português é o mais antigo partido português e o único com uma história realmente substantiva11 antes de 1974. na

verdade, o partido comunista era a única força política, verdadeira-mente organizada, de oposição ao Estado novo e a única que Salazar e também Caetano sabiam que, apesar de clandestina, «estava lá» e não se devia nem podia menosprezar12. Em 1974, com o 25 de Abril,

10. Divisão entre a CEUD (Socialista) e CDE (Comunista).

11. Os socialistas (PS) reivindicam uma herança que remonta a 1875, mas o partido ape-nas foi fundado em 1973, na Alemanha, por Mário Soares e outros elementos, que viviam na clandestinidade. O PPD saiu das fileiras da «ala liberal», em 1969 e só depois da morte de Salazar, enquanto o CDS só surge três meses após a Revolução de 1974. 12. Os adversários do Estado novo dividiam-se entre os não comunistas que a PIDE se

encarregava de vigiar, reprimir, exilar ou prender por curtos períodos e os comunistas que eram obrigados a viver na clandestinidade e quando apanhados pela PIDE eram sujeitos a tortura, isolamento e a prisão prolongada. Salazar e Caetano sempre soube-ram estabelecer a diferença, sendo «os golpes reservados aos comunistas impiedosos» (Schmitter, 1999: 212).

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38 verificou-se que a maioria dos dirigentes do PCP estavam presos, a cumprir longas penas, ou no exílio e nenhum outro partido comunista europeu podia ostentar o recorde de anos de repressão sofrido pelo PCP13.

Podemos dizer que, no espectro político-partidário, o Partido Comu-nista não é «um partido como os outros» e, seguramente, o PCP tam-bém não é «um partido como os outros partidos comunistas da Europa ocidental» (Schmitter, 1999). Esta singularidade deve-se, sobretudo, à figura carismática de Álvaro Cunhal, Secretário-Geral do Partido entre 1961 e 1992, que, apesar das grandes transformações internacionais resultantes da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS, se manteve fiel à ideologia marxista-leninista.

Esta ortodoxia ideológica, não obstante o mundo ter mudado, divi-diu o Partido entre uma ala renovadora e uma ala ortodoxa ligada ao líder histórico, conduzindo a expulsões e ao afastamento de membros proeminentes do Partido, como Zita Seabra, José Luís Judas, Barros Moura, Pina Moura, José Magalhães ou Carlos Brito.

Assim, fiel às teorias e profecias de Marx e Lenine, o Partido Co-munista Português torna-se uma espécie de «memória viva» de um sistema de ideias que implementou o modelo soviético e que durou mais de 70 anos.

Relativamente ao Programa do Partido, vamos analisá-lo em dois momentos: o primeiro, quando em 1957, no decorrer do V Congresso, foi aprovado o Programa do PCP Para a Conquista da Democracia e Melhoria das Condições de Vida do Povo Português; e o segundo, após a aprovação, em 1988, no xII Congresso, do Programa Portugal, Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI.

Em 1957, o Programa do PCP começa dizendo que «o Partido Co-munista é herdeiro das melhores tradições do nosso povo» (PCP, 1957: 39), fundamentando que «as revoluções de 1383-85, de 1640 e a revo-lução liberal de 1820 são marcos gloriosos da História pátria, que bem atestam o amor do povo português a uma vida livre e independente e que constituem tradições de luta vitoriosa das forças progressivas na-cionais» (PCP, 1957: 39).

13. Em outubro de 1974, o PCP publicou com orgulho uma lista do número de anos que os seus dirigentes haviam estado presos ou a viver na clandestinidade – a média situava--se em mais de dez anos de prisão e vinte de clandestinidade.

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39 Este preâmbulo continua, salientando o marco importante na luta pela democracia que representou a Revolução de 1910, com a res-salva de que, em 1910, «porque a revolução não realizou profundas reformas económicas de conteúdo democrático tendentes a terminar com os restos do feudalismo e a arrancar das mãos da burguesia rea-cionária o monopólio da economia, o País manteve uma repartição da riqueza muito desequilibrada» (PCP, 1957: 39).

Estas notas introdutórias do Programa afirmam ainda que «a inexis-tência de um partido forte da classe operária, classe que se encontrava então (na Primeira República) dividida numa luta de ideologias, que permitiram à grande burguesia reacionária – apoiada pelo imperialismo estrangeiro e pelo Vaticano – estabelecer a ditadura do grande capital monopolista, em 1926, mantendo até hoje o povo português sob a go-vernação de um regime ditatorial e fascista» (PCP, 1957: 39).

O Governo de Salazar é uma força antinacional, «que se mantém no poder ilegalmente e pela violência» (PCP, 1957: 39) e o Programa defende que «servindo o povo e o país, o Partido Comunista Português considera que, na atualidade, é possível solucionar o problema político português num sentido democrático, sem necessidade de luta armada, por meios pacíficos» (PCP, 1957: 39). E acrescenta, numa dimensão muito profética que, «para conseguir tal solução, é imprescindível que se ponham de acordo as forças políticas e sociais democráticas e antis-salazaristas, de esquerda e de direita» (PCP, 1957: 39).

A análise deste Programa permite-nos perceber o património or-ganizativo que o PCP tinha em abril de 1974 e o ascendente de «luta democrática» que tinha sobre os outros partidos, nomeadamente em relação ao Partido Socialista, já que o PPD e o CDS nem existiam.

A primeira leitura que é possível fazer da análise do Programa é o da sua abrangência e também da sua tolerância e pluralismo, com vista à melhoria das condições de vida do povo português. Passados mais de 50 anos da aprovação deste Programa e 35 anos depois de abril de 1974, verificamos que a maior parte das suas medidas e objetivos foram conseguidos, ainda que o PCP nunca tenha sido Governo. Como se os partidos detentores do poder executivo, PS e PSD sobretudo, tivessem adotado da ideologia marxista-leninista o seu lado pragmá-tico, a tal «boa consciência», indispensável ao liberalismo, de que fala Bernstein (1993), esquecendo ou ignorando a própria ideologia e o seu magno objetivo final – a sociedade sem classes e sem Estado.

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40 Lendo este Programa, é indiscutível o papel preponderante e deci-sivo para a aquisição dos benefícios sociais e económicos que regulam atualmente a vida dos portugueses.

Em 1988, no xII Congresso, foi aprovado o Programa Portugal, Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI. O Programa começa pela glorificação do Partido na História do País, afirmando que «o PCP desempenha na sociedade portuguesa um papel necessário, indispen-sável e insubstituível» (PCP, 1988: 10).

Problemas, tais como a descriminalização do aborto, os direitos dos trabalhadores, o aumento dos custos dos Serviços de Saúde e de Educação, os baixos salários e pensões, o imperialismo e a guerra, a solidariedade com outros países, como o Iraque, o Afeganistão, a Pa-lestina, Cuba e o País Basco, são preocupações constantes na agenda do Partido.

O Programa mantém, no essencial, o que já era defendido em 1957. Talvez seja melhor dizer que o Programa Portugal, Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI faz unicamente a inserção ou adap-tação de medidas e objetivos à realidade dos tempos atuais. Assim, a inserção de Portugal na Comunidade Europeia (CE) deve salvaguardar a autonomia e soberania do país, realizando a reforma agrária e re-conhecendo a CE a especificidade da agricultura portuguesa, com os consequentes apoios e medidas. Medidas iguais devem ser adotadas para salvaguarda do setor português das pescas.

O Programa defende, entre todos os outros já previstos, o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à tranquilidade e segurança das populações, com o reforço das medidas preventivas da criminalidade e dos meios de policiamento, o direito dos jovens, nomeadamente no cumprimento da escolaridade obrigatória e no com-bate à marginalidade, o direito das crianças ao desenvolvimento har-monioso, o direito dos idosos, reformados e pensionistas a uma vida digna na velhice, o direito dos deficientes a uma vida plena de inserção na sociedade, o direito dos emigrantes, nomeadamente ao apoio das embaixadas e consulados, o direito dos imigrantes, através de políticas de integração, respeitando as suas particularidades culturais e o com-bate a manifestações de racismo ou xenofobia.

nas relações internacionais, e constituindo os pontos mais rele-vantes relativamente ao Programa de 1957, rejeita-se «uma política externa e de segurança comum que, numa via supranacional, visa a consagração da política externa da União Europeia como sujeito de

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41 direito internacional» (PCP, 1988: 70), que acarreta perdas de

autono-mia política, de independência e de soberania nacionais.

Também no plano político-militar e «face à evolução da situação in-ternacional, deve ser reconsiderada a participação de Portugal na nATO e na UEO, bem como os acordos militares com os EUA, Alemanha e França, relativos às bases estrangeiras em Portugal» (PCP, 1988: 72). E acrescenta que «Portugal deve defender a desativação da estrutura militar da nATO, da qual se deve progressivamente desvincular» (PCP, 1988: 73).

no quadro europeu, deve Portugal contrariar a construção de qual-quer bloco político-militar que conduza à transformação da Europa numa potência militar.

Portugal deve manter relações de amizade e cooperação com todos os povos, privilegiando as ex-colónias africanas e o Brasil, e também com os países socialistas.

Resumidamente, este Programa de 1988 defende que, nos suces-sivos governos, depois da destituição do PREC (25 de novembro de 1975) até então, houve um significativo retrocesso nas políticas se-guidas, que puseram em causa alguns princípios de abril. O Programa reconhece que «a luta pelo socialismo no mundo sofreu, ao findar o século xx, derrotas de ainda incalculáveis consequências para a luta dos trabalhadores e dos povos contra todas as formas de exploração e opressão, com a desintegração da URSS e dos regimes existentes nos países do leste da Europa» (PCP, 1988: 82).

Sobre o socialismo como futuro de Portugal, o Programa tem como premissa que «no horizonte da evolução social está o comunismo (…) a base teórica do PCP é o marxismo-leninismo» (PCP, 1988: 91-92).

O Programa termina afirmando que «a luta para que o Programa do PCP, pela vontade do povo português, se confirme na vida é o caminho da liberdade, da democracia, da independência nacional, da paz e do socialismo. é o caminho que interessa ao povo português e à pátria portuguesa» (PCP, 1988: 93).

Escolhemos, para concluir a análise do Programa do PCP, palavras de Álvaro Cunhal. Quem melhor do que o histórico secretário-geral po-deria resumir o Programa do seu Partido? «Qualquer estudioso que se dê ao trabalho de examinar atentamente os objetivos da ação concreta do PCP através dos anos e as lutas conduzidas pelo PCP – refere Álvaro Cunhal (1999: 175) – poderá verificar que, com fins imediatos muito

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42 variados, as posições assumidas e as lutas travadas se podem arrumar em cinco grandes objetivos gerais, constantes, unificadores em que to-das as lutas (apesar dos fins específicos de cada uma) se inscreveram: a luta pela liberdade e a democracia, eixo político central da luta do Partido ao longo de toda a sua existência; a luta em defesa dos inte-resses dos trabalhadores e do povo em geral, pela melhoria das suas condições de vida; a luta pelo desenvolvimento do país inseparável do progresso social e da vertente social; a luta em defesa da indepen-dência nacional; e a solidariedade internacionalista para com as forças revolucionárias, os trabalhadores e os povos dos outros países. Estes objetivos inspiradores da luta convicta, dedicada e apaixonada dos co-munistas através dos anos inseriram-se não apenas na consciência e na sensibilidade ganhas na luta, mas como valores do Programa do PCP, tanto para o regime democrático a instaurar após o derrubamento da ditadura, como para a sociedade socialista que o PCP, como seu úl-timo objetivo, sempre teve no horizonte do Portugal futuro».

3.2. Partido Socialista (PS)

O Partido Socialista era, em 1974, um partido que fazia eco da sua história. Ainda que tratando-se de uma história recente (o PS foi fun-dado em 1973, na Alemanha), a verdade é que os socialistas sentiam--se herdeiros do movimento socialista do século xIx14, da República de

1910, tendo sido condenado a desaparecer sob o Estado novo15.

Muitos dos que viriam a fundar o partido encontravam-se no exílio e eram, fundamentalmente, profissionais liberais, como era o caso de Mário Soares, que viria a ser o seu líder histórico.

Antes da fundação do PS, havia sido criada em Genebra, em novem-bro de 1964, a Ação Socialista Portuguesa (ASP), pela mão de Mário Soares, Manuel Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa. Represen-tando uma tentativa de estruturação do movimento socialista, o certo é que não conseguiu estabelecer as bases de implantação pretendidas. O seu maior sucesso deu-se ao nível dos contactos internacionais, sendo

14. A primeira organização partidária do movimento socialista em Portugal foi criada, em 1875, por Azedo Gneco, Antero de Quental e José Fontana, entre outros.

15. O Partido Socialista Português cessou a sua atividade na Conferência nacional que foi autorizado a realizar em 1933 e só 40 anos mais tarde (em 1973) foi criado o Partido Socialista atual.

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43 admitida na Internacional Socialista em 1972; surgia, assim, o embrião do Partido Socialista.

A 19 de abril de 1973, o Congresso da Ação Socialista Portugue-sa, «ponderando os superiores interesses da Pátria, a atual estrutura e dimensão do movimento, as exigências concretas do presente e a necessidade de dinamizar os militantes para as grandes tarefas do fu-turo, deliberou transformar a ASP em Partido Socialista», não tendo sido uma decisão consensual16 para os 27 delegados que estiveram

presentes.

O Programa refletia, dentro da esquerda, uma panóplia de princípios e objetivos, que iam da esquerda mais radical à esquerda mais mode-rada. A colagem aos princípios marxistas, ainda que «permanentemen-te repensados», aproximava em «permanentemen-teoria o PS do PCP. Chegado a 1974, o PS sabia que não podia menosprezar todo o património político do PCP – fruto da sua história, o PCP surgia como o partido mais organizado para liderar a Revolução.

Contudo, as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, de-ram a vitória ao Partido Socialista, remetendo o PCP para terceira força política, atrás do PPD. Esta vitória deu a Mário Soares legitimidade para liderar a Revolução e para, no período do PREC, congregar as forças democráticas contra a ameaça de um totalitarismo de esquerda, como já referimos.

Mário Soares foi sempre um moderado, adaptando os princípios so-cialistas ao que considerava ser o interesse de Portugal. O Congres-so surge como órgão decisivo da vida do partido dando expressão às bases partidárias, através da votação dos relatórios dos secretários--gerais, das moções e das listas para os órgãos dirigentes. é também no Congresso que se confirmam ou se colocam em causa as linhas programáticas definidas.

As consecutivas «arrumações» por parte do PS levaram Cunhal, en-tre outros, a acusar Soares de ter «metido o socialismo na gaveta», tendo o documento Dez Anos Para Mudar Portugal acentuado essa afir-mação.

16. no dia 19 de abril de 1973, na cidade alemã de Bad Munstereifel, militantes da Ação Socialista Portuguesa idos de Portugal e de diversos núcleos no estrangeiro, reunidos em Congresso, aprovaram, por 20 votos a favor e 7 contra, a transformação da ASP em Partido Socialista (Lisboa votou contra, Coimbra e Porto e os delegados do estrangeiro votaram a favor).

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44 Assim, o documento Dez Anos Para Mudar Portugal – Proposta PS

para os Anos 80 constituiu a primeira proposta programática global realizada com base na experiência governativa do Partido Socialista. Elaborado pelo Gabinete de Estudos, sob a responsabilidade de António Guterres, foi submetido a um processo de discussão interna que du-rou cerca de dois meses e envolveu mais de dez mil militantes. Apre-sentado pelo Secretário-Geral Mário Soares ao III Congresso nacional (1979), viria a marcar este acontecimento. Trata-se de um texto pro-gramático, que defende «o modelo do socialismo democrático ou da social-democracia europeia» (PS, 1979: 31).

Mas é no decorrer do VI Congresso que o PS revê os seus Princípios e o seu Programa, aumentando o coro de vozes oriundo da esquerda mais radical que reafirma que «o socialismo foi metido na gaveta». A Declaração de Princípios e o Programa do Partido Socialista aprovados no VI Congresso nacional, em 1986, ano em que foi eleito Secretário--Geral Vítor Constâncio, constituem a atualização global, uma espécie de corolário, dos documentos que vigoravam desde 1974, dos ensi-namentos colhidos no decurso da evolução do processo democrático português e do esforço renovador do documento Dez Anos Para Mudar Portugal.

A Declaração de Princípios e o Programa de 1986 produz uma gran-de revisão do Programa original. Passa-se gran-de uma «gran-democracia socia-lista» para um «socialismo democrático»; do objetivo de «edificar uma sociedade sem classes» para o objetivo de «instaurar uma sociedade mais justa e igualitária, em que a diferenciação de situações sociais seja a necessária à iniciativa económica e social e corresponda ao mé-rito das pessoas» (PS, 1986: 5). Toda a relevância dada anteriormente às revoluções socialistas, lideradas pela revolução soviética, desapare-ce no novo texto.

A política económica sofre uma grande alteração. Desaparecem to-das as alusões a «nacionalizações»17, «reforma agrária», «autogestão

dos trabalhadores» e surge no seu lugar a ideia de que «a regulação da economia deve ser assegurada pelos mecanismos do mercado e de planeamento estratégico, descentralizado e participado» (PS, 1986: 8).

O novo texto acusa mesmo os sistemas liberais/conservadores e co-munistas de desprotegerem os indivíduos. Os primeiros não asseguram 17. O PS admite que o Estado nacionalize ou tenha participação maioritária sempre que tal

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45 a justiça social, «vendo nos trabalhadores pouco mais do que uma força produtiva»; os segundos, ao criarem a sociedade monopolista de Estado, estrangulam invariavelmente a liberdade e «servilizam os cidadãos em relações de trabalho das mais implacáveis e exploradoras que se conhecem no mundo atual» (PS, 1986: 12).

A análise destes dois textos programáticos, com uma década a se-pará-los, traduz a progressiva transformação ideológica que o Parti-do Socialista sofreu. O PartiParti-do afastou-se progressivamente Parti-do legaParti-do marxista e adotou princípios moderados, de acordo com os valores da democracia pluralista, edificada nos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade – os mesmos que inspiraram a Revolução Francesa.

Dois fatores influenciaram esta evolução ideológica: a necessidade de o Partido se diferenciar do PCP, por um lado, e do PPD/PSD, por ou-tro, e a adesão à Comunidade Europeia (Lisi, 2009). Contudo, se toda a conjuntura, interna e externa, tornou fácil essa demarcação do PCP, o espaço político que era também necessário demarcar relativamente ao PPD/PSD mostrou-se uma matéria mais complicada.

André Freire (2006) considera que, tendo em conta os dois princi-pais partidos (PS e PSD), o caso português apresenta o menor grau de polarização, medido segundo os manifestos eleitorais e a opinião de especialistas, no conjunto das novas democracias da Europa do Sul.

na verdade, a maior parte dos líderes do PS são oriundos da ala mo-derada do Partido (Mário Soares, 1973-1986; Almeida Santos – inte-rino, 1986; Vítor Constâncio, 1986-1989; Jorge Sampaio, 1989-1992; António Guterres, 1992-2002; Ferro Rodrigues: 2002-2004 e José Só-crates, 2004-2011). Esta ala moderada, que vem desde Mário Soares, acentuou-se com Vítor Constâncio e com António Guterres (um confes-so católico) e mantém-se com José Sócrates.

Terminamos esta análise dos princípios ideológicos do Partido Socia-lista com as palavras do seu líder histórico, Mário Soares (2009: 142): «Então qual será o caminho do futuro? O que mais se aproximou desse objetivo chama-se socialismo democrático ou social-democracia e pre-tende conciliar a liberdade absolutamente necessária e o progresso, com a igualdade possível nos diferentes estágios do desenvolvimento económico e também com a fraternidade (ou solidariedade) que, como se sabe, não foi esquecida na trilogia fundamental da Revolução Fran-cesa».

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46 3.3. Partido Popular Democrático/Partido Social-Democrata

(PPD/ PSD)

O Partido Popular Democrático foi fundado a 6 de maio de 1974, tinha a Revolução quinze dias. Francisco Sá Carneiro surge como fun-dador e líder do novo partido, tendo como co-funfun-dadores Joaquim Ma-galhães Mota e Francisco Pinto Balsemão.

não era, todavia, a primeira vez que estes três nomes faziam par-te de um projeto comum. Em 1969, eles inpar-tegravam a chamada «ala liberal», que se propunha liberalizar e democratizar o Estado novo de Marcello Caetano. E do grupo de 30 deputados que formava a «ala liberal», Sá Carneiro destacava-se, surgindo como um dos mais empe-nhados nas medidas a propor para a liberalização (nunca conseguida) do regime.

O PPD afirma-se como segunda força política logo em 1975, nas eleições para a Assembleia Constituinte. Um feito notável, tendo em conta as circunstâncias da época – no auge da Revolução, tudo levaria a crer que o partido melhor preparado e organizado, fruto da sua his-tória de oposição ao Regime, o PCP, ombreasse com o PS na liderança dos votos.

O PPD começou por ser um partido que se situava entre a esquerda social-democrata e o centro-esquerda social-democrata não marxista, nunca tendo ultrapassado uma posição de liberalismo social avançado de centro-direita reformista que lhe deu Sá Carneiro e também Aníbal Cavaco Silva.

Como defende Jalali (2007), apesar de ser referência histórica após a sua morte, a liderança carismática de Sá Carneiro esteve longe de ser consensual. E esta herança de contestação interna tem sido uma constante em todas as lideranças do partido, com exceção dos «anos dourados» de Cavaco Silva. na verdade, desde sempre, o PPD/PSD debateu-se com uma ala que preferia aliar-se ao CDS e uma ala que preferia acordos com os socialistas. Sá Carneiro teve de «vencer» a ala mais à esquerda, constituída, em 1975, por Emídio Guerreiro e, em 1979, por Mota Pinto e pelo próprio co-fundador do Partido, Magalhães Mota (que entretanto fundara com Sousa Franco a ASDI – Ação Social Democrata Independente – fação que se dissolveria mais tarde no PS).

As linhas programáticas do PPD – Os Caminhos Justos e Equilibra-dos de Uma Social-Democracia – foram apresentadas em Conferência

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47 de Imprensa, a 12 de maio de 1974, pela Comissão Organizadora, formada, como já referimos, por Francisco Sá Carneiro, Joaquim Maga-lhães Mota e Francisco Pinto Balsemão.

Assim, as linhas programáticas correspondem a um partido assumi-damente do centro-esquerda, não marxista, sendo a social-democracia o meio para atingir o socialismo democrático. Como diz Santana Lopes, em entrevista que nos concedeu, em 1974 todos os partidos defendiam o socialismo e até se brincava com o CDS dizendo que um dos seus objetivos era «acabar com a sociedade de classes».

Tentando o equilíbrio entre a fidelidade aos seus princípios e à ex-periência governativa, o PSD revê o seu Programa em 1992, sob a liderança de Cavaco Silva. Deixa «cair» o socialismo e assume as es-pecificidades que o caracterizam como um partido personalista, para o qual o início e o fim da política residem na pessoa humana; um partido de forte pendor nacional; um partido com valores e princípios claros, permeável à criatividade e à imaginação, aberto à inovação e à mudan-ça; um partido que, sendo social-democrata, a favor de um Estado-Pro-vidência forte e seguro para organizar a atividade económica, valoriza também o liberalismo político e a livre iniciativa caracterizadora de uma economia aberta de mercado, própria das sociedades contemporâneas que são globalizadas.

O PSD afirma-se como um partido de bases ativas e militantes. Os dirigentes locais do PSD afirmam-se na primeira linha do combate po-lítico, na defesa dos valores da social-democracia e dos princípios e na defesa dos anseios das populações dos respetivos Concelhos, Distritos e Regiões Autónomas.

O PSD é o partido português com maior número de Presidentes (17) e de Congressos realizados (33), revelador de um partido pouco disci-plinado, pouco «organizado» no sentido de Hayek, constituindo a sua «ordem espontânea» uma ameaça à sua própria existência18. Desde

1975, o PSD teve cinco primeiros-ministros [Sá Carneiro, (1979-1980), Francisco Pinto Balsemão (1981-1983), Aníbal Cavaco Silva (1985-1995), José Manuel Durão Barroso (2002-2004) e Pedro Santana Lo-pes (2004-2005)] e um presidente da República, Aníbal Cavaco Silva (desde 2006).

18. Antes da eleição de Passos Coelho, sob a conturbada liderança de Ferreira Leite, Pinto Balsemão afirmou que o Partido caminhava para o «suicídio coletivo».

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48 Terminamos com as palavras de Francisco Sá Carneiro (1975: 42), no I Congresso do PPD: «O Programa que aprovámos mostra bem que o nosso caminho tem de consistir na construção de uma democracia real. não basta apenas rejeitar, ainda que claramente, as via ofereci-das pelo neocapitalismo e pelo neoliberalismo, por incapazes de re-solverem as contradições da sociedade portuguesa e de evitarem a inflação, o desemprego, a insegurança e a alienação nas sociedades que constroem. Propomo-nos, assim, construir não apenas uma sim-ples democracia formal, burguesa, mas sim, uma autêntica democracia política, económica, social e cultural. A democracia política implica o reconhecimento da soberania popular na definição dos órgãos do poder político, na escolha dos seus titulares e na sua fiscalização e respon-sabilização; exige a garantia intransigente das liberdades individuais, o pluralismo efetivo a todos os níveis e o respeito das minorias; não existe se não houver alternância democrática dos partidos no poder, mediante eleições livres, com sufrágio universal, direto e secreto. (…) A aprovação dos estatutos veio consagrar o caráter eminentemente democrático do Partido, que, aliás, ficou bem expresso na forma como decorreu este Congresso: a participação entusiástica e espontânea de tantos dos delegados prolongou as nossas horas de trabalho, exigiu--nos um esforço suplementar. Mas mostrou bem que a democracia é a única maneira de um grupo, tão numeroso, chegar ao consenso entre variadas opiniões, sem submissão a despotismos iluminados».

3.4. Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP)

O Centro Democrático Social foi fundado em 19 de julho de 1974, três meses depois da Revolução, perdendo, segundo Freitas do Ama-ral, um tempo precioso para a sua implantação, numa altura em que tudo acontecia muito rapidamente. Subscreveram a sua Declaração de Princípios Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa e Basílio Horta, entre outros. Contudo, são sobretudo Freitas do Amaral e Amaro da Costa os dois fundadores, responsáveis pelos princípios e Programa do Partido.

é ainda Freitas do Amaral (1995: 198) que, nas suas memórias – O Antigo Regime e a Revolução –, melhor define, através do texto redigi-do por si e por Amaro da Costa para a conferência de imprensa de apre-sentação do CDS, o novo Partido: «Somos um partido centrista, que

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49 tanto no seu ideário como nos seus fundadores constitui uma síntese harmoniosa entre o centro-direita e o centro-esquerda – a nossa po-sição é rigorosamente ao centro. A nossa filosofia de ação é o huma-nismo personalista. Somos um partido democrático e apenas aberto a democratas. Queremos construir uma economia social de mercado, cujo objetivo fundamental seja o da obtenção de uma justiça social avançada, num mundo mais livre, mais humano e mais fraterno.

O País deve ser governado ao centro. Tudo faremos para que Portu-gal não venha a cair num neo-capitalismo materialista, que reduza os homens a escravos do dinheiro e do prazer, nem num socialismo tota-litário, que elimine as liberdades em nome da omnipotência do Estado. Declaramos a nossa fidelidade ao Programa do MFA. Em matéria de política ultramarina, aceitamos o princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências, reconhecendo a necessidade de se utili-zarem fórmulas diferenciadas conforme os territórios em causa. E ma-nifestamos o propósito de tudo fazer para preservar os laços culturais e as relações económicas especiais com os territórios ultramarinos, seja qual for o estatuto político que vierem a escolher.

no plano da política externa, aprovamos a abertura a Leste já con-cretizada, mas sustentamos a necessidade de estabelecer relações diplomáticas com todos os países do mundo, nomeadamente com a China Popular e com os países árabes. Finalmente, defendemos a ne-cessidade da integração de Portugal no Mercado Comum (CEE), tão cedo quanto possível, com vista à nossa participação de pleno direito na Confederação Europeia prevista para 1980».

Tinha surgido então um novo partido que, como Freitas do Amaral nos reafirmou, na entrevista que gentilmente nos concedeu, pretendia ser um verdadeiro partido do centro, mas que todos os restantes par-tidos se apressaram a rotular de direita. Freitas do Amaral admite que, talvez ingenuamente, pensou ser possível «ser do centro», mas que a história parece mostrar que o centro não existe na clássica divisão esquerda/direita.

Em março de 1992, no x Congresso, realizado em Lisboa, foi eleito Manuel Monteiro, dando início a uma renovação geracional e de dife-renciação ideológica do CDS. Freitas do Amaral (1995) salienta que, a partir de 1993, o Programa do CDS (o «seu» Programa) «foi substi-tuído em bloco» por outro muito diferente – o CDS, tal como os seus

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50 fundadores o criaram em 1974, centrista, social e pró-europeu, termi-nou sob a liderança de Manuel Monteiro19.

Assim, no xI Congresso (Extraordinário), realizado em janeiro de 1993, foi aprovado um Programa de Renovação Doutrinária e Organi-zativa do Partido do Centro Democrático e Social. é aí que se altera a denominação do Partido, somando-se a expressão «Partido Popular» e passando a usar-se a sigla CDS/PP. é ainda este Programa que está atualmente em vigor e que vamos analisar de seguida, salientando as diferenças com o Programa dos fundadores do Partido.

O Programa do Partido, aprovado em 1993 e ainda em vigor, dis-tancia-se consideravelmente do programa inicial dos fundadores do Partido. O Partido Popular justifica o novo Programa com as profundas transformações que a sociedade portuguesa e o mundo sofreram em 17 anos, desde 1974. O Programa define-se como «um programa de valores, e não um programa de governo. Esta diferença é importante: pretendemos começar pelo princípio e estabelecer um corpo de doutri-na» (CDS/PP: 1993: 2).

À partida e contrariamente ao Programa de 1974, o CDS assume-se como partido de direita ou, quando muito, de centro-direita, mas não mais de centro-esquerda – «sem equívocos nem complexos, confessa-mos a direita que quereconfessa-mos representar: é uma direita democrática, popular e nacional. Para nós, há uma maioria natural de portugueses que se reconhecem no vasto espaço político que vai do centro para a direita. é esse o espaço do Partido Popular no regime democrático português». E esclarece, acrescentando que, «no quadro democrático, recusamos qualquer espécie de socialismo, porque todos secundarizam o homem perante o Estado, a sociedade perante o governo, e a comu-nidade perante a classe. Recusamos igualmente as políticas sociais--democratas, porque se baseiam na perversão do Estado-Providência e no relativismo moral, conduzindo desse modo a sociedades mais de-pendentes do que responsáveis, mais públicas do que privadas, mais viciadas do que virtuosas» (CDS/PP: 1993: 5).

O Partido Popular, definindo-se como democrata-cristão, afirma ser o único representante legítimo, em Portugal, de uma das grandes escolas do pensamento democrático europeu – a escola do humanismo cristão. 19. Sob a liderança de Manuel Monteiro, crítico das políticas da Comunidade Europeia, o

Partido viria, como já referimos, a ser expulso do Partido Popular Europeu, sendo de-pois reintegrado sob a liderança de Paulo Portas.

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51 O Programa enfatiza os direitos de propriedade, «em Portugal, o combate pelo direito de propriedade não passa só por retirar o Estado de muitas atividades económicas que este usurpou e ocupa ilegitima-mente, passa igualmente por contrariar firmemente o ataque à pro-priedade pela via dos impostos, ataque que limita a liberdade de adqui-rir, fruir e transmitir»; e a reabilitação do papel da família nas decisões sociais, «a direita de liberdades em que apostamos pretende reabilitar o papel da família na decisão social. O Estado não deve ser o regulador das liberdades sociais, em especial nos domínios da educação, da saú-de e da segurança social. Para nós, a família é que saú-deve ter os meios e os poderes de escolha. Para tanto, o apoio do Estado deve ser dado às famílias e não às instituições» (CDS/PP: 1993: 6-7).

é introduzida a noção de «Estado útil» que corresponde à designa-ção clássica de Estado mínimo: «o Estado útil é pequeno, poupado e razoável. Qualquer destas palavras está longe de se aplicar ao governo da nação ou à administração pública portuguesa. O Partido Popular tem um modelo de governo que está de acordo com o seu conceito de Estado útil. Esse modelo combate duas das piores tendências dos go-vernos: a tendência para a autocontemplação através de obras inúteis e a tendência para o despesismo incontrolado» (CDS/PP: 1993: 8).

Para evitar confusões com nacionalismos e extrema-direita, escla-rece-se que «uma direita nacional não deve confundir-se com formas exacerbadas de nacionalismo. A nossa defesa de Portugal como Es-tado-nação recorda e atualiza, precisamente, o caráter humanista e universalista que sempre determinou a melhor cultura portuguesa e a ação de vanguarda de Portugal no mundo. O país que defendemos é um país aberto, cooperante e profundamente democrático» (CDS/PP: 1993: 13).

na defesa da soberania nacional, o Partido estabelece «reservas necessárias de soberania»: «queremos que o Parlamento português tenha um efetivo direito de pronúncia sobre os atos legislativos comu-nitários, incluindo o direito de recusar a sua aplicação interna (…) não aceitamos a atribuição do direito de ser eleito para certas funções a cidadãos de países membros da Comunidade, residentes em Portugal» (CDS/PP: 1993: 15).

O Programa defende o atlantismo que «significa o reforço de uma das opções principais de política externa portuguesa, a especial liga-ção com os Estados Unidos da América. O Partido Popular defende

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52 convictamente a participação de Portugal na nATO» e manifesta-se também na defesa da importância da «comunidade lusíada» no mundo (CDS/PP: 1993: 16-17).

Terminamos a abordagem dos aspetos mais elucidativos dos valores que presidem ao Programa do CDS/PP com a importância atribuída à terra, que é sempre uma espécie de identidade comum dos parti-dos conservadores, na melhor tradição feudal: «há um valor ideológi-co que entendemos dever destacar – o valor da Terra. A prioridade à agricultura e aos agricultores define o Partido Popular, como partido da terra e dos agricultores» (CDS/PP: 1993: 44).

Relativamente ao Programa de 1974, o CDS/PP encontra-se con-sideravelmente mais à direita do então CDS nos princípios e medidas enunciados nas suas linhas programáticas. Como defende o seu funda-dor, Freitas do Amaral, talvez o centro não seja politicamente possível e o CDS/PP de hoje ocupe, efetivamente, o espaço que os seus adver-sários políticos (PCP, PS e PSD) desde sempre lhe quiseram impor – o partido da direita democrática em Portugal, o partido verdadeiramente conservador da democracia portuguesa, arauto dos valores da família, de Deus e da Pátria. neste sentido, a permanência da designação de «Centro» no nome do Partido pode parecer anacrónica.

Terminamos a análise do CDS/PP com as palavras do seu fundador e líder histórico, Diogo Freitas do Amaral (1995: 256-257), quando, em 1975, escreveu um texto doutrinário intitulado Porque Não So-mos Socialistas: «O CDS é o único dos grandes partidos portugueses que não é, nem se afirma, socialista. (…) o socialismo no nosso país colocar-nos-ia fora da região político-económica a que geograficamen-te pergeograficamen-tencemos – a Europa Ocidental, o que geograficamen-teria como consequência inevitável ou o isolamento na pobreza (Cuba) ou a reabsorção pela violência (Chile).

nenhum país socialista conseguiu até hoje demonstrar mais eficiên-cia e, portanto, maior justiça na satisfação das necessidades indivi-duais do que os países não socialistas. Gostaríamos de ver citado um só exemplo de um país socialista com uma segurança social tão avançada como a da Suécia, com uma educação tão ampla como a da Alemanha Federal, com um sistema de saúde tão eficaz como o da Inglaterra, com um nível de salários reais no operariado como o dos Estados Uni-dos da América.

Referências

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