• Nenhum resultado encontrado

O gigantesco e promissor mundo do muito pequeno

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "O gigantesco e promissor mundo do muito pequeno"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

24 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 7 • n º 2 1 7 NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

Nunca o tão pequeno se tornou tão grande. De fato, conforme vislumbrado, quase

meio século atrás, pelo físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988),

em sua palestra de título inusitado – ‘Há muito mais espaço lá embaixo’ –, o impacto

da nanociência e da nanotecnologia nos setores acadêmico, empresarial e na própria

sociedade já é bastante marcante – para alguns, ele será maior que o causado por

outras revoluções tecnológicas, como a agricultura, a indústria e a microeletrônica.

Neste artigo, são apresentadas algumas das perspectivas que estão se abrindo

com essa grande onda inovadora e como elas se juntam

ao reconhecimento dos importantes avanços científicos que estão

tendo destaque neste Ano Mundial da Física.

Henrique E. Toma e Koiti Araki

Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia, Instituto de Química, Universidade de São Paulo

NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

NANOCIÊNCIA

e

24 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 7 • n º 2 1 7

(2)

Nano – que significa ‘anão’, em grego – é o prefixo usado na notação científica para expressar um bilionésimo (10-9). Um nanômetro (nm), por exemplo, equivale

a 10-9 m, ou seja, um bilionésimo de metro. Nessa

escala de tamanho, um minúsculo vírus, invisível a olho nu, se apresenta como uma incrível entida-de com cerca entida-de 200 nm. Apesar da dimensão ínfima, ele camufla, na realidade, uma complexa máquina molecular aparelhada com todos os dis-positivos para invadir as células de organismos superiores e utilizá-las em sua reprodução, pro-porcionando um exemplo típico de tecnologia nanométrica colocada em prática pela natureza.

É justamente para essa escala que estão conver-gindo atualmente os processos de miniaturização na eletrônica, conferindo crescente funcionalida-de, desempenho e portabilidade aos aparelhos modernos. Em 1965, o norte-americano Gordon Moore, co-fundador da empresa norte-americana de microprocessadores Intel, previu que a capaci-dade de integração na eletrônica – ou seja, colocar vários componentes eletrônicos em uma determi-nada área – duplicaria a cada ano. Os atuais pro-cessadores já incorporam dezenas de milhões de dispositivos integrados, de dimensões submicro-métricas.

Estamos, portanto, na era nano ou da nanotec-nologia. Entretanto, paradoxalmente, mantido o atual ritmo de evolução, o processo de miniaturi-zação na eletrônica à base de silício (elemento químico mais usado na fabricação de micropro-cessadores e chips) poderá chegar ao seu limite em menos de uma década, barrado por problemas que surgem quando se trabalha com a matéria sólida em dimensões atômicas e moleculares.

A lei de Moore, como ficou conhecida essa re-lação empírica sobre a capacidade de integração na eletrônica, perderá, então, seu sentido, mas a evolução não será interrompida. Com o crescimen-to da nanotecnologia molecular – na direção con-trária à da miniaturização –, os nanossistemas e os dispositivos passarão a ser montados a partir de átomos e moléculas. [...] Por sinal, vale dizer que, até o início do século passado, em uma época em que a quantização e a natureza da matéria ainda eram assuntos controversos, as idéias contidas em dois artigos de 1905 do físico alemão Albert Einstein (1879-1955) e que seriam confirmadas experimen-talmente anos depois eliminariam as dúvidas so-bre o comportamento dos elétrons nos átomos e nas moléculas sob ação da luz (efeito fotoelétrico) e a existência dessas espécies como partículas li-vres, responsáveis pelo movimento browniano.

Assim, extrapolando a prospecção sobre nano-tecnologia feita, ainda em 1994, nesta revista (ver ‘Dispositivos eletrônicos em escala atômica’ em Ciência Hoje no 106), veremos, nas próximas

déca-das, o surgimento de uma nova eletrônica e das máquinas moleculares. Poderá ser, portanto, a era da nanotecnologia molecular, na qual o homem estará projetando e construindonanomáquinas ten-do como exemplo a própria natureza, ten-dona de tecnologias nanométricas aperfeiçoadas ao longo de bilhões de anos.

O gigantesco e promissor

mundo do muito pequeno

NANOTECNOLOGIA

(3)

NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

26 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 7 • n º 2 1 7 NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

Contra o bom senso

No mundo nanométrico, há dois aspectos a serem considerados: a redução da escala de dimensão – que acaba refletindo diretamente no comportamen-to dos materiais – e os efeicomportamen-tos quânticos – fenôme-nos que surgem nas dimensões atômicas e mole-culares. De fato, no mundo nanométrico, fica mais desafiador trabalhar com as questões de dimensão, espaço e tempo, energia e matéria. Já próximo da escala atômica, vamos encontrar esses fenômenos, que contrariam nosso bom senso: elétrons movi-mentando-se em torno do núcleo atômico sem per-der energia; partículas capazes de estar em vários pontos ao mesmo tempo e de atravessar ‘barreiras’ sem ter energia suficiente para isso – no mundo macroscópico, este último fenômeno, denominado tunelamento quântico, equivaleria a uma pessoa atravessar uma parede e aparecer incólume do outro lado. Em resumo: no mundo nanométrico, a física clássica começa a ceder lugar para a mecâ-nica quântica. E, por isso, muito da lógica e das observações convencionais não mais se aplicam.

Note que o espaço tridimensional do mundo macroscópico vai se restringindo nos nanossiste-mas. Torna-se bidimensional nos filmes de

espes-sura nanométrica; unidimensional, nos nanofios e chega até a dimensão ‘zero’ nos chamados pontos quânticos (em inglês, quantum dots). Isso leva a novos fenômenos de natureza óptica e eletrônica. Para citar apenas um de vários exemplos curiosos: no mundo nanométrico, quando a luz incide sobre um filme de ouro com furos menores que o com-primento de onda da radiação incidente – por exem-plo, 150 nm –, as imperfeições das bordas dos furos irão fazer com que a luz seja intensificada em milhares de vezes. Com isso, até a luz que incide sobre as vizinhanças dos furos pode emer-gir do outro lado! Esse efeito, conhecido como trans-missão óptica gigante através de aberturas meno-res que o comprimento de onda, poderá revolucio-nar os microscópios ópticos de alta resolução e as memórias ópticas de alta densidade.

Fenômeno semelhante ocorre no efeito SERS (sigla, em inglês, para espalhamento Raman inten-sificado por superfície), no qual nanopartículas e rugosidades atômicas também fazem com que a luz que se choca contra elas e se espalha seja enormemente intensificada. Esse efeito tem sido explorado na monitoração de quantidades ínfimas de moléculas ligadas (ou adsorvidas) na superfície de nanopartículas e de metais, como a prata, o ouro e o cobre.

HÁ MUITO MAIS ESPAÇO LÁ EMBAIXO

Almoço durante uma das visitas do físico norte-americano Richard Feynman ao Brasil. À esquerda da mesa, na ordem, Roberto Salmeron, Gabriel Fialho, Francisco Oliveira Costa, Gerard Hepp, Álvaro Diffini, César Lattes, Antonio José da Costa Nunes, Ugo Camerini, José Leite Lopes, Paulo Emidio Barbosa e Homero L. César. À direita, na ordem,

Homero Brandão, Henry British Lins de Barros, Nelson Lins de Barros, Neusa Margem (depois Amato), Feynman, Elisa Frota-Pessôa, Guido Beck, Helmut Schwartz, Jayme Tiomno, Reinhard Oehme e George Rawitscher

CBPF

O físico norte-americano Richard Feynman (1918-1988), prêmio Nobel de 1965, é considerado uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos. Em 1959, no encontro anual da Sociedade Norte-americana de Física, fez uma conferência inusitada: ‘There is plenty of room at the bottom’ (algo como ‘Há muito mais espaço lá embaixo’).

Esse estranho título era uma resposta provocativa ao anúncio de que alguém conseguira gravar a oração ‘Pai Nosso’ na cabeça de um

alfinete. Feynman disse: “Por que apenas uma oração

e não todo o conteúdo da Enciclopédia Britânica? Ora,

se ampliássemos o diâmetro dessa cabeça em 25 mil vezes, teríamos uma área útil que comportaria todas as páginas dessa enciclopédia. Ou melhor, bastaria que utilizássemos caracteres 25 mil vezes menores, escritos com o auxílio da microscopia eletrônica ou, quem sabe, através da manipulação de átomos e moléculas.”

(4)

carbono (NTCs), que são estruturas tubulares, de alguns nanômetros de diâmetro, análogos aos que seriam gerados enrolando-se um ou mais planos (folhas) de grafite e conectando-se as extremida-des (figura 1). Dependendo do ângulo de enrola-mento, os nanotubos podem se comportar como condutores balísticos ou semicondutores, propor-cionando, respectivamente, nanofios ou elementos ativos para aplicação em nanodispositivos extre-mamente rápidos e eficientes. Outro aspecto rele-vante dos NTCs é sua alta resistência e maleabi-lidade, que vêm despertando interesse na confec-ção de coletes à prova de balas, vidros blindados e materiais esportivos.

Estratégia

supramolecular

Uma das vertentes mais importantes da nanotecno-logia é a que utiliza átomos e moléculas na cons-trução de nanossistemas e dispositivos. Trata-se da nanotecnologia molecular. Em 1986, o engenheiro norte-americano Eric Drexler imaginou, em seu livro Engines of creation (Máquinas da criação) (1986), um montador universal capaz de manipu-lar unidades atômicas para gerar qualquer tipo de nanossistema ou dispositivo molecular. Esse tipo de montagem tem sido questionado, pois os áto-mos e as moléculas não se comportam como minús-culos tijolos: eles têm ‘personalidade’ (ou reativi-dade própria), e seus requisitos espaciais (estereo-química) e energéticos não podem ser ignorados. Assim, uma tecnologia nanométrica capaz de lidar com átomos e moléculas pode realmente parecer impossível. Entretanto, ela existe e está bem

den-tro de nós!

Nano: partículas,

fios e tubos

Do ponto de vista tecnológico, as nanopartículas podem ser trabalhadas quimicamente – através da modificação de suas superfícies com moléculas específicas ou polímeros –, o que ampliaria enor-memente suas aplicações. Por exemplo, nanopar-tículas podem ser aproveitadas em sensoriamento químico ou biológico, bastando modificá-las com espécies que reconhecem outros grupos comple-mentares, como no caso da interação antígeno-an-ticorpo, que ocorre no sistema imune. De fato, na-nopartículas de materiais semicondutores – por exemplo, seleneto de cádmio (CdSe) e sulfeto de zinco (ZnS) – já estão sendo utilizadas como mar-cadores biológicos fluorescentes em função de sua maior estabilidade em relação aos corantes orgâ-nicos tradicionais, possibilitando o rastreamento das moléculas receptoras por tempos mais longos. Outro exemplo interessante é o das nanopar-tículas de materiais ferromagnéticos, como o óxi-do de ferro, que podem gerar ferrofluióxi-dos, bem co-mo sistemas capazes de transportar drogas contro-lados por meio de campos magnéticos. A associa-ção de anticorpos às nanopartículas magnéticas pode auxiliar na identificação de células tumorais e ainda ser usada em sua destruição por hipertermia (elevação da temperatura). Essa terapia é baseada na maior sensibilidade das células tumorais a au-mentos bruscos de temperatura provocados pela aplicação de campos magnéticos oscilantes sobre essas nanopartículas, que também poderiam ser utilizadas na captação seletiva de substâncias e na remoção de poluentes de águas contaminadas.

Por serem invisíveis, nanopartículas de diversos materiais podem ser introduzidas em sólidos e lí-quidos sem comprometerem sua transparência, pro-porcionando a eles novas características físicas e químicas. As nanopartículas de dióxido de titânio, por exemplo, já estão sendo empregadas em prote-tores solares, conferindo excelente proteção contra radiação ultravioleta, além de incorporarem tecnologias inovadoras desenvolvidas para melho-rar a estética, controlar o grau de penetração dos cremes na pele, auxiliar na remoção de sujeiras e manter a umidade. Nessa linha, também estão sen-do concebisen-dos produtos que liberam controlada-mente, através da pele, fármacos, hormônios ou até agentes de defesa contra ameaças químicas ou bio-lógicas, como o antraz (Bacillus anthracis).

No mercado prospectivo da nanotecnologia, os nanotubos e os nanofios já estão associados a altas cifras, principalmente os chamados nanotubos de

Figura 1. Frascos com nanotubos de carbono na forma sólida e em solução, ao lado de um modelo estrutural. Foto tirada na exposição da feira móvel de nanotecnologia, Nanotruck 2004, na Alemanha

(5)

NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

28 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 7 • n º 2 1 7 NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

De fato, enzimas e outras biomoléculas se com-portam como máquinas moleculares bastante pró-ximas daquelas imaginadas por Drexler. Um bom exemplo é a DNA-polimerase, enzima que executa com perfeição todo o processo de replicação do código genético no organismo. As enzimas, além de realizarem transformações químicas com alto desempenho em condições ambientes, muitas ve-zes são capave-zes de regular a própria atividade, intensificando ou diminuindo o ritmo de atuação segundo as necessidades. No outro extremo, está o cérebro, com sua capacidade de realizar 100 mil trilhões (1017) de processamentos paralelos por

segundo, superando, em mil vezes, o desempenho do Blue Gene/L, recentemente anunciado pela IBM como o melhor supercomputador existente. Assim, se a nanotecnologia com moléculas é real, cabe a pergunta: como a natureza teria conseguido supe-rar os problemas de montagem molecular para gerar suas nanomáquinas e seus nanossistemas?

A resposta está na estratégia supramolecular. A química envolvida – na concepção do francês Jean-Marie Lehn, prêmio Nobel de Química de 1987 – extrapola os limites das moléculas ao fazer uso das interações com outras moléculas vizinhas, de for-ma a gerar mecanismos sinérgicos ou cooperati-vos, mais seletivos e eficientes. Assim, para avan-çar nessa direção, será necessário desenvolver téc-nicas de montagem, capazes de lidar com as

inte-rações inter e intramoleculares, que, por sua vez, irão sustentar as superestruturas e tornar espontâ-neo o processo. Também será importante desven-dar a linguagem química que faz a comunicação entre as unidades constituintes, para que estas pos-sam trabalhar em conjunto, na direção dos resulta-dos desejaresulta-dos. Através da química supramolecular, já é possível pensar em mecanismos de auto-orga-nização e automontagem e, quem sabe, algum dia, até em auto-regulação, reparo e replicação.

Incrível nanomáquina

Nos sistemas biológicos, a organização também leva à compartimentalizaçãoe à concatenação dos pro-cessos, permitindo que as transformações ocorram de forma seqüencial, sem interferências e com alta eficiência. Um bom exemplo disso é a fotossín-tese. Esse processo, que sustenta a vida em nosso planeta, tem lugar nos cloroplastos (organelas re-pletas de membranas sanfonadas). Essa incrível nanomáquina é responsável pela produção do ATP (adenosina-trifosfato), o principal combustível dos organismos vivos.

Acoplado aos sistemas fotossintéticos, também atuam outras máquinas moleculares que produ-zem oxigênio através da decomposição da água. Você, leitor, já pensou o que aconteceria se deixás-semos de lado essa notável organização molecular e colocássemos, em um tubo de ensaio, todos os ingredientes químicos envolvidos na fotossíntese? Nem é preciso tentar: a luz não provocaria a fotos-síntese, pois as transformações seriam caóticas e improdutivas. Percebeu o significado da química supramolecular?

Por isso, a química supramolecular é vista atualmente como a estratégia mais viável na mon-tagem de nanoestruturas e nanomáquinas em lar-ga escala. Para fazer isso no laboratório, bastaria acoplar, às moléculas de interesse, grupos de re-conhecimento ou conectores. Isso levaria a asso-ciações espontâneas, de forma a gerar nanoestru-turas organizadas. Esse processo representa uma automontagem e dispensa o polêmico montador universal. Um belo exemplo está ilustrado na fi-gura 2. Nesse caso, através da modificação plane-jada de uma dada molécula com um derivado de base nucléica, foi possível induzir sua associação espontânea por meio de ligações de hidrogênio, gerando rosetas, que acabam se empilhando atra-vés de forças de van der Waals (ligação entre as moléculas) e produzindo nanotubos. Temos, as-sim, uma auto-estruturação seguida de automon-tagem. Fantástico, não?

Figura 2. Exemplo de auto-estruturação e auto-organização a partir da modificação de um poliéter cíclico com um derivado de base nucléica – os traços pontilhados representam ligações com outras unidades –, gerando primeiramente uma roseta e depois um nanotubo

(6)

fotovoltaicas de silício (figura 4). Essa tecnologia já está sendo comercializada por uma empresa aus-traliana.

DIODOS EMISSORES DE LUZ • LEDs (sigla, em inglês, para diodos emissores de luz) são componentes eletrônicos emissores de luz amplamente usados em equipamentos eletrônicos. Recentemente, fo-ram obtidos os chamados nanoleds, que utilizam nanofios semicondutores de nitreto de gálio e de silício contendo pequenas quantidades de boro. Os diodos propriamente ditos – cuja função mais co-mum é deixar a corrente elétrica passar em um só sentido em um circuito eletrônico – são formados nos pontos de cruzamento dos nanofios. Nanofios de diferentes materiais – nitreto de gálio (GaN), sulfeto de cádmio (CdS) e seleneto de cádmio (CdSe) – podem ser utilizados para gerar luz de diversas cores. O mesmo tipo de arranjo, com pares de nanofios de GaN, foi usado para construir nano-transistores de efeito de campo ou sensores mo-leculares, acoplando moléculas luminescentes.

Dispositivos

moleculares

A viabilidade da nanoeletrônica molecular – ou seja, de moléculas isoladas em dispositivos eletrô-nicos – foi demonstrada pela primeira vez em 1974. Contudo, foi só a partir de 1982, com a invenção do SPM (sigla inglesa para microscópio de tunela-mento com sonda de varredura), que a nanotecno-logia deixou de ser tratada como ficção. Esse equi-pamento consiste de uma ponta finíssima (sonda) que é usada para examinar a superfície de uma amostra. Essa técnica permite medir a força entre os átomos da sonda e aqueles da superfície e, a partir desses dados, investigar a ‘topologia’ e as propriedades da amostra (rugosidade, dureza, elas-ticidade, atrito, condutividade etc.).

A nanotecnologia realmente assumiu o seu papel na história quando um pesquisador da IBM escreveua sigladessa empresa com 35 átomos de xenônio em 1989. O SPM, com suas inúmeras modalidades e recursos, acabou tornando-se uma das ferramentas mais importantes da nanotecno-logia. Em 2000, as sondas dos microscópios de tunelamento passaram a ser usadas como ‘cane-tas-tinteiro’, para realizar desenhos e escritas nanométricas com moléculas. Três anos depois, a IBM anunciou o Milliped, um complexo siste-ma com milhares dessas sondas, projetadas para gravar e ler informações em escala nanométrica (figura 3).

Nesse ponto, é importante destacar outra gran-de vantagem da nanotecnologia com moléculas. Além de propiciarem estratégias de auto-organiza-ção e automontagem, as moléculas são uma fonte inesgotável de recursos a serem explorados em

dispositivos e máquinas moleculares, refletidos tanto na enorme gama de es-pécies moleculares existentes quanto em suas funcionalidades, como reativi-dade química, reconhecimento mole-cular e propriedades eletroquímicas, fotoquímicas, catalíticas, condutoras, lu-minescentes, magnéticas etc.

Alguns exemplos relevantes de dis-positivos moleculares:

CÉLULAS SOLARES • Em 1992, começa-ram a ser usados filmes com partículas nanocristalinas de dióxido de titânio. Essa modificação aumentou a área su-perficial em milhares de vezes. Com isso, a eficiência da célula fotoeletro-química saltou para a faixa de 10%, tornando-a competitiva com as células

Figura 3. Milliped, a inovação da IBM anunciada em 2003, que utiliza milhares de sondas incorporando recursos de aquecimento nas pontas para leitura e gravação de informações

Figura 4. Linha de montagem com componentes de uma célula fotoeletroquímica sensibilizada por corante. Em A, vidro condutor; em B, recobrimento com filme de TiO2 nanocristalino sinterizado; em C, adsorção de corante; em D, contra-eletrodo de vidro condutor platinado; em E, dispositivo final

IBM

(7)

NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

30 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 7 • n º 2 1 7 NANOCIÊNCIA E NANOTECNOLOGIA

SENSORES • Com base na detecção de mudanças na condutividade de corrente elétrica, polímeros nanoestruturados podem desempenhar o papel de ‘línguas’ e ‘narizes’ eletrônicos, como é o caso do sistema desenvolvido por pesquisadores da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos. Na área de sensores químicos e biológicos, um sistema bastante inusitado foi re-centemente descrito: ele é capaz de avaliar o com-primento de polímeros lineares – por exemplo, o DNA – com base no tempo que essas moléculas levam para passar por um nanoporo.

DISPOSITIVOS UNIMOLECULARES • Em princípio, nanotubos, pontos quânticos e moléculas podem ser usados individualmente em dispositivos uni-moleculares como nanofios, diodos e transistores. Experimentalmente, já é possível montar nanotran-sistores cuja fonte (eletrodo negativo) e o dreno (eletrodo positivo) estejam conectados através de um ponto quântico ou nanopartícula. No entanto, a produção de pontos quânticos regulares, de mes-mo tamanho e com alta reprodutibilidade, repre-senta ainda um grande desafio.

Como no cérebro

Apesar de os dispositivos unimoleculares ainda não serem realidade, sistemas baseados em um número relativamente grande de moléculas já o são. Recentemente, foi anunciado um dispositivo

baseado em reações fotoquímicas do quiroptoceno, uma molécula assimétrica e capaz de mudar de forma com a incidência de luz – esse fenômeno é denominado fotoisomerismo.

Além da rápida resposta à luz, um dos aspectos mais impressionantes desse dispositivo é a alta capacidade e densidade de informações que po-dem ser armazenadas: cerca de 2 trilhões (tera) de bits por cm3. Assim, em um cubo do tamanho de

um dado, é possível colocar informações que ocu-pariam, no mínimo, 300 volumes de uma enciclo-pédia ou cerca de 300 DVDs convencionais.

Com isso, as moléculas podem ser exploradas para fins computacionais, sendo o próximo passo compartimentar e integrar para gerar sistemas ló-gicos – do tipo AND, NO, OR, por exemplo – mais complexos. Por isso, a computação molecular está despontando como uma área de enorme interesse, abrindo a possibilidade de empregar sinais quími-cos para armazenare processar informações – co-mo ocorre no cérebro –, bem coco-mo de ser aplicada em trabalhos de prospecção e análises químicas.

Spin

e computadores

quânticos

Outra aplicação importante da nanotecnologia vem da exploração da propriedade dos elétrons respon-sávelpelomagnetismo. Ela é denominada spin. Por exemplo, no final da década de 1980, descobriu-se o efeito hoje conhecido como magnetorresistência

Figura 5. Visão prospectiva dos diversos setores da nanotecnologia na próxima década (CNT: nanotubos de carbono; PLEDs: diodos de polímeros emissores de luz; NEMs: dispositivos eletromecânicos nanométricos)

(8)

BIOLOGIA É INSPIRAÇÃO PARA

ENGENHARIA MOLECULAR

O Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia (LQSN) da USP vem desenvolvendo, através da engenharia molecular, nanomateriais avançados, inspirados em processos de automontagem e organização, típicos dos sistemas biológicos. A estratégia empregada faz uso extensivo das propriedades de coordenação associadas aos chamados metais de transição, per-mitindo a construção de arquiteturas moleculares a partir de unidades de montagem, com geometrias e orientações adequa-das para o desempenho de uma determinada função.

Essa abordagem tem permitido elaborar dispositivos mole-culares de alto desempenho, principalmente sensores químicos, sensores ópticos, células fotoeletroquímicas para conversão de energia, dispositivos emissores de luz (OLEDs) e janelas eletro-crômicas. As pesquisas também têm contribuído para o desen-volvimento da fotossíntese artificial, catálise supramolecular e de aplicações na área de terapia fotodinâmica.

lhões por ano, apenas em nível governamental, dis-tribuindo-se de forma equilibrada entre os quatro blocos: Japão, Estados Unidos, União Européia e o conjunto formado pelos demais países. Esse inves-timento, que vem crescendo, é alimentado pela expectativa de que, em 10 anos, a nanotecnolo-gia deverá movimentar mais de US$1 trilhão na economia mundial.

No Brasil, os investimentos ainda são muito modestos. No entanto, já foram feitos avanços im-portantes na estruturação de quatro redes nacio-nais – além de várias sub-redes temáticas –, bem como de três Institutos do Milênio, mobilizando mais de 300 pesquisadores e 600 pós-graduandos em todo o país. O Laboratório de Química Supra-molecular e Nanotecnologia da Universidade de São Paulo tem participado ativamente desse esfor-ço nacional (ver ‘Biologia é inspiração para enge-nharia molecular’).

Finalmente, é importante destacar que a nano-tecnologia é uma área de prospecção aberta que oferece grandes oportunidades a serem aproveita-das por países como o Brasil. Nesse sentido, é pre-ciso que novos nichos tecnológicos sejam rapida-mente identificados e consolidados. Por isso, no momento, passos importantes estão sendo dados pelo governo, na direção de um Plano Nacional de Nanotecnologia, na modernização da lei de paten-tes e política de incentivos, bem comona articu-lação de novas redes e parcerias com o setor em-presarial. ■

SUGESTÕES PARA LEITURA

VALADARES, E. C., CURY, L. A. e HENINI, M. ‘Dispositivos eletrônicos em escala atômica’ in Ciência Hoje, nº 106, 1994. DA SILVA, C. G.

‘Nanotecnologia – manipulando a matéria na escala atômica’ in Ciência Hoje, nº 206, 2004. TOMA, H. E. O mundo

nanométrico - a dimensão do novo século (Editora Oficina de Textos, São Paulo, 2004).

gigante (MRG), que se manifesta em dispositivos formados por várias camadas ferromagnéticas. Nesses materiais, a condução de eletricidade de-pende da orientação do spin. Nos computadores, esse efeito já é empregado nos cabeçotes de leitura dos discos rígidos e em memórias de acesso randômico (RAM).

A computação quântica – que promete desen-volver computadores muito mais velozes que os atuais e capazes de apresentar, de uma só vez, todas as soluções possíveis de um problema – já está utilizando uma propriedade inerente ao mun-do atômico: o emaranhamento. No caso mun-do spin, o emaranhamento se dá como uma ‘mistura’ de dois estados possíveis: up e down – uma possível ana-logia seria imaginar um bit de um computador convencional (clássico) que apresenta, simultanea-mente, os valores zero e um. A combinação desses dois estados é a base para a formação do chamado qubit (bit quântico de informação). Mesmo antes de o computador quântico ser realidade, já foram desenvolvidos algoritmos para lidar com a com-plexa questão do emaranhamento e que desempe-nharão o papel de softwares para esses equipa-mentos. Além disso, as propriedades de emara-nhamento podem abrir as portas da criptografia quântica, tornando as mensagens codificadas pra-ticamente invioláveis.

Mais de um trilhão

de dólares

Em artigo recentemente publicado em Ciência Hoje (ver ‘Sugestões para leitura’), o físico Cylon G. da Silva se referiu à nanotecnologia como um “belo e tentador cardápio de opções: da pesquisa à inova-ção; da nanoeletrônica à engenharia biomédica; da agricultura à indústria aeronáutica”, retratando dessa forma as imensas perspectivas que estão se abrindo nesse campo. Sem a pretensão de entrar nos aspectos já tratados por Silva, é possível vis-lumbrar um quadro evolutivo das possíveis apli-cações da nanotecnologia em um futuro próximo, principalmente nos setores de química e mate-riais, energia, medicina e saúde, automotiva, ele-trônica e informática (figura 5).

Imagem

Figura 1. Frascos com nanotubos de carbono na forma sólida e em solução, ao lado de um modelo estrutural
Figura 2. Exemplo de auto- auto-estruturação e auto-organização a partir da modificação de um poliéter cíclico com um derivado de base nucléica – os traços pontilhados representam ligações com outras unidades –, gerando primeiramente uma roseta e depois um
Figura 3. Milliped, a inovação da IBM anunciada em 2003, que utiliza milhares de sondas incorporando recursos de aquecimento nas pontas para leitura e gravação de informações Figura 4
Figura 5. Visão prospectiva dos diversos setores da nanotecnologia na próxima década (CNT: nanotubos de carbono; PLEDs: diodos de polímeros emissores de luz; NEMs: dispositivos eletromecânicos nanométricos)

Referências

Documentos relacionados

2.4 – A alimentação durante todo o treinamento ficará a cargo de cada aluno, respeitando os intervalos de pausa para descanso e refeições informados no “Cronograma de

Assim, de forma a avaliar a influência da técnica de reforço NSM no incremento de capacidade de carga e na redistribuição de momentos em elementos contínuos de CA, um

Os estudos originais encontrados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2017 foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: obtenção de valores de

Aos 7, 14 e 21 dias após a emergência (DAE), foi determinado o índice SPAD no folíolo terminal da quarta folha completamente expandida devido ser esta folha recomendada para verificar

TABELA 7 – Produção de massa fresca e seca das plantas de almeirão, cultivadas sob três e quatro linhas por canteiro, em cultivo solteiro e consorciado, na

Assim, este projeto de intervenção tem como objetivo planejar ações de implantação da Estratégia de Saúde da Família na Unidade de Atenção Básica Ana Mafra Aguiar do

COMPONENTE CURRICULAR TIPO CH TEÓRICA CH PRÁTICA CH TOTAL CRÉDITOS REQUISITO DE CARGA HORÁRIA: Não há Requisito de Carga Horária para esse Componente Curricular.. EMENTA: TÉCNICAS

Se houver alteração das alternativas (a, b, c, d) divulgadas pelo gabarito provisório como sendo a correta, os efeitos decorrentes serão aplicados a todos os candidatos,