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A. Campos Processo Extansão Plataforma Continental

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Academic year: 2021

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O Processo de Extensão da Plataforma Continental

Aldino Santos de Campos

Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental

Resumo

Ao ratificar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), Portugal iniciou uma nova etapa na sua história virada para o mar. Entre outros assuntos de elevada importância, esta convenção consagra, na sua Parte VI, direitos exclusivos de soberania sobre os recursos vivos e não vivos existentes no solo e subsolo que constituem o prolongamento natural do território emerso até ao bordo exterior da sua margem continental. Embora os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental sejam independentes da sua ocupação, real ou fictícia, os Estados têm o dever de fixar o limite exterior da sua plataforma continental, com base nas prescrições do artigo 76º, de forma a definirem a sua fronteira, ao nível do solo e subsolo, com a Área património comum da Humanidade. Esta é a principal missão da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC). De fato, o processo português para a extensão da plataforma continental, nome usualmente adotado para definir este limite exterior, foi submetido, em 11 de maio de 2009, à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), órgão das Nações Unidas que faz a sua apreciação. Atualmente, enquanto se aguarda a constituição da Subcomissão que irá analisar os detalhes técnicos contidos na proposta portuguesa, está a ser desenvolvido um trabalho suplementar de reforço da proposta submetida, o qual está a ser acompanhado por uma análise criteriosa das recomendações relativas a outros Estados costeiros. Contudo, já é possível fazer um balanço positivo das consequências deste projeto. Quer a nível do conhecimento e capacidade tecnológica instalada, quer pelas suas implicações geo-estratégicas, associadas ao desafio que se coloca para a exploração do seu mar ultra profundo, muitas têm sido as referências que apontam para um futuro promissor em termos de desafios e oportunidades para as gerações vindouras.

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Introdução

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), concluída em 1982, em Montego Bay, Jamaica, é um tratado celebrado sob os auspícios das Nações Unidas (ONU). Esta estabelece, entre outros, os conceitos existentes do direito internacional costumeiro, tais como o mar territorial, a zona económica exclusiva, e a plataforma continental, e define o enquadramento global para a exploração dos recursos naturais do mar, vivos e não vivos, existentes quer no solo quer no subsolo. O documento teve a sua aprovação no final da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, realizada pela primeira vez em Nova York, em 1973.

Portugal ratificou a CNUDM em novembro de 1997 abrindo assim uma nova era da sua história marítima ao possibilitar a ampliação do seu território no tão limitado domínio espacial da esfera terrestre. Esta extensão territorial, com direitos de exploração de recursos igualmente regulados pelo mesmo tratado, representa um enorme desafio à capacidade e competência técnico-jurídica nacional, da qual poderão resultar inúmeros desafios de ordem económica e geopolítica.

Definição da Plataforma Continental à Luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

Sem entrar em grandes detalhes na interpretação geral da CNUDM, evidenciando unicamente a sua parte VI, sobre a Plataforma Continental, podemos facilmente observar que o conjunto dos dez artigos que compõem esta parte da convenção, do 76º ao 85º, representa um enorme desafio, quer na sua interpretação, quer na sua implementação.

Relativamente à sua interpretação, estes exigem, da parte do jurisconsulto, um conhecimento geocientífico de base sem o qual não será possível transpor os conceitos científicos subjacentes ao processo de extensão da plataforma continental. Acresce ainda que o uso da terminologia afim para a interpretação jurídica e geocientífica torna o processo de identificação das componentes da margem continental mais controverso. Chamar o mesmo nome a objectos perfeitamente distintos, nas suas vertentes geocientíficas e jurídicas, vem exigir

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um cuidado adicional para a interpretação e implementação das regras para o processo de extensão da Plataforma Continental (ver Figura 1).

Figura 1 - Componentes da Margem Continental. Interpretação Geo-científica vs. Jurídica

Quanto à sua implementação, cujo produto final é essencialmente materializado na proposta de extensão da Plataforma Continental, os desafios não são menos consideráveis. Em primeiro lugar, é necessário que, de acordo com o artº. 76, exista um prolongamento natural do território até ao bordo exterior da margem continental, e que este se estenda para além das duzentas milhas marítimas medidas a partir da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial. Garantido esta premissa, o estado costeiro encontra-se em condições de preparar o projeto de extensão da Plataforma Continental para além das duzentas milhas, sendo para tal necessário recolher evidências geológicas que satisfaçam a condição anteriormente apresentada e que permitam fixar os limites exteriores deste espaço marítimo adicional.

De realçar que um Estado costeiro tem os direitos exclusivos consagrados na CNUDM sobre a sua Plataforma Continental após a ratificação da mesma, sendo esses de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais. Interessa também realçar que esses

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direitos são, de acordo com o artº. 77.3, independentes da sua ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa.

O Processo de Extensão da Plataforma Continental

A expressão “estender a Plataforma Continental” poderá trazer a priori algumas interpretações pouco precisas do seu conteúdo, especialmente se o leitor não estiver informado dos contornos gerais do processo. De fato, se tomarmos como referência a plataforma continental geológica, essa expressão não fará qualquer sentido (Figura 2).

Figura 2 - Margem Continental Geo-científica

O processo de extensão da Plataforma Continental, à luz da CNUDM, resulta na definição da sua margem continental jurídica, e correspondente Plataforma Continental jurídica, elementos estes definidos pela aplicação de um conjunto de regras estabelecidas no artº.76 da CNUDM e que permitem fixar esses limites. Fazendo referência à definição de plataforma continental, tal como enunciada pelo art.º76 da CNUDM, como sendo ”…o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território, até ao bordo exterior da margem continental…”, facilmente se conclui que é necessário modelar um conjunto de elementos fisiográficos dessa margem para fixar este espaço jurídico. Na convenção este

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processo é remetido para um conjunto de regras, umas positivas que estabelecem as condições de extensão (art.º76.4), e outras restritivas (artº.76.5) que limitam a extensão fixando dessa forma um limite exterior, e finito, para a plataforma continental (Figura 3).

Figura 3 - Regras para o estabelecimento do limite exterior da Plataforma Continental

Condições de extensão da Plataforma Continental

As condições de extensão da Plataforma Continental devem ser asseguradas de acordo com o disposto na alínea a), do nº4 do artigo 76º. Estas condições, que representam as diferentes visões e interpretações, debatidas durante a III Conferência das Nações unidas sobre o Direito do Mar, sobre a forma como pode ser definida a margem continental, apontam para uma dupla solução para o estabelecimento dos seus limites. A primeira (regra de Gardiner), com base na constituição do subsolo, estabelece que o limite exterior se fixa no local onde a espessura das rochas sedimentares seja igual ou superior a 1% da distância ao pé do talude continental, lugar onde a variação do gradiente na base do talude é máxima (Figura 4).

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Figura 4 - Regra de Gardiner

A segunda regra (regra de Hedberg), assenta na fisiografia do fundo submarino, e basicamente requer o traçado de uma linha cujos pontos distem 60 milhas marítimas do pé de talude continental (Figura 5). As condições de extensão da Plataforma Continental resultam da união (sobreposição) dos espaços gerados por estas duas regras, isto é, o mais favorável dos limites prevalece como exterior.

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Limite Exterior da Plataforma Continental

Conhecidas as condições de extensão da plataforma continental, resultantes da aplicação das fórmulas positivas, aplicam-se as fórmulas restritivas, de acordo com o disposto do nº5 do artigo 76º para limitar e definir o limite exterior da Plataforma Continental. Conforme apresentado na Figura 3, os critérios são baseados na distância e na profundidade. O primeiro critério fixa como limite uma distância que não exceda as 350 milhas marítimas da linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial, ao passo que, no critério da profundidade, é estabelecida uma distância que não exceda as 100 milhas marítimas medidas a partir da isóbata dos 2500 metros. O limite exterior restritivo resulta, à semelhança da aplicação das fórmulas das positivas, da união (sobreposição) dos espaços marítimos gerados por estas regras.

Finalmente, o limite exterior da plataforma continental, para além das 200 milhas marítimas, é o resultado da disjunção (interceção) das áreas obtidas pelos conjuntos de regras positivas e negativas (Figura 6).

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Execução do projeto

Para executar o projeto de Extensão da Plataforma Continental a submeter à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), foi instituída uma entidade através da Resolução de Conselho de Ministros nº9/2005. Essa entidade, designada por Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), tem como principais objetivos a preparação do processo de extensão da Plataforma Continental e o seu acompanhamento após a submissão à CLPC. Para tal, à luz da convenção, nomeadamente no seu art.º 76, foi necessário proceder à recolha de dados que satisfizessem a construção das soluções anteriormente descritas. Os dados recolhidos, com recurso a sondadores de multifeixes, permitiram a construção do modelo batimétrico que descreve o relevo do fundo do mar (Figura 7), possibilitando a identificação do local onde se encontra o pé do talude continental, elemento esse necessário para a aplicação das fórmulas positivas. Adicionalmente foram recolhidos dados de sísmica que permitiram inferir a espessura das rochas sedimentares, elemento esse essencial para a fixação dos pontos com base na regra de Gardiner.

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A EMEPC contou com a colaboração de diversas instituições que trabalharam em conjunto para a recolha e preparação dos elementos que possibilitaram a preparação da proposta. Entre outras são de destacar a Marinha Portuguesa, que aprontou os navios hidro-oceanográficos da classe “D. Carlos I” por forma a que estivessem afectos ao projeto de extensão da plataforma continental numa base de contrato de prestação de serviço. De salientar que, foi ainda possível que a EMEPC equipasse, no âmbito deste projeto, o NRP “Alm. Gago Coutinho” com os meios adequados para a recolha de dados geocientíficos de diversa natureza, realçando-se os sondadores de multifeixes para águas intermédias e profundas. Ao nível das instituições universitárias e de investigação, a colaboração com o Centro de Geofísica de Évora, o Departamento de Geociências da Universidade de Évora e o Instituto D. Luís revelaram-se de extrema importância para a consolidação a nível científico da proposta Portuguesa.

O empenho de meios navais no mar foi efetuado a uma escala considerável (Figura 8), fruto da diversidade de tipos de dados a recolher, tendo sido por vezes necessário recorrer a capacidades tecnológicas não existentes em Portugal. Na sequência desta insuficiência foi igualmente adquirido, pela EMEPC, o ROV Luso que permite a recolha de evidências geológicas até 6000 metros de profundidade e assim sustentar o prolongamento natural do território e consequentemente fundamentar a proposta nacional.

Figura 8 - Meios navais empregues na aquisição de dados para o projeto de extensão da Plataforma Continental

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Um aspeto não menos importante foi a gestão dos dados e informação de suporte ao projecto de extensão. A integração de informação de diferente natureza, seja na área de hidrografia, geologia, geofísica, geodesia e até mesmo de contexto legal foi um desafio que necessitou de ser superado logo no início do projeto. Para tal foi concebido um sistema de informação, designado InforM@r, com características essencialmente geográficas, que permitiu a compilação de toda a informação relevante e de suporte ao projeto (Figura 9).

Figura 9 - Sistema de gestão da Informação de suporte ao projeto de Extensão da Plataforma Continental

O processo português foi concluído e submetido à CLPC em 11 de Maio de 2009, tendo sido a 44º proposta de extensão entregue a este órgão. Nele, Portugal apresenta uma área da cerca 2,15 Milhões de quilómetros quadrados de território sobre o qual pretende exercer soberania económica mediante a exploração dos recursos existentes. Presentemente, aguarda-se que seja constituída a Subcomissão que irá apreciar a proposta nacional. O modo de conclusão do processo de extensão, apresentado na Figura 10, é o resultado de um caminho a percorrer em várias fases. A primeira, já concluída com a submissão junto da CLPC, vai permitir que a comunidade internacional possa apreciar e pronunciar-se sobre a proposta de extensão (Sumário Executivo pode ser consultado em:

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summary.pdf). O restante processo poderá ter uma duração variável em função da apreciação técnica por parte da Subcomissão e aprovação pela Comissão de Limites. Contudo, e pela análise de casos análogos ao português, é estimado que o processo tenha a duração de cerca de dois anos após a constituição da Subcomissão, caso as recomendações sejam favoráveis às pretensões portuguesas.

Figura 10 - Fluxograma da apreciação do processo de extensão da Plataforma Continental

Consequências e desafios resultantes do processo de extensão

As consequências do projeto de extensão da Plataforma Continental portuguesa abrangem um grande espectro na escala da relevância. Uma vantagem já assinalável é a competência que foi instituída a nível nacional nas áreas das ciências do mar, designadamente no conhecimento do mar profundo, quer através da enorme cobertura geográfica que foi alvo de recolha de dados (Figura 11), quer através da capacitação tecnológica que foi instituída no decorrer do projeto. Foi também assinalável o domínio na área das ciências jurídicas relacionadas com o uso do mar, não só relacionada com o projeto de extensão da plataforma continental mas também em áreas transversais, tais como a boa gestão dos espaços marítimos nas suas vertentes económicas e ambientais.

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Figura 11 - Cobertura batimétrica do porjeto de extensão da Plataforma Continental

No campo da geopolítica, em especial ao nível da Europa, são também assinaláveis as implicações da extensão da Plataforma Continental. De fato, o impacto que estas novas áreas territoriais têm no desenho dos limites do velho continente permite que o eixo central da Europa ocidental continental (eixo Berlim-Milão) sofra um desvio em longitude e se fixe numa nova referência geográfica (eixo Dublin-Lisboa) transformando a base de referência da Europa tradicional, de base continental, para a Europa Atlântica (Figura 12).

Figura 12 - Centralidade Europeia da Europa Continental (esquerda) e Atlântica (direita)

Neste domínio, novos desafios serão oportunidades para Portugal, tais como a capacidade de liderar a exploração do um mar ultra profundo, não existente nas

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bacias oceânicas que limitam o continente Europeu, quer a norte quer a sul, e a oportunidade de liderar uma política comum para o Atlântico devido a esta nova realidade geográfica.

Considerações Finais

O novo desenho do espaço territorial português pode mudar a percepção como o país pode ser visto no panorama internacional. Este cobre uma área considerável de uma região com uma localização privilegiada (Figura 13). A assinalável assimetria do território marítimo comparado com o terrestre, 97% contra 3%, representa sem dúvida infinitas oportunidades de exploração para as gerações vindouras. Contudo, existe ainda um grande caminho a percorrer. O desconhecimento sobre a realidade do fundo do mar ainda é muito maior do que o seu conhecimento e domínio científico. Porém, a vontade de redescobrir, ou reinventar o mar está cada vez mais na ordem do dia. Esta ideia é facilmente consubstanciada pela adesão nacional ao processo de extensão da plataforma continental, independentemente do quadrante político ou económico.

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Finalmente, cabe à geração atual, atenta às capacidades, desafios e ameaças futuras, delimitar este espaço territorial com base no melhor conhecimento possível à data sob pena de não comprometermos este espaço que será o maior ativo estratégico nacional no futuro – O Mar.

Referências

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