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Musicoterapia na Perturbação do Espetro do Autismo: Um estudo de caso

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Musicoterapia na Perturbação do Espetro do Autismo: Um estudo de caso

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Inês Brito1, Rosina Fernandes2, Emília Martins2, Francisco Mendes2 e Maria Aguiar3

1 Santa Casa da Misericórdia de Viseu, Portugal. inesbrito2093@hotmail.com;

2 Escola Superior de Educação e CI&DETS - Instituto Politécnico de Viseu, Portugal. rosina@esev.ipv.pt;

emiliamartins@esev.ipv.pt; fmendes@esev.ipv.pt

3Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Viseu & CIEC – Universidade do Minho, Portugal.

mcaguiar@esev.ipv.pt

Resumo. A musicoterapia promove o desenvolvimento da comunicação, relacionamento e expressão, áreas

deficitárias na Perturbação do Espetro do Autismo. Neste trabalho desenvolveu-se um estudo de caso que explora a importância da musicoterapia nas capacidades e dificuldades de uma adolescente de 16 anos, com Perturbação do Espetro do Autismo, a frequentar sessões semanais de musicoterapia. Foram auscultados elementos da família e os técnicos que a acompanhavam, com recurso a entrevista e ao Questionário de Capacidades e Dificuldades. Consultou-se o seu processo escolar e efetuou-se a observação de 12 sessões de musicoterapia. Os resultados permitem-nos concluir que, na perspetiva dos participantes, a musicoterapia desempenhou um papel importante como meio facilitador da comunicação/interação social desta adolescente. Contudo, é fundamental continuar a avaliar a sua evolução, atendendo à necessidade de tempo de intervenção para consolidar eventuais mudanças mais evidentes a longo prazo. As metodologias qualitativas assumem-se cada vez mais importantes neste contexto de estudo.

Palavras-chave: Musicoterapia; Perturbação do Espetro do Autismo; Estudo de Caso; Investigação

Qualitativa.

Music Therapy and Autism Spectrum Disorder: A Case Study

Abstract. Music therapy promotes the development of communication, relationship and expression, deficit

areas in Autism Spectrum Disorder. A case study was developed to explore the importance of music therapy in the abilities and difficulties of a 16-year-old girl with Autism Spectrum Disorder attending weekly sessions of music therapy. Family members and technicians were interviewed and completed the Skills and Difficulties Questionnaire. Her school process was analyzed and 12 music therapy sessions were observed. The results allow us to conclude that, from the perspective of the participants, music therapy played an important role as a facilitator of the communication/social interaction of this adolescent. However, it is crucial to continue to monitor the evolution of the case, as more intervention time will be needed to consolidate these changes that will surely be more evident in a long-term basis. Qualitative methodologies are becoming increasingly important in this context.

Keywords: Music Therapy; Autism Spectrum Disorder; Case Study; Qualitative Research.

1 Introdução

A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma desordem complexa de desenvolvimento que surge, frequentemente, nos primeiros três anos de vida e que afeta, essencialmente, a capacidade de comunicação, bem como a interação com os outros, associada a estereotipias e interesses restritos (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 2014). Lourenço (2011) salienta que a incapacidade para interpretar, usar e responder apropriadamente à comunicação é uma dificuldade enfrentada regularmente pelos indivíduos com PEA.

1 Este artigo decorre do trabalho desenvolvido no âmbito de uma dissertação de mestrado em Educação Especial – Domínio Cognitivo-Motor.

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A intervenção na PEA, atempada e ajustada a cada caso, pode fazer a diferença entre uma vida de dependência ou de relativa funcionalidade e o recurso a diferentes estratégias de intervenção revela-se fundamental. Assim, nas escolas, a promoção da inclusão destes alunos implica o desenvolvimento de estratégias diferenciadas, designadamente com o apoio das unidades de ensino estruturado. A terapia ocupacional, a intervenção em sala de snoezelen, bem como os Centros de Atividades Ocupacionais (CAO) na transição para a vida adulta, encontram-se entre as respostas profícuas. A literatura destaca, ainda, a utilidade terapêutica da música em crianças com PEA (Lourenço, 2011), porquanto permite a aproximação no que se refere ao ouvir, sentir e tocar, além da criação de um espaço interpessoal mais criativo e individual, atuando como meio facilitador da relação.

1.1 Perturbação do Espetro do Autismo: Definição e Caracterização

O autismo foi definido pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra Leo Kanner, com várias revisões da designação e caracterização da perturbação até aos dias de hoje (Harris, 2018). Ao longo dos tempos, o aprofundamento do estudo desta perturbação evidenciou ampla variabilidade no grau de dificuldade apresentado por estes indivíduos.

Neste sentido, a 5ª edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM (APA, 2014) vem substituir a expressão autismo pela designação mais ampla de PEA, incluindo, para além das dificuldades de comunicação e de interação (cerne da problemática), anomalias sensoriais, especificamente, a hipo ou hiperreatividade a estímulos sensoriais, que vão juntar-se ao domínio das atividades, dos comportamentos e dos interesses repetitivos e restritos, previstos na edição anterior. Assim, a tríade de dificuldades que caracteriza a perturbação inclui os problemas de comunicação (défices verbais e não verbais), que podem variar entre o não falar e as dificuldades ligeiras de linguagem, sobretudo relacionadas com expressão emocional e relação com os outros, a par de comportamentos estranhos e repetitivos, ausência de brincadeiras típicas e interesses/padrões do brincar restritos (APA, 2014). Inclui ainda as dificuldades de relacionamento interpessoal, nomeadamente em prestar atenção aos outros e partilhar sentimentos, evitando mensagens emocionais fáceis de entender através de expressões faciais, gestos e sons ou palavras, o que não os impede de experimentarem emoções (Rogers & Dawson, 2015).

Estas dificuldades, com manifestações diferenciadas ao longo do ciclo vital, são do foro neurodesenvolvimental e iniciam-se na vida perinatal ou pós-natal. De acordo com o DSM-5, a perturbação é diagnosticada por volta do segundo ano de vida (12 aos 24 meses), sendo fundamental o diagnóstico diferencial com outras perturbações com alguns sintomas comuns (Síndrome de Rett, mutismo seletivo, perturbações da linguagem e comunicação social, perturbação do desenvolvimento intelectual sem PEA, entre outras).

A complexidade do diagnóstico e as incertezas que ainda persistem sobre causas, dificuldades principais, formas de prever e controlar o comportamento, assim como a diversidade manifestações do mesmo diagnóstico, torna hoje o papel dos educadores, restantes técnicos e pais/mães difícil e complexo ao nível da intervenção (Selamat, Renganathan, & Karim, 2018).

1.2 Intervenção na Perturbação do Espetro do Autismo: Benefícios da Musicoterapia

A severidade dos sintomas da PEA pode variar com a maturidade, beneficiando de uma intervenção educacional precoce e adequada às limitações da criança, mas os défices centrais tendem a manter-se. Os métodos alternativos à oralidade têm apresentado ótimos resultados em crianças sem linguagem verbal. Azeem, Imran e Khawaia (2016) referem que, devido às fortes aptidões

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visuais dos indivíduos com PEA, sistemas de comunicação com componentes visuais são, muitas vezes, mais significativos e efetivos do que a linguagem verbal.

Na gestão dos comportamentos salienta-se a eficácia da análise comportamental aplicada (ABA -

Applied Behavior Analysis), que consiste em imitar comportamentos socialmente adequados,

diminuindo os comportamentos inadequados, estando implícito o treino de competências sociais, de alimentação e de higiene, bem como o controlo de comportamentos violentos (Filipe, 2012). Igualmente, a abordagem floortime permite envolver a criança numa relação afetiva e de confiança, através de atividades de jogo que promovem a relação/interação social e emocional e implica envolvimento e participação da família, diferentes especialidades terapêuticas, bem como a articulação e a sua integração nas estruturas educacionais (Lima, 2012). Entre todas as abordagens, o Ensino Estruturado – TEACCH é o mais utilizado e consiste num sistema de organização do espaço, do tempo, dos materiais e das atividades, de forma a facilitar os processos de aprendizagem e da autonomia das crianças e a diminuir a ocorrência de problemas de comportamento. O ensino é organizado de acordo com uma estrutura física, horários diários, sistemas de trabalho e estrutura e informações visuais (Sanz-Cervera, Fernández-Andrés, Pastor-Cerezuela, & Tárraga-Mínguez, 2018). São ainda comuns, a terapia da fala, a terapia ocupacional, a hipoterapia, a hidroterapia e a musicoterapia, objeto deste estudo de caso (Agency for Healthcare Research and Quality, 2014). Segundo a World Federation of Music Therapy (2011), musicoterapia é a utilização da música e dos seus elementos, num processo sistematizado de forma a simplificar e progredir na comunicação, relacionamento, aprendizagem, mobilidade, expressão e organização de processos psíquicos, individualmente ou em grupo, de forma a recuperar as funções (mentais, físicas ou emocionais), desenvolver o potencial social e melhorar a qualidade de vida. Independentemente do tipo de sons, música ou ruídos produzidos, importa a sua produção e criação como forma de expressão de sentimentos e emoções. Em Portugal, a Musicoterapia surge em 1960, começando a ser utilizada na psiquiatria com doentes profundos e, posteriormente, por pessoas com formação em educação musical que trabalhavam com crianças com incapacidade física ou com PEA. Com efeito, desde 1940 que se realizam estudos sobre a musicoterapia no autismo (Reschke-Hernández, 2011), com repercussões na evolução da intervenção e nos resultados (Geretsegger, Elefant, Mössler, & Gold, 2014), facilitando a expressão e partilha de sentimentos (Lourenço, 2011). Fenómeno inquestionável no que se refere ao nível social, a música pode considerar-se um veículo de comunicação e autoexpressão, ou seja, um agente de interação e inclusão social (Kantor, 2013).

Alguns autores (Sharda et al., 2018) salientam que as crianças com PEA revelam atenção e sensibilidade excecionais face a estímulos musicais, respondendo, geralmente, de forma positiva. Referem ainda que algumas respostas observadas em crianças com PEA evidenciam memória melódica, identificando excertos de música clássica de forma quase imediata e manifestando interesse por tocar instrumentos, cantar e ouvir música. O objetivo primordial da musicoterapia consiste na superação da barreira do isolamento, entrando no seu mundo interior, abrindo canais de comunicação (Rodrigo, 2008). Mastnak, Lipský e Neuwiirthová (2018) evidenciam, também, a importância do controlo terapêutico musical bem-sucedido em situações de crises autistas (alívio imediato de sintomas), com consolidação dos resultados, bem como o desenvolvimento do interesse pela música com crescimento pessoal e surgimento de talentos. Estes benefícios merecem, contudo, aprofundamento empírico.

Neste contexto, desenvolveu-se um estudo de caso que visa compreender a importância da musicoterapia nas capacidades e dificuldades de uma adolescente de 16 anos com PEA.

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2 Metodologia

Neste trabalho optou-se pela investigação qualitativa, especificamente o estudo de caso, atendendo à possibilidade de obter dados ricos em pormenores descritivos, privilegiando-se a compreensão de comportamentos numa perspetiva interpretativa e construtivista (Bogdan & Biklan, 2013). Mais concretamente, desenvolveu-se um estudo de caso único/simples, em contexto de sessões de musicoterapia, com recurso ao cruzamento de evidências quantitativas e qualitativas, por forma a estudar intensivamente o caso em contexto real (Yin, 2015).

2.1. Questão de Estudo e Objetivos Específicos

Procurou-se compreender a importância da musicoterapia nas capacidades e dificuldades de uma adolescente, de 16 anos, com Perturbação do Espetro do Autismo, que frequenta semanalmente sessões de musicoterapia numa instituição de apoio a pessoas com incapacidade da região centro de Portugal. A opção metodológica foi tomada visando alcançar os seguintes objetivos específicos: identificar capacidades e dificuldades da adolescente com PEA; conhecer estratégias de intervenção utilizadas, com recurso à música e no âmbito da musicoterapia, para lidar com as suas dificuldades e promover capacidades; compreender os benefícios da música e da musicoterapia para lidar com as dificuldades e promover capacidades; perceber a evolução das dificuldades e capacidades com a frequência de sessões de musicoterapia.

2.2. Participantes

O caso em estudo centra-se sobre uma adolescente de 16 anos, com PEA, com dificuldades ao nível da comunicação verbal e não-verbal, da interação social e imaginação, bem como estereotipias e comportamentos restritos e repetitivos.

Participaram, ainda, adultos com papel significativo na vida da adolescente, nomeadamente do seu contexto familiar (mãe, 46 anos, 6º ano de escolaridade e doméstica), educativo (professora de ensino especial, 55 anos, Mestrado em Educação Especial e tempo de serviço de 21 anos) e terapêutico (musicoterapeuta, 46 anos, Bacharelato em Terapias Criativas – Vertente Música e 22 anos de tempo de serviço; terapeuta ocupacional, 60 anos e Pós-Graduação em Políticas de Saúde Mental e 36 anos de tempo de serviço).

2.3. Instrumentos

Foi utilizado, junto da mãe e dos técnicos, a versão para pais e professores/técnicos do Strengths and

Difficulties Questionnaire (SDQ), de Goodman (1997); versão portuguesa de Fleitlich, Loureiro,

Fonseca e Gaspar (2005). É uma medida de despiste psicopatológico breve, dos 4 aos 16 anos, com 25 itens distribuídos por cinco subescalas de cinco itens (Sintomas Emocionais, Problemas de Comportamento, Hiperatividade, Problemas de Relacionamento com os Colegas e Comportamento Pró-Social), com resposta em escala de 0 a 2 pontos. A pontuação global varia entre 0 e 40 (exclui-se do somatório a escala pró-social), sendo que quanto mais elevada, maior nível de dificuldade, estando organizada em três categorias: dificuldades normativas, limítrofes e não normativas. A versão de follow up, foi utilizada no final das 12 sessões, como pós teste.

Realizaram-se entrevistas (mãe e técnicos) para recolha de opinião sobre a importância da musicoterapia nas capacidades e dificuldades da jovem.

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Foi ainda utilizada a observação naturalista durante as sessões semanais de musicoterapia, além de uma grelha de observação estruturada - Ficha de Observação da Criança: Oportunidades Educativas de Pascal e Bertram (1999), composta por 10 itens distribuídos por quatro dimensões: Interações com o Adulto, Interações com Crianças, Comportamento Solitário e Dinâmica Predominante. Houve a necessidade de incluir uma outra dimensão que denominámos de Estereotipias, composto por três itens, atendendo às características da perturbação em causa (os itens revelaram-se adequados desde a primeira sessão), onde se assinala a frequência dos comportamentos dominantes. A versão original da Ficha de Observação da Criança tem apresentado também boas características de rigor em diversas investigações sobre a qualidade no processo de ensino-aprendizagem (Ministério da Educação, 2009). Finalmente, recorreu-se à análise documental do processo da adolescente, arquivado no seu estabelecimento escolar.

Procurou-se assim cruzar diferentes técnicas de recolha de informação, recorrendo a diversas fontes, como está previsto quando se opta pelo estudo de caso.

2.4. Procedimento de Recolha e Análise de Dados

Após as autorizações concedidas e cumpridos os restantes procedimentos éticos, o investigador assistiu, como observador não participante, a 12 sessões semanais de musicoterapia. As entrevistas, gravadas e transcritas, foram realizadas na instituição de apoio frequentada pela adolescente, com duração média de 30 minutos. A consulta documental do processo escolar foi realizada em contexto escolar.

Recorreu-se à análise de conteúdo dos registos de observação, entrevistas e processo escolar, seguindo o procedimento de Bardin (1997) e com recurso ao NVivo 11. O tratamento dos dados foi também realizado com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS – IBM 24), estatística descritiva ou inferencial (Wilcoxon), consoante os objetivos, natureza e características dos dados, com grau de confiança de 95%.

3 Resultados e Discussão

3.1 Resultados da Análise do Processo da Adolescente

Quanto à história desenvolvimental, a M. é uma adolescente com 16 anos de idade, filha única de uma mãe solteira, com gravidez de risco e não vigiada (informação confirmada na entrevista). Nasceu com 36 semanas, parto eutócico, com antropometria adequada e boa vitalidade; fez fototerapia por hiperbilirrubinémia. O médico de família encaminhou-a à Consulta de Pediatria (em 2000), pois aos 15 meses não se sentava, não falava, não interagia e apresentava estereotipias. Nesta altura foi efetuado o diagnóstico de PEA relativamente ao qual, segundo a professora de educação especial na entrevista, a mãe da adolescente se continua a culpabilizar. Cada família reage ao diagnóstico de forma distinta, contudo, é comum a culpabilização, tristeza e isolamento social, sendo fundamental a intervenção junto da família, para além da direcionada à criança (Autism Speaks, 2018). No ano letivo 2001/2002, começou a beneficiar de intervenção precoce, com recurso a atividades de snoezelen, fisioterapia e terapia ocupacional, às quais foi dada continuidade no ano letivo 2010/2011, quando ingressou no 5º ano de escolaridade. Com 15 anos integrou o Plano Individual de Transição, regime no qual se mantinha no momento do estudo (2015/2016), em que se encontrava a repetir o 9º ano de escolaridade e a frequentar uma instituição de apoio a pessoas com incapacidade, usufruindo de terapia da fala e musicoterapia (sessões semanais de 30 minutos). Segundo a última declaração

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médica da consulta de desenvolvimento do hospital da sua área de residência (abril de 2016), a adolescente apresenta PEA, com atraso de desenvolvimento global, incapacidade grave ao nível das funções intelectuais, psicossociais globais, atenção, cognitivas de nível superior e da linguagem (tal como esperado para a perturbação, de acordo com os critérios de diagnóstico do DSM – 5 (APA, 2014).

3.2 Resultados das Observações das Sessões de Musicoterapia

Nas sessões de musicoterapia, no domínio das interações com o adulto, o contacto ocular revela-se o comportamento com média mais elevada (M=11.17±7.43), seguido da resposta ao adulto (M=9.92±6.19), repetindo, em 8 sessões, o que o adulto fazia e respondendo às suas questões (em 7 sessões), embora em questões mais abstratas ou relacionadas com sentimentos, repetia a pergunta e não respondia. Como esperado, corroborando Silva e Fernandes (2016), a média relativa à sua iniciativa de interação foi mais baixa (M=5.58, DP= 4.6), verificando-se apenas em 3 sessões. Na dimensão das interações com crianças, uma vez que as sessões foram sempre individualizadas, só há dados relativos à sessão 4 (única de grupo), registando-se apenas contacto visual com outra criança (n=19). Em regra, estes indivíduos relacionam-se mais facilmente com pessoas mais velhas, observando-se isolamento ou desinteresse na comunicação/socialização com os pares (Lima, 2012). No domínio do comportamento solitário, a média mais elevada refere-se à verbalização e interação consigo própria/objetos não estando a realizar uma atividade (M=5.25±6.54), próximo do item relativo à verbalização consigo própria enquanto realiza uma atividade (M=4.42±4.36). No que respeita ao domínio acrescentado - estereotipias, a repetição de movimentos apresenta a média mais elevada (M=11.50±4.42) com valores muito aproximados da produção de sons repetitivos (M=10.50±4.96), sendo mais baixa a média da realização de ações completas repetitivas (M=8.58±8.54). Em todas as sessões balanceava o corpo e repetia movimentos (ainda que algum balancear se relacionasse com o andamento da música). Em geral, foram evidentes nestas sessões as manifestações da tríade que caracteriza a perturbação, ainda que reduzindo a sua frequência com o avançar da intervenção.

Nas tarefas de preparação/arrumação na sessão, foi buscar e arrumou os bancos em 9 sessões. Estas rotinas são fundamentais em casos de PEA, atendendo à sua importância na estruturação dos comportamentos (Azeem et al., 2016). Verificou-se iniciativa por parte da adolescente, em 10 sessões, na escolha da música que queria cantar (começando a entoá-la), tocou instrumentos em 9 sessões e conseguiu seguir o ritmo musical produzido pela terapeuta em 8 sessões. Com efeito, a adolescente parecia gostar muito de música, principalmente quando a reconhecia através da melodia ou de algumas palavras cantadas, mais concretamente as que eram habituais nas sessões (importância das rotinas). Através das músicas, ia memorizando algumas palavras (verificou-se em 7 sessões), corroborando o benefício da musicoterapia verificado noutros estudos (Schwartzberg & Silverman, 2018; Sharda et al., 2016). Em 7 sessões, demonstrou estar muito empenhada em decifrar todas as melodias que a musicoterapeuta tocava; estava muito atenta nestes momentos e conseguia realizar tudo o que observava (por imitação). Também parecia gostar de começar tarefas e que a imitassem. Aliás, fazia tarefas por iniciativa própria (como tocar instrumentos ou cantar) e demonstrava um interesse especial em tocar nos instrumentos que emitiam sons mais fortes e diferentes do comum. Apesar de parecer não gostar muito de sons agudos, apresentou entusiasmo quando tocou prato e xilofone. Também, em 5 sessões, a adolescente pediu para ouvir música das colunas.

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3.3 Resultados das Entrevistas

Na análise de conteúdo, relativamente às dificuldades apresentadas pela adolescente, as subcategorias assinaladas por todos os entrevistados foram as da comunicação/expressão e as dificuldades comportamentais, seguidas da interação social (musicoterapeuta e professora de educação especial) e lidar com a mudança de rotinas (encarregada de educação e professora de educação especial) e, por fim, a imaginação/flexibilidade de pensamento e estereotipias (apenas a professora de educação especial). Mais uma vez, estas são as dificuldades características da PEA (APA, 2014), já verificadas nos registos das sessões de musicoterapia. No que respeita às capacidades, todas as subcategorias foram assinaladas apenas uma vez, com um total de 4 registos, bem inferior ao das dificuldades (14 registos). A musicoterapeuta identificou duas (harmonia e compreensão não verbal), a terapeuta ocupacional acrescentou a comunicação verbal e a professora de educação especial a persistência. A mãe não apontou qualquer ponto forte/capacidade.

Em termos de estratégias de intervenção face às dificuldades, todas as subcategorias foram assinaladas, embora cada participante utilize uma estratégia diferente, sendo importante e enriquecedora a articulação entre todos. Com efeito, é uma área em que o trabalho em equipa transdisciplinar e em articulação com a família se revela eficaz (Dillenburger et al., 2014).

Quanto ao gosto pela música, aspeto central neste trabalho, todos os entrevistados o identificaram como presente na adolescente e evidenciaram a necessidade de continuar a ser rentabilizado na intervenção. Quanto à utilização da música, três entrevistados assinalaram que o fazem e um (terapeuta ocupacional) referiu que não, admitindo a possibilidade de tentar. No que respeita à categoria “importância da música e musicoterapia para o caso”, a subcategoria assinalada por todos os entrevistados foi “favorece a comunicação”, seguindo-se a subcategoria “acalma” (três entrevistados - a professora de educação especial, a mãe que acrescenta a importância para a dança e a terapeuta ocupacional, esta última com a ressalva de que pode favorecer a dispersão). Seguiram-se as subcategorias “reage bem a todas as músicas” (musicoterapeuta e professora de educação especial); “devia durar mais tempo a musicoterapia” (mãe e musicoterapeuta) e “comunicação e interação melhores” (mãe e professora de educação especial). A professora de educação especial acrescenta que “diminui comportamentos agressivos” e “permite o desenvolvimento cognitivo”. Aliás, esta professora foi a que salientou mais benefícios (n=6), seguida da mãe (n=5) e, por fim, da musicoterapeuta e terapeuta ocupacional (n=3, cada). Estes resultados corroboram a literatura (Mastnak, Lipský, & Neuwiirthová, 2018; Rodrigo, 2008; Sharda et al., 2018). Destaca-se, na categoria da evolução com as sessões de musicoterapia, a subcategoria “comunicação verbal”, assinalada por três entrevistados (exceto a terapeuta ocupacional). A mãe acrescentou os aspetos comportamentais. A professora de educação especial referiu todas estas subcategorias.

3.4. Resultados dos Questionários

A análise descritiva dos resultados do SDQ, preenchido pelos quatro participantes, em dois momentos (pré e pós intervenção), indica que, no primeiro momento, a Escala dos Problemas de Relacionamento com os Colegas apresentou o valor mais elevado (M=6.75±.957), seguida da Escala de Hiperatividade (M=6.00±2.160). No segundo momento a situação inverte-se, verificando-se mais evidentes as dificuldades relacionadas com a hiperatividade (M=4.74±.957 vs M=6.75±.957, respetivamente). Nas restantes subescalas, o valor médio manteve-se igual nos dois momentos. De acordo com os dados normativos para a população portuguesa, pode-se concluir que a adolescente apresenta dificuldades emocionais esperadas/limítrofes (Fleitlich et al., 2005). Os resultados na escala de hiperatividade também se situam na categoria limítrofe. Apresentam-se nos problemas

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comportamentais, dificuldades de relacionamento e de comportamento pró-social, tal como seria de esperar atendendo à PEA. A pontuação total de dificuldades, no primeiro (M=22.75±6.076) e no segundo momentos (M=22.25±4.031), permite-nos situar a adolescente no intervalo definido pelos autores do instrumento como não ajustado. A ligeira redução do valor médio das dificuldades após a intervenção não é estatisticamente significativa (p>.05). A média do impacto destas dificuldades na vida da criança foi mais elevada no primeiro momento (M=5.25±2.217 vs. M=3.50±1.732), parecendo beneficiar com a musicoterapia. Saliente-se, porém, que as mudanças nestes casos são lentas e a duração e periodicidade das sessões de musicoterapia (meia hora semanal), poderá ajudar a explicar os níveis de eficácia da intervenção. Acrescem alterações comportamentais (agitação), em muitas das sessões, sendo necessário algum tempo para estabilização, assim como não comparências da adolescente. Contudo, os resultados parecem promissores, lamentando-se o acesso tardio a esta terapia.

4 Conclusões

Aferir de que forma se pode responder eficazmente, pelo uso da musicoterapia, às dificuldades das crianças/adolescentes com PEA, assim como o papel que esta assume na promoção das suas capacidades em todas as suas áreas (principalmente as que são afetadas pelas limitações inerentes à perturbação) foi, em suma, o que conduziu a este projeto.

Os resultados evidenciaram um efeito positivo da musicoterapia, ainda que com evoluções ligeiras ao nível da capacidade funcional de interação com os adultos, de comunicação (não-verbal e verbal), ou mesmo nas capacidades cognitivas e no controlo comportamental. Não obstante os resultados favoráveis na maioria das áreas em análise, destacam-se na comunicação não verbal e interação. A música, surge nesta perspetiva como um instrumento dinâmico, fundamental no tratamento das necessidades sensoriais de socialização e cognição, que promoveu, ainda, comportamentos de antecipação ao tornar os acontecimentos mais previsíveis (visível nas sequências musicais e sonoras representadas por momentos de tensão e relaxamento). Registamos, ainda, manifestações não verbais de bem-estar, prazer e satisfação durante as sessões (sorriso concomitante ao início da música). Quanto às limitações desta investigação, salientamos o tempo reduzido de estudo, porque se trata de um domínio em que as mudanças são morosas, bem como a não possibilidade de decisão

sobre o timing da intervenção (estudou-se o efeito de uma intervenção demasiado tardia). Acresce a

necessidade de estudar outros fatores intrínsecos ou extrínsecos, como sejam as outras terapias de que a adolescente beneficia, em simultâneo, de modo a perceber o impacto da musicoterapia num contexto mais alargado de intervenções múltiplas. Caso contrário, corre-se o risco de uma compreensão do fenómeno que não controla fatores confundentes do contexto.

Como reflexão final relativa à metodologia de investigação no estudo do efeito da musicoterapia na PEA, salientamos que as metodologias qualitativas se começam a afirmar, progressivamente. De acordo com a literatura nesta área, os estudos quantitativos fornecem informações importantes sobre a redução de sintomas e mudanças comportamentais, mas não contemplam informação sobre especificidades da intervenção e pouca ou nenhuma sobre as opiniões dos participantes. Para além disso, diversos autores salientam que a investigação em musicoterapia exige ecletismo, com diferentes questões de pesquisa e de métodos. Assim sendo, as descrições, narrativas ou estudos de caso das práticas da musicoterapia podem ser utilizadas e/ou integradas com métodos quantitativos, pois a musicoterapia é um processo rico, cuja complexidade se ajusta a desenhos qualitativos e que também tem muito a ganhar com métodos mistos, quebrando a hegemonia do modelo clínico de raiz exclusivamente positivista. Neste contexto específico, que envolve o impacto de uma intervenção,

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parecem-nos uma boa alternativa, os estudos quantitativos de sujeito único, numa abordagem metodológica mista.

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Referências

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