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Concordância verbal e hierarquia de pessoa da língua Guajá : uma análise gerativista

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

CONCORDÂNCIA VERBAL E HIERARQUIA DE PESSOA DA LÍNGUA

GUAJÁ: UMA ANÁLISE GERATIVISTA

MANUELA LUNA SOUSA WANDERLEY GUARINO

BRASÍLIA - DF 2015

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CONCORDÂNCIA VERBAL E HIERARQUIA DE PESSOA DA LÍNGUA

GUAJÁ: UMA ANÁLISE GERATIVISTA

Dissertação apresentada ao Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas da Universidade de Brasília como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística. Orientadora: Drª. Eloisa Nascimento Silva Pilati

BRASÍLIA - DF 2015

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A Deus (Pai, Filho e Espírito Santo) pelo amor único e incondicional.

À minha orientadora, Eloisa Pilati, pela oportunidade, pelas orientações e pelos ensinamentos acadêmicos que permanecerão comigo.

Aos professores, Rozana Naves, Helena Guerra, Marcus Lunguinho, pelos conteúdos ministrados durante esses dois anos de Mestrado.

À professora Heloisa Salles pelas orientações na qualificação e no decorrer do Mestrado.

À professora Marina Magalhães, em especial, pelos conhecimentos generosamente passados, pela paciência e pela disponibilidade sem restrições. Mesmo estando de licença maternidade, a professora ajudou-me a entender o funcionamento dessa língua tão peculiar: o Guajá.

À professora Danielle Grannier, pela presteza.

À Ângela e à Renata, pela atenção que sempre tiveram comigo nos atendimentos na secretaria do PPGL.

À CAPES, pela bolsa concedida.

À minha amiga Letícia da Cunha, companheira do Estágio Supervisionado, pelo apoio em todos os momentos, inclusive nos mais difíceis.

Ao meu amigo Jonathan Furtado, pelo companheirismo, pelas conversas e pelas constantes ajudas.

À minha amiga Márcia Mendes, pelo incentivo e apoio.

Ao querido Antônio Regis de Moraes e Sousa que, carinhosamente, ensinou-me sobre a cultura indígena e disponibilizou um vasto material sobre os índios.

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À minha mãe, Ana Rita Luna Sousa, minha maior incentivadora.

À minha irmã, Marianna Luna Sousa Rivetti, modelo de disciplina e dedicação aos estudos.

Aos meus sobrinhos, Leonardo e Gustavo, que só de existirem trazem luz à minha vida e me motivam a prosseguir.

Ao meu amado André Mendes, meu porto seguro, que sempre me contagia com seu humor e otimismo.

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“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.

Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.” Cora Coralina

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O presente trabalho, desenvolvido sob a perspectiva da Teoria Gerativa, examina o funcionamento do sistema de concordância verbal e da hierarquia de pessoa na língua Guajá. Os objetivos do trabalho são: (i) apresentar o funcionamento da concordância no Guajá, (ii) apresentar as relações sobre a hierarquia de pessoa e o sistema de concordância no Guajá e (iii) contribuir para as investigações dos fenômenos de concordância nas línguas naturais. A pesquisa, que se baseia na análise dos dados apresentados em Magalhães (2002, 2007) e Magalhães & Mattos (2014), apresenta uma análise gerativista para a análise descritiva das autoras, que defendem que o Guajá é uma língua pertencente ao padrão Intransitivo-Absolutivo e que argumentos internos de verbos e nomes são antecedidos por um morfema relacional. Para argumentar a favor das hipóteses postuladas, foram utilizados os estudos de Dixon (1994), Chomsky (1995), Storto (1999), Aldridge (2008), Sandalo (2009), Freitas (2011) e Coon (2012).

Palavras-chave: concordância; hierarquia de pessoa; língua Guajá; padrão

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This work, developed from the perspective of Generative Theory (Chomsky,1995) reviews the functioning of verbal agreement system and the hierarchy of person in the Guajá language. The research objectives are: (i) systematize the functioning of the agreement in Guajá, (ii) establish relationships on the Hierarchy of Person and the agreement system in Guajá and (iii) contribute to the investigations of the agreement phenomena in human languages. The research is based on analysis of data presented in Magalhães (2002, 2008) and Magalhães & Mattos (2014). It presents a generative analysis for the descriptive analysis of Magalhães & Mattos (2014), who argue that the Guajá is a language belonging to Intransitive-Absolutive system (cf. Dixon 1994) and that internal arguments of verbs and names are preceded by a relational morpheme. In order to argue in favor of the postulated hypotheses, were used studies of Storto (1999), Aldridge (2008), Sandalo (2009), Freitas (2011) and Coon (2012).

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INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...12

1.0 Introdução ... 12

1.1. Faculdade da Linguagem ... 13

1.2. Programa Minimalista ... 14

1.3 Considerações sobre o fenômeno da Concordância ... 19

CAPÍTULO 2 A MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA GUAJÁ ... 26

2.0 Introdução ... 26

2.1 Descrição das classes de palavras no Guajá ... 27

2.1.1 A Classe dos Nomes ... 27

2.1.2 A Classe dos Verbos ... 30

2.2. Pronomes no Guajá ... 34

2.2.1 Flexão Relacional ... 399

2.2.2 Flexão de tempo, modo e pessoa ... 40

2.3 A análise de Magalhães (2007) e Magalhães & Mattos (2014) para o alinhamento dos argumentos verbais ... 44

CAPÍTULO 3 CONCORDÂNCIA E HIERARQUIA DE PESSOA NO GUAJÁ ... 50

3.0 Introdução ... 50

3.1 Considerações sobre ergatividade ... 50

3.2 O Guajá como língua ergativa ... 54

3.3 Considerações sobre a hierarquia de pessoa e cisão da ergatividade no Guajá ... 60

3.4 Algumas observações sobre o morfema relacional ... 66

3.5 Considerações finais ... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 70

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INTRODUÇÃO

O Guajá é a língua materna do povo que se autodenomina Awá, termo que significa “homem”, “pessoa” ou “gente”. Atualmente, os awás vivem no noroeste do Estado do Maranhão e na pré-Amazônia brasileira constituindo um dos últimos povos caçadores e coletores no Brasil. Além dos aldeados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), um certo número de Guajás vivem na floresta, sem contato permanente com a sociedade regional e, conforme Siasi e Sesai (2012), a população Guajá é de 365 pessoas. A língua Guajá pertence ao subgrupo VIII da família linguística Tupí-Guaraní. Até o presente momento, poucos estudos foram realizados sobre a língua, constando publicados a dissertação de Cunha (1987), a dissertação e tese de Magalhães (2002, 2007), a dissertação de Nascimento (2008) e a dissertação de Mattos (2015).

O presente trabalho, desenvolvido sob a perspectiva da Teoria Gerativa, examina o funcionamento do sistema de concordância verbal e da hierarquia de pessoa na língua Guajá. A partir dos dados do Guajá, extraídos da tese de Magalhães (2007), e do arcabouço teórico dos estudos gerativistas, de base minimalista, foi feita a proposta de análise desta dissertação, que tem como objetivos específicos: (i) apresentar o funcionamento da concordância no Guajá, (ii) apresentar as relações sobre a hierarquia de pessoa e o sistema de concordância no Guajá e (iii) contribuir para as investigações dos fenômenos de concordância nas línguas naturais.

A presente dissertação está organizada em três capítulos. No capítulo 1, será apresentado o modelo teórico no qual esta dissertação está inserida, o Programa Minimalista da Teoria gerativa (cf. Chomsky 1993, 1995, 2000, 2001). Primeiramente, vai ser exposto o pressuposto que norteia toda a Teoria Gerativa, a Faculdade da Linguagem. Em seguida, será detalhado, brevemente, o modelo teórico mais recente da teoria gerativista, o Programa Minimalista. Logo após, vai ser discutido o fenômeno de concordância, por meio da proposta de Corbett (2006), de Chomsky (2000, 2001) e Miyagawa (2010). Corbett (2006) busca uma definição coerente para o que é concordância e exemplifica e hierarquiza seus diferentes tipos. Chomsky (2000, 2001) traz à luz a operação Agree, responsável pela checagem dos traços que serão interpretados nas interfaces. Miyagawa (2010) faz uma discussão para definir o propósito da concordância. Ademais, também serão apresentados os conceitos teóricos que serão utilizados no decorrer da pesquisa tais como: seleção argumental e atribuição de papel temático.

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No capítulo 2, por sua vez, será apresentada a descrição da morfossintaxe do Guajá elaborada por Magalhães (2007) e reapresentada em Magalhães & Mattos (2014) para discutir a intransitividade cindida no Guajá. Os dados do Guajá mostrados neste capítulo foram retirados, em grande parte, da tese de Magalhães (2007) e alguns dados foram extraídos do artigo escrito por Magalhães & Mattos (2014). Para elaboração deste capítulo foi feito um recorte da descrição de Magalhães (2007), elegendo os aspectos mais relevantes para a presente dissertação que são: classe de palavras, a morfologia flexional e derivacional que as caracteriza, além das estruturas das orações e a elaboração da hierarquia referencial da língua. No capítulo 3, será apresentado o resultado da análise dos dados do Guajá, sob a perspectiva dos estudos gerativistas. A pesquisa, que se baseia na análise dos dados apresentados em Magalhães (2002, 2007) e Magalhães & Mattos (2014), apresenta uma análise gerativista para a análise descritiva das autoras, que defendem que o Guajá é uma língua pertencente ao padrão Intransitivo-Absolutivo e que argumentos internos de verbos e nomes são antecedidos por um morfema relacional. Para argumentar a favor das hipóteses postuladas, foram utilizados os estudos de Dixon (1994), Chomsky (1995), Storto (1999), Aldridge (2008), Sandalo (2009), Freitas (2011) e Coon (2012). Por fim, são apresentadas as considerações finais desta dissertação.

(12)

CAPÍTULO 1

P

RESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.0 Introdução

A Teoria Gerativa tem como principal eixo de investigação a relação entre a linguagem e a mente humana. Para os pesquisadores dessa teoria, a linguagem é uma propriedade especificamente humana. Entretanto, essa constatação trouxe algumas questões para as ciências biológicas: como pode um sistema como a linguagem humana surgir na mente/cérebro, observando que, no mundo orgânico, parece não haver sistema algum com as propriedades básicas da linguagem humana? Essa é a principal questão que norteia os estudos gerativistas: a arquitetura geral da linguagem que está inserida na mente humana e interage com outros sistemas cognitivos.

Na perspectiva de Chomsky (1995), esse problema tem sido considerado uma crise para as ciências cognitivas, contudo, apesar da preocupação ser apropriada, o seu lugar é equivocado; este é um problema para a biologia e as ciências do cérebro, que, tal como atualmente é entendida, não fornece nenhuma base para o que parece ser uma conclusão bem estabelecida sobre a linguagem. Grande parte do interesse mais amplo do estudo detalhado da linguagem encontra-se nessas áreas.

Como teoria linguística, a gramática gerativa enfrentou algumas questões de imediato: encontrar uma maneira de explicar os fenômenos de línguas particulares (adequação descritiva) e explicar como o conhecimento desses fatos surge na mente do falante-ouvinte (adequação explicativa). Para isso, o pesquisador gerativista parte dos dados (desempenho) para descrever o conhecimento linguístico inato dos falantes (competência).

Considerando a complexidade dos temas abordados pela Teoria Gerativa e as diversas ferramentas teóricas que a teoria utiliza, neste capítulo serão apresentados os pressupostos teóricos considerados úteis para as discussões a serem feitas nos próximos capítulos. Entre os conceitos a serem abordados estão: faculdade da linguagem, Programa Minimalista, atribuição de Caso e o fenômeno da Concordância.

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1.1 Faculdade da Linguagem

Chomsky (1965) propôs que o comportamento linguístico dos indivíduos deve ser compreendido como o resultado de um dispositivo inato, uma capacidade genética e, portanto, interna ao organismo humano, que lhes permite adquirir uma língua. Esse dispositivo de aquisição da linguagem é a Faculdade da Linguagem (FL) que, conforme Chomsky (1995), corresponde a um estado inicial, uma espécie de órgão linguístico.

Chomsky (1995) afirma que

A faculdade da linguagem possui um estado inicial, geneticamente determinado; no decorrer normal do desenvolvimento, passa através de uma série de estados na primeira infância, alcançando um estado firme relativamente estável que sofre poucas alterações posteriores, com exceção do léxico. (CHOMSKY, 1995, p. 52)

A existência da Faculdade da Linguagem sustenta-se no argumento da pobreza de

estímulo, segundo o qual a simples exposição aos dados linguísticos não é suficiente para uma

criança realizar a construção da gramática de sua língua, contudo, a competência linguística é alcançada apesar de a exposição aos dados primários ser desorganizada e ocorrer por um curto período de tempo. Esse fato é mais uma evidência de que o conhecimento que o falante tem de sua língua é inato.

A rapidez da aquisição pode ser explicada pelo fato de o indivíduo nascer dotado de um conjunto de princípios linguísticos e a aquisição de uma língua particular se dar pela fixação de parâmetros da língua a qual o indivíduo foi exposto. O sistema de todos os princípios universais comuns a todas as línguas é a Gramática Universal, doravante GU, e os parâmetros são propriedades flexíveis que variam de língua para língua.

O processo de aquisição ocorre da seguinte forma: toda criança nasce com uma Faculdade da Linguagem e necessitará da experiência linguística, o input, que permitirá que a criança identifique as propriedades de uma determinada língua natural, fixando, assim, os parâmetros de uma língua particular.

A Gramática Universal (GU) é a teoria do estado inicial; outro estado da FL, o estado alcançado, chamamos de gramática ou Língua-I, sendo que I quer dizer interno, individual e intensional. Consoante Chomsky (1995), interno porque tem a ver com um estado interno da mente/cérebro do indivíduo; individual porque tem a ver com o indivíduo, e apenas derivativamente com comunidades linguísticas, consideradas como grupos de pessoas com línguas-I semelhantes; intensional, no sentido técnico de a língua-I ser uma função

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especificada intensionalmente, não extensionalmente: a sua extensão é o conjunto das DEs (descrições estruturais). Para Chomsky:

Duas línguas-I distintas podem, em princípio, ter a mesma estrutura, ainda que, de um ponto de vista empírico, a linguagem humana possa não permitir essa opção. Isto é, pode acontecer que a série de línguas-I permitidas pela GU seja tão diminuta que a opção teórica referida simplesmente não se realiza, isto é, não existem línguas-I distintas gerando o mesmo conjunto de DEs. (CHOMSKY, 1995, p. 53)

1.2 Programa Minimalista

O Programa Minimalista surge em 1995, como uma versão mais recente da teoria linguística gerativa. Proposta por Chomsky e desenvolvida no âmbito da abordagem de Princípios e Parâmetros (P&P), o programa visa “evitar a postulação de entidades teóricas que não sejam conceitualmente necessárias dentro da lógica da teoria” (Chomsky, 1995, p.16). Portanto, tem como objetivo tornar o quadro teórico mais enxuto, econômico por meio do levantamento de novas perspectivas do modelo P&P, tendo como critérios naturalidade, parcimônia, simplicidade, elegância e adequações descritiva e explanatória.

O Programa Minimalista atribui uma importância particular ao lugar e ao papel da linguagem na mente humana. A Faculdade da Linguagem, como um sistema biológico que se realiza para a expressividade humana de acordo com suas intenções específicas, é o alvo principal da análise chomskyana nesse modelo. Esse “órgão linguístico” interage com o sistema de pensamento (coleção de intensionalidades) e também com o sistema sensório-motor para proporcionar ao falante a exteriorização desse sistema (expressividade). Como sistema expressivo, a Faculdade da Linguagem (FL) associa-se a um sistema de produção e a um sistema de recepção, ou seja, sistemas de performance. Os sistemas de performance são agrupados em dois tipos: articulatório-perceptual e conceptual-intencional (A-P e C-I) os quais se conectam aos níveis de interface PF (Forma Fonética) e LF (Forma Lógica), respectivamente.

Os sistemas de performance possuem uma estrutura própria e independente da Faculdade da Linguagem e, por isso, impõem condições sobre ela para que as expressões sejam geradas. Neste caso, os sistemas de performance impõem que condições de legibilidade sejam satisfeitas por FL e, neste aspecto, o “órgão da linguagem” é uma solução ótima.

Devido ao design simples que o minimalismo busca, há apenas dois níveis de interface: Forma Fonética (FF) e Forma Lógica (FL). Tendo dois níveis de representações, LF

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e PF, as estruturas só serão legíveis se obedecerem às condições de legibilidade impostas pelo

Princípio da Interpretação Plena (FI, do inglês Full Interpretation). As derivações que

satisfazem FI convergem, caso isso não ocorra, fracassam.

Em resumo, uma língua-I (o estado final de FL) é constituída por dois componentes: o léxico e o sistema computacional. O léxico contém os itens que o sistema computacional usa para gerar expressões linguísticas articuladas nos dois níveis de representação linguística: PF e LF. A expressão linguística converge se for legítima, ou seja, interpretável tanto em PF quanto em LF.

O sistema computacional, para formar uma expressão linguística legítima, utiliza algumas operações. Conforme Chomsky (1995), o sistema computacional seleciona do léxico uma Numeração, composta por um arranjo de escolhas lexicais e quantas vezes cada uma dessas escolhas é selecionada. A Numeração é um conjunto de itens que serão estruturados para formar a sentença, nas palavras de Chomsky (1995): “um conjunto de pares (IL, i), em que IL é um item do léxico, e i é o seu índice, compreendido como o número de vezes que IL é selecionado” (p. 314). A Numeração sendo formada, as operações do sistema computacional constroem recursivamente objetos sintáticos. A operação de selecionar um item do léxico é denominada Select e a de concatenar itens para formar um objeto sintático é denominada

Merge. Há também a operação Agree (Chomsky 2000, 2001), a qual efetua uma verificação

de traços formais dos itens selecionados. Move é uma operação que é determinada morfologicamente e, geralmente, está associada a Agree, pois é responsável por movimentar sintagmas para outra posição satisfazendo assim, Caso e a concordância.

Por fim, a operação Spell-out serve de fronteira entre a sintaxe visível e a sintaxe não visível, isto é, Spell-out é o ponto da computação em que a estrutura formada dá entrada na componente fonológica e na componente semântica. A computação antes de Spell-out configura a sintaxe visível e após essa operação, configura a sintaxe não visível.

A abordagem minimalista, conforme Chomsky (1995), considera que “uma expressão linguística não é mais do que um objeto formal que satisfaz as condições de interface da melhor maneira, sendo essa otimalidade determinada pelas condições de economia da GU” (p. 247). Logo, as derivações convergentes devem obedecer a condições de economia derivacional, sendo as menos econômicas bloqueadas pelas mais econômicas.

Entre as categorias que compõem o léxico de uma língua há as categorias funcionais e as categorias lexicais. As categorias lexicais são Verbo, Preposição, Nome e Adjetivo. As categorias funcionais são Complementador (CP), Determinante (DP), Verbo leve (vP) e Tempo (TP). As categorias funcionais são elementos cuja existência na teoria é motivada pelo

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fato de terem conteúdo semântico. O verbo leve, por exemplo, é responsável pela saturação argumental de um predicado transitivo.

É sob o domínio da categoria verbo leve (vP) que as relações temáticas1 entre os elementos da oração irão se estabelecer. Numa oração como João entregou o livro para

Maria será na posição de Especificador de v que o argumento externo do verbo (João) será

inserido e receberá seu papel temático. Os argumentos internos dos verbos são inseridos dentro da projeção VP. O elemento que receberá Caso acusativo estará no especificador de VP e elemento oblíquo (PP) na posição de complemento de V.

A derivação da oração João entregou o livro para Maria ocorre da seguinte forma: inicialmente o verbo entregou seleciona o sintagma preposicionado (PP) para Maria e se concatena (merge) com ele. Nesse caso, o verbo seleciona o PP como um argumento, mas não será necessário que o verbo atribua Caso ao PP, pois por ser uma forma preposicionada é a preposição que atribui Caso ao NP para Maria.

Depois da operação merge entre entregou e para Maria, se dá a formação de um terceiro objeto sintático, representado por V’. Em seguida, ocorre a operação merge novamente, pois V’ se concatena com o DP o livro e o Especificador de V é projetado. Percebe-se que merge é uma operação assimétrica, porque dos dois objetos sintáticos somente um irá se projetar e será o núcleo do objeto sintático.

1 A teoria theta formaliza as relações semânticas entre o verbo e seus argumentos. A literatura se refere a essa relação entre verbos e argumentos em termos como “papéis temáticos” ou “papéis theta” (papéis-θ). Os papéis temáticos de um argumento, ou seja, a função semântica que determinado argumento exerce em uma sentença, conforme Cançado (2000), é definido como sendo o grupo de propriedades atribuídas a esse argumento a partir das relações de acarretamentos estabelecidas por toda a proposição em que esse argumento se encontra. Ou seja, os papéis temáticos são, portanto, funções semânticas associadas aos argumentos de um predicador, segundo o sentido específico do predicador.

Os critérios para atribuição de papel temático são os seguintes: (a) Cada argumento recebe um e somente um papel theta. (b) Cada papel theta é atribuído a um e somente um argumento.

Existem algumas questões sobre a definição de papel temático, como, por exemplo, a quantidade de papéis temáticos existentes e quais rótulos recebem. Porém, em grande parte da literatura gerativista, encontram-se as nomenclaturas: Agente, Experienciador, Locativo, Fonte, Meta, Beneficiário, Tema ou Paciente. No exemplo O

veterinário cuidou do cachorro, temos o argumento externo, O veterinário, com um papel temático de Agente, e o argumento interno preposicionado, do cachorro, com um papel temático de Paciente ou Tema. Na sentença O cachorro teme o dono, temos o argumento externo, O cachorro, com papel temático de Experienciador, e o argumento interno, o dono, com um papel temático de Tema.

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(1) VP  DP V’ o livro 

 V  PP

entregar para Maria

Em seguida a categoria funcional v é inserida e o verbo entregou se adjunge a v. O próximo passo na derivação é a inserção do DP João na posição de especificador de v, nessa posição o DP recebe papel temático de agente.

(2) vP João v  entregar + v VP  O livro V’   V  PP

entregar para Maria

As categorias atribuidoras de Caso são T finito e v. A categoria funcional v atribui Caso Acusativo ao elemento selecionado por V.2

Após a atribuição de Caso Acusativo por v, a categoria funcional relacionada a tempo, T, é inserida da numeração e ocorre o movimento do complexo composto por entregou + v para o núcleo T. Por fim o DP João se move para o especificador de T, para receber Caso.

2 Chomsky (1995) apresenta uma proposta para concordância e checagem de Caso que se baseia na hipótese de que as línguas possuem traços interpretáveis e não interpretáveis e os processos de concordância e de atribuição de Caso ocorrem por meio da checagem e apagamento dos traços não interpretáveis. Por considerarmos que uma discussão nesses termos vai além dos objetivos do presente trabalho, nos deteremos apenas nos aspectos estruturais da sentença e nas posições de atribuição de Caso.

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(3) TP  João T’  entregar + v + T vP’ o livro vP’ João v’  entregar + v VP  o livro V’   V  PP

entregar para Maria

Como a ilustração acima revela, abaixo da linha está o domínio de seleção argumental e de atribuição de papéis temáticos. Acima da linha, estão as posições de concordância e atribuição de Caso Nominativo. Como dito anteriormente, objeto recebe Caso de v, no Especificador de vP, e o sujeito recebe Caso de T, na posição de especificador de TP.

O exemplo acima apresentou uma derivação de uma sentença em uma língua pertencente ao padrão Nominativo-Acusativo; no entanto, em várias línguas indígenas o padrão de atribuição de caso é Ergativo-Absolutivo (ver mais detalhes sobre distinção Nominativo-Acusativo e Ergativo-Absolutivo no Capítulo 3). Apresentaremos a seguir, duas propostas sobre a atribuição de Caso em línguas Ergativas, elaboradas dentro da linguística gerativa, a fim de ilustrar como a teoria tem abordado o tema.

Bobaljik (1993) defende que línguas Nominativas e línguas Ergativas possuem a mesma estrutura argumental e que a diferença entre esses dois tipos de línguas consiste na forma de atribuição de Caso. Em línguas do Padrão Nominativo-Acusativo, o sujeito se move para a posição de especificador de AgrSP e, em línguas pertencentes ao padrão Ergativo-Absolutivo , o caso Ergativo é atribuído por AgrS, mas o Caso Ergativo-Absolutivo por AgrO. Em outras palavras, para o autor o parâmetro que diferencia línguas ergativas de línguas acusativas é a seleção de AgrS ou AgrO como o Caso disponível para a oração com verbos intransitivos.

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(4) AgrSP  NP Erg AgrS’  AgrS T’  T AgrOP  NPAbs AgrO’  AgrO VP  t Erg V’   V  t Abs

Legate (2002, 2008), em uma abordagem mais recente, propõe que não há Caso absolutivo atribuído na sintaxe e que os casos estruturais de línguas ergativas são atribuídos da mesma forma que o Caso nas acusativas, isto é, Nominativo por T e Acusativo por v. Ou seja, em línguas ergativas o v transitivo atribui caso inerente ergativo para seu Especificador (argumento externo). O Caso Ergativo-Absolutivo se daria pós-sintaticamente em uma componente morfológica. Conforme o autor, os dois casos argumentais seriam pronunciados como uma forma padrão única.

1.3 Considerações sobre o fenômeno da Concordância

A concordância é um fenômeno amplamente estudado nas diversas teorias linguísticas, pois é questão recorrente na maioria das línguas estudadas. Apesar de extensa pesquisa, a concordância continua profundamente intrigante. Houve um tempo em que foi tratada principalmente como uma ferramenta para pesquisar outros fenômenos sintáticos. No entanto, também tem sido uma tradição reconhecê-la como um problema desafiador em seu próprio direito. Por conseguinte, torna-se primordial a compreensão e a reflexão sobre o que é a concordância e o seu desenvolvimento no campo da sintaxe gerativa, que é a corrente linguística adotada nesta pesquisa.

Nesta seção será tratado o fenômeno da concordância em Corbett (2006) e o propósito da concordância, de acordo com o trabalho de Miyagawa (2010).

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O fenômeno da concordância para Corbett (2006)

A concordância, em sua forma mais básica, é uma regra que existe em algumas línguas naturais e que apresenta informações de forma redundante. Sua regra tem como alvo as informações em uma posição - a informação contida em um nominal como o sujeito – e reproduz isso em uma outra posição, normalmente como uma forma de um elemento de flexão em um verbo ou algum núcleo. O autor usa os exemplos abaixo para ilustrar esse fenômeno gramatical. (5) a. Mary walks. Maria anda.3sg ‘Maria anda’ b. They walk. Eles andam.3pl ‘Eles andam’

Há outros domínios da língua onde a informação é repetida, como na pronominalização, porém a repetição é informativa, como se pode constatar em (6).

(6) John thinks that he will win the race. Joãoi acha que elei vai vencer a corrida.

John e he são repetitivos, na medida em que eles se referem à mesma entidade no

discurso, apesar disso eles não reproduzem a mesma informação: John é o sujeito de think e

he é o sujeito de win, de modo que essas duas ocorrências fornecem informações distintas.

Corbett (2006) aponta reflexões interessantes acerca da natureza da concordância. Os exemplos acima (5a e 5b) apontam que a concordância é uma questão de sintaxe, uma vez que o papel sintático dos itens envolvidos é importante. Contudo, nos exemplos abaixo retirados de Cobertt (2006, p. 2) fica claro que a concordância é também uma questão de semântica:

(7) a. The committee has agreed. ‘A comissão concordou’

b. The committee have agreed. ‘As comissões concordaram’

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Mary, no exemplo (5a) é um indivíduo, enquanto comissão pode ser conceituada como

uma entidade ou como vários indivíduos. Claramente, então, concordância é também uma questão de semântica. Outros dados do autor, no entanto, mostram que a concordância não é uma questão totalmente semântica.

No exemplo do russo em (8), tomado a partir de Corbett (2006, p. 2), não só é a singularidade do sujeito redundantemente reproduzido na flexão verbal, mas o seu gênero gramatical também, e a escolha do sexo feminino para uma lâmpada é patentemente arbitrário - não havendo nada inerente sobre as lâmpadas que as levariam a ser flexionadas no feminino.

(8) Lamp-a stoja-l-a vugl-u. lamp(f)-sg stand-pst-f.sg in.corner-sg.loc ‘The lamp was standing in the corner.’ ‘A lâmpada estava pendurada na esquina’

Assim, a concordância não é apenas redundante, mas, por vezes, completamente arbitrária em seu conteúdo também. Corbett (2006) afirma ainda que, mesmo quando há razões semânticas para um tipo específico de concordância, o domínio em que isso é possível é determinado pela sintaxe. Sobre os exemplos (7a e 7b) The committee have agreed é uma sentença boa no Inglês Britânico, o que sugere que committee tem concordância de acordo com o seu sentido. E ainda *these committee é inaceitável.

O autor avalia que não há evidências para a concordância. Mas conclui que a concordância é uma questão também de morfologia, pois se exige a morfologia para fornecer a oportunidade para a concordância a ser indicada. A concordância é, sem dúvida, o grande problema da interface entre morfologia e sintaxe, e, portanto, parece particularmente difícil quando visto a partir da raiz de cada um dos componentes.

A definição de concordância como regra que existe em algumas línguas naturais e que apresenta informações de forma redundante não abarca os diversos sistemas de concordância das línguas humanas, incluindo a ausência de concordância de línguas como, por exemplo, as do leste asiático. Embora não haja uniformidade sobre os limites externos do que constitui a concordância, grande parte dos autores, incluindo Corbett (2006) e Miyagawa (2010), retomam a definição de Steele (1978), a qual afirma que a concordância é uma forma de covariância entre dois elementos, tais como a covariância entre o sujeito nominal e a flexão verbal.

(22)

The term agreement commonly refers to some systematic covariance between a semantic or formal property of one element and a formal property of another. (STEELE, 1978, p. 610)

Em suma, o sistema de concordância formal é redundante na medida em que compreende uma covariância de dois ou mais elementos, cada um expressando a mesma informação. É assimétrico, visto que um dos elementos que participam na relação de covariância fornece as informações da concordância e, finalmente, a informação do conteúdo semântico da concordância não é, aparentemente, significativa, e pode até ser arbitrária.

Cobertt (2006) explica que, mesmo havendo casos especiais de concordância, como os de base semântica, o domínio em que isso é possível é determinado pela sintaxe. Ele propõe terminologias para tentar agrupar, de forma mais geral, os tipos de concordância: (i)

controlador, elemento que determina a concordância (sintagma nominal sujeito); (ii) alvo,

elemento cuja forma é determinada pela concordância; e (iii) domínio da concordância, ambiente sintático em que a concordância ocorre.

A concordância realiza-se pelo traço-Φ, isto é, quando se fala em concordância estamos nos referindo à concordância de traços. Assim, o número é um traço de concordância, que tem os valores: singular, dual, plural e assim por diante. Pode haver outros fatores (como a ordem das palavras), que têm um efeito sobre a concordância, mas não são diretamente refletidos como traços. Tais fatores são chamados de condições de concordância. Assim, dentro de um domínio particular, um alvo está em concordância com um controlador relativamente às suas especificações de traços (isto é, os traços e os seus valores); isto pode ser dependente de alguma outra condição a ser atingida.

Corbett (2006) argumenta que há diferentes formas de concordância e as hierarquiza. A primeira é a concordância mais canônica que se dá em sintagmas nominais, como em ‘these

books’; depois, a concordância menos canônica que se dá entre o verbo e um de seus

argumentos, como em ‘Mary sings’; em seguida, a concordância além da sentença, como no caso do pronome relativo com seu antecedente; e, por fim, o domínio que vai além da sentença, como o pronome anafórico com seu antecedente ‘Mary sings because she is happy’.

Sobre a “função” da concordância nas línguas naturais

Miyagawa (2010) elenca três características do sistema de concordância formal: a covariância de dois ou mais elementos, a assimetria e a ausência de conteúdo semântico.

(23)

Essas, conforme Miyagawa (2010), são as três propriedades representadas no sistema de sonda-alvo no trabalho de Chomsky (2000, 2001, 2005, 2007, 2008 apud Miyagawa, 2010).

De acordo com o autor, uma sonda (a “meta” da concordância) é um traço não interpretável, em virtude de não ter um valor expresso para o seu traço. O alvo (o “controlador'' da concordância) fornece o valor para a covariância e a assimetria da concordância. Finalmente, um traço não interpretável deve ser excluído, uma vez que é valorado, não vai receber interpretação semântica, fato que se reflete diretamente na noção de que o conteúdo real da concordância é irrelevante.

Embora o sistema sonda-alvo capture as propriedades essenciais da concordância formal, esta faz com que a noção de concordância fique ainda mais intrigante. Miyagawa (2010) questiona: por que o sistema computacional iria inserir algo na derivação de uma expressão apenas para excluí-lo tão completamente que nada resta dela para a interpretação semântica? A seu ver, isso parece totalmente contra-intuitivo.

Na busca por uma resposta para a verdadeira identidade da concordância, Miyagawa (2010) propõe que a questão pode ser resolvida pela ''dualidade da semântica'': a distinção bem estabelecida entre os núcleos lexicais e funcionais.

Consoante o autor, núcleos lexicais selecionam seus complementos para criar a estrutura argumental de uma expressão, enquanto os núcleos funcionais criam uma estrutura de expressão ''consists of the modes of expression of the language'' (Miyagawa, 2010 apud Bresnan 2001:9-10). A camada funcional de uma sentença dá origem a noções como tópico-comentário, sujeito de uma sentença, foco e questões de conteúdo, entre muitos outros modos de expressão. Ou seja, os núcleos funcionais substancialmente aumentam a expressividade da linguagem humana.

O autor nomeia as relações encontradas na estrutura do argumento de relações lexicais, pois estas são definidas a partir de um núcleo lexical e seus argumentos, geralmente, uma relação núcleo-complemento. O nominal - e o complemento é quase sempre um valor nominal, embora em certos casos seja um PP ou um CP - tem uma relação especial com o núcleo lexical, tal que seu referente é entendido como um participante do evento ou da situação descrita pelo sentido do núcleo. O segundo tipo de relações funcionais envolve uma relação entre um nominal e um núcleo funcional, por exemplo, C, T, ou v. Como dito anteriormente, o propósito das relações funcionais é aumentar o poder expressivo da linguagem fornecendo as ferramentas para expressar noções como tópico-comentário, sujeito de uma sentença, foco e questões de conteúdo.

(24)

O autor mostra a independência de relações funcionais e de relações lexicais num certo número de construções. Por exemplo, em japonês, o reflexivo anafórico zibun 'self' é orientado para o sujeito. No exemplo a seguir, retirado de Miyagawa (2010, p. 8), zibun só pode ter como seu antecedente o sujeito Taroo:

(9) Tarooi-ga Hanakoj-o zibuni/*j -no-heya-de sikat-ta.

Taro-NOM Hanako-ACC self-GEN-room-in scold-PAST ‘Taro scolded Hanako in his/*her room.

‘Taro repreendeu Hanako no quarto dele/*no quarto dela.’

Sob passivização direta, o argumento interno, Hanako, pode funcionar como antecedente de zibun (Kuno 1973 apud Miyagawa, 2010), que mostra que a noção “sujeito” desempenha um papel crucial independente das relações lexicais.

(10) Hanakoj-ga Tarooi-ni zibuni/*j-no-heya-de sikar-are-ta

Hanako-NOM Taro-by self-GEN-room-in scold-PASS-PAST ‘Hanako was scolded by Taro in her/*his room.’

‘Hanako foi repreendido por Taro no quarto dela/*no quarto dele.’

O argumento externo original, Taroo, já não é o sujeito da expressão inteira, não pode funcionar como o antecedente de zibun.

Relações lexicais são relações temáticas estabelecidas por Merge externo, no qual um núcleo lexical (ou v) combina-se com o seu argumento de forma binária (Chomsky 2001, 2005, 2008, Kayne 1984 apud Miyagawa, 2010). Logo, relações lexicais são definidas pela irmandade na estrutura da ramificação binária em si criada por Merge externo. Com as relações funcionais não é bem assim, pois não há nenhuma forma estrutural simples para estabelecer uma relação entre, por exemplo, o argumento externo e T. Em outras palavras, T não seleciona diretamente o argumento externo. Na literatura sobre o tema, uma sugestão comum é que a relação que se mantém entre um núcleo funcional, tal como T e o nominal com o qual concorda (ao qual atribui Caso) deve ser estabelecidas movendo o nominal para Spec, TP (Miyagawa, 2010 apud Koopman 2003, 2005, Koopman e Sportiche 1991). O autor acredita que essa intuição de que a concordância surge com uma relação Spec-head está correta, embora haja exceções, sendo um exemplo o parâmetro pro-drop. Contudo, ele assume que as relações de concordância são estabelecidas independentemente de movimento, por um processo que Chomsky chama Agree (Chomsky 2000, 2001, 2005, 2008 apud

(25)

Miyagawa, 2010). Com base nisso, Miyagawa (2010) afirma que a concordância ocorre para estabelecer uma relação funcional.

Com o objetivo de mostrar que a concordância ocorre para estabelecer relações funcionais, o autor recupera a ideia de que a concordância requer uma relação Spec-head. Tal relação funcional, que é sempre não-local, deve ser transformada numa relação local movendo o alvo para perto da sonda. O objetivo deste movimento é manter um registro da relação funcional além da sintaxe não-visível, de modo que a interpretação semântica e a estrutura da informação possam fazer uso dele. Isto é a concordância Spec-head, mas implementada com duas operações motivadas de forma independente - Agree e Move.

Miyagawa esclarece que fará apenas a distinção entre núcleos funcionais e lexicais, como observado anteriormente, pois presume que o tipo de relação Agree que interessa para o trabalho desenvolvido é relevante apenas para os núcleos funcionais. Tal postura deve-se ao fato de que não há flexão de concordância formal refletindo uma relação entre um núcleo lexical e seu argumento; tal flexão é encontrada apenas entre um núcleo funcional e alguns XP.

(26)

CAPÍTULO 2

A MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA GUAJÁ

2.0 Introdução

A língua Guajá pertence ao subgrupo VIII da família linguística Tupí-Guaraní, que inclui também o Takunyapé, o Urubu-Ka´apor, o Wayampí, o Wayampipukú, o Emérillon, o Amanayé, o Anambé, o Turiwára e o Zo´é (Rodrigues, 1984/85 e Cabral, 1996). A respeito da língua Guajá, há apenas quatro dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. A primeira dissertação deve-se a Cunha (1987), o qual elaborou um estudo fonológico dessa língua. A outra dissertação foi elaborada por Magalhães (2002), na qual a autora realizou uma interpretação atualizada da fonologia da língua e apresentou, pela primeira vez, um estudo sobre a sua morfossintaxe. Magalhães (2007) dá continuidade aos seus estudos sobre a língua em sua tese, na qual apresenta uma análise sobre aspectos da morfologia e da sintaxe da língua Guajá (família Tupi-Guarani), descrevendo suas classes de palavras, a morfologia flexional e derivacional que as caracteriza, além das estruturas de suas orações (Magalhães, 2007).

A terceira dissertação é de Nascimento (2008), intitulada Estudo fonético e fonológico

da língua guajá. A quarta dissertação (Mattos, 2015) trata da intransitividade cindida nas

línguas Tupi-Guarani. Nesse trabalho uma das línguas estudadas é o Guajá. Além da dissertação, Mattos tem um artigo realizado em parceria com Magalhães cujo tema é classes de palavras, tipos de predicado e sua relação com a intransitividade cindida no Guajá.

São os dados da tese de Magalhães (2007) e do artigo de Magalhães & Mattos (2014) que são utilizados nesta dissertação. Com o objetivo de apresentar uma descrição linguística dos aspectos morfossintáticos a serem analisados na presente dissertação, será feito um resumo da obra de Magalhães (2007) elegendo-se os aspectos morfossintáticos mais relevantes para o estudo do fenômeno. Os temas a serem apresentados serão os seguintes: classe de palavras, flexão relacional, flexão pessoal e predicados verbais no Guajá e hierarquia de pessoa.

(27)

2.1 Descrição das classes de palavras no Guajá

Magalhães (2007), ao tratar das classes de palavras do Guajá, divide-as em classes lexicais e classes não-lexicais. As palavras lexicais codificam conceitos estáveis e são representadas por poucas e grandes classes, relativamente abertas, enquanto as palavras não-lexicais codificam funções gramaticais e são representadas por muitas e pequenas classes, relativamente fechadas. Entre as classes de palavras lexicais que interessam a esta pesquisa estão os nomes e verbos e, entre as classes de palavras não-lexicais, estão os pronomes e as posposições, faremos um breve resumo das propriedades de cada uma dessas classes.

2.1.1 A classe dos nomes

Conforme Magalhães (2007), os nomes no Guajá possuem características particulares que os diferenciam de categorias como as do verbo, por exemplo. Semanticamente, os nomes são caracterizados como a forma lexical que denota entidades concretas, feitas de matéria relativamente durável, compactas em termos espaciais e formadas por um conjunto de traços associados entre si.

Morfologicamente, os nomes caracterizam-se por constituírem a única classe lexical que admite: a) flexão com o sufixo nominal –a, como se pode ver no exemplo (11); b) flexão com o sufixo casual locativo –pe, como mostra o exemplo (12); c) os sufixos de atualização nominal -ker e -rỹm, conforme mostram os exemplos em (13) e (14); e d) o sufixo coletivizador –kér, apresentado no exemplo (15). Os exemplos (11) e (12) foram extraídos de Magalhães (2007, p. 16 e 18), e os exemplos (13), (14) e (15) foram extraídos de Magalhães e Mattos (2014, p. 4).

(11) tapi’ír-a Ø-manũ anta-N 3-morrer ‘a anta morreu’

(12) jahá a-keré tapó ha=kahá-pé Eu 1-dormir POS4 1= rede-LOC ‘eu dormi deitado na minha rede’

(28)

(13) t-ipa-ker-a

HUM-casa-RETR-N

‘casa abandonada (ou destruída)’

(14) t-ipa-rỹm-a

HUM-casa-PROSP-N

‘casa projetada (ou em construção)’

(15) awá-wanihã-kér-a i-mymýr-a Ø-pyhý wỹ Guajá-homem-COL-N R²-filho-N 3-pegar PLU ‘um grupo de Guajá homens pegaram seus filhos’

O exemplo (15) traz em destaque também a partícula -wỹ, a qual, segundo Magalhães (2007), é pluralizadora de sujeito de terceira pessoa. Como no Guajá não há morfemas que distingam singular de plural, a indicação de pluralidade é feita por esta partícula ou pelo sufixo que denota coletivo –kér, o qual também pode ser observado no exemplo (15), em

awá-wanihã-kér-a.

O Guajá também não apresenta morfema flexional de gênero. Existe uma forma de expressar o sexo de vocábulos que contenham o traço [+ animado]. Podem ser acrescentados ao tema, nomes qualificadores que designam que se determinado vocábulo se refere a um ‘macho/homem’(-wanihã), ou a uma ‘fêmea/mulher’ (-wahý), como é possível constatar nos exemplos (16) e (17), respectivamente.

(16) Ø-wanihã-Ø ari-rú tá xíe, Marina, i-pý-a R²-homem-N 2-trazer PROJ aqui, Marina, R²-primeiro-N ‘o (filho) homem você vai trazer aqui, Marina, o primeiro’

(retirado de Magalhães, 2007, p. 154)

(17) awá-wahý-a i-kahá Ø-japó Guajá-mulher-N R²-rede 3-fazer ‘a mulher Guajá faz sua rede’

(29)

Magalhães (2007) afirma que “apenas as palavras identificadas como nomes é que podem receber o sufixo -a, outras, não. Sem o sufixo, esses nomes exercem função sintática de vocativo, complementos circunstanciais ou núcleos de predicados existenciais” (p. 145).

Ainda segundo Magalhães (2007), sintaticamente, os nomes exercem papel de argumentos de predicados verbais, e também podem ser núcleos de sintagmas nominais. Todavia, é válido ressaltar que nomes, assim como verbos, podem exercer a função sintática de predicado, ou seja, têm função predicativa primária sem cópula ou qualquer outro recurso morfossintático.

Quando ocorrem como argumentos de um predicado, os nomes podem assumir as funções sintáticas de sujeito, como mostra o exemplo (18), e de objeto, como mostra o exemplo (19), e argumento de posposições (20):

(18) tapi’ír-a Ø-manũ anta-N 3-morrer ‘a anta morreu’

(19) a-xá i-mymýr-a 1-ver R²-filho-N ‘eu vi o filho dela’

(20) jahá a-manõ tá awá Ø-pé eu 1-dar PROJ Guajá R1-para ‘eu vou dar para os Guajás’

Nomes também podem ser núcleos de construções existenciais quando não flexionados com o sufixo nominal –a, conforme mostra o exemplo (21). 3

(21) tapi’í ka’á-pe anta mato-LOC

‘tem anta no mato’ (literalmente ‘anta (existe) no mato’)

3

Além disso, segundo Magalhães (2007), os nomes também podem ocorrer como predicados em construções equativas e podem exercer funções não-nucleares como as de modificador de outro nome núcleo no sintagma nominal e de objeto de posposições em sintagmas posposicionais.

(30)

Diferentemente do que ocorre em outras línguas da família Tupí-Guaraní, no Guajá, o sufixo nominal marca os argumentos necessários dos predicados, isto é, sujeito e objeto direto, mas não marca os argumentos circunstanciais, ou seja, os nomes que ocorrem como dependentes num sintagma posposicional ou num sintagma genitivo. Magalhães (2007) acrescenta sobre o sufixo nominal que:

(...) não se pode caracterizá-lo como um sufixo cuja função é a de habilitar um nome como argumento, pois há argumentos que não ocorrem marcados por este morfema (nomes em função de objeto de orações no modo exortativo e nomes interrogados pela partícula mõ), ele ocorre também, em nomes que estão em função não argumental (MAGALHÃES, 2007, p. 145).

2.1.2 A classe dos verbos

Segundo Magalhães (2007), sob o ponto de vista morfológico, os verbos do Guajá caracterizam-se por apresentar flexão pessoal e, por isso, diferenciam-se dos nomes e dos adjetivos. Em termos sintáticos, os verbos caracterizam-se por ocorrer como núcleos de predicados eventivos, como em (22):

(22) jahá a-keré tapó ha = kahá-pé Eu 1-dormir POS4 1 = rede-LOC ‘eu dormi deitado na minha rede’

No Guajá, os verbos além apresentarem prefixos pessoais, como o morfema a em (23), também podem apresentar prefixos relacionais acompanhados de pronomes clíticos, como no exemplo (24) em que ha é o pronome e r o relacional (No capítulo 3, faremos uma proposta de análise para o morfema relacional).

(23) jahá a-xá eu 1-ver ‘eu (o) vi’

(31)

(24) nijã ha = r-ixá você 1 = R¹-ver ‘você me viu’

De acordo com Magalhães & Mattos (2014), os marcadores pessoais são divididos em duas séries: a série I formada por prefixos pessoais e a série II formada por pronomes clíticos, que são relacionados formalmente ao núcleo do predicado por meio de um prefixo relacional. Os quadros abaixo, extraídos de Magalhães & Mattos (2014, p. 6), apresentam as duas séries:

Série I (prefixos) Série II (clíticos)

a- 1SG ha= 1SG

ari- 2SG ni= 2SG

Ø- 3 i- ~ h- 3

xi- 1PL.INCL. are= 1PL

ari- 1PL.EXCL.

pi- 2PL pĩ= 2PL

2.1.3 Verbos transitivos no Guajá

Segundo Magalhães (2007), verbos transitivos no Guajá se diferenciam morfologicamente dos verbos intransitivos por poderem ocorrer em certas operações sintáticas, tais como alguns tipos de nominalizações e construções causativas. Em cada uma dessas construções o verbo transitivo irá receber um afixo específico. Quando ocorrer nominalizado, apresentará o sufixo nominalizador de agente, -(a)há(r), ou prefixo nominalizador de paciente com referência necessária ao agente, -imi, ou o sufixo nominalizador de paciente sem referência ao agente, -ipýr . Quando ocorrerem em construções causativas apresentarão o sufixo causativo –(a)ká.

(25) t-ãj Ø-‘ok-ahár-a R4-dente R1-arrancar-NZR-N ‘arrancador de dentes/ dentista’

(32)

(26) Maí r-imi-japo-kér-a

Maíra R1-NZR-fazer/criar-RETR-N ‘criatura de Maíra’

(27) iká-pyr-y’ým-a Ø-wyhý ka’á r-ípi matar-NZR-NEG-N 3-correr mato R1-por ‘o (veado) que não foi matado fugiu pelo mato’

(28) ha=Ø-py’ýr-a a-xak-aká tá ni = Ø-pé 1= R1-pulseira-N 1-ver-CAUS PROJ 2 = R1-para ‘vou mostrar minha pulseira para você

2.1.4 Verbos intransitivos

De acordo com Magalhães (2007), um dos fatos que distingue os verbos intransitivos dos transitivos é que quando estes ocorrem nominalizados os verbos intransitivos recebem o sufixo nominalizador –ma’á, que resulta em nomes de agente, e o prefixo causativo mi- ~ ma-

~ mo- ~ m-. Como os transitivos, os verbos intransitivos ativos marcam a pessoa do sujeito

por meio dos prefixos pessoais. Porém, distinguem-se dos verbos transitivos por não admitirem prefixos relacionais combinados com pronomes clíticos nos modos independentes (No capítulo três, apresentaremos uma análise para explicar a diferença na marcação do sujeito dos verbos transitivos e intransitivos).

Consoante Magalhães & Mattos (2014), os verbos intransitivos selecionam um argumento, que pode ser interno ou externo. A pessoa do argumento externo é marcada no verbo por meio dos prefixos da série I de marcadores pessoais, como se pode ver nos exemplos com o verbo keré (29) e (30):

(29) jawar-a Ø-kere cachorro-N 3-dormir ‘o cachorro dormiu’

(30) jahá a-keré mixik-a’ĩ tá eu 1-dormir pouco-ATEN PROJ

(33)

‘eu vou dormir um pouquinho’

A pessoa do argumento interno é expressa por meio do prefixo de terceira pessoa (ex. 31) ou dos pronomes pessoais clíticos de 1a e 2a pessoas (ex. 32) que integram a série II de marcadores pessoais, associados ao núcleo verbal por meio da marca de adjacência (R):

(31) Majakatỹ-a h-ahy

N.PR.-N 3.II-estar.doente 'Majakatỹa está doente'

(32) ha=r-ahy jahá

1.I=R-estar.doente eu 'eu estou doente'

Há, ainda, a divisão semântica de verbos transitivos e intransitivos em eventivos e estativos. Os exemplos abaixo, extraídos de Magalhães & Mattos (2014), mostram essa divisão:

(33) jawaruhu-a Ø-wyhy aha

onça-n 3.I-correr ctf ‘a onça correu (se afastando)’

(34) awa’yr-a tatu-a Ø-xa

criança-n tatu-n 3.I-ver ‘a criança viu o tatu’

(35) i-mymyr-a i-kira

3-filho-n 3.II-ser.gordo 'o filho dela é gordo'

(36) Awa-wahy-a i-pa’aruhu

mulher-Guajá-n 3.II-estar.grávida 'A mulher Guajá está grávida'

(34)

Magalhães & Mattos (2014) afirmam que os verbos eventivos, transitivos e intransitivos, expressam a categoria de pessoa por meio dos marcadores pessoais da série I; os verbos estativos expressam a categoria de pessoa por meio da combinação com os marcadores da série II. Essa divisão levou as autoras a propor uma cisão na subclasse dos intransitivos, a qual será apresentada no capítulo 3.

2.2. Pronomes no Guajá

Segundo Magalhães (2007), os pronomes do Guajá apresentam formas distintas para as três pessoas do discurso (1ª pessoa, 2ª pessoa ou 3ª pessoa). Os pronomes também apresentam formas morfológicas distintas, conforme sua função sintática (sujeito, objeto ou determinantes de nomes e posposições). Sintaticamente, os pronomes do Guajá podem ser independentes ou dependentes.

2.2.1 Pronomes pessoais independentes

O quadro abaixo, retirado de Magalhães (2007, p. 49) apresenta os pronomes pessoais independentes no Guajá: Pessoa Pronome 1 Jahá ‘eu’ 13/12 (2) Areá ‘nós’ 2 Nijã ‘você’ 23 Pijã ‘vocês’ 3/33 a’iá ‘ele(s)’

Pronomes pessoais independentes do Guajá (cf. Magalhães, 2007, p. 49)

Magalhães (2007) mostra que os pronomes pessoais independentes podem desempenhar função sintática de sujeito em orações com predicado verbal em que o objeto é de 1ª ou 2ª pessoa, como em (37 a, b):

(37a) jahá ni = r-ixá (37b) nijã ha = r-ixá

eu 2 = R¹-ver você 1 = R¹- ver

(35)

Pronomes pessoais independentes também podem ser sujeitos de orações equativas, tal como em (38):

(38) tapi’ír-a jahá anta-N eu

‘eu sou anta’

Os pronomes independentes fazem referência catafórica ao sujeito (39) ou ao objeto (40). Observa-se que o objeto só pode ocorrer como referência catafórica quando se trata de uma terceira pessoa animada.

(39) n = ani-kawá-j nijã (40) a-pyhý a’iá NEG = 2-saber-NEG você 2/IMP-pegar ele

‘você não sabe’ ‘pegue-o’

Os pronomes independentes também participam de construções de foco contrastivo, como em (41):

(41) jahá xipé kwý eu FOC aí ‘sou eu aí (na foto)’

E podem ocorrer também com seus respectivos pronomes dependentes como tópicos anafóricos em orações com predicados não verbais (nominal), como em (42) e (43).

(42) pijã pĩ = kara’ahỹ vocês 23 = R¹-cansado ‘vocês estão cansados’

(43) jahá ha = Ø-mimý eu 1 = R¹-filho ‘eu tenho filho’

(36)

De acordo com Magalhães (2007), no Guajá, a terceira pessoa também pode ser expressa por um demonstrativo discursivo a’é (este/esse/aquele). O pronome demonstrativo discursivo ocorre sempre em posição pré-núcleo do predicado, referindo-se indistintamente a argumentos animados ou inanimados, como em (44) e (45).

(44) a’é i-‘ĩ tá tyrymỹ r-ipá-p awỹ DEM 3-conversar PROJ farinha R¹-casa-LOC PLU ‘eles vão conversar na casa de farinha’

(45) a’é Ø-pinuhũ-ma’á-Ø raká DEM R2-preto-NZR-N AT1 ‘esse (óculos) é o que é o preto’

2.2.2 Pronomes pessoais dependentes

Conforme Magalhães (2007), os pronomes dependentes são elementos átonos que formam uma unidade fonológica com as palavras às quais se ligam. Estes podem ocorrer com nomes, verbos, adjetivos e posposições. A unidade fonológica que formam com tais palavras está sujeita a restrições de ordem mais rígida do que a de outros elementos da estrutura oracional, pois não pode ser interrompida por outros formativos ou palavras (Magalhães, 2007

apud Anderson, 1985). São, portanto, elementos clíticos, pois, diferentemente dos afixos,

formam unidades sintáticas e não morfológicas, isto é, correspondem a elementos que também podem ser expressos por palavras independentes.4

O quadro abaixo apresenta os pronomes pessoais dependentes do Guajá: Pessoa do discurso Pronome dependente

1 ha ~ iha ‘eu’

13/12 (3) Are ‘nós’

2 Ni ‘você’

4

Na literatura gerativista, há vários trabalhos (Monachesi, 1999, 2005, Ramos, 1999, entre outros) em que se discute a classificação morfológica destes elementos como ''palavras'', como ''afixos'' ou como uma categoria morfológica independente. Essa discussão, no entanto, vai além do escopo desse trabalho.

(37)

23 ‘vocês’

33 wỹ ~ wyn ‘eles’

Pronomes pessoais dependentes do Guajá (cf. Magalhães, 2007, 51)

Magalhães analisa os pronomes clíticos do Guajá como formas foneticamente reduzidas e átonas dos pronomes pessoais independentes. Para a autora, a única exceção é pronome clítico de terceira pessoa do plural, cujo correspondente independente é uma partícula de posição final na oração.

Seguindo ainda a análise de Magalhães, os pronomes dependentes vinculam-se sintaticamente às raízes lexicais por meio dos prefixos relacionais e realizam as seguintes funções:

a) objeto de primeira ou segunda pessoa de verbos transitivos, como ilustrado em (46):

(46a) ha = r-ixá nijã (46b) ni = n-ixá jahá 1 = R¹-ver você 2 = R¹-ver eu ‘você me viu’ ‘eu te vi’

b) sujeito de primeira ou segunda pessoa em predicados que têm como núcleo um adjetivo, tal como ocorre em (47):

(47a) ha = r-ahý (47b) ni = n- atỹ

1 = R¹-doente 2 = R¹-forte ‘estou doente’ ‘você é forte’

c) determinante junto a nomes que pedem determinante, obrigatório (48a) ou facultativo (48b), inclusive quando esses nomes figuram em construções existenciais (49).

(48a) jahá wỹ = n-ipá-Ø a-japó (48b) jahá ha = Ø-xirú-a a-mitiká eu 33 = R¹-casa-N 1-fazer eu 1 = R¹-roupa-N 1-lavar ‘eu fiz a casa deles’ ‘eu lavei minha roupa’

(49) ha = Ø-taký kyry’y 1 = R¹-faca MUD

(38)

‘agora eu tenho faca’

d) determinante de posposições, como em (50):

(50a) a-manõ tá ni = Ø-pé (50b) Ø-inẽ wỹ = Ø-pyrý 1-dar PROJ 2 = R¹-para 3- permancer 33 = R¹-junto ‘eu vou dar para você’ ‘permaneceu junto deles’

e) sujeito e objeto de predicados dependentes, observando-se que o clítico wỹ não ocorre nas duas primeiras funções, como se pode ver em (51):5

(51a) ha = Ø-mén-a Ø-já’ó tá ha = Ø-jahó = mehẽ 1 = R¹-marido-N 3-chorar PROJ 1 = R¹-ir = quando ‘meu marido vai chorar quando eu for embora’

(51b) ari-wapý wý-pe wỹ = n-ixak-á 13-sentar chão-LOC 33 = R¹-ver-GER ‘sentamos no chão para vê-los’

É importante salientar que o pronome pessoal dependente de terceira pessoa do plural

wỹ possui um homônimo que é a partícula pluralizadora de sujeito. A diferença entre o wỹ

partícula pluralizadora e o wỹ pronome dependente de terceira pessoa é que este é um elemento clítico que ocorre com nomes, posposições e núcleos de orações dependentes, enquanto a partícula ocorre apenas com predicados verbais e adjetivais e sempre em posição fixa, no final da oração.6

5 O pronome dependente de terceira pessoa do plural wỹ não ocorre na função de sujeito ou objeto de predicados independentes que têm como núcleo adjetivos ou verbos. Wỹ é uma forma pronominal que se combina exclusivamente com nomes dependentes, posposições ou núcleos de orações dependentes. (Magalhães, 2007)

(39)

2.2.3 Flexão relacional

Segundo Magalhães (2007, p. 128), a flexão relacional é um tema de estudo comum na literatura sobre línguas indígenas. Para a autora, o prefixo relacional marca a contiguidade ou a não-contiguidade de um dependente antes de um núcleo, ou seja, marca a dependência de um determinante (um nome ou um pronome dependente) em relação ao núcleo de uma construção sintática, por meio de prefixos relacionais acrescentados ao núcleo.

Esse processo morfossintático pode manifestar-se com nomes, verbos, adjetivos e posposições e sinaliza a dependência entre nome e possuidor, verbo transitivo e objeto direto e entre posposição e objeto. Na língua Guajá, há três prefixos relacionais que se dividem em duas classes paradigmáticas, segundo seus alomorfes: R¹, R² e R4. O prefixo relacional de referente contíguo, R¹, assinala que os elementos encontram-se dentro de um mesmo sintagma. O prefixo relacional de referente não-contíguo, R², assinala que os elementos encontram-se em sintagmas diferentes e o prefixo relacional de determinação humana genérica, R4, indica que o nome a qual o prefixo está afixado, refere-se a um ser humano indefinido, genérico, não expresso sintaticamente.

Classes de tema R1 R2 R4

Ia Ø-

Ib Ø- Ø-

IIa r- ~ n- h- ~ ha- h- ~ ha-

IIb r- ~ n- h- ~ ha- t-

IIc r- ~ n- h- V > Ø-

IId r- ~ n- t- t-

(40)

Em nota, Magalhães (2007) explica que a ocorrência das classes de temas está relacionada com os alomorfes dos prefixos relacionais. Por exemplo, na classe Ia, o alomorfe

–V do prefixo R2

ocorre com apenas temas verbais monossilábicos iniciados por consoante glotal e apenas na fala dos mais jovens. Os falantes mais velhos e outros jovens utilizam o alomorfe i- deste prefixo.

2.2.4 Flexão de tempo, modo e pessoa

No Guajá, a categoria tempo não é marcada morfologicamente no verbo, sendo as distinções de tempo realizadas por meio de palavras e expressões temporais como amõ mehẽ ‘outro dia’ e por meio de partículas que exprimem aspecto, mas que também distingue, na maioria das vezes, o tempo da realização do evento.

A referência ao passado é também marcada por meio de três partículas evidenciais que associam a indicação da fonte da informação com valores temporais, incluindo um passado recente ou próximo, raká e jé, e um passado remoto, raka’í:

(52) areá ari-ahó pé kahú r-apé Ø-xak-á raká nós 13-ir lá carro R1-caminho R1-ver-GER AT1 ‘nós fomos lá olhar o caminho do carro (a estrada)’

(53) a-xá raka’í 1-ver AT2

‘eu vi’ (e estava lá, há muito tempo)

Na ausência de implicações aspectuais ou de advérbios e construções temporais, a oração pode remeter tanto ao tempo passado quanto ao presente e sua interpretação dependerá do contexto.

Quanto ao modo, a autora afirma que há duas séries de prefixos pessoais para o modo indicativo e duas para o modo imperativo, ambas marcando as pessoas nos verbos, tanto dos sujeitos de intransitivos, quanto dos sujeitos de transitivos. No modo exortativo há apenas um prefixo que se refere à primeira pessoa do plural.

O quadro abaixo, retirado de Magalhães (2007, p.176), apresenta os prefixos pessoais do modo indicativo:

Referências

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