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Outras palavras doces

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Academic year: 2021

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Outras

Palavras Doces

Naidea Nunes

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Outras Palavras Doces

Naidea Nunes

Secretaria Regional de Educação e Cultura Centro de Estudos de História do Atlântico

Funchal 2010

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TÍTULO: Outras Palavras Doces

AUTOR: Naidea Nunes

1.ª EDIÇÃO: 2010

COLECÇÃO: Estudos, n.º 1

EDIÇÃO:

Centro de Estudos de História do Atlântico Rua das Mercês, nº 8, 9000-224 Funchal Telef.: 291 214970 / FAX: 291 223002 Email: ceha@madeira-edu.pt

Webpage: http://www.madeira-edu.pt/ceha

Imagem da capa: Cana-de-açúcar, Naidea Nunes, Calheta, 2006.

TIRAGEM: 2000 exemplares

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Índice 7 Agradecimentos 8 Resumo 9 Abstract 10 Résumé 11 Resumen

12 Curriculum Vitæ da Autora

14 Redescobrir a Civilização do Açúcar

25 Glossário Comparativo da Terminologia Açucareira Actual do Atlântico: Madeira,

Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil (com referências à Venezuela e à Colômbia) 34 Glossário comparativo A 60 Glossário comparativo B 70 Glossário comparativo C 107 Glossário comparativo D 113 Glossário comparativo E 123 Glossário Comparativo F 137 Glossário Comparativo G 148 Glossário Comparativo H 149 Glossário comparativo L 152 Glossário comparativo M 171 Glossário comparativo N

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173 Glossário comparativo O 175 Glossário comparativo P 189 Glossário comparativo Q 190 Glossário comparativo R 205 Glossário comparativo S 212 Glossário comparativo T 220 Glossário comparativo V 223 Glossário comparativo X 224 Conclusões e bibliografia

230 Índice de palavras do glossário 236 Fotos Canárias

236 Fotos S. Tomé e Príncipe 236 Fotos Brasil

238 Anexo I - Entrevistas Brasil Entrevistas Brasil (I, II e III)

372 Projecto de Pós-Doutoramento - A terminologia açucareira no Atlântico: património linguístico-cultural madeirense

379 Projecto RITerm-Jovem - Terminologia Açucareira Iberoamericana - Conclusões 384 Glossaire multilingue de la terminologie sucrière et les relations interculturelles

406 A terminologia açucareira actual no Atlântico (Madeira, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil)

420 Mudança e variação na terminologia açucareira actual do Brasil

433 Quadros: Mudança e variação na terminologia açucareira actual do Brasil

455 Madeirensismos e brasileirismos na terminologia açucareira (do século XV à actualidade)

484 Madeirensismos na terminologia açucareira actual das Canárias

495 Quadros - Madeirensismos na Terminologia Açucareira Actual das Canárias

507 A Terminologia da cerâmica do Açúcar de Cana

516 A Terminologia Açucareira no Português de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe: estudo comparativo

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Verde e de S. Tomé e Príncipe: estudo comparativo

554 Glossário Românico do Açúcar de Cana: do Mediterrâneo ao Atlântico 577 A tradição açucareira dos doces, bebidas e mezinhas no quotidiano das ilhas

atlânticas: Madeira, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe

591 A Terminologia Açucareira Iberoamericana: diálogo de línguas e culturas 601 O património linguístico-histórico-cultural do Engenho Hinton

605 Madeirensismos na Terminologia Ibero-Americana do Açúcar de Cana

629 Terminologia histórica agrícola e pré-industrial da produção açucareira nas línguas românicas (Português, Espanhol e Italiano)

649 Terminologia histórica dos produtos e subprodutos açucareiros: do Mediterrâneo ao Atlântico

679 A neologia na terminologia histórica e actual do açúcar de cana na ilha da Madeira

694 Noms de métiers de la production sucrière dans l’anthroponymie primitive de l’île de Madère (XVe et XVIe siècles)

713 Os caminhos da palavra garapa: Brasil, Cabo Verde e Madeira

725 Permanência e Errância das palavras do açúcar: a forma trapiche

731 Inquéritos lexicais sobre a produção açucareira actual na ilha da Madeira

737 Questionários terminológicos sobre a produção açucareira

756 A terminologia histórica do açúcar nas ilhas atlânticas: Madeira e Canárias (séculos XV e XVI)

777 A terminologia açucareira nos documentos históricos da ilha da Madeira (séculos XV e XVI)

Anexo (documento PDF)

PALAVRAS DOCES.

Terminologia e tecnologia históricas e actuais da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico

Naidea Nunes Nunes

Funchal, Centro de Estudos de História do Atlântico Governo Regional da Madeira, 2003

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Agradecimentos

Agradeço profundamente a todos os agricultores e trabalhadores dos engenhos que tão gentilmente colaboraram neste estudo pela sua generosa disponibilidade e por todo o seu conhecimento simples e humilde, sendo um verdadeiro exemplo de sabedoria, pois sem eles este trabalho não existiria.

Agradeço igualmente ao Centro de Investigação e Tecnologia da Madeira (CITMA) pela atribuição de uma bolsa de pós-doutoramento que nos foi concedida, permitindo a nossa deslocação às diferentes áreas geográficas estudadas para a recolha terminológica in loco.

Agradeço também ao Professor Doutor Ivo de Castro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que acompanhou os meus primeiros passos nesta área de investigação; à Professora Doutora Maria Teresa Cabré, Directora do Instituto Universitário de Linguística Aplicada (IULA) da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona (Espanha) e à Professora Doutora Margarita Correia da Universidade de Lisboa e do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) terem acolhido este meu projecto de investigação.

Agradeço ainda ao Doutor Alberto Vieira e ao Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA), todo o apoio e incentivo que sempre nos deu para a realização deste e de outros projectos de investigação.

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Resumo

Glossário Comparativo

da Terminologia Açucareira Actual no Atlântico

O glossário comparativo da terminologia açucareira actual no Atlântico, incluindo a terminologia ibero-americana, dado que apresenta materiais linguísticos das ilhas Canárias e referências à terminologia de outras áreas geográficas de língua espanhola, mostra-nos o papel central da ilha da Madeira como epicentro na difusão da cultura açucareira no Atlântico.

Os madeirenses, especialistas na produção açucareira, participaram activamente na transplantação da terminologia e da tecnologia desta actividade económica para as novas áreas açucareiras do Atlântico: Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil. E indirectamente, através das ilhas Canárias, os termos e as técnicas açucareiras chegaram aos países da América Latina de língua espanhola, como Cuba, México, Colômbia, Venezuela e Argentina.

Ao contrário da produção açucareira industrializada, cuja terminologia e tecnologia não apresentam qualquer interesse linguístico-cultural, a terminologia actual da produção açucareira tradicional, conservada nos países pobres e nas regiões mais isoladas que estudámos, apresenta muitos termos do antigo fabrico de açúcar de cana madeirense, nomeadamente trapiche,

rapadura, mestre de açúcar, forma de açúcar e açúcar mascavado, que interessa recolher e

salvaguardar.

Daí o interesse do glossário comparativo da terminologia açucareira actual no Atlântico, o registo deste património linguístico-cultural que nos mostra o percurso e a variação dos termos e das técnicas da produção açucareira nos três continentes: Europa, África e América.

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Abstract

Comparative vocabulary

of the actual sugar cane terminology in the Atlantic

The comparative vocabulary of the actual sugar cane terminology in the Atlantic, including the ibero-americane terminology, once that it presents linguistic data from Canarias islands and references to the terminology of other geographical areas of Spanish language, that shows us the central paper of Madeira island as epicenter in the diffusion of the sugar cane culture in the Atlantic.

The maderian people, specialized in the sugar cane production, participated actively in the transplantation of the terminology and technology of this economic activity to the new sugar cane areas in the Atlantic: Canarias, Cap Vert, S. Tomé and Principe and Brazil. And indirectly, through the Canarias islands, the sugar cane terms and techniques arrived to the Latin American countries of spanish language, as Cuba, Mexico, Colombia, Venezuela and Argentina.

In opposition of the industrialized sugar cane production, which terminology and technology presents none linguistic and cultural interest, the actual terminology of the traditional sugar cane production, conserved in the poor countries and in the most isolated regions that we studied, presents a lot of terms from the old sugar cane maderian production, as trapiche,

rapadura, mestre de açúcar, forma de açúcar e açúcar mascavado, that is very important to

collect and save.

That’s why the interest of this comparative vocabulary of the actual sugar cane terminology in the Atlantic, the registration of this linguistic and cultural patrimony that shows us the path and the variation of the terms and techniques of the sugar cane culture in the three continents: Europe, Africa and America.

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Résumé

Glossaire comparatif

de la terminologie sucrière actuelle dans l’Atlantique

Le glossaire comparatif de la terminologie sucrière actuelle dans l’Atlantique, inclusive la terminologie ibéro-américaine, une fois que nous présentons des matériaux linguistiques des îles Canaries et des références à la terminologie d’autres zones géographiques de langue espagnole, nous montre le rôle central de l’île de Madère comme épicentre de la diffusion de la culture sucrière dans l’Atlantique.

Les madériens, spécialisés dans la production sucrière, ont participé activement dans la transplantation de la terminologie et de la technologie de cette activité économique dans les nouvelles zones sucrières de l’Atlantique : Canaries, Cap Vert, S. Tomé et Principe et Brésil. Et indirectement, à travers les îles Canaries, les termes et les techniques sucrières sont arrivés aux pays de l’Amérique Latine de langue espagnole, comme Cuba, Mexique, Colombie, Venezuela et Argentine.

Au contraire de la production sucrière industrialisée, laquelle terminologie et technologie ne présentent pas quelque interêt linguistique et culturel, la terminologie actuelle de la production sucrière traditionnelle, conservée dans les pays pauvres et dans les régions plus isolées que nous avons étudié, présente beaucoup de termes de l’ancienne production sucrière de l’île de Madère, notamment trapiche, mestre de açúcar, forma de açúcar et açúcar mascavado, qu’il faut recueillir et sauvegarder.

C’est pourquoi l’intérêt du glossaire comparatif de la terminologie sucrière actuelle dans l’Atlantique, l’enregistrement de ce patrimoine linguistique et culturel qui nous montre le parcours et la variation des termes et des techniques sucrières dans les trois continents : Europe, Afrique et Amérique.

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Resumen

El Glosario Comparativo

de la Terminología Azucarera Actual en el Atlántico

El glosario comparativo de la terminología azucarera actual en el Atlántico, inclusive la terminología ibero-americana, una vez que presenta materiales lingüísticos de las islas Canarias y hace referencias a la terminología de otras áreas geográficas de lengua española, nos muestra el papel central de la isla de Madeira como epicentro de difusión de la cultura azucarera en el Atlántico.

Las gentes de Madeira, especialistas en la producción azucarera, participaran activamente en la trasplantación de la terminología y de la tecnología de esta actividad económica a las nuevas áreas azucareras del Atlántico: Canarias, Cabo Verde, S. Tomé y Príncipe y Brasil. Y indirectamente, a través de las islas Canarias, los términos y las técnicas azucareras llegaran a los países de América Latina de lengua española, como Cuba, México, Colombia, Venezuela e Argentina.

Al contrario de la producción azucarera industrializada, cuya terminología y tecnología no presentan cualquier interese lingüístico y cultural, la terminología actual de la producción azucarera tradicional, conservada en los países pobres y en las regiones más aisladas que estudiamos, presenta grande numero de términos de la antigua producción azucarera de Madeira, por ejemplo: trapiche, rapadura, mestre de açúcar, forma de açúcar e açúcar mascavado, que importa recoger y salvaguardar.

De ahí el interese del glosario comparativo de la terminología azucarera actual del Atlántico, el registro de este patrimonio lingüístico y cultural que nos muestra el recorrido y la variación de los términos y de las técnicas de la producción azucarera en los tres continentes: Europa, África y América.

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CURRICULUM VITAE DA AUTORA

Pós-doutoramento em Ciências da Linguagem e Linguística Aplicada com o projecto de investigação intitulado Terminologia Açucareira Actual no Atlântico: Património

Linguístico-Cultural Madeirense (2008), com a supervisão da Professora Doutora Maria Teresa Cabré do

Instituto Universitário de Linguística Aplicada (IULA) da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona (Espanha).

Cursos de pós-graduação online em «Introdução à Terminologia» e «Terminologia e Necessidades Profissionais» pelo Instituto Universitário de Linguística Aplicada (IULA) da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona, Espanha (2003 e 2005).

Doutoramento em Linguística Românica na Universidade da Madeira (2002), com a apresentação da dissertação O Açúcar de cana na ilha da Madeira: do Mediterrâneo ao

Atlântico. Terminologia e tecnologia históricas e actuais da cultura açucareira, com orientação

científica do Professor Doutor Ivo Castro.

Mestrado em Linguística Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1996), com a apresentação da dissertação Antroponímia Primitiva da Madeira, orientada pelo Professor Doutor Ivo Castro.

Publicou, em 1999, o livro Antroponímia primitiva da Madeira e Repertório onomástico

histórico da Madeira (séculos XV e XVI), em co-autoria com Dieter Kremer, na colecção

Patronymica Romanica nº 13, Tubingen, Niemeyer Editora. E, em 2003, publicou o livro Palavras

Doces. Terminologia e tecnologia histórica e actual da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico, na Colecção História do Açúcar nº 2 do Centro de Estudos de História do Atlântico,

Governo Regional da Madeira.

Lecciona na Universidade da Madeira desde 1994 cadeiras nas áreas da Linguística Portuguesa e Linguística Românica. É autora de vários artigos em revistas nacionais e internacionais, bem como de comunicações publicadas em actas de congressos nacionais e internacionais, nas áreas de Linguística Portuguesa e Românica.

Desde 2003 tem vindo a desenvolver estudos na área da Terminologia Açucareira Ibero-Americana, nomeadamente como coordenadora do tema no projecto RITerm-Jovem da Rede

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Ibero-Americana de Terminologia e da União Latina, envolvendo jovens investigadores da Venezuela e da Colômbia. Colabora com o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, no projecto de Dialectologia do Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza, no tratamento dos materiais para a publicação do Atlas Linguístico-Etnográfico da Madeira e do Porto Santo.

Membro investigador do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL), membro da Societé de Linguistique Romane, da Associação Internacional de Lusitanistas (AIL), da Associação Portuguesa de Linguística (APL) e da Associação dos Professores de Português (APP).

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REDESCOBRIR

A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR

Alberto Vieira CEHA-Madeira

“…Vales todos cheios de açúcar que aspergiam muito pelo

mundo”.

(Gomes Eanes de Zurara, Crónica de Guiné, Cap. II)

E vós todos, meus irmãos, que aqui me ouvis: dais-vos acaso ao gosto de saborear açúcar do Brasil? Tal doçura é um veneno para vossas almas, porque não só quem escraviza peca, e sem perdão de Deus, mas todos aqueles que ajudam a que esse negócio de morte seja proveitoso. Se adoçais a boca com açúcar, não é doce o que tomais, mas é fel, e verdadeiro e humano; e se o tendes posto em alguma bebida, o que bebeis é sangue. (Sermão

do padre António Vieira na cidade de Angra, in Daniel de Sá,

As Duas Cruzes do Império – Memórias da Inquisição, Lisboa,

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1.AS MOTIVAÇÕES E ORIGEM DAS PALAVRAS DOCES. A publicação deste

novo trabalho da doutora Naidea Nunes, que retoma outro já realizado em 2003, é o motivo para esta nossa breve reflexão sobre a civilização do açúcar no espaço atlântico, também o principal protagonista deste glossário de terminologia açucareira que agora se publica.

A cultura da cana sacarina marcou de forma clara a sociedade ocidental atlântica a partir do século XV. A descoberta desta influência faz-se através do discurso histórico, mas também da aproximação a outro tipo de abordagens realizados por distintos ramos do saber. O projecto que lançámos a partir de 2003, com a designada Associação Internacional de História e Civilização

do Açúcar, foi pensado de acordo com uma nova postura interdisciplinar da investigação e

debate sobre esta cultura. Durante quatro anos, os eventos realizados e os frutos daí resultantes, em termos da publicação de trabalhos e da aproximação de investigadores de vários espaços e especialidades para um debate comum, não foram em vão. Este trabalho que agora se apresenta certamente que não teria tido o desenvolvimento que teve sem esta situação.

A CANA-DE-AÇÚCAR-UMA CULTURA UNIVERSAL. A cana-de-açúcar é de todas

as plantas domesticadas pelo Homem a que mais implicações teve na História da Humanidade. O seu percurso multissecular, desde a sua descoberta remota pelo Homem como cultura com interesse agrícola, na Papua (Nova Guiné) à 12.000 anos, até ao actual estádio da sua expansão e afirmação mundial, evidenciam esta realidade. A chegada ao Atlântico, no século XV, muito celebrada pelos europeus, provocou o maior fenómeno migratório que a História da Humanidade até hoje conheceu, isto é, a escravatura de milhões de africanos. Por outro lado teve um impacto evidente na cultura literária, musical e lúdica das regiões onde a cultura se afirmou e adquiriu importância económica e social. O espaço Atlântico foi a celebração da sua plena afirmação económica, que pela riqueza gerada, transformou as sociedades produtoras, transformadoras e consumidores, com impactos deveras catastróficos ao nivel do meio ambiente dos primeiros.

A rota do açúcar, na sua transmigração do Mediterrâneo para o Atlântico, tem na Madeira a principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao novo ecossistema e deu mostra da elevada qualidade e rendibilidade. A história do açúcar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e com os momentos de fulgor do arquipélago nos séculos XV e XVI. A sua presença é multissecular e deixou rastros evidentes na sociedade madeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os embelezou e que hoje jaz quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel do seguinte perduram ainda a maioria dos engenhos desta nova vaga industrial, dominada de forma especial

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pelos engenhos de aguardente. Aqui, a cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do álcool, aguardente e, raras vezes, do tão celebrado açúcar.

A Europa sempre se prontificou a apelidar as suas ilhas de acordo com a oferta de produtos ao seu mercado. Deste modo, sucedem-se as designações de ilhas do pastel, do açúcar e do vinho. O açúcar ficou como epíteto da Madeira e de algumas das Canárias, onde a cultura foi a varinha de condão que transformou a economia e vivência das suas populações. Também do outro lado do oceano estas ilhas se identificam com o açúcar, uma vez que serviram de ponte à sua passagem do Mediterrâneo para o Atlântico. Por aqui devemos entender a relevância que assume o estudo do caso particular das ilhas, quando se pretende fazer a reconstituição da rota do açúcar. A Madeira é o ponto de partida, por dois tipos de razões. Primeiro, porque foi pioneira na exploração da cultura e, depois, assumiu o comando na sua expansão ao espaço exterior próximo ou longínquo, incluído as Canárias. As ilhas foram, assim, os principais viveiros da sua expansão atlântica.

A cultura dos canaviais e a produção do açúcar tiveram grande impacto nas novas sociedades criadas pelos europeus no Atlântico, moldando a mundividência quotidiana das novas sociedades e economias que, em muitos casos, se afirmaram como resultado dele. A cana sacarina, pelas especificidades do cultivo, especialização e morosidade do processo de transfor mação em açúcar, implicou uma vivência particular, assente num específico complexo sócio-cultural da vida e convivên cia humana. Neste contexto a Madeira manteve uma posição relevante, por ter sido a primeira área do espaço atlântico a receber a nova cultura. E, por isso mesmo foi aqui que se definiram os primeiros contornos desta realidade, que teve plena afirmação nas Antilhas e Brasil. Queremos insistir que foi na Madeira que a cana-de-açúcar iniciou a

Diáspora atlântica. Aqui surgiram os primeiros contornos sociais (a escravatura), técnicos

(engenho de água) e político-económicos (trilogia rural) que materializaram a civilização do açúcar. Por tudo isto torna-se imprescindível a análise da situação madeirense, caso estejamos interessados em definir, exaustivamente, a civilização do açúcar no mundo atlântico.

A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu com os demais produtos e culturas (vinha, cereais), não se resumiu apenas à intervenção no processo económico. Ela foi marcada por especificidades capazes de moldarem a sociedade, que dela se serviu para firmar a sua dimensão económica. A importância que o sector comercial lhe atribuía conduziu a uma posição de cultura dominadora de todo (ou quase todo) o espaço agrícola disponível, capaz também de estabelecer os contornos de uma nova realidade social. Foi precisamente esta tendência envolvente que levou a Historiografia a definir o período da afirmação como o Ciclo do Açúcar. Aqui não estávamos perante uma aplicação da teoria dos ciclos económicos, mas pretendia-se subordinar esta tendência para a afirmação da cultura na vida económica e social com o conceito. A omnipresença da cultura, as múltiplas implicações, nos espaços que foi cultivada, levou alguns investiga dores a estabelecer um novo modelo de análise: os ciclos de produção assentes na monocultura.

O Açúcar pode muito bem ser considerado uma conquista do mundo islâmico e budista1,

1 Sucheta Mazumbar, 1998, Sugar and Society in China, Londres, pp.21-27; Christian Daniels, Agro-Industries: Sugarcane Technology, in Joseph Needham, 1996,Science & Civilisation in China, vol. VI, part. III, Nova Iorque, pp-61-62, 278, 192

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tal como o pão e o vinho o são do cristianismo. O factor religioso foi fundamental na afirmação e divulgação do produto, daqui resultará a cada vez maior afirmação a partir dos primeiros séculos da nossa era. A afirmação da cana-de-açúcar é fruto da afirmação e expansão do budismo e islamismo. Tenha-se em conta, na primeira situação, que Buda nasceu em terras de canaviais, sendo considerado pela tradição como o “rei do açúcar”. Foi também Buda quem recomendou aos seus discípulos a bebida do suco de cana. Por outro lado o açúcar passou a ter um papel no ritual budista, nomeadamente nas cerimónias referentes ao banho e nascimento de Buda. Desta forma a expansão do Budismo, nos séculos I-VI, propiciou ao mesmo tempo a viagem da cana sacarina pelas terras orientais.

A ROTA MILENAR DO AÇÚCAR. A cana sacarina (saccharum officinarum) terá

sido domesticada há cerca de 12.000 anos na Papua (Nova Guiné). Entre 1500 AC e 500 DC a cultura espalhou-se pela Polinésia e Melanésia, mas foi na Índia que adquiriu maior importância, expandindo-se entre o século I e VI DC. Foi aí que os europeus tomaram contacto com o produto e cultura, começando o comercio e depois com o transplante da cultura para os vales dos rios Tigre e Eufrates. Aqui, os árabes tiveram conhecimento da cultura e levaram-na consigo para o Egipto, Chipre, Sicília, Marrocos e Valência. Foi no culminar na expansão árabe no Ocidente que a Madeira serviu de trampolim da cultura para o Atlântico, situação que foi o início da fase mais importante da História do açúcar.

As cruzadas, de acordo com a Historio grafia europeia, foram o princípio da expansão da cultura açuca reira e da vinculação aos escravos. Deste modo nas colónias italianas do Mediterrâneo Oriental surgem os primeiros resquícios da nova dinâmica social que passaria à Sicília e, depois à Madeira, donde se expandiram no Atlântico2. Diz-se, ainda, que a ligação

do escravo, negro ou não, à cultura dos canaviais foi uma invenção do ocidente cristão, não havendo lugar à sua presença no labor agrícola e dos engenhos do mundo muçulma no. Neste contexto surgiu o conceito Plantation, ou plantação para os brasileiros, a definir a organização social, económica e política da agricultura que tinha por base este produto3. Sidney Greenfield4

estabeleceu para o arqui pélago madeirense uma função primordial na afirmação da escrava tura e relações económico-sociais envolventes: A Madeira foi o elo de ligação entre “Mediterranean

Sugar Production” e a “Plantation Slavery”. Sucede que a escravatura da Madeira não assumiu

uma posição similar à de Cabo Verde, São Tomé, Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente de produção açucareira. Aqui, ao invés daquilo que tem lugar, o escravo não dominou as relações sociais de produção: ele existiu, sob a condição de operário especializa do ou não, mas a posição não era dominante, tal como sucedia nas áreas supracitadas.

2 Sobre a expansão do açúcar no Mediterrâneo veja-se: Carmelo TRASSELLI, 1957, Producción y comercio del azúcar en Sicilia del siglo XVIII al XIX, Revista Bimestre Cubana, 72, 138_141; José PEREZ VIDAL, 1973, La cultura de la caña de azúcar en el Levante español, Madrid; J. H. GALLOWAY, 1977, The Mediterranean sugar industry in Geographical Review, 67, 177-194; William PHILIPS, 1986, Sugar production and trade in the Mediterranean at the end of the crusades, in Meeting of two worlds, ed. Vladimir P. Goss, Michigan, 383.406; 1990, Actas del segundo Seminario internacional. La caña de azucar en el Mediterrâneo, Motril.

3 S. Mintz, 1970, Sugar and society in Caribbean, New Haven, p.XIV; Eric R. Wolf/Sidney W. Mintz, 1975, Haciendas y plantaciones en Mesoamérica y las Antillas , in Enrique Florescano(cord.), Haciendas, latifundios y plantaciones en America latina, Mexico; Philip D. Curtin, 1990 , The rise and fall of the plantation complex. Essays in atlantic history, Cambridge.

4 1979, Madeira and the beginings of sugar cultivation and plantation slaves, in Comparative perspectives on new world plantation societies, N. York, pp. 236_252.

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A presença do açúcar na Madeira enquadra-se na tradição Mediterrânea desta cultura. Aliás, foi na Sicília que o infante D. Henrique viu o exemplo para a transformação económica da ilha, mandando vir socas de cana e mestres de engenho. Os canaviais existiam na Sicília desde o século X. Cadamosto, navegador quatrocentista e conhecedor que era desta ilha, estabelece uma comparação entre as duas ilhas quanto à riqueza e processo económico.

O açúcar é, entre todos os produtos que no Ocidente se atribuiu valor comercial, o que foi alvo de maiores inovações no seu fabrico. Note-se que no caso do fabrico do vinho a tecnologia pouco ou nada mudou desde o tempo dos Romanos. Várias condicionantes favoreceram a necessidade de permanente actualização, situação que se tornou mais clara no século XVIII com a concorrência da beterraba. Mesmo assim ainda hoje persistem em alguns recantos do Mundo, na china, Índia ou Brasil, onde a tecnologia da revolução industrial ainda não entrou.

O fabrico do açúcar está limitado pela situação e ciclo vegetativo da planta. A cana sacarina tem um período útil de vida em que a percentagem de sacarose era mais elevada. A cana estava pronta para ser colhida e a partir daqui um dia que passasse era uma perda para o produto. Acresce que a cana depois de cortada tem pouco mais de 48 horas para ser moída e cozida, pois caso contrário começa a perder sacarose e inicia o processo de fermentação. Daqui resulta a necessidade de acelerar o processo de fabrico do açúcar através de constantes inovações tecnológicas que cobrem o processo de corte esmagamento e cozedura. A isto junta-se o aumento da mão-de-obra, que junta-se faz à custa de escravos africanos. A cana-de-açúcar não está na origem da escravidão africana mas no processo de afirmação a partir da Madeira.

Enquanto a cultura se fazia em pequenas parcelas a maior parte das questões não se colocavam, mas quando se avançou para uma produção em larga escala houve necessidade de encontrar soluções capazes de debelar a situação. A viragem aconteceu a partir de meados do século XV na Madeira e deverá ter implicado mudanças radicais na tecnologia usada e na afirmação da escravatura dos indígenas das Canárias e dos negros da Costa da Guiné. É por isso que se assinala a partir da Madeira importantes inovações tecnológicas no sistema de moenda da cana com a generalização do sistema de cilindros.

O OURO BRANCO INSULAR. O açúcar foi uma das molas propulsoras da vida

económica da ilha, que a catapultou para uma posição central no mercado açucareiro europeu, nascente dos séculos XV e XVI. A riqueza chegou aos proprietários mas também a arraia-miúda, sendo um factor de progresso social. Com ele ergueram-se igrejas - a Sé do Funchal é um exemplo disso -, amplos palácios que se rechearam de obras de arte de importação, testemunhos evidentes estão no actual Museu de Arte Sacra. A arte flamenga na ilha é um dom do açúcar. O Progresso sócio-económico da ilha, o protagonismo na expansão atlântica -- nos descobrimentos e defesa das praças africanas -- só foi conseguido à custa da elevada rique za acumulada pelos madei renses. Todos, sem diferença de con dição social, fruíram da rique za. Até a opulência e luxúria da própria coroa, lá longe no reino, foi conseguida, por algum tempo, com o açúcar que a coroa arrecadava na ilha.

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A cana-de-açúcar na primeira experiência além Europa demonstrou as possibilidades de rápido desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Gaspar Frutuoso testemunha isso mesmo ao referir que “esta planta multiplicou de maneira na terra, que he o assucar della o

melhor que agora se sabe no mundo, o qual com o benefício que se lhe faz tem enriquecido muitos mercadores forasteiros e boa parte dos moradores da terra”5. Tal evidência motivou as

atenções do capital estrangeiro e nacional que apostou no seu crescimento e promoção, pois só assim se poderá compreender o rápido arranque. Esta que, nos primórdios da ocupação do solo insular, se apresentava como uma cultura subsidiária, passou de imediato a dominante, situação que manteve por pouco tempo.

O AÇÚCAR-DA MADEIRA PARA O MUNDO ATLÂNTICO. A Madeira afirmou-se

no processo da expansão europeia pela singularidade do protagonismo. São vários os factores que o propiciaram, no momento de aber tura do mundo atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no século XV, uma das peças-chave para a afirmação da hegemonia portuguesa no Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em expansão. Além disso a ilha é considerada a primeira pedra do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o litoral abrupto. À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como “farol” Atlântico, o guia orientador e apoio para as incursões oceânicas. Por isso ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha. Uma e outra contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e assumisse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo Mundo. Como corolário disto a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações e descobrimentos no Atlânti co. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlântico, reforçaram a sua posição e fizeram avolumar os serviços prestados pelos madeiren ses. Aqui, surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das praças marroqui nas, ou nas campanhas brasileiras e indicas6. A par disso a ilha foi, nos alvores

do século XV, como a primeira experiência de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais, que depois foi utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano.

A tradição anota que as primeiras socas de cana enviadas para o Novo Mundo saíram de La Gomera. Todavia, a cultura encontrava-se aí em expansão, enquanto na Madeira estava já consolidada. Por outro lado estão ainda por descobrir as razões que conduziram Colombo, no decurso da terceira viagem, a fazer um desvio da rota para escalar o Funchal. Na verdade, a Madeira foi a primeira área do Atlântico onde se cultivou a cana-de-açúcar que, depois, partiu à conquista das ilhas (Açores, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Antilhas) e continente americano. Por isso mesmo o conhecimento do caso madeirense assume primordial importância no contexto

5 1979, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, p.113.

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da História e geografia açucareira dos séculos XV a XVII.

O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua qualidade diferenciava-o dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de muitos consumidores europeus. Deste modo o aparecimento de açúcar de outras ilhas ou do Novo Mundo veio a gerar uma concorrência desenfreada ganha por aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Um testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard de Laval: “Não se fale

em França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé”7. E refere que no Brasil laboravam 400 engenhos que

rendiam mais de cem mil arrobas que, segundo o mesmo, são vendidas como da Madeira. O mais significativo da situação do novo mercado produtor de açúcar é que o madeirense encontra-se indissociavelmente ligado a ele. Na verdade, a Madeira foi o ponto de partida do açúcar para o Novo Mundo. O solo madeirense confirmou as possibilidades de rentabilização e de abertura de novo mercado para o açúcar. Também o íncola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no obreiro da sua difusão no mundo Atlântico. A tradição anota que foi a partir da Madeira que o açúcar chegou aos mais diversos recantos do espaço atlântico e que os técnicos madeirenses foram responsáveis pela sua implantação. O primeiro exemplo é Rui Gonçalves da Câmara, quando em 1472 comprou a capitania da ilha de S. Miguel. Na expedição de posse da sua capitania fez-se acompanhar de canas da Lombada, que entretanto vendera a João Esmeraldo, e dos operários para a tornar produtiva. A estes seguiram-se outros que corporizaram diversas tentativas frustradas para fazer vingar a cana de açúcar nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria e Terceira8.

Em sentido contrário avançou o açúcar em 1483, quando o governador D. Pedro de Vera quis tornar produtiva a terra conquistada nas Canárias9. De novo a Madeira surge disponibilizar

as socas de cana para que aí surgissem os canaviais. Todavia, o mais significativo é a forte presença portuguesa no processo de conquista e adequação do novo espaço a economia de mercado10. Os portugueses, em especial os madeirenses, surgem com frequência nas ilhas

ligando-se ao processo de arroteamento das terras, como colonos que recebiam datas de terras na condição de trabalhadores especializados a soldada11, ou de operários especializados que

construíam engenhos e os colocam em movimento. O avanço do açúcar para sul ao encontro do habitat que veio gerar o boom da produção, deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé. Todavia, só nesta última, pela disponibilidade de água e madeiras, os canaviais encontraram condições para a sua expansão. Deste modo em 1485

7 1944, Viagem de Francisco Pyrard de Laval, Vol. I, Porto, p. 228.

8 Gaspar FRUTUOSO, Livro Quarto das Saudades da Terra, Vol. II, pp. 59, 209-212; V. M. GODINHO, Os Decobrimentos e a Economia

Mundial., Vol. IV, F. Carreiro da COSTA, 1949,”A cultura da cana-de-açúcar nos Açores. Algumas notas para a sua História” in Boletim da Comissão Reguladora do Comércio de cereais dos Açores, nº 10, 15-31.

9 1933,Conquista de la Isla de Gran Canaria, La Laguna, p. 40.

10 José PÉREZ VIDAL, 1991, Los Portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas.

11 Pedro MARTINEZ GALINDO, 1982,Protocolos de Rodrigo Fernandez (1520-1526). Primera parte, La Laguna, pp. 67, 84-90; Guilhermo CAMACHO Y PÉREZ GALDOS,1961, “El cultivo de la cana de azúcar y la industria azucarera en Gran Canaria (1510-1535) in Anuario

de Estudios Atlanticos, nº 7, 35-38; Maria LUISA FABRELLAS, 1952,”La producción de azúcar en Tenerife” in Revista de História, nº

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a coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de cana do açúcar. Para o fabrico do açúcar refere-se a presença de “muitos mestres da ilha da Madeira”.

A partir do século XVI a concorrência do açúcar das Canárias e S. Tomé aperta o cerco do açúcar madeirense o que provocou a natural reacção dos agricultores madeirenses. Deste modo sucedem-se as queixas junto da coroa, que ficou testemunho em 152712. Em vereação

reuniram-se os lavradores de cana para reclamar junto da coroa contra o prejuízo que lhes causava o progressivo desenvolvimento desta cultura em S. Tomé. A resposta do rei, no ano imediato13,

remete para uma análise dos interesses em jogo e só depois, no prazo de um ano, seria tomada uma decisão, que parece nunca ter vindo. Note-se que a exploração fazia-se directamente pela coroa e só a partir de 1529 surgem os particulares interessados nisso. Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlântico davam-se os primeiros passos no arroteamento das terras brasileiras. E, mais uma vez, é notada a presença dos canaviais e dos madeirenses como os seus obreiros. A coroa insistiu junto dos madeirenses no sentido de criarem as infra- estruturas necessárias ao incremento da cultura. Aliás, o primeiro engenho aí erguido por iniciativa da coroa contou com a participação dos madeirenses14. Em 1515 a coroa solicitava os bons ofícios de alguém que

pudesse erguer no Brasil o primeiro engenho, enquanto em 1555 foi construído pelo madeirense João Velosa um engenho a expensas da fazenda real15. Esta aposta da coroa na rentabilização do

solo brasileiro através dos canaviais levou-a a condicionar a forja de mão-de-obra especializada, que então se fazia na Madeira. Assim, em 153716 os carpinteiros de engenho da ilha estão

proibidos de ir à terra dos mouros.

Com tais condicionantes e colocados perante o paulatino decréscimo da produção açucareira na ilha, muitos madeirenses são forçados a seguir ao encontro dos canaviais brasileiros17. Deste

modo em Pernambuco e na Baía, entre os oficiais e proprietários de engenho, pressente-se a presença madeirense18. É de salientar que alguns destes madeirenses se tornaram em importantes

proprietários de engenho como foi o caso de Mem de Sá, João Fernandes Vieira19 o libertador de

Pernambuco. É a partir daqui que se estabelece um vínculo com a Madeira, continuado através do trafico ilegal de açúcar para o Funchal ou então ao mercado europeu com a designação da Madeira. Este movimento seguiam-se as ancestrais ligações entre os que do outro lado do Atlântico via florescer a cultura e aqueles que na ilha ficavam sem os seus benefícios20. Contra

12 ARM, CMF, Vereações 1527, fl. 23vº, 26 de Março. 13 ARM, Documentos Avulsos, nº 66, 8 de Fevereiro 1528.

14 Alberto LAMEGO, 1948, “onde foi iniciado no Brasil a lavoura canavieira, onde foi levantado o primeiro engenho de açúcar”, in B.

Açúcar, nº 32, pp. 165-168.

15 Arquivo Geral da Alfândega de Lisboa, livro 54, fl. 41; 1954, Documentos para a História do Açúcar, ed. IAA. Vol I, Rio de Janeiro, pp. 121-123, 5 de Outubro 1555.

16 ARM, RGCMF, T. I, fl. 372vº.

17 Em 1579 (ARM, Misericórdia do Funchal, nº 711, fls. 114-115) Gonçalo Ribeiro refere ser devedor a Manuel Luís, mestre de açúcar, “que

agora está em Pernambuco”.

18 Confronte-se David Ferreira de GOUVEIA,1987, “A manufactura madeirense (1420-1550). Influência madeirense na expansão e transmissão da tecnologia açucareira”, in Atlântico, nº 10, pp. 115-131.

19 José António Gonsalves de MELLO, 1956, João Fernandes Vieira. Mestre de Campo do terço da infantaria de Pernambuco, Vol. II, Recife, pp. 201-267.

20 Veja-se, por exemplo, o caso de Cristóvão Roiz de Câmara de Lobos que em 1599(ARM, Juízo dos Resíduos e Capelas, fls. 391-396, Testamento de 11 de Setembro de 1599) declara ter crédito em três mestres de açúcar de Pernambuco em cerca de cem mil réis de uma

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isso intervieram os madeirenses e a coroa proibindo a importação deste açúcar para revenda na ilha21. Depois sucederam-se outras medidas do município, proibindo a compra de açúcar

do Brasil22. Os canaviais foram desaparecendo paulatinamente das terras, dando lugar aos

vinhedos. Apenas a conjuntura da segunda metade do23 século dezanove permitiu o seu retorno.

Mas foram efémeras as tentativas para a produção de açúcar, só possível mediante uma política proteccionista. Os canaviais perderam a função de produtores do açúcar, o ouro branco dos insulares, mas em contrapartida favoreceram uma produção alternativa de mel e aguardente. Daqui resulta as actuais sobrevivências da cultura na Madeira e Canárias.

A TRADIÇÃO CULTURAL e O AÇÚCAR. À expansão da cultura da cana-de-açúcar ligam-se tradições culturais europeias e africanas. Na verdade a cana-de-açúcar propiciou o confronto da cultura europeia com a africana, sendo exemplo cabal as sociedades geradas em seu torno nas Antilhas e Brasil. No último espaço é evidente o sincretismos da cultura material, que está na origem à de signação de Afro-brasileira, como provam os estudos de Gilberto Freire24

e Roger Bastide25. Mas aqui insiste-se nos contributos culturais resultantes do confronto com

a população africana, conduzida como escrava para a safra do açúcar. Por outro lado insiste-se que a expansão da cultura da cana-de-açúcar propiciou a divulgação de determinadas tradições lúdicas: representações teatrais e festivas. Está neste caso o “tchiloli” nome dado a peça “A

Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carlos Magno”, atribuída ao madeirense

Baltazar Dias26. É uma peça teatral do ciclo carolíngio, muito representada no século XVI, que

teria sido levada para S. Tomé pelos plantadores e mestres de engenhos da Madeira. A tradição perpetuou-se e ainda hoje se apresenta o “Tchiloli” para celebrar um acontecimen to importante ou um dia santo. Na ilha Terceira persiste na actualidade as afamadas danças do Entrudo, que segundo opinião de alguns estudiosos se filia na tradição do Bumba-meu-boi brasileiro. À volta disso estabeleceu Luís Fagundes Duarte27 uma teoria que aponta para a existência de

uma tradição lúdica da cana-de-açúcar, que acompanhou o percurso de expansão do açúcar no Atlântico, marcada por re presentações e danças de carácter dramático com “sabor” vicentino.

A par disso no Brasil algumas das folias que animavam os terreiros do engenho são um misto de tradições europeias e africanas. Destacam-se o Bumba-meu -boi e o fandango. A primeira aproxima-se da tradicional tourada, surgindo como forma de exaltação do negro e do boi, elementos fundamentais da safra açucareira. A segunda é um auto popular do ciclo natalício que descreve a luta entre o cristão e o mouro, numa clara alusão ao processo de reconquista

companhia que teve com Francisco Roiz e Francisco Gonçalvez. 21 ARM, RGCMF,T. III, fls. 12-13.

22 ARM, CMF, Vereações de Outubro de 1603.

23 1987, Casa Grande & Senzala, Rio de Janeiro; idem, 1985, Nordeste, Rio de Janeiro, p.137.

24 O texto mais famoso é 1987, Casa Grande e Senzala, 25ª edição,(1ª edição em 1933) Rio de Janeiro; 1985, Nordeste, Rio de Janeiro, (1ª edição, 1937).

25 1974, As Américas Negras. As Civilizações Africanas no novo Mundo, S. Paulo; 1985, As Religiões Africanas do Brasil. Contribuição a uma Sociologia das Interpretações de civilizações, S. Paulo.

26 Christian Albert, 1985, Le Tchiloli de Säo-Tomé un exemple de sbversion culturelle, Paris: Fondation Calouste Gulbenkian. Sep. Les

Litteratures Africaines de Langue Portugaise: a la recherche de l’indentite... das Actas do Colóquio, Paris, 28-30 Nov.-Dez. 1984 p.

437-444.

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peninsular. Do lado oposto a estas tradições está a Congada, uma dança de senzala, definida pela coroação do rei do Congo, que tinha lugar em Maio (dia de São Benedicto) e Outubro (dia de Nossa Senhora do Rosário).

Ainda no Brasil, a economia açucareira gerou uma dinâmica sócio-cultural diversa, que deixou rastros evidentes na literatura: o caso mais evidente é o de José Lins do Rego (1901 -1957), que escreveu um conjunto de romances a retratar o ciclo da cana-de-açúcar: Menino de

Engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), o Moleque Ricardo (1935), Usina (1936), Fogo Morto (1943) e Meus Verdes anos 1956). No campo da poesia não podemos esquecer

Ascenso Ferreira28 e João Cabral de Mello Neto [1922-1999]29. Na Madeira esta vivência não

entusiasmou a veia literária. Apenas na actualidade o tema despertou o interesse de Horácio Bento de Gouveia, em Águas Mansas (1963), e João França em A ilha e o Tempo (1972).

Acontece, ainda que o quotidiano gerado pela exploração açucareira não ficou apenas reduzido à Madeira e ao Brasil. Nas Caraíbas a presença da cana-de-açúcar foi assídua, acabando por despertar a atenção de escritores, poetas e cantores. Em Cuba podemos referir o caso de Carolina Garcia Aguilera, com “Bitter Sugar” (NY.2001) e para a Martinica temos Raphael Confiant com “Commandeur du Sucre” (Paris, 1994, 1999). No mundo de língua inglesa o tema foi também constante motivo de inspiração literária, como foi o caso de Barry Unsworth com “Sugar and Rhum” (NY.1988).

A safra açucareira teve também implicações na política de urbanização do espaço rural, con dicionando uma forma peculiar de ligação do espaço agrícola -industrial com as estruturas de mando e controlo social. A célebre trilogia rural, tão bem definida por Gilberto Freire, teve o primeiro aparecimento aqui na Madeira, sendo testemunho actual disso a célebre lombada de João Esmeraldo (Ponta do Sol). Mas outros mais exemplos poderiam ser referenciados na ilha que, lamentavelmente, se estão perdendo.

2. A IMPORTÂNCIA DE “OUTRAS PALAVRAS DOCES”: Aquando da primeira

publicação do trabalho da Doutora Naidea Nunes, Palavras Doces, em 2003, tivemos oportunidade de referir da importância deste trabalho linguístico, complementar do discurso histórico que nos últimos anos nos acompanhou a nós e a muitos no labor de desvendar a História açúcareira do Mundo Atlântico. Felizmente que a autora não terminou aqui, com a apresentação do trabalho académico o seu labor de investigação do tema e avançou com dois projectos de pós-doutoramento que permitiram alargar os horizontes já definidos no primeiro resultado. Assim, com o projecto “Terminologia açúcareira actual do Atlântico. Património

Linguístico cultural madeirense”, adicionou ao labor inicial outras regiões insulares, São Tomé

e Príncipe e Canárias, bem como o Brasil, uma extensão do caso madeirense. Depois com outro projecto sobre “A Terminologia Açúcareira Ibero-Americana”, estabeleceu a ponte entre as Canárias e o novo mundo de influência espanhola, com Cuba, Venezuela e Colômbia É o resultado destas últimas investigações a razão da presente publicação.

28 Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira,, 19-- Poemas (1922-1953), Recife: Nery da Fonseca; Idem, 1939, Canna caianna: versos, Recife: Empreza Diário da Manhã.

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No decurso dos últimos sete anos a autora, para além deste incansável labor de recolha nos diversos espaços assinalados do mundo atlântico, teve ainda oportunidade de participar em diversos eventos e publicações com contributos diversos sobre o tema. Pela importância que atribuímos a este trabalho, no quadro da História do Açúcar em geral e da situação da Madeira, em particular, achamos por bem propor que a publicação agora em formato digital reuni-se os trabalhos anteriormente publicados, como forma de permitir ao público interessado uma maior possibilidade de acesso e avaliação dos resultados.

Com estas “Outras Palavras Doces” completou-se um ciclo na elucidação do património linguístico legado pela cultura açucareira ao espaço atlântico que lhe serviu de berço para o seu nascimento fulgurante nos séculos. XV e XVI. O nosso papel na construção deste património fica assim valorizado e divulgado. Fiamos à espera de novos desafios e resultados por parte da autora.

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Glossário Comparativo da Terminologia Açucareira Actual do Atlântico: Madeira, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil

(com referências à Venezuela e à Colômbia)

Introdução

No nosso estudo de Doutoramento sobre a terminologia e a tecnologia históricas e actuais da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico, seguimos o percurso histórico da produção açucareira desde a Sicília, Valência, Granada, Madeira, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, até o Brasil, através do estudo de documentação histórica relacionada com a produção açucareira das referidas áreas geográficas, incluindo a aplicação de questionários sobre a terminologia açucareira actual na ilha da Madeira e em Cabo Verde (ilhas de Santiago e de Santo Antão)1.

Continuámos a nossa investigação sobre o tema, com o projecto de investigação de pós-doutoramento intitulado Terminologia Açucareira Actual no Atlântico: Património Linguístico-Cultural Madeirense2, alargando a realização dos inquéritos terminológicos sobre a cultura

açucareira actual a Canárias (ilhas de Gran Canaria e de La Palma), S. Tomé e Príncipe e Brasil (estados da Paraíba, Pernambuco, Baía, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Este estudo sincrónico da terminologia açucareira atlântica baseia-se unicamente em fontes orais, as entrevistas realizadas aos cultivadores de cana e trabalhadores dos trapiches e engenhos, dada a inexistência de documentação escrita actual sobre a produção açucareira nas áreas geográficas estudadas.

Na presente publicação reunimos os materiais inéditos dos últimos inquéritos

1 Estudo publicado pelo Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA). Cf. Naidea Nunes Nunes, Palavras Doces. Terminologia e tecnologia históricas e actuais da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico, Centro de Estudos de História do Atlântico, Secretaria Regional do Turismo, Governo Regional da Madeira, 2003.

2 Agradecemos ao Centro de Investigação e Tecnologia da Madeira (CITMA) e ao Fundo Social Europeu a bolsa de Pós-doutoramento que nos foi atribuída, permitindo a realização deste trabalho de investigação.

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terminológicos realizados nas áreas geográficas acima referidas e fazemos também referência a outros estudos sobre a terminologia actual ibero-americana, nomeadamente os resultados do projecto de investigação Terminologia Açucareira Ibero-Americana, concebido e coordenado por nós, onde se destaca o estudo comparativo entre a terminologia açucareira actual de Canárias, da Venezuela e da Colômbia. Este projecto de investigação internacional foi patrocinado pela União Latina e pela RITerm (Rede Ibero-Americana de Terminologia)3.

Enquadramento Histórico-Geográfico da Cultura Açucareira

A ilha da Madeira funcionou como ponte de transmissão de conhecimentos da terminologia e da tecnologia da cultura açucareira entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Foi na ilha da Madeira que ocorreu a primeira experiência de cultivo da cana-do-açúcar no Atlântico, onde houve um grande desenvolvimento da produção açucareira, correspondendo ao desenvolvimento dos termos e das técnicas da manufactura do açúcar.

Da ilha da Madeira a cultura açucareira passou para as novas regiões açucareiras do Atlântico, nomeadamente Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Brasil, Antilhas e América espanholas, onde ainda hoje encontramos muitos termos e técnicas açucareiras pré-industriais madeirenses. Juntamente com a expansão da cultura açucareira ocorreu a expansão da língua portuguesa e a par da terminologia e da tecnologia açucareira foram levadas também tradições lúdico-teatrais portuguesas que hoje fazem parte do folclore de algumas regiões açucareiras, nomeadamente o Tchiloli em S. Tomé e o Bumba-meu-boi no Nordeste brasileiro.

Assim, este tema de investigação, para além de ser um tema de interesse para a Região Autónoma da Madeira, enquadra-se no âmbito dos estudos interculturais lusófonos, ou seja, as relações linguístico-culturais entre a ilha da Madeira e as regiões açucareiras dos dois lados do Atlântico.

Áreas Geográficas Estudadas

Este trabalho de investigação implicou deslocações às áreas geográficas estudadas para a realização de entrevistas, nomeadamente deslocação a Canárias (ilhas de Gran Canaria e de La Palma), deslocação a S. Tomé e Príncipe (ilha de S. Tomé) e deslocação ao Brasil (Paraíba, Pernambuco, Baía, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), para recolha da terminologia actual da produção açucareira, depois de já termos estudado a terminologia histórica na documentação sobre a produção açucareira destas regiões atlânticas, confirmando a grande presença e influência linguística e cultural madeirense.

Na nossa deslocação a Canárias, em Março de 2005, na ilha de Gran Canaria apenas encontrámos produção açucareira no concelho de Arucas, onde se produzem várias qualidades de aguardente e rum de cana na Fábrica de Arucas. Ali tivemos a oportunidade de aplicar o questionário terminológico a um agricultor e a um trabalhador da Fábrica de Arucas. Ainda em

3 Estudo coordenado pela autora, no âmbito de uma bolsa de investigação RITerm-Jovem, integrando três jovens investigadores de três países diferentes: Portugal, Venezuela e Colômbia.

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Gran Canaria, deslocamo-nos à antiga Fábrica de Telde, transformada numa pequena escola técnico-profissional, onde entrevistámos um antigo trabalhador da fábrica que nos descreveu todo o prcesso de produção do mel e da aguardente de cana, respondendo ao nosso inquérito terminológico. Na ilha de La Palma, encontrámos a riqueza de uma grande tradição e produção açucareira, sendo uma ilha quase gémea da Madeira, no que se refere à orografia, agricultura e terminologia açucareira. Em La Palma conserva-se ainda o termo trapiche para designar o moinho da cana-de-açúcar e a fábrica de aguardente, bem como o termo de origem madeirense rapadura para denominar um doce de gofio (farinha de cereais torrados) com mel de cana, apresentando a forma cónica da antiga forma de açúcar. Não realizámos trabalho de campo na ilha de Tenerife, com grande produção açucareira histórica, porque, actualmente, se dedica exclusivamente à produção de bananas e ao turismo.

Na deslocação a S. Tomé e Príncipe, em Agosto de 2005, para recolha da terminologia actual da produção açucareira, encontrámos produção açucareira na ilha de S. Tomé, uma vez que a ilha do Príncipe se dedica quase exclusivamente ao turismo. Na ilha de S. Tomé, realizámos inquéritos terminológicos nos seguintes concelhos: em Morro Peixe, na Roça Agostinho Neto, distrito de Lobata; em Generosa, na Roça Ponta Figo, distrito de Lembá; em Porto Alegre e Ribeira Peixe, no distrito de Caué; em Água Funda e Água Izé, no distrito de Cantagalo. Nesta área geográfica, encontrámos uma grande influência de técnicas e termos da produção açucareira caboverdiana, visto que muitos caboverdianos foram deslocados para S. Tomé para trabalharem nas roças de cacau e café, reintroduzindo na ilha a cultura açucareira. Assim, registámos, na ilha de S. Tomé, termos da primitiva produção açucareira madeirense, nomeadamente trapiche, tacho e rapadura, tal como acontece em Cabo Verde, o que se deve ao facto de se tratar de regiões isoladas e pobres, onde se conservou a primitiva produção rudimentar dos moinhos de cana-de-açúcar movidos por animais e de fabrico artesanal e familiar de mel e de aguardente de cana.

No Brasil, o trabalho de campo foi realizado em Agosto e Setembro de 2006, em seis Estados brasileiros (Paraíba, Pernambuco, Baía, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), encontrando uma grande variedade e riqueza da cultura açucareira, mas também uma grande uniformidade linguística e terminológica, num país com uma imensa extensão territorial, que percorremos de norte a sul.

Metodologia de Recolha Terminológica

O presente estudo resulta da aplicação de um questionário lexical terminológico sobre a produção açucareira: cultivo e colheita da cana-de-açúcar, extracção do sumo da cana, fabrico do mel de cana, fabrico de rapadura, fabrico de açúcar de cana e fabrico de aguardente de cana. A realização dos inquéritos terminológicos ocorreu nas regiões açucareiras atlânticas com a mais antiga e actual produção açucareira, geralmente, artesanal e familiar. Para a selecção das localidades, dentro de cada região, procedeu-se à procura dos produtos açucareiros, nos mercados de produtos regionais; à recolha de informações sobre os engenhos e as localidades em que há produção açucareira e ao estabelecimento de contactos (deslocação, transporte e

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alojamento). Seguiu-se a deslocação à localidade e a visita aos engenhos para a realização de entrevista ao dono ou, sempre que possível, ao trabalhador responsável por toda a produção do engenho.

Durante a visita ao engenho, depois da nossa apresentação e explicação do nosso interesse no tema com o objectivo de estudo linguístico-terminológico, solicitamos a disponibilidade de um informante que nos possa explicar todo o processo de produção açucareira, desde o cultivo da cana (parte agrícola), até à comercialização dos produtos, resultantes da transformação da cana no engenho (parte industrial). Depois de encontrado o informante especialista sobre o tema, geralmente, como se trata de uma produção artesanal e familiar, o mesmo informante domina tanto a parte agrícola como a parte industrial, certificamo-nos de que o informante é nativo da região, tendo sempre vivido na mesma, para que seja representativo da terminologia utilizada na área geográfica em estudo. Depois dos informantes concordarem em ser entrevistados, no âmbito do nosso estudo terminológico comparativo, realizamos uma única entrevista por informante, sendo que a entrevista obedece a um questionário lexical previamente elaborado, como já referimos. As entrevistas têm a duração aproximada de 45 a 60 minutos.

Dada a especificidade do tema, as recolhas foram efectuadas em meios rurais, a indivíduos, produtores açucareiros ou trabalhadores de engenhos, especialistas da actividade açucareira. Assim, quanto ao tipo de informante, em função do grau de escolaridade, predomina a ausência de escolarização ou nível de instrução básico; da idade, predominam os informantes idosos, com mais de 55 anos, embora tenhamos entrevistado alguns jovens; e do sexo, predomina o sexo masculino, visto que se trata de uma actividade, geralmente, desenvolvida por homens, no entanto, excepcionalmente, entrevistámos algumas mulheres, que trabalham com o marido na produção açucareira ou que são viúvas, ocupando o lugar do marido na terra e no engenho. Trata-se de informantes de um nível sócio-económico e cultural baixo, uma vez que são estes que se dedicam à produção açucareira artesanal e familiar, dominando os termos e as técnicas de uma actividade tradicional em vias de extinção, que nos interessa conhecer e salvaguardar, dado que predominam, cada vez mais, as grandes fábricas de produção industrial, com trabalho mecanizado, em que todos os processos são mecânicos e todos os trabalhadores são simples operários de máquinas.

Todas as entrevistas foram realizadas pela autora, procurando controlar a influência do entrevistador no entrevistado, designadamente tendo o cuidado de não referir os termos a ser recolhidos. Procurou-se também, sempre que possível, que as entrevistas fossem realizadas na ausência de terceiros e sem interrupções, evitando interferências indesejadas e ruídos na realização da entrevista e respectiva gravação. As entrevistas foram realizadas no ambiente familiar e de trabalho do entrevistado, preferencialmente no engenho, junto da moenda, do forno ou tacho e do alambique, facilitando a identificação terminológica dos conceitos questionados.

As gravações dos dados recolhidos nas Canárias e em S. Tomé e Príncipe foram efectuadas em registo magnético (cassete áudio tradicional), num gravador analógico (Panasonic), com microfone exterior, por impossibilidade de aquisição de tecnologia digital na altura, havendo a possibilidade de transferir os materiais recolhidos para Compact Disc. As gravações realizadas no Brasil já foram feitas com tecnologia digital, em minidisc recordable Sony de 80 minutos,

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num portable minidisc recorder Sony MZ-R909, com um microfone exterior Sony, permitindo acompanhar a movimentação do entrevistado durante a entrevista, nomeadamente da sala da moenda, para a sala de cozimento e sala do alambique. Posteriormente, todas as entrevistas foram transcritas, para possibilitar o estudo terminológico comparativo dos materiais linguísticos recolhidos nas diferentes áreas geográficas estudadas.

Do Método Coisas e Palavras à Teoria Comunicativa da Terminologia

Partimos do método coisas e palavras ou palavras e coisas, antigo método alemão associado à geografia linguística e aos estudos linguístico-etnográficos. Pois, a terminologia açucareira apresenta formas linguísticas muito antigas associadas a uma actividade técnica tradicional, que foram conservadas em áreas geográficas pobres e isoladas. Daí termos iniciado o estudo das palavras da produção açucareira dentro do método palavras e coisas.

Mais tarde, chegámos à Teoria Geral da Terminologia de Eugen Wuster e à Teoria Comunicativa da Terminologia de Maria Teresa Cabré. Este percurso teórico deve-se ao facto de termos constatado a especificidade técnica da actividade açucareira, desenvolvida no Mediterrâneo e depois no Atlântico, por ter sido uma das primeiras áreas de especialização tecnológica e terminológica, na nossa civilização ocidental, implicando diversos processos produtivos, profissionais especializados e produtos diversos.

A terminologia moderna como estudo da linguagem especializada ou vocabulário específico de uma determinada área de actividade técnica ou científica e como matéria sistemática e prática organizada surgiu em Viena, nos anos trinta, graças aos trabalhos de E. Wuster com o objectivo de superar os obstáculos da comunicação profissional, evitando a ambiguidade da comunicação técnico-científica. Hoje, a proposta de Wuster é objecto de revisão por parte de muitos especialistas em terminologia, nomeadamente através da Teoria Comunicativa da Terminologia de Maria Teresa Cabré. Esta autora concebe a terminologia como uma matéria autónoma de carácter interdisciplinar dentro da teoria da linguagem, que, por sua vez, se insere numa teoria da comunicação e do conhecimento, incluindo aspectos linguísticos, cognitivos e sociais.

Segundo Maria Teresa Cabré, não há uma separação taxativa entre palavras e termos, pois estes participam de muitas das propriedades das unidades lexicais da língua geral, nomeadamente a polissemia, a sinonímia, a homonímia, fenómenos reais dentro da comunicação especializada que não são admitidos por Wuster, pois este concebia a terminologia como unívoca e monorreferencial. A nova teoria comunicativa da terminologia de Maria Teresa Cabré permite descrever o carácter multidimensional do termo como unidade que pode ser monossémica ou polissémica, a banalização de termos, a terminologização ou especialização semântica de unidades gerais e a transferência de unidades especializadas de um âmbito para outro – pluriterminologização –, adquirindo traços semânticos associados à nova área de especialidade.

Maria Teresa Cabré reconhece a idiossincrasia do conhecimento e dos termos especializados e a natureza diferencial do conceito em determinadas ciências e técnicas, sendo que o conceito especializado pode expressar-se também através de unidades que não pertencem à linguagem

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comum. Assim, a teoria da Professora Maria Teresa Cabré pretende dar conta dos termos como unidades singulares e ao mesmo tempo similares aos outros signos linguísticos, como unidades de significação dentro da representação da realidade, admitindo a variação conceptual e denominativa e tendo em conta a dimensão textual e discursiva dos mesmos. Deste modo, o conteúdo de um termo nunca é absoluto mas relativo, conforme o âmbito e a situação de uso, e os termos não pertencem a um âmbito mas são usados num âmbito com um valor específico, representando o conhecimento especializado e sendo utilizados na comunicação especializada.

O objectivo da terminologia teórica é descrever formal, semântica e funcionalmente as unidades que podem adquirir valor terminológico e explicar as suas relações com outros tipos de signos do mesmo ou de outro sistema conceptual, desenvolvendo o conhecimento sobre a comunicação especializada e as suas unidades terminológicas. Enquanto, o objectivo da terminologia aplicada é o de compilar as unidades de valor terminológico de uma determinada área de actividade num glossário, descrevendo as suas características. Neste caso, trata-se de reunir os materiais linguísticos recolhidos num glossário comparativo da terminologia açucareira actual do Atlântico, como testemunho de um património linguístico-cultural que importa conhecer e salvaguardar.

Estrutura do Trabalho

O corpo do trabalho é constituído pelo Glossário Comparativo da Terminologia Açucareira Actual do Atlântico. Assim, começamos por apresentar os objectivos da elaboração do glossário, a sua estruturação, os critérios de transcrição dos materiais orais, as abreviaturas utilizadas e os códigos de referência dos informantes.

Seguidamente, apresentamos as conclusões resultantes da análise da terminologia açucareira actual sistematizada no glossário comparativo, tanto a nível histórico e geográfico como a nível semântico e morfológico.

No final, em anexo, apresentamos os questionários elaborados para a realização das entrevistas, a transcrição das entrevistas realizadas no Brasil, as fotos das diferentes realidades açucareiras encontradas nas várias áreas geográficas estudadas e vários artigos sobre a cultura açucareira publicados em livros e revistas, bem como comunicações apresentadas em congressos nacionais e internacionais.

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Glossário Comparativo da Terminologia Açucareira Actual do Atlântico: Madeira, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil

(com referências à Venezuela e à Colômbia)

Objetivos (da Elaboração do Glossário)

Os objectivos da elaboração do glossário comparativo da terminologia açucareira actual no Atlântico são os seguintes:

• apresentar de forma sistematizada o levantamento do léxico ou vocabulário da cultura açucareira das diferentes áreas geográficas estudadas;

• verificar as semelhanças e diferenças existentes entre as diferentes terminologias açucareiras estudadas;

• conhecer os termos mais antigos conservados na terminologia açucareira actual e os neologismos existentes;

• contribuir para que o vocabulário desta área de actividade seja preservado;

• fornecer materiais para outros estudos comparativos que se venham a realizar em outras regiões do Brasil e países da América Espanhola.

Estrutura do Glossário

O glossário comparativo da terminologia açucareira actual no Atlântico está estruturado da seguinte forma:

a. termo;

b. categoria gramatical; c. definição;

d. equivalente em espanhol (Canárias); e. sinónimos em português;

f. observações (tipo de termo e conceitos relacionados); g. remissão (quando pertinente);

h. contexto(s) de ocorrência do termo, com indicação das áreas geográficas e das respectivas fontes orais;

Referências

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