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O TRADER E O JOGADOR DE WALTER BENJAMIN

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O TRADER E O JOGADOR DE WALTER BENJAMIN

Clovis Tadeu Alves

RESUMO: Na atualidade a aplicação na Bolsa de Valores dinfundi-se entre a população tornando-se uma opção de renda extra. Estas operações não deixam de ser semelhantes a um jogo, onde para alguém ganhar, outro alguém terá necessariamente que perder. Este comportamento assemelha-se ao jogador de cartas de Walter Benjamin. A correlação entre estes dois personagens, o trader (aplicador de curtissimo prazo) e o jogador, nos revelam as similariedades e as distorções da modernidade, que são pouco percebidas no mundo moderno e globalizado.

Palavras-chave: Trader. Jogador de Cartas. Walter Benjamin.

ABSTRACT: At present the application on the Stock Exchange dinfundi among the population becoming an option for extra income. These operations do not cease to be like a game where someone wins, someone else will necessarily lose. This behavior resembles the playing cards of Walter Benjamin. The correlation between these two characters, the trader (applier of short-term) and a player, reveal the similarities and distortions of modernity, which are little noticed in the modern globalized world.

Keywords: Trader. Card Player. Walter Benjamin.

Introdução

Uma das características do sistema capitalista é a separação entre poupadores e empreendedores ou investidores. Para que haja a maximização do crescimento econômico, a condição essencial é ter um sistema financeiro que funcione de modo a alocar os recursos de forma eficiente para aumentar a produtividade da economia, isso depende do grau de desenvolvimento e da sofisticação do mercado de capitais. Muito embora alguns estudiosos vejam os mercados de capitais, em particular os mercados de ações, como um cassino, ou um jogo com seus jogadores apostando na alta ou na baixa, com pouco impacto sobre o crescimento econômico. Evidências recentes sugerem que os mercados acionários podem ser instrumentos de promoção do desenvolvimento econômico (FERREIRA, et al, 2008).

Esta relação marcante entre o jogo e o mercado acionário, resultado do capitalismo e da modernidade, foi objeto de estudo de vários pensadores. O filósofo alemão Walter Benjamin, foi o grande pensador que se notabilizou pelo modo astuto e incomum com que entendeu o problema da experiência estética na modernidade. “O modo como Walter Benjamin pensa a modernidade caracteriza-se, sobretudo, pela tensão e ambigüidade entre pólos opostos, tais como: passado x presente, presente x futuro, passado x futuro, experiência x vivência, memória x esquecimento, narrativa x romance, narrativa x informação, passante x flâneur, dentre outros” (DE PAULA, 1994, p. 1). Em seus estudos, Benjamin pode especular

Mestrando em História pelo PPGH da UPF – Universidade de Passo Fundo. E-mail: clovis21@ibest.com.br. Recebido em: 09/12/2011. Aceito em: 21/05/2012.

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acerca dos modos de se pensar e de se sentir na era moderna. Para isso, no livro “Charles

Baudelaire um lírico no auge do capitalismo”, Benjamin utiliza o universo da obra do poeta

francês Charles Baudelaire. Nesta é marcante o aspecto que trata das relações entre os fenômenos urbanos das multidões e a experiência vivida e transmitida pelo escritor através de sua forte expressão poética (PEREIRA, 2010).

Segundo Benjamin (1991, p 247) semelhança entre o jogo e o mercado acionário esta no fato de ser:

[...]impossivel esperar que um burguês consiga um dia compreender o fenômeno da distribuição de riquezas. Pois, na medida em que a produção mecânica se desenvolve, a propriedade se torna despersonalizada e revestida com a forma coletiva, impessoal das sociedades anônimas, cuja cotas sociais terminam por girar no turbilhão da Bolsa. . . Alguns perdem essas cotas outros as adquirem, e de uma forma tão semelhante à do jogo que as operações da Bolsa são chamadas de jogo. Todo o desenvolvimento econômico moderno tem a tendência a transformar a sociedade capitalista cada vez mais numa gicantesca casa de jogo internacional, onde os burgueses ganham e perdem capitais em consequência de acontecimentos que lhes permanecem desconhecidos (BENJAMIN, 1991, p 247).

Não se pode negar que há semelhanças entre o jogo e o mercado de capitais, mas principalmente há semelhança entre seus principais atores o trader, que é o investidor de curtíssimo prazo, e o jogador de cartas. Com a criação da internet, o trader de hoje tem em suas mãos a maior “mesa de jogo” da história. Esta questão é pouco percebida no mundo moderno e globalizado, onde o capital não tem nacionalidade e nem fronteira. Esta semelhança entre o trader moderno e o jogador de cartas de Walter Benjamin, é o problema de pesquisa deste artigo que tem como objetivo fazer correlações e conexões sobre estes dois intrigantes personagens da modernidade.

O jogador de cartas de Walter Benjamin

Charles Baudelaire foi um dos indivíduos, do qual Benjamin desprendeu problemas e conceitos para que pudesse formular sua teoria. Baudelaire destaca diversos personagens da modernidade, como o estudante, o colecionador, o flâneur e o jogador. A modernidade, para Benjamin, traz há pobreza da experiência, que vai acarretar o afastamento da história. Isto significa dizer que o homem distancia-se de sua participação na história e assim deixa de escrevê-la (ALBUQUERQUE, et al, 2009, p. 92).

A modernidade gera seres automatizados, que só conseguem se expressar de forma automática, pelo reflexo ao choque (BENJAMIN, 1991, p. 126). “À vivência do choque, sentida pelo transeunte na multidão, corresponde à vivência do operário não-qualificado com

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a máquina e a do jogador nos jogos de azar” (DE PAULA, 1994, p. 7). Benjamin compara o trabalho do operário da máquina com o jogador de cartas, “o mecanismo reflexo e acionado no operário pela máquina pode ser examinado mais de perto no indivíduo ocioso, como em um espelho. Esse processo é representado pelos jogos de azar” (BENJAMIN, 1991, p. 127). Na opinião de De Paula (1994, p. 07) os:

[...] operários, sobretudo os não-qualificados que atuam nas fábricas, não possuem uma relação de totalidade em relação ao seu trabalho, agindo fragmentária e automaticamente. Cada operação com a máquina não tem qualquer relação com a precedente, porque constitui a sua repetição rigorosa. De forma análoga, a figura do jogador é desprovida de memória, uma vez que a partida não depende de qualquer outra precedente e nenhum lance depende do anterior. O jogo liquida a importância do passado, invalida as ordens da experiência. (DE PAULA,1994, p 07)

O jogador é como o operário na linha de montagem, a cada término de uma jogada precisa começar de novo, as experiências passadas não lhe servem no presente. Este processo repetitivo o coloca num processo cíclico de eterno retorno, “seus gestos são sempre os mesmos e passa a marcar o caráter na modernidade exposta ao caráter da pseudo novidade. Não há nenhuma aspiração de futuro no jogador, vive ao acaso. Sua existência resume-se a cada novo lance. O seu comportamento é o reflexo dos choques o que não requer experiências e, portanto, não expressa experiências” (ALBUQUERQUE, et al, 2009, p. 100).

Então para Benjamin, “ambas as ocupações estão igualmente isentas de conteúdo” (BENJAMIN, 1991, p. 127), Com isso ao comparar o jogo com o trabalho, Benjamin viu o antagonismo desta comparação, o:

[...] conceito. . . do jogo. . . encerra em si o traço de que uma partida não depende de qualquer outra precedente. . . O jogo ignora totalmente qualquer posição conquistada. Méritos adquiridos anteriormente não são levados em consideração, e é nisto que o jogo se distingue do trabalho. O jogo. . . liquida rapidamente a importância do passado, sobre o qual se apóia o trabalho (BENJAMIN,1991, p 127).

O processo automático e repetitivo de uma linha de produção que caracteriza o trabalho do operário se assemelha e muito ao comportamento do jogador na mesa de jogo. “O arranque está para a máquina, como o lance para o jogo de azar” (BENJAMIN, 1991, p. 127). A rapidez, o impulso, os gestos autômatos, a repetição, é um dos traços comuns a ambos, tanto no trabalho como no jogo. “O gesto veloz e irrefletido com que jogador e operário respondem aos estímulos – seja da máquina ou da mesa de baralho –, como também sua finalidade, o ganho imediato definem, de pronto, a vacuidade, a ausência de sentido e conteúdo das atividades a que ambos se dedicam” (PEREIRA, 2010, p. 103).

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O jogador é um exemplo humano privado de experiência. O jogador não percebe nada ao seu redor sua existência é movida pelo lucro imediato. “O jogo de ganhas e perdas faz com que seu universo gravite em torno do agora e cada lance o coloca mais distante do passado. A embriaguez do jogo, marcada pela paixão do jogador permite com que ele recomece sempre do zero” (ALBUQUERQUE, et al, 2009, p. 100).

O trader moderno

O trader é um investidor que busca rentabilidade nos movimentos de curto prazo, a fim de aproveitar as oportunidades e a volatilidade do mercado. O mesmo compra e vende instrumentos financeiros em bolsa, tais como ações, obrigações ou derivados, com o objetivo de obter lucro no curto prazo. Os traders podem ser profissionais que trabalham em instituições financeiras, ou simplesmente particulares que realizam transações por conta própria com objetivo de investimento ou especulação (THINKFN, 2011).

Também se denominam por traders aqueles profissionais que executam as ordens de terceiros numa corretora, introduzindo-as no sistema de negociação da bolsa de valores. O

trader pode fazer negociação em cima do volume do mercado, ou seja, especula o fluxo de

ordens visando aproveitar a diferença entre os fluxos de compras e de vendas para obter lucros, ou aproveitar determinada tendência dos preços, para ganhar com a diferença entre a compra e a venda (THINKFN, 2011).

Um trader diferencia-se de um investidor na medida em que o investidor tende a comprar as ações de determinada empresa pelo valor do negócio e pela sua capacidade de gerar fluxo de caixa e distribuir dividendos1, numa perspectiva de longo prazo. Já o trader tende a retirar lucros no curto prazo, aproveitando a variação dos preços de determinada ação. Geralmente, dá mais atenção a como determinada notícia, fato fundamental ou o simples movimento dos preços no mercado, poderá afetar as expectativas e esperanças de outros investidores e, consequentemente, o preço da ação, na tentativa de tirar proveito dessa variação momentanea, desconsiderando o valor da empresa e sua capacidade futura de gerar-lhe lucros e dividendos (THINKFN, 2011).

Devido às suas características de investimento no curto prazo, um trader bem-sucedido utiliza o ferramental de análise técnica. Além disso, o trader deve planejar seus investimentos minuciosamente, identificando os pontos de entrada e saída, além dos motivos que o levaram a tomar essas decisões (OSORIO, 2010). A análise técnica, também conhecida como análise gráfica, é o estudo da variação dos preços dos ativos por meio da leitura de

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gráficos e indicadores que buscam antecipar os movimentos futuros do ativo pelos padrões de comportamento conhecidos. Por meio da análise técnica, não se tem certeza do que vai ocorrer com o preço do ativo, mas é possível estimar sua próxima variação de preço e traçar uma estratégia que aumente a probabilidade de êxito de uma operação (SACHETIM, 2006).

O termo “análise técnica” deriva do inglês technical analysis. Os americanos optaram por essa nomenclatura por ser mais abrangente do que “análise gráfica”. A análise técnica “é o estudo da ação do mercado, primeiramente por meio do uso de gráficos, com o propósito de prever tendências futuras dos preços. Para a escola técnica, a resposta esta nos gráficos de preço e volume. Os gráficos traduzem o comportamento do mercado e avaliam a participação de massas de investidores a induzir as formações de preços” (SACHETIM, 2006, p 16). Ela também compreende a análise de padrões gráficos, mas não se restringe a isso. Ela compreende análise de indicadores técnicos, teorias derivadas da física, análise comportamental do mercado, análise quantitativa e automatização de sistemas de operações (OSORIO, 2010).

Os inícios da análise técnica remontam há Leonardo Fibonacci, grande matemático italiano, sua descoberta de fundamental importância para o estudo da análise técnica é a chamada razão áurea, obtida pela operação com valores da famosa sequência de Fibonacci. Esta sequência é identificada frequentemente na natureza e posteriormente foi aplicada em movimentações de preços no mercado de ações (OSORIO, 2010).

Outro fato importante ocorreu no século XVIII, durante o Japão feudal, onde a base da economia era o arroz. Muitos viviam do comércio desse produto, que se tornou a moeda nacional. Munehisa Homma desenvolveu sua teoria com base em registros detalhados sobre condições de clima, negociações realizadas e preços do arroz. Para entender melhor a psicologia dos investidores, ele analisou todos os negócios. A forma de armazenagem dessas informações era gráfica, cujo desenho era representado por corpos brancos e negros parecidos com velas de iluminação. Hoje, esse padrão de visualização gráfica é conhecido como

candlesticks. Em 1755, Munehisa escreveu A fonte do ouro, o primeiro livro conhecido sobre

psicologia de mercado (OSORIO, 2010).

Destaca-se ainda Charles Henry Dow que desenvolveu os princípios básicos da análise técnica. Entre as grandes contribuições que ofereceu ao mercado financeiro, destacam-se a criação do índice Dow Jones e uma série de princípios para entender e analisar o comportamento do mercado, que se tornou conhecida por Teoria de Dow (OSORIO, 2010). Alguns anos mais tarde, Ralph Nelson Elliot publicou sua Teoria de Ondas. Elliot era engenheiro, começou a analisar os preços das ações, especialmente o Índice Dow Jones.

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Depois de uma série de previsões corretas do mercado, Elliot publicou artigos na Financial

World Magazine, em 1939. Sua teoria completa, publicada um ano depois, chamado-a de “Lei da natureza: o segredo do universo”, a mesma sustentava que os preços se movimentam em

ciclos, em função dos números de Fibonacci (OSORIO, 2010).

Um bom domínio de análise técnica é fundamental para o trader, porém não é tudo, outro aspecto é o rígido controle de risco e principalmente emocional, a grande questão é que o trader executa uma atividade ímpar, que coloca à prova toda a sua personalidade. Durante uma operação, é como se o mercado fosse um espelho potente que reflete o interior do trader, conseguindo ver a sua atuação e mesmo sua percepção do que está acontecendo, é um reflexo exato do que existem em seu íntimo, suas crenças, limitações, forças e fraquezas (FERREIRA, et al, 2008).

O controle emocional de um trader deve necessariamente começar pelo domínio da pressão emocional2, neste estágio, o trader desenvolve a capacidade de dominar as reações impulsivas, as reações emocionais devido à intensa pressão envolvida nas operações com o mercado. O autocontrole para o trader é o domínio perfeito de si mesmo, mantendo o isolamento, o foco e a objetividade necessários para realizar lucros, através da tomada de decisões estratégicas, isentas de emoção. O Mercado, com seus altos e baixos, com quebras de tendência e sua intrínseca imprevisibilidade, torna-se um mestre austero em demonstrar para o

trader exatamente onde ele se encontra na escala de controle emocional. A maioria

encontra-se neste estágio, governados pelas leis da psicologia de massa, reagindo impulsivamente ao medo e à ganância (FERREIRA, et al, 2008).

Conexões e correlações entre o trader moderno e o jogador de cartas.

Benjamin afirma que “o capitalista, cuja fortuna está investida em valores da Bolsa, e que ignora as causas das oscilações dos preços e dividendos desses títulos, é um jogador profissional” (BENJAMIN, 1991, p 247). Benjamin não poderia ser mais feliz nesta colocação, pois as oscilações de preço são a grande preocupação e a razão de ser do trader. Mas o trader tem o poder de saber todas às causas destas oscilações? Esta questão pode soar ofensiva para um trader, entretanto a questão levantada por Benjamin é de fundamental importância, pois é ela que vai diferenciar o trader do jogador, e a Bolsa de Valores do jogo de cartas. A principio existem diferenças óbvias entre o trader e o jogador, o trader tem em seu favor a utilização do condicionamento emocional e do ferramental da análise técnica,

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mais isso é suficiente para diferenciá-los? Para respondermos esta questão iremos um pouco mais ha fundo nestes e em outros aspectos.

O jogador por si é um ser atemporal que usa o ciclo do jogo para obter a mais humana das emoções o prazer. A fonte do prazer não esta na certeza, no conhecimento, na vivência do passado, e sim na incerteza, no risco e na sorte que o jogo proporciona. O jogo oferece ao jogador uma oportunidade única, na qual não é preciso renunciar ao principio do prazer “com sua onipotência de pensamentos e de desejos, ou melhor, onde o principio da realidade não oferece nenhuma vantagem em relação ao principio do prazer” (BENJAMIN, 1991, p 265). Enquanto o jogador é extremamente emocional o trader tenta ao máximo afastar-se das emoções. Mas é humanamente possível desligar-se do emocional e entrar num mundo paralelo sem emoções, transformando uma ação emocional numa ação mecânica e robótica.

Atualmente, as finanças comportamentais é um dos ramos mais polêmicos do estudo de finanças, justamente por estudar a relação do sistema emocional nas tomadas de decisões dos investidores dentre eles os trader. Um dos pilares das finanças comportamentais é o conceito de aversão à perda. “Este modelo comportamental diz que o investidor pondera tanto os ganhos quanto as perdas, mas não dá a ambos o mesmo valor psicológico. Para Kahneman e Tverski (1979) os investidores sentem muito mais a dor da perda do que o prazer obtido com um ganho equivalente” (SILVA et al, 2008, p. 02).

Esta constatação é intrigante, já que o trader quer afastar-se do lado emocional, e com isto diferencia-se do jogador. Se a ideia do trader, de ter um condicionamento emocional, que possibilite a investir sem as emoções, como o mesmo, de acordo as finanças comportamentais, dá valor psicológico diferente para o ganho e para a perda. Apesar de o ideal ser, isolar-se emocionalmente, isso não é de todo possível, pois estudos demonstram a ocorrência nas últimas décadas de anomalias irracionais produzidas por crises financeiras que não conseguiram ser explicadas pelo Modelo Moderno de Finanças (SILVA et al., 2008).

A representação dos sentimentos no jogador está bem representada por uma litografia de Senefelder3 onde nenhum dos retratados acompanha o jogo de maneira habitual. “cada um está possuído pela sua paixão: um por uma alegria irreprimida; outro pela desconfiança em relação ao parceiro; um terceiro por um surdo desespero; um quarto, por sua mania de discutir; outro, ainda se prepara para deixar este mundo” (BENJAMIN, 1991, p 127). Isso soa paradoxal, mas o trader pode sofrer como os jogadores retratados por Senefelder, a alegria do lucro, o surdo desespero quando o mercado não reage de acordo com suas perspectivas e a forte sensação de que o mundo ira entrar em colapso quando o mercado esta em queda livre.

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Talvez a única maneira de o trader evitar o lado emocional é colocar ordem de stop4 em suas operações, fugindo das forças do mercado, sem remorso e sem culpa.

“O passatempo do jogo é, efetivamente, uma coisa à parte. Um jogo é tanto mais divertido quanto mais bruscamente nele se apresentar o acaso” (BENJAMIN, 1991, p. 268). “Em outras palavras: quanto maior é o componente acaso em um jogo, tanto mais rapidamente ele transcorre” (BENJAMIN, 1991, p. 268). Mas o acaso é algo que surge ou acontece a esmo, sem motivo ou explicação aparente. O jogador vivencia o acaso, pois retira prazer disso, ele não tem preocupação com o resultado final, se o jogo “os despoja cruelmente, imputam a culpa a si mesmos, não a ele: - joguei mal - é o que dizem” (BENJAMIN, 1991, p. 249), para ele basta o instante, o prazer, o acaso.

O trader por sua vez quer de todas as formas possíveis prever o futuro e fugir do acaso. Para isso utiliza a análise técnica como ferramenta, e a partir dela fazem previsões de cenários futuros. Como a análise técnica estuda a movimentação do mercado, isto é, as cotações, os preços. Este por sua vez é sem duvida o âmago da análise técnica, pois quase todas as análises incidem sobre o preço. Assim o preço para o trader contém todas as informações necessárias para prever a tendência futura da cotação de um título (OSORIO, 2010).

O acaso acompanha o jogador sempre em seu mundo cíclico, o mesmo apega-se a amuletos e talismãs para atrair a “sorte” e afastar o “azar”. O jogador tenta fugir do acaso utilizando destes amuletos, não percebendo que todos da mesa de jogo utilizam a mesma técnica. O trader tenta fugir do acaso utilizando a análise técnica, mas há a percepção por parte dele que todos os demais trader também estão utilizando a mesma análise. O trader se apega a análise técnica como o jogador apega-se a um talismã. Então a análise técnica é para o trader como o amuleto é para o jogador.

Na hora de entrar no mercado o comportamento do trader é muito parecido ao comportamento do jogador. O mesmo espera, e tem esperança, de que venham as melhores cartas para enfim fazer sua aposta. “Esta circunstância se traduz no hábito do jogador de, quando possível, só fazer as apostas no último momento. Este é, simultaneamente, o instante em que somente sobra espaço para um comportamento puramente reflexo” (BENJAMIN, 1991, p 268).

Este comportamento se repete com o trader, porque apesar de fazer todas as análises possíveis, ele, também se vê diante deste momento, um breve intervalo de tempo chamado “presente”, pois a análise técnica dá indicadores, não dá certeza sobre o comportamento futuro de uma ação. Esta incerteza em relação ao futuro faz com que ele espere até o último

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minuto antes de entrar no mercado. O trader reage à incerteza com o reflexo tanto na compra como na venda, uma ordem de stop nada mais é do que a mecanização do reflexo e das emoções, assim o trade não sente culpa e consegue maximizar seu reflexo, saindo, vendendo, escapando.

O jogador se distancia da história, a vivência em circulo com duração de uma partida é para o jogador, tudo ou nada, dela ele tira emoção, prazer. O jogador de carta, de acordo com Benjamin é como um mecanismo de reflexo, o mesmo não depende de experimento histórico, pois a noção do jogo consiste em que a partida seguinte não depende da precedente. No jogo, o tempo é congelado; dele o passado é destacado e não exerce nenhuma influência sobre o presente, tampouco sobre o futuro, o jogo repele o passado e também o futuro, ele ignora totalmente, qualquer antecedente que auxiliaria no futuro (BENJAMIN, 1991).

Para Benjamin a noção do jogo consiste em que a partida seguinte não depende da anterior. O jogo ignora totalmente qualquer posição conquistada, qualquer antecedente que recordem serviços passados. O jogo repele este lastro do passado, e que constitui a seriedade, a precaução, o direito, o poder. Esta ideia de recomeçar a todo o momento, de fazer melhor na próxima partida, de risco, de incerteza, do poder do acaso, acompanha frequentemente o jogador (BENJAMIN, 1991, p 267). Esta talvez seja a grande diferencia entre o jogador e o

trader, apesar de terem aspectos parecidos, o trader utiliza de suas experiências do passado

para maximizar seus lucros. O mesmo não vive em ciclos, têm o risco e a incertezas do mercado, mas utiliza do conhecimento e da vivência do passado.

O trader quando analisa um gráfico está, não somente analisando dados estatísticos, mas analisando todos os dados históricos, que fazem parte deste gráfico. A análise técnica é prova da utilização do passado e da história, pelo trader, na mesma, a utilização de dados históricos estatísticos é essencial, para a formação dos gráficos a serem analisados. A estatística por sua vez utiliza-se das teorias probabilísticas para explicar a frequência da ocorrência de eventos, tanto em estudos observacionais quanto em experimento modelar, a aleatoriedade e a incerteza de forma a estimar ou possibilitar a previsão de fenômenos futuros, conforme o caso. (CONCEIÇÃO et al., 2008).

O trader e o jogador, apesar de assemelharem-se em alguns aspectos, o tratamento que ambos dão a história é completamente diferente. O jogador não pode esperar nada do passado, pelo simples fato de as experiências vividas nos jogos anteriores não vai ajudá-lo no jogo presente, ele não pode contar com o auxílio do passado para sua tomada de decisão no presente. O trader por sua vez, não só utiliza-se do passado, como tenta de todas as formas

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transformá-lo em previsão para o futuro. Utiliza do ferramental e da experiência para ajudar a sua tomada de decisão, a fim de diminuir os riscos e as incertezas do mercado.

Considerações Finais

O trader e o jogador são atores impares da modernidade, seu modo de agir e pensar tem despertado o interesse de estudos de diversos pensadores. Benjamin foi um dos primeiros a levantar a questão sobre os jogos de azar e os investimentos da Bolsa de Valores. Não se pode negar a similaridade entre estas duas áreas, mas seus principais atores têm valores e atitudes distintas. A grande diferença entre eles é a maneira que ambos utilizam o passado. Apesar de o jogador organizar algumas estratégias, vindas com a experiência, durante o jogo, o mesmo, não se encontra em condição de dar a experiência passadas à devida importância, isso porque o jogo invalida as ordens da experiência, é por este motivo que o jogador ignora o passado, ficando refém ao acaso. Já o trader depende do passado para fazer suas análises e por consequência seus investimentos, prova disso é a utilização da análise técnica. O mesmo da um valor muito maior para as experiências e para a história, mas ambos não dão o peso devido para as experiências.

Talvez a maior similaridade entre os dois esteja no lado emocional, o jogador é emotivo se entrega ao prazer do jogo. O jogador sente tanto prazer no jogo, que o ato de interrompê-lo é para ele algo penoso e árduo, ele não consegue se desvencilhar do jogo, de suas emoções, não consegue parar. Este sentimento de não conseguir parar é algo que o trader também sofre intensamente, pois ele tem um sentimento de sempre negociar algo, de ficar sempre entrando no mercado. O trader tenta afastar-se do lado emocional, mas não consegue, prova disso são os estudos sobre finanças comportamentais. Não há como um ser humano afastar-se do emocional. Então mesmo o trader tentando tomar suas decisões sem emoções, o mesmo não alcança tal objetivo, sua natureza humana não permite isso. Deve ser por este motivo que no mercado, as crises são chamadas de “depressão” e todos os períodos de ganho de “euforia”.

Referências Bibliográficas

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Notas

1

São pagamentos efetuados por uma empresa aos seus acionistas, fruto de uma decisão de distribuição de resultados do exercício findo ou de exercícios anteriores. Quando uma empresa tem lucros (resultados líquidos positivos), toma a decisão em proposta na Assembléia geral de acionistas sobre que destino dar a esses lucros, podendo decidir reforçar reservas e reinvestir os lucros, ou distribuí-los na forma de dividendos.

2

Do inglês Self-Control, autocontrole.

3

Johann Alois Senefelder: (Praga, 6 de novembro de 1771 - Munique, 26 de fevereiro de 1834) foi um ator e dramaturgo austro-alemão que inventou a técnica de impressão litográfica em 1798.

4

Ordem de stop: é uma ordem de venda especial, onde o trader define um limite de prejuízo para a venda de modo que na pior das hipóteses, perca somente o valor que o trader mesmo estipulou.

Referências

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