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Sustentabilidade Ecológica e a Água da Vida

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Academic year: 2020

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SUSTENTABILIDADE

ECOLÓGICA

E A ÁGUA DA VIDA*

CLEIDE LAZARIAN**

MARCINA DE BARROS SEVERINO***

A

terra se comporta como ser vivo onde as partes se interagem para manter a vida no e do planeta. Diante da crise e das reflexões econômicas, sociais e ecológicas, a humanidade está convocada a contribuir no cuidado do ambiente em que vive e pensar a vida de forma ampla, como: a) a ecologia ambiental com a finalidade de melhor qualidade de vida e a preservação da natureza. Questionar os custos ecológicos e sociais; b) a ecologia social não busca o cuidado do meio ambiente, mas do ambiente inteiro, da vida em todos os seus níveis e aspectos. Prioriza as condições dignas para o desenvolvimento da vida. Luta para que o desenvolvimento seja sustentável, pois as gerações que hão de vir têm Resumo: a questão sócio-ecológico-ambiental é um desafio e preocupação para todos os humanos.

Os humanos são convocados a amar e cuidar do planeta Terra, espaço de inter-relacionamento de todos os seres vivos e não vivos com o seu habitat, ‘oikos’. A prática da justiça social mostra que a humanidade está caminhando para um novo renascimento da vida no planeta. O cui-dado do oikos será possível quando resgatada na dimensão da anima - do feminino no homem e na mulher. A dimensão do feminino ajuda a resgatar o sentido do sagrado. O sagrado impõe limites à manipulação do mundo e dá origem à veneração e ao respeito à vida do planeta.

Palavras-chave: Cuidado social-ecológico-ambiental. Vida. Justiça social. Sagrado.

Susten-tabilidade

* Recebido em: 02.10.2012. Aprovado em: 10.10.2012.

** Mestranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Pós-Graduada em Assessoria Bíblica pela EST. Graduada em Secretariado Executivo pela UFBA. E-mail: cleidecf@bol.com.br

*** Mestranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. Graduada em Ciências pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cataguases e em Direito pela Universidade Iguaçu. E-mail: marcinabarros25@hotmail.com

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o direito de encontrar um planeta habitável; c) a ecologia mental ou profunda aponta para o problema da destruição da terra que está presente na mentalidade dos seres humanos. O instinto de violência, o desejo de dominação, arquétipos que afastam a benevolência em relação à vida e à natureza; d) a ecologia integral que parte de uma nova visão da terra e dos seres humanos. Essa cosmovisão desperta no ser humano a consciência da imensa totalidade que é o universo onde está inserido e faz parte dele.

A consciência da crise ecológica soma-se às constatações do fracasso do desenvol-vimentismo na solução dos problemas globais. Denuncia-se a exploração ilimitada dos bens ambientais e a insustentabilidade social e ambiental por ele gerada. Desta forma, a humanida-de se vê diante da difícil conciliação entre o crescimento econômico, a superação da pobreza e a preservação do ambiente de vida. As relações do ser humano com a biosfera mudaram radicalmente no transcurso dos últimos séculos.

A geração do tempo presente possui um papel fundamental na história da humani-dade, pois representa a transição entre duas visões de mundo. Não tem todas as respostas, mas tem a capacidade de dizer não ao progresso ilimitado e sim ao progresso com responsabilidade ambiental, mesmo que seja difícil discernir quais seriam os melhores caminhos para conduzir a esse novo desafio.

SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA

As reflexões sobre os problemas ecológicos nos chamam a atenção para questões vitais. Essa chamada aponta para a crise civilizacional de nossos dias e tem por finalidade ofe-recer elementos para se criar novas formas de relacionamento ecológico e sustentação da vida no planeta. A partir das discussões mundiais sobre essa temática, pode-se pensar a ecologia em quatro aspectos:

A ecologia ambiental preocupa-se com o meio ambiente, visa a qualidade de vida, a preservação das espécies em extinção e a permanente renovação do equilíbrio da natureza. Sua luta é por novas tecnologias que não sejam poluentes. É uma postura importante porque busca frear a voracidade dos projetos industriais que implicam em altos custos ecológicos e sociais. A grande questão é o cuidado da vida no e do planeta. O cuidado consiste em: não utilizar armas nucleares, químicas e biológicas; não continuar, de forma irresponsável, poluindo as águas e envenenando o solo; não contaminar a atmosfera e nem agravar as injustiças sociais (BOFF, 2009, p. 11-3).

A ecologia social não busca o cuidado do meio ambiente, mas do ambiente inteiro. Integra o ser hu-mano, a sociedade e a natureza, como partes diferenciadas da ecologia. Não se preocupa apenas com a beleza da cidade, com suas praças atrativas, mas prioriza as condições dignas para o desenvolvimento da vida, como saneamento básico, moradia, alimentação, trabalho, boa rede escolar e serviço de saúde decente. Luta para que o desenvolvimento seja sustentável que atende as necessidades básicas dos seres humanos sem sacrificar a terra, pensando também nas gerações que hão de vir. Elas têm direito de encontrar um ambiente habitável. Contudo, a sociedade construída nos últimos 400 anos, criou um modelo de desenvolvimento que explora ao máximo os recursos da terra e a força de trabalho. O desenvolvimento sustentável nega e repudia o atual modelo social de produção (BOFF, 2009, p. 14-7). A ecologia mental diz que o problema da destruição da terra não se encontra apenas no tipo de sociedade atual, mas no tipo de mentalidade que ainda vigora entre os seres humanos. Há nos seres humanos um instinto de violência, um desejo de dominação, arquétipos que afastam a benevolência em relação à vida e à natureza. A crise ecológica, para ser superada, exige novo perfil de cidadãos, com nova mentalidade, mais sensíveis, mais cooperativos e solidários (BOFF, 2009, p. 18).

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en-quanto sente, pensa, ama, chora e venera. Esta ecologia procura inserir o ser humano em uma visão global e holística e desperta no ser humano a consciência da imensa totalidade que é o universo onde está inserido e faz parte dele (BOFF, 2009, p. 20).

Não se pode deixar por esquecida a questão do aquecimento global, sendo o problema número um que a humanidade deveria encarar, pois a terra se comporta como ser vivo onde as partes se interagem para manter a vida no e do planeta. Como nos posicionamos diante do aquecimento global, seja pela queima do petróleo que produz CO2, seja pela queima das florestas, de lixos e tantos dejetos que também produz CO2? O que fazemos individual e coletivamente para cuidar da vida em seu todo? (BOFF, 2009, p. 21-42).

A expressão desenvolvimento sustentável é por demasiado utilizada, porém, vem im-pregnada de ambiguidade. Na visão capitalística, a ideia é de que se pode dispor dos recursos da terra para continuar sem sobressaltos a atender o mercado, o lucro e o desenvolvimento tecnológico. Defende a teoria de que esse tripé capitalista precisa ser mantido. Com isso evita-se que outros países cresçam e venham esgotar os bens da terra e ameaçar o nível de consumo das nações ricas. Isso denomina-se de restrição de novos candidatos à mesma mesa farta.Modera-se os gastos para prolongar a vida de consumo do mundo rico (LIBANIO, 2010, p. 71).

Na visão dos países pobres, a questão da sustentabilidade inverte profundamente o campo de referência. O consumo pode ser aceito somente de nível universalizável para toda a humanidade e que garanta o futuro das gerações vindouras. Esse modo de expressão promove drástica redução dos gastos dos países ricos, sobretudo, com supérfluos, com o consumismo ex-cessivo, com a indústria armamentista, com o consumo enlouquecido de petróleo com os carros e outros meios de transporte individual. Com essa incomensurável economia sobrará recursos para as gerações futuras e a vida dos países pobres melhorará (LIBANIO, 2010, p. 72).

A cultura ocidental concebeu e legislou a Carta dos Direitos Humanos da ONU – Organização das Nações Unidas, porque povos como a Alemanha e EUA – Estados Unidos da América, cometeram crimes contra esses direitos em guerras, campos de concentração, fabricação de armas de morte. Traçaram-se, então, linhas claras e comumente aceitas pela hu-manidade. A ecologia dá mais um passo e apresenta uma nova questão a partir da reflexão dos direitos à inviolabilidade de certos bens materiais que pertencem à humanidade e não podem ser apropriados por nenhuma nação e menos ainda por alguma empresa comercial.Entram em questão os bens como os oceanos, a água doce, a pureza do ar, o planeta terra no seu todo. Isso se baseia no primeiro direito fundamental de todos os seres humanos à existência plena. A vida será, de fato, assegurada se esses bens também forem (LIBANIO, 2010, p. 73).

Os oceanos, a água potável, a pureza do ar, o planeta terra vivo e íntegro, são bens primordiais a todo sistema de vida. Por isso, faz-se necessário criar consciência coletiva da urgência de resguardá-los da indevida apropriação. É direito de toda a humanidade usufruir desses bens fundamentais sem restrição de nação ou empresas. São bens coletivos e comparti-lháveis - jamais privatizáveis. É preciso não sucumbir à lógica perversa do lucro acima da vida (LIBANIO, 2010, p. 74).

A crença no conceito de desenvolvimento se deu como probabilidade de progresso e crescimento ilimitado. O desenvolvimento constituiu-se como um dos pilares da sociedade industrial ocidental, de modo particular logo após a segunda Guerra Mundial, quando o grande desafio era a reconstrução das sociedades atingidas pela guerra e, ao mesmo tempo

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es-tabelecer uma ordem internacional hegemônica num contexto de grandes disparidades entre as nações centrais, urbanizadas e industrializadas e os países periféricos predominantemente rurais e com baixa industrialização (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 15). As concepções de desenvolvimento, subdesenvolvimento e modernização forma-ram o espírito do sistema de conceitos que conduziu a política internacional dos países ca-pitalistas do ocidente. O desenvolvimento foi identificado com o crescimento econômico, tecnológico, urbano e a internalização da lógica da acumulação e da produção capitalista em todas as esferas da vida social. Foi então, estabelecido um modo de vida desenvolvido, como passagem evolutiva e inevitável a ser percorrida pelas sociedades subdesenvolvidas para a superação da pobreza e do atraso. O modelo de desenvolvimento a ser alcançado seria o da sociedade de consumo norte-americano. Desta forma, o desenvolvimento se tornou objetivo maior da política de governos, da ONU e do Banco Mundial (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 16).

A consciência dos riscos desenvolvimentista foi crescendo a partir da crise social, na década de 1970, tenho como centro a crise do petróleo – recurso natural não renovável. Esta inquietação adverte para a crise do modelo desenvolvimentista que prometeu o suprimento das necessidades humanas pela via do crescimento econômico e a modernização tecnológica. A consciência da crise ecológica veio somar-se às constatações do fracasso do desenvolvimen-tismo na solução dos problemas globais, denunciando a exploração ilimitada dos bens am-bientais e a insustentabilidade social e ambiental por ele gerada (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 17).

Em contexto de crise econômica e ambiental, a partir dos anos de 1980, aprofunda-se a crítica à ideia desenvolvimentista, tendo como noção principal o modelo social hegemônico. Constata-se, então, o colapso deste modelo de desenvolvimento e percebe-se a crescente cri-se ambiental. Essas percepções levam tanto à busca de novas portas à superação do modelo vigente como as iniciativas de reformulação dentro dos limites da lógica capitalista que os gerou. Os movimentos ecológicos que criticam as raízes do sistema capitalista e o seu uso ambiental se contrapõem a outros setores também do movimento ecológico e de instituições internacionais que buscarão reformar a noção de desenvolvimento e buscam incorporar uma compreensão de desenvolvimento numa dimensão ambiental que fora excluído de seu hori-zonte (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 18-9).

FUTURO COMUM EM CASA COMUM

O desenvolvimento sustentável é um conceito que surgiu na esteira da crítica ao desenvolvimentismo. Pois este com suas promessas de melhoria social e superação da pobreza foram duramente criticados, seja pela sua inviabilidade, pelos fortes prejuízos ou implicações negativas ambientais ou ainda pela pequena capacidade de compartilhar os benefícios gerados pelo crescimento. O ideário de desenvolvimento sustentável surgiu sob o signo de um mundo globalizado numa realidade de pós Guerra Fria (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 27-8).

A humanidade se vê frente ao difícil acordo entre o crescimento econômico, a supera-ção da pobreza e a preservasupera-ção do ambiente de vida. Para tanto é imprescindível: preocupações, desafios e esforços comuns. O caminho para se chegar à sustentabilidade ambiental poderá ser através de políticas sociais e ambientais adotadas nesta direção, por meio de um plano de ação

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global. Mesmo que almeje uma ação abrangente e global, o desenvolvimento sustentável é um conceito elaborado e orientado pela dialética econômica e a partir desta referência pensa a so-ciedade. A via de internalização dos custos ambientais na forma de relações internacionais ou na forma de produtos finais segue o modelo e a coerência do mercado. A natureza passa assim a ser um bem de capital numa economia ecológica de mercado (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 29-32).

Desta forma, o conceito de desenvolvimento sustentável tem nutrido diversas pro-postas que apontam para novos mecanismos de mercado como recurso para condicionar a produção à capacidade de suporte dos recursos naturais: a) mecanismos de taxação, licenças e cotas para emissão de poluentes; b) incorporação de um bem ambiental escasso no produto final; c) a consideração de que os custos de direitos ambientais afetados podem ter um resul-tado inibidor em curto prazo (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p. 33).

Pode-se perguntar: estes mecanismos travam efetivamente a degradação social e ambiental, ou faz surgir um novo tipo de mercado verde? Quem vai pagar os custos de uma lógica onde a regra é a otimização da produção com a maximização do lucro e a minimização dos custos de produção? O repasse destes custos à sociedade alargaria os níveis de exclusão e a desigualdade no acesso aos bens produzidos e/ou comercializados por este mercado verde (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÃES, 2007, p.34-6).

Além do desenvolvimento sustentável, faz-se mister a territorialização da racionali-dade ambiental. A interpelação planetária é a da construção de uma racionaliracionali-dade ambiental não apenas como possibilidade teórica. Sua efetivação se sustenta nos potenciais reais da orga-nização ecossistêmica do planeta como produtores de natureza e de vida, que com capacidade criadora cultural dá sentido à produtividade ecológica da terra.

Far-se-á a desconstrução do processo de racionalização econômica do mundo, da globalização guiada pelo discurso e pelas políticas do desenvolvimento sustentável. Isso requer a ativação de uma estratégia de transição para a sustentabilidade. Esta deverá cons-truir-se em territórios nos quais esteja presente este potencial produtivo neguentrópico, fundado na produtividade ecológica dos ecossistemas complexos, numa produtividade pri-mária capaz de ser conduzida culturalmente em direção a procedimentos de coevolução bio-cultural, de regeneração seletiva em práticas agroflorestais fundadas no manejo múltiplo dos ecossistemas produtivos.

A construção social de uma racionalidade ambiental é sua territorialização em es-paços bioculturais, onde a cultura não só ressignifica e fixa seus valores culturais nos seus processos de intervenção sobre a natureza, como também onde os direitos culturais à natu-reza e traduzem em movimentos sociais de reapropriação da natunatu-reza, em processos cons-tituídos nos princípios da racionalidade. A construção da sustentabilidade coloca três desafios fundamentais ao processo de globalização econômica1.Nesta mesma direção se

encontram as exigências que os povos indígenas e as comunidades camponesas colocam aos países latino-americanos2 (LEFF, 2009, p. 356-7).

Para tanto, estruturam-se circuitos nacionais e regionais, bem como organizações locais para examinar suas dificuldades e proteger seu patrimônio natural e cultural, fazendo valer seus saberes indígenas, gerando a participação das organizações em reuniões nacionais e internacionais sobre temas referentes à sustentabilidade onde participam organismos interna-cionais e multilaterais, organizações governamentais, universidades e organizações da socieda-de civil. E a partir das próprias organizações dos povos e nas mais diversas experiências socieda-dessocieda-de

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a base, se desenvolvem métodos autogestionários e independentes que partem de saberes locais e mobilizam novos atores sociais na construção e territorialização de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2009, p. 356-61).

O ser humano age efetivamente sobre a biosfera: a) transformando o ambiente: solo, clima e vegetação; b) alterando a distribuição das espécies animais e vegetais: des-truição, rarefação, propagação e extensão; c) modificando as espécies indiretamente pelos efeitos precedentes, diretamente pela seleção, criação de novas raças e engenharia genética. Suas influências, que amiúde são destruições ou perturbações, podem também, e precisa-riam ser sempre mais, coordenadas, estabilizadoras, quer se trate de manter ou de organizar. A espécie humana estendeu seu meio ambiente à biosfera inteira. Porém, para tanto, foram necessários milhões de anos e três revoluções maiores ao longo dos três últimos milênios: 1) a emergência das grandes correntes de pensamento, das religiões, das civilizações; 2) a descoberta da agricultura; 3) a criação da máquina a vapor e a revolução industrial (BAR-BAULT, 2011, p. 295-6).

Após extensa etapa de desenvolvimento as relações do ser humano com a biosfera se modificaram radicalmente nos últimos séculos. A ocorrência de mudanças evolutivas ace-leradas é fácil de compreender: estas derivam de forças de escolhas exercidas pela tecnologia humana e seus produtos: antibióticos, pesticidas e outras moléculas sintéticas. A gravidade das mudanças evolutivas induzidas pelo ser humano pode ser mensurada economicamente em numerosos casos e aprece especialmente na vulnerabilidade das sociedades humanas em face das doenças incontroláveis ou das pululações de pragas (BARBAULT, 2011, p. 297-8).

Países desenvolvidos erguem a bandeira ambiental passando a impressão de reco-nhecimento dessa luta. Porém, é preciso considerar o que há por trás dessa ilusória conversão. Parte dessa postura tem por motivo a pressão da opinião coletiva, cada vez mais consciente dos problemas ambientais. É conveniente que os países titulados de Primeiro Mundo esta-beleçam aos considerados de Segundo e Terceiro Mundos que cuidem do meio ambiente. Essa atitude traz inúmeras vantagens, como: a) enquanto transmitem a imagem de que estão progredindo no cuidado ambiental, acumulam lucros com a exportação de produtos para a despoluição, controle e monitoramento ambiental; b) utilizam a questão ambiental como empecilho comercial para sobretaxar produtos industrializados do Segundo e Terceiro Mun-dos e c) desfrutam ao desviarem a atenção da humanidade do alicerce principal do problema, ou seja, um modelo de desenvolvimento ‘vendido’ como o inusitado possível, fundamentado na exploração ilimitada de recursos naturais e na superexploração do labor humano (BERNA, 2006, p. 12).

Na concorrência pelo desenvolvimento em que os ‘melhores’ chegam na frente, cabendo aos demais adotarem os mesmos passos, o próprio conceito de Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos revela uma falsa ideologia. Na suposição de todos alcançarem o mesmo padrão de consumo dos países chamados de Primeiro Mundo, seriam necessários diversos planetas terra de recursos naturais. É uma corrida para um progresso insustentável. Como a maciça extinção de espécies e ecossistemas, o efeito estufa, os orifícios na camada de ozônio, as mortes antecipadas nas cidades resultantes da poluição do ar, da água, do solo, etc. A terra está sendo destruída, arrasada e aniquilada em cada ambiente, onde o desenvolvimento sem controle deixa desertos, miséria e fome (BERNA, 2006, p. 12).

Desta forma, restam poucas perspectivas de progresso aos países pobres, denomi-nados de Terceiro Mundo. A atual concorrência apenas legitima um processo que os elimina

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pela impossibilidade de existirem recursos naturais para todos no futuro, enquanto acena com uma promessa que não pode ser exercida.

A visão, reflexão e debates ecológicos são relativamente recentes. Há pouco menos de três décadas, poluição era sinônimo de progresso. Hoje a opinião pública está mais cons-ciente e crítica. Embora queira progresso e crescimento, não se aceita mais falta de responsa-bilidade ambiental, a poluição, a destruição e o desperdício de recursos naturais. Contudo, a dificuldade está em definir os limites do crescimento. Até onde é possível utilizar os recursos naturais e a biodiversidade sem danificar sua própria qualidade de vida ou a das gerações futuras (BERNA, 2006, p. 13).

Não existem respostas prontas. É preciso agir de acordo com as particularidades de cada realidade. Essa geração tem um papel fundamental na história da humanidade, pois representa a transição entre duas visões de mundo. Não tem respostas suficientes à crise atual, mas tem a competência de dizer não ao progresso ilimitado e sim ao progresso com responsa-bilidade ambiental, mesmo que seja difícil discernir quais seriam os melhores caminhos para conduzir a humanidade a esse novo desafio (BERNA, 2006, p. 14).

Pode-se assegurar que há um objetivo comum: viver em um mundo melhor, mais preservado, com maior qualidade de vida para todas as espécies de vida. Entretanto, não se pode viver na ingenuidade acreditando que o sentimento do bem comum moveria povos e indivíduos. Isso pode ocorrer nas promessas e discursos, mas, nem sempre se concretizam em gestos. É igualmente necessário atenção aos pérfidos discursos que utilizam a linguagem da responsabilidade social e ambiental como biombo para dissimular as verdadeiras intenções de lucros crescentes e a qualquer custo (BERNA, 2006, p. 15).

PASTORES, OFICIAIS OU FERAS SELVAGENS E MONSTROS?

Em contexto de predomínio e povo subjugado, a tradição bíblica costuma com-parar o poder dominante, opressor e usurpador, com feras devoradoras da vida do povo. A profecia a compara a cachorros, maus pastores, monstros e feras selvagens que devoram os bens do povo em vista de seus próprios interesses (Is 56,9-12)3.Sejam os bens produzidos pela

humanidade, seja os recursos naturais renováveis ou não.

O Capítulo 56 de Isaías proclama que algo novo está para acontecer: vitória e jus-tiça ao povo oprimido. Para que algo novo aconteça é preciso preparar-se para recebê-lo. A novidade consiste na consciência de duas categorias excluídas: o estrangeiro e o eunuco. Denuncia chefes indignos como em Is 1,21-26 e a idolatria (Is 1,29s). Essas palavras brotam de uma situação nova, na qual renascem antigos problemas. As autoridades cometem delitos (Am 6,1-6), levam boa vida despreocupados com os indefesos (Is 5,11-12.22-23; Am 4,1; Is 22,13). O povo abandonado é considerado o rebanho de Deus e seus chefes são os guardiães e vigias, que devem descobrir o perigo e alertar o povo (Ez 33). A cobiça é o vício capital que vicia a justiça (Jr 6,13; 8,10; 22,17; Ez 22,13.27) e cega as autoridades em busca de seu próprio crescimento e enriquecimento.

Pastores e governantes que não cuidam da vida do povo, apenas pensam em seus interesses são considerados feras selvagens de diversas formas: Javalis devastadores (Sl 80,13; Is 5,5). Oficiais são como lobos que derramam sangue e matam gente para obter ganhos in-justos (Ez 22,27). Raposa que mata profetas e apedreja os enviados (Lc 13,32-34).Leão que sai da toca e fica à espreita, agachado na emboscada, apanha o necessitado e o arrasta para

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sua rede (Sl 10,9; Sl 16,11-12; Jr 25,38). Como cães rosnam e rondam a cidade (Sl 59,6). Cavalos com cabeça de leão que lançam fogo, fumaça e enxofre e, cauda como cobras que ferem as pessoas (Ap 9,16-19).Por fim, denuncia-se a total omissão de oficiais e pastores, que se entregam à bebida por não ter nenhum interesse em sua obrigação em relação ao povo (Is 56,12). Entregam-se à prostituição e à bebida e prejudicam o discernimento do povo (Os 4,11) (HITCHCOCK, 2005, p. 670-1).

Outro animal que merece a atenção é o Leviatã, monstro que se encontra em Ap 13,1ss. Leviatã em hebraico significa serpente enganadora, amarrada, subjugada e ferida pela espada de Deus (Is 27,1). Suas cabeças são esmagadas por Deus (Sl 74,14). Evocada pelos conspiradores (Jó 3,8). Esse termo era também aplicado ao crocodilo (Jó 40,25) e a um gran-de peixe, esperto e divertido (Sl 104,26). Essas alusões sugerem um ser monstruoso que se identifica ao monstro mitológico do caos – Lotã ou Litã, a serpente tortuosa, shalyat das sete cabeças vencida por Baal no poema épico do Baal Ugarítico. A vitória da divindade criativa sobre o monstro do caos é transferida para YHWH (McKENZIE, 1983, p. 547).

Leviatã� é um monstro do mar (Is 27,1; Sl 74,14; 104,26; Jó 3,8; 40, 25ss; e nos

apó-crifos: 2Esd 6,49.52; 2Baruc 29,4; 1Henoc 60,7; Ap de Abraão 10,10; 21,4). Leviatã, Rahab e Behemot são conhecidos principalmente no Antigo Testamento. Segundo um poema cananeu, Leviatã, monstro do caos, foi morto por Baal. De acordo com o Sl 74, foi assassinado por Deus. Is 27,1 situa essa execução no fim dos tempos, referindo-se ao Egito ou à Babilônia.

A profecia de Isaías (51,9) fala do Leviatã como o monstro cortado em pedaços por Deus. No Sl 87,4 em Is 30,7 Rahab é um monstro símbolo do poder político. E em Ez 29,3ss e 32,2-8 o faraó é apontado como um dragão. Rahab também é chamada de dragão em Is 51,9. No Sl 2,29, o general Pompeu é chamado “o orgulho do dragão”. Behemot5 é o grande

monstro da terra (Jó 40,15; 2Esd 6,49ss; 2Baruc 29,4 e 1 Henoc 60,8. Monstro com igual semelhança é conhecido na mitologia acádica na figura de Tiamat.

Em Is 25,1, o Leviatã é identificado como o monstro marinho, qualificado como o dragão ou serpente. Monstro do mar representa poderes do caos, e por isso, chamado de dra-gão (Is 51,9; Ez 29,3, 32,2; Sl 74,13; Jó 7,12).62Esdras e 2Baruc são escritos contemporâneos

ao Apocalipse e nos remetem a Ap 13 – “Vi emergir do mar uma besta... vi subindo da terra, outra besta...” São recursos à Bíblia judaica e aos apócrifos para fins educativos que expressa-vam suas mensagens (ARENS; MATEOS, 2004, p. 62-3). Simboliza o poder dominante e opressor. O poder que pela perseguição e morte, impede que a água da vida chegue a todas as partes do mundo. Impede que a água da vida leve a vida a todas as espécies de vida. Por fim, os símbolos de feras e monstros servem para proclamar que Jesus Cristo é o rei e o Senhor da história e o único vencedor, junto com à comunidade, de todos os monstros ou feras que ameaçam a história da humanidade.

CONCLUSÃO

A vida possui uma dignidade sagrada porque emerge da vontade do Deus criador e pede preservação e cuidado. O cuidado é uma atitude que comporta ações que não permite privações a ninguém dos bens essenciais à vida. Não pode haver pobres e mendigos entre os seres humanos. Na caminhada de constante transformação, está inerente o serviço para de-fender, promover e valorizar a vida onde ela se encontra ameaçada, agredida e violentada e o cuidado social e cultural do/a empobrecido/a e excluído/a.

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A geração do tempo presente possui um papel fundamental na história da humani-dade. Não possui todas as respostas, mas tem a capacidade de dizer não ao progresso ilimitado e sim ao progresso com responsabilidade ambiental, mesmo que seja difícil discernir quais seriam os melhores caminhos para conduzir a esse novo desafio.

ECOLOGICAL SUSTAINABILITY AND WATER OF LIFE

Abstract: the major socio-eco-environment is a challenge and concern for all humans.

Hu-mans are summoned to love and care for the planet Earth, space of interrelationship of all living beings and non-living with their habitat  ‘oikos’. The practice of social justice shows that humanity is heading towards a new rebirth of life on the planet. The care of the oikos  will be possible when redeemed in the dimension of the anima - the feminine in men and women. The dimension of the feminine helps rescue the sense of the sacred. The sacred imposes limits to manipulation of the world and gives rise to the veneration and respect to life of the planet.

Keywords: Care social-ecological-environmental. Life. Social justice. Sacred. Sustainability. Notas

1 a) conservar a biodiversidade e os equilíbrios ecológicos do planeta e aumentar o seu potencial produtivo; b) reconhecer e legitimar a democracia, a participação social, a diversidade cultural e a política da diferença na tomada de decisões e nos processos de apropriação social da natureza; c) repensar o conhecimento, a educação, a capacitação e a informação da cidadania na perspectiva de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2009, p. 357).

2 a) respeito e apoio aos modos de produção e aos estilos de manejo dos recursos naturais; b) respeito aos saberes e sua expressão em sistemas de educação interculturais; c) reconhecimento e pleno exercício de seus direitos cidadãos, incluindo seus direitos consuetudinários e as formas de eleição das autoridades locais e regionais; d) estabelecimento de estatutos comunais e regionais de autonomia, o pleno exercício de suas línguas, a recuperação e prática das religiões ancestrais ou originárias, sem prejuízo do acesso à ciência moderna e à informação do mundo contemporâneo, sempre que assim considerarem autonomamente pertinente (LEFF, 2009, p. 357-8).

3 “Feras selvagens, vinde comer. Feras todas da relva: pois os guardiães estão cegos e não percebem nada, são cães mudos incapazes de latir, vigias caídos, amigos do sono. São cães com fome insaciável, são pastores incapazes de compreender. Cada qual vai por seu caminho e para seu interesse, sem exceção. Grita por vinho, embriaguemo-nos de bebida. E amanhã o mesmo que hoje, há provisão abundante” (Is 56,9-12).

4 Na tradução LXX, Leviatã é traduzido por Dragão.

5 Behemot é um monstro masculino e Leviatã um monstro feminino. E costumam aparecer juntos (Jó 40,15—41,26).

6 “[...] assinalados receberam nome (separados um do outro), os dois monstros, o feminino chamado Leviatã, para habitar o abismo do mar sobre as fontes das águas, e o masculino, chamado Behemot, que dominará com sua alma o deserto imenso (1Henoc 60,7s)”. “Destinaste a Behemot como seu território uma parte da terra enxuta ao terceiro dia (da criação), um país de mil montes. A Leviatã deste a sétima parte, as águas” (2Esdras 6,49; 2Baruc 29,4).

Referências

ARENS, Eduardo; MATEOS Manuel Díaz. O Apocalipse a força da esperança – estudo, leitura

e comentário. Tradução de Mário Gonçalves. São Paulo, 2004.

BARBAULT, Robert. Ecologia geral – estrutura e funcionamento da biosfera. Tradução de Fran-cisco Morás. Petrópolis, Vozes, 2011.

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Referências

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