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Poderes das assembleias municipais em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa

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Academic year: 2020

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DECLARAÇÃO

Nome: Márcia Sofia Teixeira Andrade

Endereço Eletrónico: andrademarcia2@gmail.com Número de cartão de cidadão: 14384834

Título da dissertação: Poderes das assembleias municipais em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa

Orientador: Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha. Ano de Conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Tributário

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho: ____/____/____

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Agradecimentos

À Universidade do Minho, por trazer conhecimento à nossa existência, um exemplo máximo de intemporalidade.

Ao Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha, orientador da presente dissertação, pelo incentivo, disponibilidade e rigor que sempre demonstrou na elaboração deste trabalho de investigação.

Pelo profissionalismo e ética, pela vocação para ensinar que me cativou para esta área do Direito.

Aos meus amigos, pela completude que trazem à minha vida. Em especial à Carla, à Maria e à Eugénia.

À minha mãe e irmã, pela liberdade de ser, por apoiarem incondicionalmente os meus sonhos.

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Resumo

O presente trabalho tem como objeto de estudo os poderes das assembleias municipais em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa.

Tendo em consideração o contexto de desequilíbrio financeiro de muitos municípios, interessa analisar o papel do órgão deliberativo na gestão financeira autárquica.

Deste modo, torna-se indispensável conhecer a função dos municípios na estrutura político-administrativa desde a formação do Estado politicamente organizado até à atualidade. Para além disso, deste estudo não pode ser excluída a alusão ao papel desempenhado pelos municípios na atividade financeira, bem como alguns dos princípios e regras que devem orientar a execução de tais funções.

Uma vez estabelecidas essas premissas, levar-se-á a efeito uma detalhada análise sobre as competências do órgão deliberativo municipal em matéria financeira. Nesta sequência, iremos problematizar as soluções legais que o ordenamento tem estabelecido acerca desta matéria, fazendo-se uma comparação com a realidade prática, aferindo eventuais patologias e, desse modo, permitindo avançar com algumas soluções contributivas para um melhor funcionamento do poder local e, consequentemente, da democracia local.

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Abstract

The present work has as object of study the powers of the municipal assemblies in financial matters in the Portuguese legal system.

Taking into account the context of financial imbalance in many municipalities, it is important to analyze the role of the deliberative body in the municipal financial management.

This way, is crucial to know the function of the municipalities in the political-administrative structure from the formation of the politically organized State until the present time. In addition, this study can not be excluded from mentioning of the role played by municipalities in financial activity, as well as some of the principles and rules that should guide the execution of such functions.

Once these premises are established, a detailed analysis will be carried out on the competencies of the municipal deliberative body in financial matters. In this sequence, we will problematize the legal solutions that the ordinance has established on this matter, making a comparison with the practical reality, assessing possible pathologies and, thus, allowing to advance with some contributory solutions for a better functioning of the local power and, consequently, local democracy.

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Índice

Lista de abreviaturas e siglas ... xv

Introdução ... 1

CAPÍTULO I ... 5

A DEMOCRACIA LOCAL EM PORTUGAL ... 5

1. Breve resenha histórica sobre as bases da democracia local ... 5

1.1 – Administração municipal durante o séc. XIV ... 5

1.2 – Declínio do Antigo Regime e o nascimento do Estado Liberal ... 6

1.3 – Influência do Estado Novo na estrutura administrativa local ... 10

1.4 – O Estado Providência e a Constituição de 1976 ... 12

2. O poder local na ordem jurídica portuguesa ... 15

2.1 - Enquadramento constitucional ... 15

2.2 - Órgãos representativos da freguesia ... 17

2.2.1 - Assembleia de freguesia ... 19

2.2.2 - Junta de freguesia... 20

2.3 - Órgãos representativos do município ... 24

2.3.1 - Assembleia municipal ... 25

2.3.2 - Câmara municipal... 27

3. Conceito de democracia local e conceitos afins ... 29

3.1 – Democracia local ... 29

3.2 – Poder local ... 30

3.3 – Autarquia local ... 31

3.4 – Descentralização administrativa ... 33

3.5 - Autonomia local ... 34

3.5.1 - Conceito de autonomia local ... 34

3.5.2 - Na Carta Europeia de Autonomia Local ... 36

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CAPÍTULO II ... 41

DIREITO FINANCEIRO LOCAL ... 41

1. Evolução do regime financeiro local ... 42

1.1 - Enquadramento ... 42 1.2 - Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro ... 43 1.3 - Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de março ... 45 1.4 - Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro ... 46 1.5 - Lei n.º 42/98, de 6 de agosto... 47 1.6 - Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro ... 48 1.7 - Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro ... 50 1.8 - Breves considerações ... 52

2. Despesa pública municipal ... 54

3. Receita pública municipal ... 57

4. Controlo do exercício da atividade financeira local ... 62

5. Recapitulação: atual conjuntura financeira local ... 66

CAPÍTULO III ... 75

ARTICULAÇÃO EM MATÉRIA FINANCEIRA ENTRE O ÓRGÃO DELIBERATIVO E O ÓRGÃO EXECUTIVO ... 75

1.Competências das assembleias municipais em matéria financeira ... 75

1.1 - Enquadramento ... 75

1.2 - Tipologias de competências ... 76

1.2.1 - Competências prescritivas e não prescritivas ... 76

1.2.1.1 Competências vinculadas ... 77

1.2.1.2 Competências discricionárias ... 88

1.2.2 Competências gerais e individuais ... 90

1.2.3 Competências impositivas e não impositivas ... 92

2. Patologias e desafios ... 96

2.1 - Análise de Direito Comparado ... 97

2.1.1 Espanha - modelo parlamentar ... 97

2.1.2 França - modelo parlamentar imperfeito ... 99

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2.2 - Propostas de melhoria ... 103

2.2.1 - Instrumentos de melhoria dos trabalhos da assembleia ... 105

2.2.2 - Reforço de competências ... 106

2.2.3 - Participação dos munícipes na tomada de decisão ... 107

2.2.4 - Responsabilização dos entes locais ... 113

Conclusões ... 117

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Lista de abreviaturas e siglas

Ac. – Acórdão

Al. – Alínea Art.º- Artigo

AAVV. – Autores Vários

CEAL – Carta Europeia de Autonomia Local Cfr. - Confrontar

CIMI – Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

CIMT – Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CIUC – Código do Imposto Único de Circulação Coord. – Coordenador

CRP – Constituição da República Portuguesa DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais D.R. – Diário da República

FAM – Fundo de Apoio Municipal FCM – Fundo de Coesão Municipal

FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional FEF – Fundo de Equilíbrio Financeiro

FEOGA – Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola FFF – Fundo de Financiamento das Freguesias

FGM – Fundo Geral Municipal FSM – Fundo Social Municipal GOP´s – Grandes Opções do Plano IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis

IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares IUC – Imposto Único de Circulação

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado LAL – Lei das Autarquias Locais

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LFL – Lei das Finanças Locais LOE – Lei do Orçamento de Estado

LOPTC – Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas N.º - Número

P. – Página.

POCAL – Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais Proc. - Processo

RGTAL – Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais Séc. – Século

SEL – Setor Empresarial Local SS. – Seguintes

STA – Supremo Tribunal Administrativo TC – Tribunal Constitucional

TCA-N – Tribunal Central Administrativo – Norte TCA-S – Tribunal Central Administrativo – Sul TdC – Tribunal de Contas

UE – União Europeia V. – Ver

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Introdução

O tema de estudo que nos propomos desenvolver versa sobre os poderes das assembleias municipais em matéria financeira na ordem jurídica portuguesa.

Trata-se de um assunto de manifesta atualidade, pois no presente contexto de combate ao défice público, as questões atinentes à gestão da vida financeira local assumem uma importância considerável nas contas públicas. Para além disso, face às inúmeras alterações impostas ao poder local, materializadas em limitações jurídicas e económicas, torna-se imperativo refletir sobre determinados aspetos da organização e funcionamento dos órgãos autárquicos.

A pertinência do tema justifica-se, de um modo geral, pela dinâmica em que as assembleias municipais se inserem, uma vez que integram a estrutura dos municípios e, nessa medida, têm de ter um papel ativo na prossecução do Interesse público (local) e na satisfação das necessidades coletivas da população daquela área territorialmente delimitada.

Deste modo, sendo as autarquias locais fundamento da autonomia local e do Estado democrático1 têm uma importância administrativa e indubitavelmente política, atento que

desempenham funções administrativas em nome e em representação das respetivas populações, mas definem as suas políticas e objetivos a prosseguir. Ora, sendo a assembleia o órgão deliberativo do município, pode desde já adivinhar-se uma grande responsabilidade na tomada de decisão, neste caso, para a vida financeira das autarquias. Deve ainda dizer-se que a sua importância e conveniência pelo bom funcionamento se traduz no facto de serem órgãos de proximidade, eleitos pela população e para a população, que é nos termos do art.º 108.º da CRP o titular do poder político.

Dada a relevância que assumem, as questões de direito local têm vindo cada vez mais a ser objeto de debate. No que respeita em concreto às assembleias municipais, são apontados problemas sobre a sua organização e funcionamento. Alguma doutrina salienta o papel secundário que estas revelam na organização municipal, evidenciando uma dependência ou subalternização da assembleia municipal em relação à câmara municipal, falando-se num “presidencialismo municipal”2. Assim, António Cândido de Oliveira defende que uma reforma da

democracia local só terá êxito se previamente se fizer uma revisão constitucional, pois da forma

1 A Constituição da República Portuguesa bem o defende, desde logo no art.º 235.º.

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que esta densifica o poder local não permite ao legislador liberdade de conformação para procurar alcançar outras soluções. Por conseguinte, se há quem sustente a indispensabilidade das assembleias municipais, ainda que admitindo algumas patologias, há quem defenda, inversamente, a sua extinção e a consequente criação de um novo órgão que concentre em si as funções deliberativas e executivas.

Acresce que existe de facto na democracia local uma dimensão política, anterior ao próprio Direito, a intervenção deste aqui baseia-se em dar um contributo legal3. Contudo, as

normas jurídicas revelam direito quotidianamente interpretado, concretizado e aplicado por isso têm de acompanhar a realidade. E, como se sabe, a autonomia financeira dos entes locais que a Constituição estabelece e protege encontra-se atualmente bastante limitada4. É neste

cruzamento entre o importante papel que compete às assembleias municipais desempenhar e a autonomia financeira dos municípios, que se pretende aqui desenvolver uma cuidada análise jurídica destas questões, ou seja, problematizar aquilo que está consagrado nos preceitos legais, considerando a realidade prática.

Na verdade, pretendemos com este estudo, pôr em evidência os poderes que são conferidos por lei a este órgão deliberativo, expor algumas patologias ou limitações e partindo dessas premissas, tentaremos dar um contributo resvalando para uma dimensão prospetiva, onde avançaremos possíveis soluções por forma a melhorar o funcionamento e organização das assembleias municipais e, consequentemente, a própria democracia local.

Nestes termos, uma correta compreensão das questões aqui em causa passa por uma prévia perceção das bases da atual democracia local, razão pela qual numa fase embrionária, expor-se-á uma breve resenha atinente às suas raízes da democracia local e os regimes jurídicos que lhe subjazem. Assim, e na sequência do que se disse, será ainda abordado o conceito de democracia local de outros que não raras vezes são confundidos e utilizados como sinónimos do primeiro, fá-lo-emos não por uma mera questão de linguagem, mas por permitir uma melhor compreensão das questões que pretendemos estudar.

Por outro lado, uma breve exposição da organização territorial das autarquias locais não poderá ser afastada deste estudo, uma vez que fornecerá importantes contributos indispensáveis a futuras conclusões, com especial incidência sobre as assembleias municipais, explorando a sua composição, funcionamento e competências.

3 Cfr. Idem, Ibidem, p. 5.

4 V. neste sentido, ROCHA, Joaquim Freitas da, “O sistema financeiro local português (considerações analíticas)”,

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Por sua vez, o direito financeiro local merece acolhimento no segundo capítulo, pois para que se percebam os poderes das assembleias municipais em matéria financeira torna-se necessário compreender desde logo o regime financeiro local. Assim, far-se-á uma breve resenha histórica sobre o mesmo. Ainda neste domínio, é essencial tecer algumas considerações sobre a despesa e a receita pública municipal sobre o controlo do exercício da atividade financeira, bem como faremos uma referência à atual conjuntura financeira autárquica.

Só tendo em vista estas coordenadas poderemos ter uma correta linha de pensamento, essencial para que se possa dar um contributo aceitável sobre os poderes das assembleias municipais.

Nestes termos, o último capítulo será dedicado à articulação em matéria financeira entre o órgão deliberativo e o órgão executivo dos municípios. Começar-se-á por fazer uma análise sobre a tipologia das competências financeiras das assembleias. Concomitantemente, julgamos que uma abordagem sobre a dimensão financeira do órgão deliberativo não estará completa sem um estudo comparativo com outras ordens jurídicas que apresentam um modelo de organização territorial distinto do português. Assim, não só pela proximidade geográfica, mas também por apresentarem regimes distintos, as ordens jurídicas de Espanha, França e Itália serão alvo de investigação sobre a forma como na sua organização territorial e administrativa as questões financeiras são articuladas entre o órgão deliberativo e executivo local. Aqui chegados, estaremos em condições para apontar algumas patologias e, partindo desse pressuposto, avançar com propostas de melhoria. Na verdade, a importância de um trabalho científico pauta-se não só pela componente descritiva e problematização de determinadas questões, mas também pela apresentação de sugestões ou propostas que o possam dotar de uma dimensão prática e prospetiva. Este constitui o propósito central da nossa investigação.

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CAPÍTULO I

A DEMOCRACIA LOCAL EM PORTUGAL

1. Breve resenha histórica sobre as bases da democracia local 1.1 – Administração municipal durante o séc. XIV

Para levar a cabo um estudo sobre a democracia local no nosso ordenamento jurídico, entendemos oportuno começar por abordar a organização político-administrativa portuguesa, uma vez que é precisamente com o processo de transformação do Estado que a democracia local nasceu e se desenvolveu. Assim, na senda desse processo evolutivo, far-se-á uma inevitável referência às estruturas do poder local e a conceitos como centralização e descentralização, autonomia, entre outros. Para o fazer socorremo-nos dos critérios temporal e sociopolítico como parâmetros de orientação, dado que não se afigura possível compreender estes fenómenos sem os contextualizar temporalmente, e entendemos fazê-lo desde o séc. XIV, período a partir do qual se verificaram as transformações mais simbólicas e que estão na génese da autonomia local e da hodierna democracia local, designadamente, a formação do Estado politicamente organizado como hoje o conhecemos5.

De facto, em Portugal até meados do séc. XIV, os municípios tinham autonomia na forma como dirigiam as suas comunidades, geriam o património comum dos habitantes, escolhiam os líderes, administravam a justiça e no modo como auto-organizavam a gestão das necessidades coletivas, essencialmente seguiam um direito público local de origem consuetudinária. Todavia, não eram entidades jurídicas titulares de direitos e obrigações próprias, dada a inexistência de um estatuto que definisse os objetivos a prosseguir6,

constituíam, antes, meras entidades sociológicas que formavam aglomerados habitacionais com o intuito de fixar os moradores, promover o cultivo das terras, defender os direitos e liberdades da população de médios recursos económicos contra a prepotência dos mais poderosos e, a longo prazo, procuravam defender as fronteiras e colaborar no desenvolvimento económico e social do país7.

A partir desta altura – séc. XIV – a autonomia que caracterizava os municípios medievais foi afetada por um conjunto de medidas de cunho centralizador. Desde logo, com a nomeação

5 Assim, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 11 e 12. 6 Cfr. CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p.

329. E ainda, BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, 2.ª Ed., Tomo IX, Livraria Sá da Costa, S/D, p. 453 e ss.

7 Cfr. REIS, António Matos, “Relações entre o poder central e os municípios à luz da documentação medieval

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de D. Dinis foi retirada aos municípios a tradicional tarefa de administrar a justiça, que passou a ser função dos corregedores. A legislação naturalmente acompanhou este fenómeno tendo instituído um conjunto de leis gerais e uniformes para todo o reino, sobrepondo-se, assim, ao Direito de cada concelho. Porém, estas medidas não foram sinónimo de total perda de autonomia municipal. Na verdade, os municípios conservavam ainda um elevado grau de autonomia no que respeitava à gestão das matérias económicas e administrativas locais, uma vez que ao Rei – ocupado com assuntos militares – interessava que os municípios conseguissem gerir a vida local, apenas introduzindo um maior controlo através de corpos intermédios como as corporações, ordens, grémios ou mesteres8.

Durante o reinado de D. Manuel I, o processo centralizador continuou e caracterizou-se, no essencial, pelo desaparecimento do direito foraleiro distinto de cada concelho, afirmação do direito da Coroa, bem como a criação de estruturas jurídicas e administrativas dependentes da Corte9.

Esta tendência de reforço do poder político manteve-se nas décadas seguintes. Houve uma extinção de corpos intermédios do poder, e a administração municipal fragilizada pelas parcas atribuições e recursos financeiros passou a estar completamente dependente e sob a égide do Rei, que concentrou em si todo o poder do Estado.

1.2 – Declínio do Antigo Regime e o nascimento do Estado Liberal

Com a Reforma protestante e o Renascimento nos sécs. XV e XVI, a burguesia – que até à Idade Média detinha em alguns concelhos a responsabilidade pela administração municipal10–

viu o seu campo de intervenção reforçado, isto porque de um modo geral, a conceção de que o Homem tem a possibilidade de escolha centrada na razão e na liberdade individual afetou profundamente o predomínio da Igreja Católica, a autoridade do Papa, bem como a legitimidade do poder do Rei (que era oriunda do direito divino) e passa a subordiná-lo à lei11.

Acresce que em França, sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, em 1789, nascia a Revolução Liberal cujos princípios da legalidade, separação de poderes e individualidade eram as principais exigências da população que reivindicava a limitação do poder

8 Cfr. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

Almedina, 2003, p. 23 e ss.

9 Assim, Idem, Ibidem, p. 26. 10 V. Idem, Ibidem, p. 26.

11 V. neste sentido, CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora,

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político e a pulverização das funções do Estado por diferentes órgãos12. Em Portugal, a grave

crise económica vivenciada e a influência dos princípios da Revolução Francesa motivaram a Revolução de 1820, iniciando-se a formação do Estado moderno aprovado pelas Cortes da Constituição de 1822. A administração pública que outrora provinha das forças do Rei tornava-se num elemento da organização do Estado-Nação, e com o Liberalismo adquiriu o sentido que atualmente a caracteriza – um sistema unificado de funcionários e serviços que, em nome da população, assegura a satisfação permanente das necessidades coletivas13.

Ora, em face destas caraterísticas, é forçoso concluir que a organização da administração local está profundamente ligada ao surgimento e consolidação do Estado Liberal no séc. XIX. É a partir desta altura que são introduzidas importantes reformas na administração local portuguesa e que constituem, na realidade, os seus alicerces14.

Desde logo, as freguesias assentes na organização da Igreja e sem qualquer relevo na administração, passam a ter um papel de maior notoriedade, uma vez que foram integradas na organização administrativa, em 1830, pelo legislador liberal sob a designação de paróquias eclesiásticas que tinham tradição secular e congregavam fiéis da Igreja Católica em comunidades ligadas pela vizinhança.

Ainda antes da publicação do Código Administrativo de 1836, existiu uma reorganização da divisão concelhia na qual o legislador liberal entendeu que os 826 municípios então existentes eram demasiados, para além de ter já eliminado os referidos corpos intermédios, fê-lo também com os municípios mais pobres e secundários visto que essa condição não lhes permitia uma verdadeira autonomia local. Assim, por decreto de 6 de novembro de 1836, o número de distritos no território nacional manteve-se, mas foram extintos alguns municípios permanecendo apenas 35115.

De facto, esta é a origem da divisão concelhia que atualmente dispomos, e não deve ser perdido de vista o mérito de ter instituído municípios de dimensão mais equilibrada entre si, algo que não acontece ainda hoje, por exemplo, em Espanha, França ou Itália que têm, em proporção, maior número de municípios e de dimensão desigual. Na nossa ordem jurídica, e em

12 Cfr. AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p. 72 e ss. 13 V. neste sentido, MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra Editora, 2002, p. 72.

14 De entre as quais um decreto de 1832 (decreto n.º 23, de 16 de maio) da responsabilidade de Mouzinho da

Silveira, que não obstante a sua curta vigência é uma referência da moderna administração local portuguesa, pois consagrava a separação de poderes (de administrar e julgar) e estabeleceu uma organização administrativa territorial completamente distinta do modelo da época e próxima do atual - Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 17 e ss.

15 V., MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

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concreto neste diploma, houve a preocupação de estruturar uma divisão municipal do território que se norteasse por parâmetros de racionalização e eficiência administrativa, em detrimento de critérios de laços de vizinhança entre as comunidades.

Por outro lado, consagrou-se a existência de três níveis de administração local, são eles o distrito, o concelho e a freguesia, cada um com um representante do Governo, respetivamente, o governador civil, o administrador do concelho e o regedor da paróquia. Os municípios foram os únicos que mantiveram sempre o estatuto de autarquia local, o que não aconteceu com as freguesias que por diversas vezes foram extintas consoante a oscilação entre uma maior ou menor descentralização16.

Mas se até esta altura foram feitos alguns avanços na divisão concelhia concretizados em decretos, foi com o Código Administrativo de 1836 que se estabeleceram as características essenciais da administração local portuguesa que perduram até à atualidade. A reforma encetada por este Código estabeleceu condições para a existência de um nível administrativo inframunicipal, uma vez que ao criar municípios de grande dimensão permitiu que as freguesias se pudessem afirmar tendo, por exemplo, os chefes de família e a junta de freguesia passado a ser órgãos da freguesia17.

Contudo, apesar desta significativa evolução legislativa e de o Liberalismo ser favorável à autonomia local (que protegeu ao introduzir as atribuições das câmaras municipais na Constituição de 1822), na realidade, os entes locais não tiraram proveito deste novo regime político mediante a natureza centralizada e unitária da organização administrativa que impediu o crescimento da administração concelhia, tendo anulado os poderes autónomos do Antigo Regime18. Compreende-se que assim seja se se considerar que nesta nova ordem política o

Estado deveria ter uma intervenção mínima, devendo regular e harmonizar as relações entre os cidadãos através das suas funções judicial e legislativa, excluindo-se da atividade administrativa do Estado Liberal a prestação de serviços e produção de bens, sendo esta delegada à livre

16 V. neste sentido, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p.

22 e ss.

17 OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa Portuguesa,

AEDRL, 2013, p. 9.

18Cfr. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de

Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 280. E ainda, CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p. 330 e ss.

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iniciativa dos empresários particulares. Com efeito, esta conceção unificada da administração pública dificultava a existência de uma administração municipal autónoma19.

Assim sendo, pode se dizer que durante o período Liberal a história do municipalismo revela uma falta de estratégia do Estado na sua relação com os municípios e uma incoerência política ao alternar os Códigos Administrativos de carácter marcadamente descentralizador (os de 1836 e 1878 que conferiam às autarquias um estatuto de primeiro plano na organização administrativa) e os que limitavam a autonomia e, em consequência, retiravam importância aos entes locais (designadamente o de 1842, 1886, 1895-96)20.

No que respeita, em particular, às freguesias, importa referir que o período compreendido entre 1830 a 1878, foi portador de grandes indecisões, atento que se impunha uma decisão sobre a inclusão das freguesias no sistema de administração local21. Destarte, por

mérito do Código Administrativo de 1878, esta figura consolidou-se definitivamente na estrutura político-administrativa, embora sem funções relevantes até 197422.

Por sua vez, e em conformidade com as ideias descentralizadoras da República, foram estabelecidas as bases da organização e atribuições dos corpos administrativos23. Para além

disso verificou-se uma afirmação da autonomia local com a consagração da eleição dos corpos administrativos por sufrágio direto, a possibilidade aos eleitores do concelho o referendo sobre certas deliberações tomadas pelas câmaras e, entre outras medidas, ao ter estatuído a sua autonomia financeira, ainda que sujeita a grande discricionariedade governativa. Porém, este diploma continha alguma imprecisão no que respeitava a matérias de representação estatal, financiamento local, e relativamente a matérias eleitorais, razão pela qual o Estado republicano preteriu por três anos a livre eleição das vereações camarárias, sendo que durante esse período os elementos constitutivos das câmaras que não fossem constituídas por cidadãos republicanos eram nomeados por governadores civis24.

19 V. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

Almedina, 2003, p. 29.

20 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa

Portuguesa, AEDRL, 2013, p. 9.

21 V. neste sentido, AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I., 3.ª Ed., Almedina, 2006, p.

509.

22 Aquando da instauração da República estava em vigor o Código Administrativo de 1895-96, que como se disse,

era de índole centralizadora, o que não se harmonizava com a ideologia da 1.ª República razão pela qual foi promulgado um decreto com força de lei em 13 de outubro de 1910, que adotava o Código de 1878 até que fosse produzido o seu próprio Código. - Cfr. CAETANO, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra Editora, 1994, p. 412 e ss.

23 Cfr. art.º 66.º, da Constituição de 1911, e posteriormente densificadas na Lei n.º 88, de 7 de agosto de 1913. 24 Cfr. MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal,

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No que concerne ao financiamento local, os municípios viam a sua capacidade de ação seriamente comprometida, uma vez que além da crise financeira em que o país vivia, a situação agravou-se com a participação na 1.ª Guerra Mundial.

Destarte, de um modo geral, o que se verificou neste período é que não obstante a consagração formal da autonomia local, as medidas de carácter centralizador do Estado contrariaram essa prescrição, apesar de à data existirem já trabalhos baseados na tradição da autonomia municipal elaborados por portugueses que poderiam ter ajudado a construir uma reforma administrativa que espelhasse os pensamentos de democratização e liberalização da época, contudo, tal não se verificou e no momento de decidir optou-se por não contrariar a tendência e importar a estrutura administrativa francesa25.

1.3 – Influência do Estado Novo na estrutura administrativa local

O Estado Novo e a sua natureza antidemocrática, autoritária e centralista moldaram a organização e funcionamento dos entes locais, o que vale por dizer que o poder local se inseriu num contexto de grande centralização político-administrativa.

Durante este período de cerca de cinquenta anos a autonomia local foi quase esquecida. Se durante o séc. XIX as autarquias eram consideradas como administração autónoma face à administração do Estado, transformaram-se nesta altura numa forma da administração indireta do Governo e um vetor de influência ideológica.

Em termos jurídicos, no que se refere ao regime das autarquias locais, verificou-se um completo distanciamento da prática liberal. Os diplomas principais restringiam-se à Constituição de 1933 e ao Código Administrativo de 1936-40 (da responsabilidade de Marcello Caetano), este último tinha uma conceção autoritária e estatocêntrica do poder local, na realidade, tratava-se de uma legislação ordinária própria de um regime ditatorial que não encontrava correspondência no texto da Constituição26.

De facto, em pleno regime ditatorial conceitos como poder local, autonomia ou democracia local não tinham qualquer significado, na medida em que as autarquias não representavam uma administração autónoma do Estado27. As características da administração

25 A respeito do tema, OLIVEIRA, Luís Valente de, “Descentralização, pedra angular da reforma do Estado”, Questões

Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 10, Abril/ Junho, 2016, p. 7.

26 Cfr. NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 10 e 11.

27 Aliás, o conceito de autarquia local foi copiado da doutrina italiana, mas apenas a sua dimensão de autarquia

territorial, tendo-se excluído a vertente corporativa e institucional do termo, o que evidencia a ausência de uma estrutura político-administrativa local sólida e efetiva. V. neste sentido, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na

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local baseavam-se num corporativismo, as autarquias eram constituídas por grupos e organismos sociais. O cidadão individualmente considerado estava excluído porque as freguesias eram uma agregação de famílias28; os municípios um aglomerado de organismos corporativos e

freguesias; e os distritos eram constituídos por um conjunto de municípios. Mas as alterações face ao anterior regime não ficaram por aqui. Concomitantemente, o Código Administrativo de 1936, foi revisto em 1940, e aí foram reguladas várias matérias atinentes ao financiamento e organização dos corpos administrativos, passando estes a ser constituídos com base no sufrágio orgânico de tipo corporativo. Por outro lado, no domínio financeiro local, as reduzidas receitas fiscais dos municípios – constituídas nos art.ºs 703.º e seguintes do Código Administrativo, através de diversos impostos diretos, indiretos e por taxas – encontravam-se fortemente dependentes dos subsídios e comparticipações do Estado. Do mesmo modo, as deliberações camarárias estavam sujeitas a aprovação do Governo e, nessa medida, este conjunto de mutações configura uma ausência de autonomia local em todas as suas vertentes29.

Os órgãos de governo municipal eram o presidente da câmara municipal, o conselho municipal – cuja composição abrangia os representantes das freguesias, organismos corporativos, etc. – e a câmara municipal. Quanto à composição destes órgãos é igualmente visível um distanciamento da democracia local, uma vez que os vereadores eram nomeados pelo conselho municipal e o Governo designava os presidentes da câmara – que desempenhavam uma dupla função: configuravam representantes do Governo, bem como ocupavam a função de chefia da administração municipal. Deste modo, as autarquias não tinham qualquer autonomia, estavam sob o pleno controlo do Estado central. E mais do que isso: o Governo podia dissolver os órgãos autárquicos e afastá-los do município caso as câmaras se distanciassem das regras governamentais30.

Resumidamente, a falta de poderes autárquicos, a dependência dos entes locais face ao Estado central conjugado com a ausência de um regime democrático não permitiram a autonomia nem a distinção das autarquias locais face às restantes pessoas coletivas da administração indireta do Estado, razões que explicam que durante este período, em vez de uma

Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 281 e ss.

28 Apenas era possível falar-se em eleições no caso das freguesias, situação em que só os chefes de família

detinham poderes de participação. Exceto esta pequena aproximação, não existia nenhum órgão eleito pelos cidadãos.

29 V. NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p.12.

30V. a respeito do tema, MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in

António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 284 e 285.

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verdadeira descentralização administrativa, as autarquias tenham representado uma estrutura de desconcentração (personalizada) da administração do Estado3132.

1.4 – O Estado Providência e a Constituição de 1976

Os fundamentos do Estado Liberal já expostos revelaram algumas fragilidades. Sob o ponto de vista económico, as ideias e práticas defendidas no Liberalismo não conseguiram suster o período de crise então vivido, pelo contrário, a gestão da economia baseada em rigorosos critérios de concorrência e lucro geraram graves distorções a nível económico e social, não sendo possível materializar os valores da igualdade e fraternidade que motivaram os revolucionários liberais. Porém, havia a consciência da necessidade de assegurar a paz social e a segurança individual, avolumando a questão da posição estatal face ao mercado mas também ao bem-estar. O monopólio da iniciativa económica que os particulares detinham resultou numa incapacidade de reunir esforços e contribuir para a produção de bens capazes de suprir as necessidades coletivas e individuais, bem como dificuldades em reconstruir nações evoluídas em conflito.

Como o Liberalismo não conseguiu dar resposta à crise económica e social que grassava no país, os cidadãos reclamavam uma atitude mais ativa por parte do Estado. Por outro lado, verificou-se o desenvolvimento da Revolução Industrial e o aumento da influência dos sindicatos e trabalhadores no processo político. Ora, a conjugação de todos estes fatores levou a que Portugal evoluísse do Estado Liberal para o Estado Providência, fundado com o regime democrático instaurado em 25 de abril de 1974.

Este aspeto, de resto, assume uma importância indesmentível, dado que se até finais do séc. XIX o Estado não tinha uma intervenção social ativa, sob a influência das teses keynesianas

31 V. a respeito do tema, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p.

12.

32 Um sistema centralizado caracteriza-se por ser o Estado a orientar e decidir em todos os planos da vida

administrativa e política, é ele que projeta e concretiza todas as políticas públicas tendentes à satisfação das necessidades coletivas e ao desenvolvimento da sociedade. Porém, com vista a combater os problemas que naturalmente vão surgindo e suprir as necessidades das comunidades locais, o Estado pode desconcentrar a sua administração, e fá-lo através da criação de determinado número de circunscrições territoriais e da consequente colocação de funcionários sujeitos ao poder hierárquico e orientações dos dirigentes centrais, todavia com algum poder de decisão delegado por estes. Assim, pode dizer-se que a desconcentração da administração do Estado proporciona uma maior racionalidade do processo de decisão, podendo mesmo aumentar a economia e a eficácia da atividade administrativa. Contudo, a administração continua centralizada porque o Estado detém o poder decisório. Ora, um sistema assim concebido é incompatível com o princípio democrático e com o princípio da autonomia local. V. neste sentido, MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública Municipal, Almedina, 2003, p. 71.

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generalizou a assistência social intervindo nos acidentes de trabalho decorrentes da industrialização, instituiu subsídios de doença, invalidez, subsídios de desemprego, etc.. Este foi um período de expansão da administração pública, da nacionalização de setores importantes da economia e da universalização dos direitos políticos e civis33.

Em termos jurídicos, marco fundador do Estado Providência, a Constituição de 1976 consagrou a generalidade dos direitos sociais, fruto da conceção do indivíduo como cidadão, do reconhecimento da liberdade individual e da justiça social. O conceito de uma cidadania ativa encontra aqui a sua génese, materializada no reconhecimento aos cidadãos do direito em participar na vida pública, nos procedimentos administrativos e na gestão das instituições administrativas. Porém, esta afirmação da cidadania não versa apenas sobre os cidadãos individualmente considerados, ela projeta-se inevitavelmente na vida dos entes locais e, nessa medida, verificaram-se profundas alterações na vida municipal e na relação autarquia-sociedade, tornando-se clara a ideia de que o Estado democrático também incluía a democracia local34.

Acresce que a Revolução dos Cravos não só instituiu o Estado Providência como salientou a participação popular, razão pela qual este é apontado como o momento do nascimento do poder local porque o Estado o consagrou e reconheceu a sua autonomia no plano jurídico, garantiu e potenciou a sua intervenção no plano financeiro, e assim, pela primeira vez na nossa história política, o Estado retirou as autarquias locais do universo das formas de administração indireta em que até então se integravam e reconheceu-lhes constitucionalmente o estatuto de administração autónoma35. Contudo, esta conceção de administração local não foi

uma matéria que tivesse reunido consenso durante os debates da assembleia constituinte. Uma corrente política defendia que a legitimidade do exercício do poder político resultava não apenas das eleições, mas também da ação proveniente do ato revolucionário que desvalorizava a autonomia local e o poder eleitoral, dando relevo às organizações populares no plano das aldeias, concelhos, cidades, regiões, etc., que deveriam ter uma intervenção ativa na tomada de decisão e defendiam que a sua atuação fosse coordenada com a das autarquias locais.

Por outro lado, uma segunda corrente sustentava que a vontade popular fosse expressa em eleições e, consequentemente, para a administração local significava que o pilar da

33 V. neste sentido, Idem, Ibidem, p. 39 e ss.

34 Cfr. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de

Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 280.

35 V. neste sentido MONTALVO, António Rebordão, O Processo de Mudança e o Novo Modelo da Gestão Pública

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autonomia local era a existência de pessoas jurídicas territoriais (freguesias e concelhos) com autonomia administrativa e financeira, dotadas de órgãos eleitos pela comunidade local respetiva, relegando para um papel secundário as organizações populares de base36. É esta

segunda corrente que está consagrada na CRP de 1976, e que prevalece até aos dias de hoje, porquanto as revisões constitucionais que se sucederam não alteraram o seu núcleo fundamental.

Com efeito, se atentarmos no resultado dos trabalhos da assembleia constituinte plasmados na CRP é forçoso concluir que os principais marcos para o poder local foram a consagração do princípio da autonomia local e o princípio da descentralização territorial, e a prova dessa nova perspetiva da dimensão política das autarquias locais é, desde logo, a sua inclusão no apartado referente ao poder local. Por outro lado, com a CRP de 1976, desapareceu a conceção organicista das autarquias que existia no Estado Novo, passando a considerar-se que as freguesias não são parte dos municípios, antes possuem, individualmente, autonomia e identidade próprias. A par disto, verificaram-se alterações na delimitação da tutela do Estado, na autonomia financeira autárquica, bem como no domínio do poder regulamentar37. Destarte, com

estes avanços estavam já criadas as condições para fazer funcionar a democracia local, enquanto exercício de governar que considera a livre vontade dos cidadãos, e que em termos concretos se consolidou em Portugal com as primeiras eleições locais, no dia 12 de dezembro de 1976.

Assim, de um modo geral, verifica-se que a consagração da democracia local e o reconhecimento de uma diversidade política e social tiveram de ser conjugadas com o tipo de intervenção do Estado na atividade das autarquias locais, obrigando à harmonização da tutela administrativa com a participação direta das populações, o que reflete a necessária unidade do Estado e da administração, bem como o respeito pela autonomia dos entes locais. Ora, tendo em consideração estes princípios e por forma a tornar efetiva a democracia local, interessa analisar em que moldes o poder local foi edificado.

36 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora,2013, p. 71 e 72. 37 Para maiores desenvolvimentos, v. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de

1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 288.

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2. O poder local na ordem jurídica portuguesa 2.1 - Enquadramento constitucional

A utilização do termo poder local, no título VIII da CRP, revela o reconhecimento da administração local como parte integrante da organização democrática do Estado, bem como a possibilidade de representação dos interesses próprios dos munícipes. Ora, a expressão da vontade das populações, aglomeradas em autarquias, só se torna efetiva se existirem órgãos próprios, dotados de legitimidade democrática que as representem38. Porém, antes ainda de

entrar na análise dos órgãos das autarquias locais existentes de facto na ordem jurídica portuguesa e o seu modo de funcionamento, interessa fazer uma breve referência à arquitetura constitucional do poder local que a CRP de 1976 acolheu.

Na sua versão inicial, a Lei Fundamental contemplava a obrigatoriedade de um órgão de natureza consultiva - o conselho municipal, composto por representantes das organizações sociais, culturais, económicas e profissionais do concelho, contudo, este órgão nunca assumiu elevada notoriedade. Assim sendo, com a primeira revisão constitucional (1982) o conselho municipal passou a ser facultativo, tendo sido eliminado do ordenamento jurídico aquando da segunda revisão (1989)39.

Deste modo, no que particularmente concerne aos órgãos do poder local, prescreve o art.º 235.º, da CRP, que a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais (que a par das regiões autónomas, integram a categoria de pessoas coletivas públicas de base territorial). No artigo seguinte, a Lei Fundamental refere que no continente, as autarquias locais são as freguesias, municípios e as regiões administrativas, em coordenação com os órgãos do Estado segundo uma lógica de separação vertical de poderes.

Porém, apesar de a CRP consagrar três níveis de autarquias, na realidade existem apenas dois, dado que as regiões administrativas estão constitucionalmente previstas40, mas não

têm uma existência fática no nosso ordenamento. Neste domínio, será importante enfatizar que a forma estabelecida na Lei Fundamental para a criação das regiões administrativas – resultante

38 V. CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de

Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 8.

39 Para além desta alteração outras se verificaram, mas regra geral, reforçaram o poder das autarquias locais, a

título meramente exemplificativo, a revisão de 1982, acolheu o referendo local e a limitação da tutela administrativa sobre os entes locais. Posteriormente, a revisão constitucional de 1997 introduziu a atribuições próprias para entidades intermunicipais e admissão de associações de freguesias, bem como o princípio da subsidiariedade (art.º 6.º, da CRP) que obriga à distribuição de tarefas entre as autarquias, e entre o Estado e as autarquias. Para maiores desenvolvimentos, v. MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 290 e 291.

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da revisão constitucional de 1997 – dificulta a sua instituição, uma vez que determina a existência de uma lei que defina o seu funcionamento, organização, atribuições e competências, mas que só poderá existir após a maioria dos eleitores nacionais votarem favoravelmente quanto à sua criação e, nesse caso, os eleitores dessa região ter-se-ão de pronunciar de forma positiva. Dito de outro modo, exige-se a aprovação de uma lei-quadro que regule o regime geral das regiões administrativas e, num segundo momento, serão aprovadas leis com vista a instituir cada região em concreto, são estas que necessitam de um referendo prévio direcionando aos eleitores duas questões, uma versa sobre o mapa das regiões a nível nacional, e outra especificamente sobre a região do cidadão eleitor41.

Ora, assim sendo, este modo de instituição das regiões administrativas pode levar a diversas possibilidades, por um lado, se a consulta a nível nacional for positiva e a nível regional negativa, em algumas regiões teremos apenas parte do continente regionalizado; por outro lado, pode dar-se o caso de todas as regiões terem um voto favorável e, em consequência, o continente terá regiões; ou em sentido diverso, não existir voto favorável a nível regional e não existirem regiões, como atualmente sucede42. Com efeito, ao abrigo desta regulamentação não

se adivinha para breve a instituição de regiões administrativas43. Em face da sua difícil

implementação pode ser defensável a eliminação das regiões administrativas do texto da CRP quando ocorrer uma revisão constitucional, contudo, tendemos a acompanhar Sérvulo Correia quando sustenta a conservação desta figura na Lei Fundamental, em virtude das constantes mudanças das políticas internas e externas e eventuais incentivos da União Europeia ao

41Cfr. CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em Portugal”, Questões Atuais de

Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 11. Para maiores desenvolvimentos sobre o referendo local, v. Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, que regula o regime jurídico do referendo local, que foi introduzido no ordenamento jurídico português com a revisão constitucional de 1982. Admite-se apenas a consulta direta à população caso exista um especial interesse para as comunidades. Em termos procedimentais, a decisão de realização de referendo cabe à assembleia (de freguesia ou municipal), por sua vez, o presidente desse órgão irá remeter o requerimento ao TC, para que este, no prazo de 25 dias, aprecie a constitucionalidade e legalidade do referendo local, parâmetros cujo incumprimento obsta à realização do mesmo. Cfr. art.ºs 25.º e ss, da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto.

42Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história

político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 55. Neste caso o motivo não foi a existência de votos desfavoráveis das regiões em concreto, na verdade, não foram questionadas devido à realização de um referendo, em 1998, cujo resultado foi a rejeição da regionalização. Ainda que o TC tenha dito que o que se vetou foi aquele mapa regional, não tendo sido vedada qualquer outra proposta, entendeu-se que foi um não à regionalização, v. ac. do TC n.º 709/97, de 20 de janeiro de 1998, e ac. n.º 532/98, de 30 de junho de 1998, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

43 Para maiores desenvolvimentos, v. OLIVEIRA, António Cândido de “A Regionalização Administrativa na

Constituição da República Portuguesa”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 300 e ss.

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desenvolvimento regional que podem vir a justificar a implementação prática das regiões administrativas, pelo que se defende a sua continuidade no texto da CRP.

Atendendo ao exposto, pode se constatar que a criação das regiões administrativas exprime uma tentativa em suprir a ausência de um patamar intermédio entre os municípios e o Estado central, todavia, dada a sua inexistência e o processo de instituição das mesmas se afigurar de difícil concretização, houve a necessidade de criar entidades que pudessem compensar a falta destas figuras. Assim, a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, prevê as associações de freguesias e de municípios de fins específicos, bem como as entidades intermunicipais que têm fins gerais e desdobram-se em áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais. Quanto a estas últimas, foram criadas pela Lei n.º 11/2003, de 13 de maio, e importa referir que não são autarquias locais, mas integram a administração local autónoma, uma vez que os seus órgãos emanam da vontade dos municípios. É a lei que define o território das comunidades intermunicipais e devem ser constituídas por contrato. Os municípios têm a liberdade de integrar a composição destas comunidades, se o fizerem não ficam vinculadas ad aeternum, existe a possibilidade de sair podendo sofrer penalizações44.

Ainda no que respeita às formas de organização territorial autárquica acolhidas no texto da Constituição, foi instituída uma organização de moradores, cuja determinação dos moldes de funcionamento e tarefas a desenvolver está dependente de lei que não foi ainda publicada, o que segundo parte da doutrina é de lamentar, dada a sua utilidade para a vida local45.

Em face do exposto e em modo conclusivo, exceto o conselho municipal (extinto com a segunda revisão constitucional) as regiões administrativas e as organizações de moradores (ambas sem existência efetiva), a CRP consagra como estruturas do poder local, a freguesia e o município.

2.2 - Órgãos representativos da freguesia

Categoria de autarquia quase desconhecida na Europa e em Portugal com alguns opositores, as freguesias que surgiram das tradições de agregados populacionais unidos por

44 V. a respeito do tema, o ac. do TC n.º 296/2013, de 28 de maio de 2013, disponível em www.dgsi.pt.

45 Cfr. art.º 263.º, n.º 1, art.ºs 165.º, n.º 1 al. r), 264.º, n.º 1 e 265.º, n.º 2, todos da CRP. No período

revolucionário eram organizações de moradores que existiam em áreas de dimensão inferior à das freguesias, e embora não tivessem o direito de voto eram dotadas de certos poderes próprios e tinham um papel ativo na solução de problemas locais. Com a CRP de 1976 e até à revisão de 1989 foram denominadas de organizações populares de base. V., MOREIRA, Vital, “O Poder Local na Constituição da República Portuguesa de 1976”, in António Cândido de Oliveira (coord.), 30 Anos de Poder Local na Constituição da República Portuguesa - Ciclo de Conferências, CEJUR, 2007, p. 289. E ainda, SOARES, Fernando Luso, A constituição e as organizações populares de base, Diabril, 1977.

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laços de vizinhança, conjugando comunidade, território e necessidades comuns, são hoje parte integrante da organização administrativa territorial. E não é despicienda esta consideração, na medida em que a partir dela se permite distinguir as freguesias das aldeias, sítios ou lugares, uma vez que ao contrário das freguesias, nenhum destes constitui um agregado territorial administrativo46.

Com efeito, as freguesias estão adstritas à salvaguarda dos interesses das populações respetivas, o que deve ser levado a efeito de modo articulado com os municípios. Porém, distinguem-se destes no território, população e atribuições47. Mas se por um lado, dada a

proximidade das freguesias com a população, estas se permitem concretizar quase de forma direta a democracia participativa básica, recebendo sugestões, acolhendo pedidos e reclamações dos cidadãos, por outro lado, desempenham tarefas mais simples e de baixo custo, que lhes permitem de modo adequado prosseguir as suas atribuições48.

Em face destas caraterísticas, a extensão das freguesias deve ser um fator a considerar, não devem assumir uma pequena dimensão nem um reduzido número de eleitores, porquanto motiva problemas na organização e funcionamento tornando impossível uma estrutura capaz de cumprir as suas funções. Do mesmo modo, sob pena de se romper a proximidade e laços de vizinhança – caraterísticas típicas das freguesias – e de se tornarem excessivamente burocráticas, não devem estas abranger um extenso território e população. Com efeito, António Cândido Oliveira considera que uma freguesia com menos de 500 eleitores não é desejável pelos motivos expostos – sem prejuízo de possíveis ajustamentos em virtude de especificidades relativas à densidade populacional ou a situações geográficas49. Quanto aos limites máximos, é

de aceitar que a população das freguesias que integram os grandes municípios urbanos possa

46 Cfr. ROCHA, Joaquim Freitas da, “O direito financeiro público ao nível das suas células-base territoriais (as

finanças das freguesias)” in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira, Isabel Celeste M. Fonseca, Joaquim Freitas da Rocha (coords.), A Reforma do Estado e a Freguesia, NEDAL, 2013, p. 204.

47 Não obstante a CRP não fazer distinção entre as freguesias rurais e urbanas, existe uma parte da doutrina

portuguesa que considera que as freguesias urbanas, materialmente, não prosseguem interesses locais específicos distintos dos interesses dos municípios, servem apenas como estruturas de desconcentração personalizada dos municípios urbanos de grande dimensão. Assim, defendem que as freguesias rurais deveriam ver reforçadas as suas atribuições e competências – até porque a sua génese remonta às zonas rurais – enquanto que as freguesias urbanas, em face da sua secundarização prática, deveriam ser extintas. V. neste sentido, NABAIS, José Casalta, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, 2007, p. 21 a 23. Em sentido diverso, em defesa da necessidade das freguesias urbanas, v. OLIVEIRA, António Cândido de, “Poder local 2011-2013: de uma reforma local ambiciosa à extinção desastrada de freguesias”, in António Cândido de Oliveira, Fernanda Paula Oliveira (coord.s), Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, 2013, p. 122.

48 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 332 e ss. 49 Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de; NEIVA, Mateus Arezes, As Freguesias na Organização Administrativa

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ultrapassar os 20 000 habitantes, porém devem estas organizar-se de modo a evitar estruturas burocráticas excessivas50.

Daqui resulta que com uma dimensão adequada e dado o caráter de proximidade com os cidadãos, as freguesias estão aptas a desempenhar as tarefas que lhes são legalmente consignadas de acordo com o princípio da subsidiariedade. Contudo, interessa notar que o carácter inframunicipal das freguesias não confere aos municípios qualquer prerrogativa de tutela, direção ou superintendência sobre as primeiras, atento que a autonomia das freguesias vale quer para o Estado quer para aos municípios. No entanto, tal não confere às freguesias uma prerrogativa de plena autonomia - decorrente do seu nível territorial inferior – na medida em que os regulamentos dimanados pelos órgãos municipais prevalecem sobre os regulamentos provenientes dos órgãos das freguesias, o mesmo sucede com os regulamentos administrativos dimanados pelo órgão administrativo central51.

2.2.1 - Assembleia de freguesia

Normativamente, a CRP reconhece como órgãos desta categoria de autarquia local, a junta de freguesia e a assembleia de freguesia. No que respeita a esta última, em termos de composição, compreende uma mesa de assembleia de freguesia constituída por um presidente e dois secretários, e um número de membros variável em função do número de eleitores52.

Os eleitores decidem através de sufrágio universal, direto e secreto, e uma vez apurados os votos válidos de cada lista, serão posteriormente contados segundo o método de Hondt, o que significa que é aplicado um sistema de representação proporcional53. Na verdade, a eleição

dos órgãos locais pelos respetivos residentes é um processo que garante a autonomia local das autarquias. Este princípio da eleição foi acolhido pela CEAL, mas também pela CRP, onde se estabelece que todos os cidadãos maiores de 18 anos e recenseados têm o direito e dever de votar e de serem eleitos54.

50 V. Idem, Ibidem, p. 21.

51Cfr.º art.º 241.º, da CRP. E ainda, CORREIA, J. M. Sérvulo, “O Direito Constitucional das autarquias locais em

Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 11, Julho/ Setembro, 2016, p. 19.

52 Cfr. art.º 244.º, da CRP, art.º 5.º e art.º 10.º n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. Sobre a destituição da

mesa da assembleia de freguesia, v. ac. do TCA-N (1.ª Secção do Contencioso Administrativo), proc.º n.º 00133/11.8BEAVR, de 4 de dezembro de 2015, disponível em www.dgsi.pt.

53 Cfr. art.º 11.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 72-A/2015, de

23 de julho, referente à eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e art.º 4.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro.

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Uma vez eleitos realizada a eleição dos membros e supridas as adversidades que podem resultar do ato eleitoral, a assembleia de freguesia está em condições de funcionar. Deste modo, reúne em quatro sessões ordinárias anuais, convocadas com uma antecedência mínima de oito dias. Pode reunir em sessões extraordinárias por iniciativa da mesa ou através de requerimento de uma das entidades referidas no n.º 1, do art.º 12.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

As assembleias de freguesia têm competências de apreciação, fiscalização e de funcionamento, um pouco à semelhança das funções das assembleias municipais como um órgão deliberativo que igualmente é. A este propósito, e como se sabe, no período compreendido entre o dia da realização de eleições e a tomada de posse dos órgãos eleitos, existe uma contenção dos poderes de deliberar ou decidir sobre matérias de grande importância para a vida da autarquia, motivo pelo qual a Lei n.º 47/2005, de 29 de agosto, determina que os prazos legais atinentes a tais matérias ficam suspensos durante esse período de gestão limitada55.

No caso de se registarem conflitos relacionados com as eleições democráticas, existe um sistema judicial de resolução dos conflitos que se direciona para o TC e para os tribunais de primeira instância. Sempre que forem levantadas questões sobre irregularidades no decorrer da votação ou no apuramento dos resultados, estas podem ser impugnadas perante o TC, desde que as irregularidades tenham sido reclamadas na altura do seu acontecimento56. Diferente

desta situação é a existência de comportamentos que pela sua gravidade merecem a tutela do Direito contraordenacional ou ainda do Direito penal. As contraordenações eleitorais57 são

apreciadas, em regra, pela Comissão Nacional de Eleições, sendo possível recorrer da decisão para a secção criminal do STJ. No que concerne ao ilícito eleitoral penal, é julgado nos tribunais comuns e pode ser relativo, a título meramente exemplificativo, à propaganda eleitoral ou organização do processo eleitoral58.

2.2.2 - Junta de freguesia

No que respeita à junta de freguesia, é constituída por um presidente e vogais. Existe apenas um boletim de voto referente à eleição dos órgãos da freguesia e, regra geral, é eleito presidente da junta a pessoa que encabeça a lista mais votada da eleição para a assembleia de

55 Cfr. art.º 8.º, sendo densificadas ao longo dos art.ºs 9.º e 10.º, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro. V.

a respeito do tema, OLIVEIRA, António Cândido de, Direito das Autarquias Locais, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 2013, p. 163.

56 Cfr. art.º 156.º e ss da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos

das autarquias locais.

57 Reguladas do art.º 204.º a 219.º, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto.

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freguesia, deixando de fazer parte desta. Por sua vez, os vogais são eleitos através de proposta do presidente da junta, cujo número é variável consoante o número de eleitores59. Contudo, e

apesar de a lei nada referir sobre este aspeto, entende-se que se a proposta feita pelo presidente da junta na escolha dos vogais não conseguir uma maioria que a aprove, ter-se-ão de realizar novas eleições60.

Uma vez eleitos os membros da junta de freguesia, podem estes optar por exercer funções em regime de permanência, a meio tempo ou de não permanência, consoante o número de eleitores da freguesia. As remunerações pelo exercício destas funções têm por referência o vencimento base do Presidente da República e o facto de serem exercidas em regime de permanência ou a meio tempo. Os presidentes das juntas de freguesia a exercerem o mandato em regime de não permanência (voluntariado) não recebem remuneração, porém beneficiam de uma compensação mensal para encargos61.

Quanto às reuniões da junta de freguesia, realizam-se ordinariamente pelo menos uma vez por mês, e em sessões extraordinárias sempre que necessário62.

Devido ao caráter de órgão executivo, as competências por si desempenhadas assemelham-se às da câmara municipal, com as devidas adaptações. Ora, em face das responsabilidades, poderes próprios que lhe são legalmente atribuídos e, por personificar e representar o governo da freguesia, grande parte da doutrina considera que o presidente da junta deveria ser designado individualmente órgão da freguesia63.

Em termos muito gerais, é este o funcionamento dos órgãos que representam esta categoria de autarquia local, contudo numa abordagem sobre este tema não poderá deixar de ser feita uma breve referência às recentes transformações ocorridas, em virtude de reformas territoriais há muito reclamadas. Na verdade, já na época do liberalismo, o número de freguesias existentes em Portugal era de aproximadamente 4 000, situação que se manteve até à atualidade, tendo-se registado algumas alterações pontuais e pouco significativas. Acresce que com a Constituição de 1976, e especialmente depois da revisão de 1982, matérias respeitantes

59 Cfr. art.º 24.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro.

60Cfr. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história

político-administrativa de Portugal”, Questões Atuais de Direito Local, AEDRL, n.º 03, Julho/ Setembro, 2014, p. 49. E ainda neste sentido, o ac. do TCA-S (Contencioso Administrativo), proc.º n.º 11139/14, de 14 de maio de 2015, disponível em www.dgsi.pt.

61 Cfr. art.ºs 26.º e 27.º, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro e art.ºs 5.º e 7.º, da Lei n.º 11/96, de 18 de abril. 62 Cfr. o disposto no art.º 20.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

63V. OLIVEIRA, António Cândido de, “Quase 40 anos de democracia local: um período sem paralelo na história

Referências

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