• Nenhum resultado encontrado

A OCUPAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA: UM DESMANDO ESTATIZADO?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A OCUPAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA: UM DESMANDO ESTATIZADO?"

Copied!
25
0
0

Texto

(1)

Resumo: a ocupação da Amazônia é resultado de um planejamento estatal. Antes de se iniciar efetivamente uma migração maciça, houve um período de estudos e se adotou um modelo econômico. Assim, instituíram-se órgãos dedicados ao planeja-mento (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia; Supe-rintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e linhas de crédito para financiar a exploração econômica. As principais atividades que estimularam a ocupação do imenso vazio demográfico foram a agricultura, a pecuária e a mineração. A marcha para a Amazônia teve sucesso, mas o custo social e ambiental foi muito elevado pois a execução do plano de ocupação da região só foi possível com a inobservân-cia da legislação vigente.

Palavras-chave: Amazônia. Ambiente. Agricultura. Mineração. Recursos Naturais. THE ECONOMIC OCCUPATION OF AMAZONIA: AN OFFICIAL MISRULE? Abstract: the occupation of Amazonia was promoted and incentivated by the state. The development of studies and the establishment of an economic model preceded the massive migration. State bodies and agencies were specially created to stimu-late and finance the explotation of the region. Agriculture, ranching and mining are the economic activities that most encouraged the occupation of a huge de-mographic vacuum. The march to Amazonia was successfully but the social and environmental costs were too high because the execution of the project was only possible with an absolute and whole violation of the laws.

Keywords: Amazonia. Environment. Agriculture. Mining. Natural resources. LA OCUPACIÓN ECONÓMICA DE LA AMAZONIA: UN DESMANDO ESTATIZADO?

A R

T I G O S

Paulo Henrique Faria Nunes

A OCUPAÇÃO ECONÔMICA

DA AMAZÔNIA: UM DESMANDO

ESTATIZADO?*

D O I 10.18224/b ar u.v4i2.6938

(2)

Resumen: la ocupación económica de la Amazonía es resultado de un planeamento estatal. El desarrollo de estudios y el establecimiento de un modelo económico antecedieron la migración masiva. Órganos y agencias gubernamentales fueron especialmente creados para estimular y fi-nanciar la explotación de la región (Superintendencia del Plan de Valoración Económica de la Amazonía; Superintendencia del Desarrollo de la Amazonía). La agricultura, la pecuaria y la minería son las actividades que han estimulado la ocupación del grande vacío demográfico. La marcha para la Amazonía fue exitosa pero los costos ambientales y sociales fueron demasiados altos una vez que la ejecución del proyecto solo fue posible por medio de la violación de las leyes. Palabras clave: Amazonía. Medio ambiente. Agricultura. Minería. Recursos naturales.

A

Amazônia é um espaço imenso que se espalha sobre os territórios de oito países sul-americanos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) e da Guiana Francesa. A delimitação formal da região não é uma tarefa simples pois, conforme o Tratado de Cooperação Amazônica, cada Estado esbelece internamente a sua “Amazônia Legal”1. Não obstante, a exploração econômica em um

país pode ter implicações em outro: os principais cursos que formam o rio Amazonas e vários de seus afluentes são provenientes de diferentes Estados (Colômbia, Peru, Bolívia, Equador); povos indígenas circularm em áreas transfronteiriças; a extração desordenada de recursos naturais estimula o processo migratório e o desenvolvimento de redes de co-mércio ilícito.

Os problemas ambientais da Amazônia podem ser classificados em nacionais (falta

de controle das queimadas e do desmatamento, danos decorrentes da explotação mineral, contaminação de rios com mercúrio e outras substâncias) e transnacionais. Esses últimos,

por sua vez, podem ser intrarregionais e globais. O fluxo de garimpeiros brasileiros para os territórios vizinhos, o corte clandestino de árvores para a produção de madeira por pe-ruanos no Brasil, a construção de barragens em cursos fluviais internacionais são questões intrarregionais. Os problemas globais dizem respeito principalmente às potenciais conse-quências das queimadas e do desmatamento no sistema climático mundial, à biopirataria e aos povos indígenas.

O objeto deste artigo é a ocupação econômica da Amazônia e as principais conse-quências decorrentes do modelo de desenvolvimento adotado. Em virtude da dimensão da área ocupada e da quantidade de países que a compõem, a análise será concentra-da na ocupação concentra-da Amazônia brasileira. Obviamente, os problemas socioeconômicos e ambientais encontrados nos demais países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) são de suma relevância: a exploração ilegal de madeira em vários dos Estados-membros; os danos decorrentes de derramamento de óleo e os conflitos en-tre povos indígenas e companhias que exploram petróleo no Equador; a exploração e o comércio ilegal de pedras preciosas – mormente na Venezuela, na Guiana e no Suriname; a política fundiária na Bolívia; o cultivo em larga escala da coca, a fumigação aérea de herbicidas à base de glifosato na erradicação de plantações, a narcoguerrilha e o movi-mento dos refugiados nos países andinos/amazônicos. Entretanto, uma análise comparada ou o desenvolvimento de estudos de caso sobre cada uma dessas realidades extrapolaria as dimensões de um artigo. Portanto, optou-se por centrar os esforços na Amazônia

(3)

brasi-leira – um espaço por demais extenso –, já que vários dos problemas nela encontrados se repetem em outros países da região.

Um recorte temporal também foi necessário. A intenção do autor não é escrever uma crônica sobre a ocupação econômica da Amazônia; busca-se, sobretudo, identificar e analisar os projetos governamentais destinados ao povoamento e à inserção da Floresta Tropical na economia nacional e internacional. Consequentemente, por mais que a busca das drogas do sertão no período colonial e o ciclo da borracha na transição dos séculos XIX e XX sejam importantes eventos econômicos e geopolíticos, priorizaram-se os pro-jetos executados após a Segunda Guerra Mundial2.

Além disso, põe-se em relevo outro recorte metodológico. Uma vez que se deseja confrontar o modelo econômico implementado com o paradigma do desenvolvimento sustentável, escolheu-se conduzir a abordagem tendo em vista as principais políticas re-gionais concebidas pelo governo brasileiro e as atividades produtivas que resultaram em impactos de maiores proporções. Destarte, o estudo dá mais ênfase ao agronegócio e à extração mineral do que à produção industrial.

Discorre-se inicialmente acerca do planejamento estatal e, em seguida, abordam-se os principais setores que exerceram influência direta sobre a ocupação e a modificação do espaço amazônico.

OS PLANOS ESTATAIS DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

A exploração econômica da Amazônia no século XX não é consequência apenas das incursões de investidores e aventureiros. É antes o resultado de um planejamento geopolítico que visava a efetiva incorporação dessa imensa região ao território nacional. Assim, antes da análise das atividades produtivas predominantes, apresentam-se a institu-cionalização dos principais planos estatais com vistas à ocupação e exploração da Hileia. A Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA)

A discussão sobre a Valorização Econômica da Amazônia teve impulso no Brasil em virtude da crise que assolava o principal produto da região, a borracha. Os

acor-dos de Washington a respeito do fornecimento de matérias-primas estratégicas durante

a Segunda Guerra Mundial deram uma sobrevida à economia centrada na produção do látex, mas, encerrado o conflito, a borracha da Amazônia já não era tão necessária pois a produção asiática podia ser destinada novamente aos principais mercados ocidentais3.

Assim, a problemática amazônica ganhou lugar de destaque nos trabalhos da Assembleia Constituinte encerrada em 16 de julho de 1946. O art. 199 da nova Constituição instituiu um fundo ao qual seriam destinados 3% da arrecadação tributária da União; o mesmo per-centual da arrecadação dos Estados e municípios da região amazônica integraria o plano de valorização econômica4. Elevou-se ao nível constitucional a preocupação com regiões

sensíveis do território brasileiro5 e reconheceu-se o papel vital do Estado como planejador

(4)

O fundo constitucional não passou de letra morta senão após a instituição da Supe-rintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA (lei 1.806, de 6 jan. 1953). Essa norma apresentou contornos bem definidos a respeito da gestão e da apli-cação dos recursos com vistas ao desenvolvimento da Hileia. Além da Superintendência, órgão subordinado diretamente ao Presidente da República, com sede em Belém, criou-se a Comissão de Planejamento da Valorização Econômica da Amazônia.

Os trabalhos da SPVEA eram desenvolvidos em função de planos quinquenais elaborados pela Comissão. Não obstante, as primeiras atividades daquela seguiram um programa de emergência orientado por um estudo intitulado Concepção Preliminar da

Valorização Amazônica, no qual se encontra uma visão mais precisa da proposta de

de-senvolvimento para a região.

A partir da análise desse estudo, percebe-se claramente a influência das ideias geo-políticas produzidas no Brasil nesse momento histórico (COSTA, 2008; CHILD, 1985). A “integração territorial, econômica e social” bem como o povoamento e a vivificação das áreas de fronteira são diretrizes gerais a nortear a valorização econômica da Hileia. Ademais, a definição de vias fluviais e a abertura de caminhos terrestres que permitissem o povoamento e um contato mais direto com o centro e o nordeste do país. Nota-se aí a intenção de transferir o excesso da mão de obra nordestina para as áreas de selva, a exem-plo do que ocorrera na corrida pela borracha desde o século XIX.

A Concepção Preliminar propõe a criação de centros urbanos dotados de infraes-trutura, serviços e um setor comercial e industrial. O documento associa a dispersão da população a um modelo econômico primário, centrado na atividade extrativista, incapaz de gerar renda e desenvolvimento para os amazônidas. A solução seria o desenvolvimento de núcleos urbanos interligados por uma malha viária terrestre e fluvial.

O extrativismo, principal atividade econômica, deveria ser substituído e/ou com-plementado por atividades agrícolas. Buscava-se um maior aproveitamento dos recursos florestais e a produção de gêneros alimentícios.

Os idealizadores das primeiras ações da SPVEA defenderam a criação de pólos industriais nas principais cidades da Hileia brasileira, Belém e Manaus, bem como em outras localidades estratégicas.

O documento questiona o mito que os solos das florestas tropicais são impróprios à agricultura e enfatiza a existência de terras adequadas ao cultivo, sobretudo de espé-cies arbóreas. Defende-se, assim, o zoneamento, a fim de conhecer com mais clareza o potencial dos lugares agriculturáveis; o emprego de técnicas e a realização de pesquisas científicas que possam levar ao desenvolvimento de soluções que permitam a exploração racional; e a recuperação de áreas inundáveis a fim torná-las propícias à plantação.

A agricultura, no entanto, deveria ser uma atividade de colonização. Assim, núcleos agrícolas deveriam receber colonos da região e de alhures. Um elemento curioso merece ser destacado na Concepção Preliminar: embora a proposta de criação do Instituto Inter-nacional da Hileia Amazônica (NUNES, 2009) tenha sido rechaçada no Brasil, esse estu-do defende a presença de estrangeiros que estu-dominem técnicas agrícolas mais avançadas.

Outro aspecto relevante na atividade de colonização que se tornou uma realidade nos anos seguintes é a atuação de batalhões militares. Em 1959 aprovou-se, por meio do

(5)

decreto 45.479, o Regulamento das Colônias Militares de Fronteira da Amazônia (CMFA). Essas colônias, “organizações simples e de finalidade imediata”, não seriam compostas apenas por militares. Originavam-se “dos próprios elementos militares de fronteira [...], cuja localização obedeceu essencialmente à condição de segurança”; no entanto, seriam dotadas de infraestrutura e transformadas “em centros de produção e subsistência para a população local, sem prejuízo de sua missão de segurança” (art. 1.º). À medida que se desenvolvessem, essas colônias poderiam obter a emancipação e alcançar o status de municípios. As CMFA seriam destinadas, principalmente, à nacionalização das fronteiras;

criação e fixação de núcleos de brasileiros próximos de centros urbanos significantes nos países vizinhos e/ou em áreas fronteiriças com vias de comunicação, terrestres e fluviais, que facilitassem a penetração no território nacional; promoção do desenvolvimento da população fronteiriça onde houvesse produção mineira ou atividade agropecuária sob o controle de estrangeiros de país limítrofe.

Não se exigia que os colonos tivessem nacionalidade brasileira. Sobre os povos indígenas ficou previsto que as CMFA deveriam manter contato frequente e permanente com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) a fim de lhes prestar assistência e proteção “com base, principalmente, no fornecimento de meios de trabalhos agrícolas e na assis-tência médica, mas no seu próprio ambiente”. No entanto, de acordo com o Regulamento, o único membro do pessoal da colônia que tinha uma função previamente determinada em relação aos índios era o padre, encarregado do “trabalho de catequese das populações indígenas em torno da Colônia” (art. 68, in fine).

Ainda no tocante ao uso das terras, nota-se o estímulo à pecuária, principalmente com a busca de espécies de capim e gado adaptáveis às condições climáticas locais.

O plano inicial demonstra preocupação com aspectos como nutrição, saúde, educa-ção e desenvolvimento social, mas os elementos preponderantes são voltados para a aber-tura de uma frente geopolítica capitalista. Reconhece-se a importância da criatividade da iniciativa privada e a necessidade de financiar os novos pioneiros, tanto com recursos cap-tados internamente quanto fora do país. O que se almejava, em suma, era o povoamento associado a uma intensa e diversificada atividade produtiva que incluísse a agropecuária moderna, a exploração do subsolo e a industrialização.

A Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)

Uma vez que o grau de desenvolvimento atingido após a criação do Plano de Valori-zação Econômica da Amazônia não foi satisfatório, o governo resultante do golpe militar de 1964 buscou dar novo fôlego aos projetos de ocupação econômica e geopolítica no seu quinhão da Floresta Tropical. À época, discutia-se a necessidade de desenvolver a infraestrutura física a fim de integrar a Amazônia Legal ao território nacional e o discurso oficial apregoava a necessidade de “integrar para não entregar”. As iniciativas mais ur-gentes consistiam na abertura de estradas concebidas nas décadas anteriores e na projeção de novas rotas para o desenvolvimento.

Adotaram-se então medidas que reestruturaram o plano brasileiro de valorização econômica da Hileia, a exemplo da criação, por meio da lei 5.173 de 27 de outubro

(6)

de 1966, da entidade sucessora da SPVEA: a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Um intenso programa de financiamento da atividade produtiva e de concessão de incentivos fiscais foi colocado em marcha, no qual tiveram grande im-portância o Banco da Amazônia S/A (BASA – lei 5.172/1966) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (decreto-lei 288/1967).

A instituição da SUDAM e o novo arcabouço institucional não representam uma ruptura em relação às ações da SPVEA. Na verdade, tem-se apenas uma atualização das ações concebidas no fim da Segunda Guerra Mundial com o selo do novo grupo que as-sume o poder político no Brasil. As ações e os instrumentos são, em grande parte, coinci-dentes: política migratória e colonização; substituição da economia extrativista e criação de pólos agroindustriais; atração de investimentos estrangeiros. Porém, como observa Nelson de Figueiredo, a nova onda de ocupação econômica não foi pensada somente no centro político do país, embora as instituições federais tenham desempenhado um papel muito mais crucial do que as estaduais:

[...] ainda quando o governo militar formulava suas primeiras concepções sobre a questão amazônica e a definição de suas estratégias de ação, surgiu esse fato que deu um colorido diferente à abordagem do problema regional, sem a radicalidade nacionalista que caracterizava o pensamento de alguns setores do Governo, embora sem excluí-la totalmente. Preliminarmente, é importante acentuar que as medidas concebidas a partir do nacionalismo militar eram forjadas a nível nacional, sem auscultar o pensamen-to dos políticos, empresários e técnicos da Região. A essa altura, porém, a Amazônia já dispunha de um contingente de intelectuais que tinham uma visão que destoava da que havia orientado as ações federais na Região nas duas décadas anteriores. Também, não se deixava envolver pela emocionalida-de que presidia a formação emocionalida-de projetos que exprimissem a radicalidaemocionalida-de do nacionalismo militar, mas considerava essa variável importante na formulação de uma política de desenvolvimento da Amazônia. Já existiam na Região duas universidades: uma em Belém, outra em Manaus, que passaram a oferecer decisiva contribuição para a formação da ‘intelligentzia’ regional (RIBEIRO, 2005, p. 232-3). A SUDAM foi instituída como uma autarquia vinculada ao Ministério Extraordiná-rio para a Coordenação dos Organismos Regionais “com o objetivo principal de planejar, promover a execução e controlar a ação federal na Amazônia” (art. 9.º da lei 5.173/1966).

Em 2001, em virtude de escândalos e denúncias de desvio de dinheiro com o envol-vimento de empresários e políticos – dentre eles o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) –, a SUDAM foi extinta6. Em função do instrumento utilizado pelo governo, uma medida

pro-visória (MP 2.145 de 2 mai. 2001), dois pedidos de declaração de inconstitucionalidade da extinção do órgão foram protocolados perante o Supremo Tribunal Federal; ambos julgados improcedentes7.

A SUDAM foi substituída pela Agência do Desenvolvimento da Amazônia (ADA) que, além de assumir as funções da primeira, ficou encarregada de gerir o recém-criado Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA)8.

A lei complementar 124/2007, colocou às rédeas do desenvolvimento da Amazônia brasileira em uma ressuscitada SUDAM e extinguiu a ADA.

Nota-se que da criação da SPVEA até a instituição da nova SUDAM, houve um in-cremento no modo como são apresentados os objetivos de cada entidade. O elemento que mais se destaca é a preocupação em planificar e executar um modelo de desenvolvimento sustentável e a inserção da região não só na economia nacional. O Quadro 1 permite uma análise comparada desses objetivos.

(7)

OBJETIVOS

SPVEA (lei 1.806/1953) Executar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia (art. 22). SUDAM (lei 5.173/1966) Planejar, promover a execução e controlar a ação federal na Amazônia (art. 9.º). ADA (MP 2.157/2001) Implementar políticas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento da Amazônia (art. 11). SUDAM (LC 124/2007)

Promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atua-ção e a integraatua-ção competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional (art. 3.º).

Quadro 1: Comparativo dos objetivos SPVEA-SUDAM

As atividades produtivas na Amazônia estiveram, em diversos momentos, vincula-das a ciclos que fogem à esfera do mercado nacional. Todavia, nos dois primeiros projetos havia uma preocupação em desenvolver setores econômicos que pudessem subsidiar o controle do Estado sobre a região e integrá-la ao restante do território nacional. A ADA e a nova SUDAM estão inseridas em um contexto diferente, embora os projetos mineiros e metalúrgicos tenham tido continuidade; uma nova commodity foi introduzida na Amazô-nia brasileira – a soja – e no tocante à abertura de novas vias de comunicação, preocupa--se mais com a necessidade de construir acessos aos portos do Pacífico e à porção seten-trional da América do Sul do que à região Centro-sul do Brasil.

É importante destacar que, inicialmente, as fontes de recursos eram explícitas. Após o advento da Constituição Federal de 1988, o poder público evitou estabelecer um percentual a ser aplicado sobre a renda das unidades da federação, de modo que o comprometimento financeiro com o desenvolvimento da Amazônia se tornou mais maleável (Quadro 2). Quadro 2: Comparativo das fontes de recurso SPVEA-SUDAM

FONTES DE RECURSOS

SPVEA (lei 1.806/1953)

Fundo de Valorização Econômica da Amazônia, constituído de: a) 3% da renda tributária da União; b) 3% da renda tributária dos Estados, Ter-ritórios e Municípios, total ou parcialmente compreendidos na área da Amazônia Brasileira (Art. 2º); c) as rendas oriundas dos serviços do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, ou sua exploração, dos atos ou contratos jurídicos dela decorrentes; d) o produto de operações de crédito e de dotações extraordinárias da União, dos Estados ou Municípios (§ 1.º do art. 8.º)

SUDAM (lei 5.173/1966)

I - quantia não inferior a 2% (dois por cento) da renda tributária da União, dos recursos a que se refere o art. 199 da Constituição Federal; II - 3% (três por cento) da renda tributária dos Estados, Territórios e Municípios da Amazônia, previstos no parágrafo único do art. 199 da Constituição Federal; III - as dotações orçamentárias ou créditos adicionais que lhe sejam atribuídos; IV - o produto de operações de crédito; V - o produto de juros de depósitos bancários, de multas e de emolumentos, devidos à SUDAM; VI - a parcela que lhe couber, do resultado líquido das empresas de que participe; VII - os auxílios, subvenções, contribuições e doações de entidades públicas ou privadas, nacionais, internacionais ou estrangei-ras; VIII - as rendas provenientes de serviços prestados; IX - a sua renda patrimonial (art. 20).

(8)

ADA (MP 2.157/2001)

I - dotações orçamentárias consignadas no Orçamento Geral da União; II - transferências do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia, equivalente a dois por cento do valor de cada liberação de recursos, a título de remu-neração pela gestão daquele Fundo; e III - quaisquer outras receitas não especificadas nos incisos I e II (art. 18)

SUDAM (LC 124/2007)

I - dotações orçamentárias consignadas no Orçamento Geral da União; II - transferências do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia, equiva-lentes a 2% (dois por cento) do valor de cada liberação de recursos; III - resultados de aplicações financeiras de seus recursos; IV - outras receitas previstas em lei (art. 6.º).

conclusão

No que concerne às atribuições de cada órgão, a análise comparada permite con-cluir que houve uma atualização mas, ao mesmo tempo, perdeu-se a razoabilidade na enumeração das funções a serem exercidas. Enumerar cada uma das funções da SUDAM e da ADA9, consoante o previsto nos diplomas legais que as instituíram, extrapolaria o

propósito deste trabalho. Todavia, identificam-se elementos que sugerem mudanças re-levantes. Ao ser criada em 1973, a entidade recebeu a incumbência de elaborar, avaliar e coordenar a execução – juntamente com outras instituições – do Plano de Valorização Econômica da Amazônia; na verdade, o PVEA era um projeto guarda-chuva que abrigava iniciativas de menor alcance. A SUDAM exibia um perfil de órgão executor mas também desempenhava o papel de formulador e articulador de políticas voltadas para o desenvol-vimento da Amazônia Legal.

A ADA também tinha um perfil semelhante ao de sua antecessora, mas a tônica do planejamento deixa de ser a “valorização econômica” e passa a ser o “desenvolvimen-to”. Ela era responsável pelo Plano de Desenvolvimento da Amazônia e suas atividades eram supervisionadas pelo Ministério da Integração Nacional. Provavelmente devido aos escândalos que abalaram a credibilidade e levaram à extinção da SUDAM, dentre as atribuições da nova autarquia aparece “auditar e avaliar os resultados da aplicação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia”10, mas este não é o ponto que mais

chama a atenção. Quando da criação da SUDAM, em 1966, vislumbravam-se grandes empreendimentos capazes de compor um cenário econômico dinâmico e multifacetado, isto é, no qual constassem indústrias, mineradoras, fonte de energia, agropecuária. O ex-trativismo, que até então fora o motor dos ciclos econômicos vivenciados pela Floresta Tropical, perdera grande parte de seu prestígio; um novo modelo de desenvolvimento de-veria vir acompanhado de empreendimentos que emprestassem ao Inferno Verde matizes de modernidade. A orientação básica do PVEA previa o “ordenamento da exploração das diversas espécies e essências nobres nativas da região, inclusive através da silvicultura e aumento da produtividade da economia extrativista sempre que esta não possa ser substi-tuída por atividade ‘mais rentável’” (art. 4.º, g da lei 5.173/1966, grifo nosso). Embora o país já possuísse uma legislação agrária e ambiental – obviamente não tão desenvolvida quanto a do porvir –, vê-se que a derrubada de áreas de floresta para o estabelecimento de atividades mais lucrativas do que o extrativismo já era vislumbrada; porém a lei não

(9)

deu sequência ao texto transcrito e omitiu uma importante questão: “mais rentável” para quem? As atribuições da ADA foram concebidas em um contexto no qual a temática am-biental não poderia ser ignorada, portanto o cuidado com o meio ambiente ganhou maior proeminência, como pode ser observado nos incisos VI (“implementar estudos e pesqui-sas destinados à identificação de potencialidades e vulnerabilidades sócio-econômicas e ambientais e propor estratégias e ações compatíveis com o espaço regional”) e XIII (“realizar estudos de ordenamento e gestão territoriais e avaliar impactos das ações de integração e de desenvolvimento na região, especialmente do ponto de vista ambiental”) do art. 15 da MP 2.157/2001.

A nova SUDAM, conforme a LC 121/2007, apresenta um quadro amplo de atribui-ções. Manteve-se o perfil de formulador, executor, coordenador e fiscalizador de políticas públicas. As preocupações com o meio ambiente e o reconhecimento da necessidade de buscar diferentes atividades produtivas de acordo com as particularidades dos diversos ecossistemas e características das sub-regiões da imensidão amazônica, assim como ocor-reu com a ADA, se fazem presentes. Contudo a SUDAM reformulada apresenta um ca-ráter mais atuante do que sua antecessora: além de estimular os investimentos privados, mediante incentivos e benefícios fiscais, cabe a ela “apoiar, em caráter complementar, investimentos públicos e privados nas áreas de infraestrutura econômica e social, capaci-tação de recursos humanos, inovação e difusão tecnológica, políticas sociais e culturais e iniciativas de desenvolvimento sub-regional” (art. 4.º, VIII). A produção de conhecimen-to científico nacional, o combate à biopirataria e a preservação do patrimônio genético receberam a atenção devida. Encontram-se no bojo de atribuições do órgão estimular a obtenção de patentes e “coibir que o patrimônio da biodiversidade seja pesquisado, apro-priado e patenteado em detrimento dos interesses da região e do País” (art. 4.º, XI).

A iniciativa de incluir a inovação tecnológica nacional associada ao uso de recursos da biodiversidade da Amazônia é louvável. O mesmo pode ser dito em relação à repressão da biopirataria. Entretanto, não se deve ignorar que uma agência governamental como a SUDAM não é o mais eficiente dos meios para garantir a integridade do patrimônio gené-tico nacional pois, na prática, suas ações se limitariam a não aprovar projetos ou deixar de outorgar benefícios a empresas que cometessem atos contrários aos interesses nacionais. O exercício de soberania sobre os recursos naturais demanda, além de políticas sociais e mais investimento no desenvolvimento científico, maior rigor no controle das áreas fronteiriças e alfandegárias. E isso requer obviamente o aumento do contingente e o aper-feiçoamento dos órgãos que exercem atividade de polícia e ações de cooperação regional. A lei 5.173/1966 demonstrava preocupação em povoar as zonas lindeiras. Já os atos normativos que instituíram a ADA e a SUDAM são omissos quanto às relações pan-amazônicas; não se encontram referências ao Tratado de Cooperação Amazônica ou às Comissões Nacionais Permanentes da OTCA. A MP 2.157/2001 previa que a ADA era competente para “promover a cooperação técnica, tecnológica e financeira com organismos nacionais ou internacionais, voltada à integração e ao desenvolvimento regional” (art. 15, X). Curiosamente, o ato normativo que instituiu a nova SUDAM – LC 121/2007 – abordou as questões transnacionais de modo mais tímido, limitando-se a determinar que a entidade poderá atuar na coordenação de “programas de extensão e gestão rural,

(10)

assistência técnica e financeira internacional em sua área de atuação” (art. 4.º, X). Visto que a cooperação técnica e financeira se dá, principalmente, com a captação de recursos junto a Estados não pertencentes à América do Sul ou a organismos intergovernamentais, infere-se que à cooperação extra-amazônica foi conferido um grau maior de importância do que aos diálogos com os demais membros da OTCA. Deve-se frisar igualmente a ausência de tratados e convênios bilaterais e/ou multilaterais com os países vizinhos, o que reforça a tese que planeja-se o desenvolvimento da Amazônia Legal brasileira sem grande comprometimento com o Tratado de Cooperação Amazônica.

AS PRINCIPAIS ATIVIDADES PRODUTIVAS E SEUS IMPACTOS A Agropecuária

A expansão da atividade agropecuária na Amazônia está intimamente associada ao planejamento estatal pois tanto a SPVEA quanto a SUDAM, quando de sua criação, buscavam incrementar a produção de gêneros alimentícios. Não se pode deixar de men-cionar, contudo, a política de colonização11 desenvolvida durante o governo militar,

prin-cipalmente após a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária por meio do decreto-lei 1.110/1970 (TAVARES et al., 1972). A colonização dirigida não visa-va somente ao assentamento de famílias em lotes de terras, almejavisa-va-se antes desenvolver um projeto de modernização do campo; a partir desse momento o consumo de fertilizan-tes, máquinas e defensivos agrícolas apresentou um crescimento vertiginoso.

A abertura de estradas que ligaram a Amazônia ao centro do país viabilizou a ex-ploração de uma vasta extensão de terras, embora muitas delas apresentem até hoje um estado de conservação não muito atrativo. A colonização não se restringia à área de atua-ção da SUDAM, o Centro-Oeste do Brasil também era alvo do projeto de modernizaatua-ção da agropecuária. Nesse sentido, é importante destacar o papel do Mato Grosso, unidade da federação localizada simultaneamente na região Centro-Oeste12 e na Amazônia Legal;

o mesmo podia ser dito em relação ao norte de Goiás, atual Tocantins13.

No período 1964-1984, as regiões Centro-oeste e Norte se tornaram palcos de in-vestimentos nacionais e estrangeiros e ao governo brasileiro interessava ocupar a Amazô-nia – isto é, integrá-la ao território nacional e torná-la produtiva. Do ponto de vista social, por mais que os documentos oficiais e as autoridades dissessem o contrário, o plano era bastante deficiente (PIMENTEL, 1973/1974; PAULA, 1973/1974); o contingente de mi-grantes que se embrenhou no Cerrado e na Amazônia a fugir da pobreza se converteu em ferramenta do Estado e eis aí um paradoxo: a terra não era instrumento de política social mas o ser humano era instrumento de política territorial. Os produtores médios e gran-des receberam atenção especial, sobretudo em função dos financiamentos subsidiados de longo prazo14. Uma vez que o preço da terra no centro-sul do Brasil era muito superior

ao praticado nas novas frentes de colonização, muitos pequenos e médios proprietários venderam suas glebas e adquiriram lotes na Amazônia Legal15; além disso, grandes

gru-pos econômicos enxergaram interessantes oportunidades de negócio e adquiriram áreas gigantescas (PICOLI, 2006; CARDOSO, MÜLLER, 1977).

(11)

A expansão da pecuária extensiva e de monoculturas como a soja no Centro-oeste representou um primeiro passo em direção à Amazônia (BUSCHBACHER, 2000). Até meados do século XX, a região do cerrado retratava um processo de ocupação e explora-ção agropecuária não muito diferente dos duzentos anos anteriores pois o solo ácido era considerado impróprio para a agricultura. Todavia, mormente a partir da década de 1970, vários programas foram implantados no intuito de favorecer a modernização da agricul-tura e o desenvolvimento, dentre eles o Polocentro e o Prodecer.

O Programa para o Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro) foi instituído em 1975 e teve seu término em 1982. Estima-se que na sua vigência “foram aprovados 3.373 projetos, num montante total equivalente a cerca de US$ 577 milhões. Dos beneficiários, 81% operavam fazendas com mais de 200 hectares, absorvendo 88% do volume total de crédito do programa. As fazendas com mais de 1.000 hectares, representando 39% do número do total de projetos, absorveram mais de 60% do total financiado” (ALHO et al., 1995, p. 20).

O Programa Cooperativo Nipo-brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), financiado pela Agência Japonesa de Cooperação e Desenvolvimento Inter-nacional (JICA), promoveu o assentamento de agricultores, sobretudo das regiões Sul e Sudeste, em áreas de cerrado. Esses trabalhadores eram experientes e já detinham um considerável domínio de técnicas agrícolas. O Prodecer, ao contrário do Polocentro, foi um programa mais “justo”. Os recursos, que não eram liberados pelo governo brasileiro, atingiram um número maior de pessoas.

O ingresso da soja e de outras monoculturas em Goiás fez com que o preço da terra se valorizasse e levou muitos proprietários a adquirir áreas na Amazônia Legal, fenômeno semelhante ao que vinha acontecendo no sul do país. Nos anos 1970 e 1980, e de certo modo isso ainda permanece, muitos fazendeiros goianos venderam suas propriedades e compraram áreas maiores no Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e sul do Pará. Os finan-ciamentos destinados ao desenvolvimento da Amazônia Legal eram ainda mais vantajo-sos do que os oferecidos nas demais regiões, o que também serviu de estímulo à migração de pequenos e médios proprietários e de trabalhadores que sonhavam fazer a vida16.

Até hoje, quando visitadas as cidades-gêmeas entre Goiás e Mato Grosso – separa-das apenas pelo rio Araguaia –, percebe-se com clareza que o núcleo urbano mato-gros-sense possui um número maior de residências, agências bancárias e estabelecimentos co-merciais, o que revela uma economia muito mais dinâmica; isso também tem um reflexo nos serviços públicos oferecidos, normalmente menos precários do lado de Mato Grosso. Dentre os casos de cidades-gêmas que retratam bem como os incentivos fiscais e a oferta de dinheiro público17 geram paisagens urbanas contíguas que se modificam

substancial-mente apenas com a travessia de uma ponte, podem ser mencionados Torixoréu (MT) e Baliza (GO); e Barra do Garças (MT) e Aragarças (GO)18.

Obviamente o fluxo migratório rumo à Amazônia Legal ocasionou a substituição da cobertura vegetal natural por pastagens e lavouras. Primeiro isso ocorreu nos cerrados, mas, à medida que o avanço em direção ao norte se intensificava, alcançavam-se as áreas de transição (Cerrado Alto) e zonas de floresta. Inicialmente priorizou-se a pecuária ex-tensiva, sobretudo com a introdução do gado de origem indiana – mais rústico e resistente

(12)

ao calor intenso. Porém, à medida que o desenvolvimento tecnológico propiciava novas ferramentas e o preço internacional de certas commodities agrícolas se mostrava mais atrativo, a agricultura se tornou o carro-chefe da economia de uma boa parte da Amazônia Legal; a vedete do espetáculo, a soja.

O Estado do Mato Grosso é a melhor representação desse crescimento:

A cultura de soja na Amazônia iniciou-se no cerrado mato-grossense ocupando em 1982/1983 cerca de 307.000 hectares, alcançando contudo, em 1997/1998 a área de 2.514.500 hectares, compreen-dendo além de áreas do cerrado, áreas deflorestadas do mosaico de transição e da própria floresta em sua marcha no sentido Sul-Norte. Em 15 anos a área plantada teve um incremento de 780% (BRASIL, 1998, p. 186).

No início dos anos 1980, o cultivo da soja na Amazônia Legal era restrito ao Mato Grosso mas, pouco a pouco, a oleaginosa atingiu outros Estados.

Na safra de 1982/1983, o Mato Grosso correspondia a 100% do total ocupado com a soja em toda a Amazônia Legal, em 1985/1986 era de 99,19%, e vai decaindo lentamente, passando por 95,21% em 1995/1996, chegando a 93,10% em 1997/1998 – progressivamente a cultura da soja extrapola o Estado de Mato Grosso, atingindo outros estados da Amazônia Legal (BRASIL, 1998, p. 186). O cultivo da soja atingiu gradativamente áreas cada vez mais distantes dos prin-cipais centros produtivos brasileiros. O principal produto exportado por Roraima era a madeira, mas em 2007 a soja se tornou o elemento majoritário da pauta de exportação (SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DO ESTADO DE RORAIMA). No fim da déca-da de 1990, a soja só não havia alcançado o Amapá.

O aumento da área de cultivo teve continuidade mesmo em períodos de crise e que-da de preços, como 1998/2001 e o ano de 2004 (BRANDÃO et al., 2005; ROESSING et

al., 2004). Toma-se novamente como referência Mato Grosso e apresenta-se a Tabela 1

com números que ilustram esse crescimento:

Tabela 1: Exportação de soja (ncm 1201.00.90)

Mato Grosso (USD) Brasil (USD)

Preço médio da tone-lada métrica líquida (USD)

Participação de Mato Grosso nas exportações brasileiras (%) 1999 305.042.704,00 1.569.889.399,00 178 19,43 2000 552.472.413,00 2.184.879.667,00 189 25,29 2001 803.408.554,00 2.719.903.347,00 173 29,54 2002 980.594.970,00 3.029.177.169,00 189 32,37 2003 1.033.663.213,00 4.287.031.715,00 215 24,11 2004 1.367.928.389,00 5.388.432.351,00 279 25,39 2005 2.136.519.182,00 5.341.289.686,00 238 40 continua...

(13)

2006 2.263.291.964,00 5.659.661.309,00 226 39,99 2007 1.889.223.309,00 6.702.971.188,00 282 28,18 2008 3.749.857.876,00 10.944.358.873,00 439 34,26 2009 4.227.483.090,00 11.412.997.151,00 399 37,04 Fonte: MDIC – ALICE Web.

Nota-se que a soja, bem como os demais segmentos do agronegócio voltados para os mercados estrangeiros, se converteu em um importante instrumento de captação de recursos que compõem as reservas financeiras do Brasil. Assim, mesmo na transição do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para a administração de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) – este último eleito com o apoio de movimentos sociais e ambientalistas contrários aos interesses dos grandes produtores –, deu-se continuidade à política agrícola de exportação. Percebe-se que nos embates entre o Ministério da Agri-cultura e o Ministério do Meio Ambiente, mormente no que diz respeito a temas como transgênicos ou o avanço das monoculturas, a tendência da Presidência da República é apoiar, ainda que não abertamente, o primeiro ministério.

No tocante aos aspectos ambientais, a interpretação das vantagens e desvantagens do cultivo da soja na Amazônia é complexa e controversa. Por um lado, é claro que a produção agropecuária representou a derrubada de áreas de vegetação nativa; por outro, há que ser observada em quais áreas houve a introdução da soja, se em áreas virgens ou em zonas onde antes existiam pastagens.

Brandão et al. (2005) defendem que grande parte da área de cultivo da soja na Ama-zônia Legal não resultou em derrubada de florestas pois houve representativa substituição da pecuária pela agricultura. Por conseguinte, o aumento da produção não corresponde necessariamente a desflorestamento e, em alguns casos, representa recuperação de terras degradadas.

Quanto à expansão da área com soja no triênio 2001-2002/2003-2004, que foi muito mais rápida do que ocorreu na década de 1990 e se generalizou a todas as regiões produtoras de soja no Brasil, cabe notar o seguinte. Em primeiro lugar, é impossível “abrir”, tão rapidamente, área virgem de cerrado

(e muito menos ainda de floresta amazônica!) e, no mesmo período de tempo, usar essa área nova na

produção de soja. Em outras palavras, partindo-se de uma área virgem — de cerrado ou de floresta amazônica —, requer-se tempo para que uma área nova adequada para a produção agrícola seja

“produzida” e depois usada na produção agrícola propriamente dita.

Essa é uma hipótese de caráter empírico, passível de verificação, não se excluindo, portanto, que, devido à excepcionalidade desse período recente em termos de rentabilidade da soja, tenham sido adotadas tecnologias capazes de encurtar a duração do tempo requerido para a produção de soja — o produto final desse processo de produção.

Em segundo lugar, as áreas virgens de cerrado ou de floresta amazônica disponíveis não possuem a infra-estrutura necessária a uma atividade como a soja; o mesmo problema não ocorre com regiões ocupadas com pecuária, já que essas últimas tendem a ser muito mais bem situadas do ponto de vista logístico.

Em terceiro lugar, ao contrário das áreas virgens, áreas ocupadas com pastagens são muito mais

(14)

viáveis de serem convertidas em área com soja e, no próprio período em que se dá essa conversão, iniciar-se a produção de soja. A razão para isso é que boa parte do processo de produção de terra apropriada para o plantio de soja (como, por exemplo, a calagem) já ocorreu, em um momento an-terior.

Last but not least, a conversão de área de pastagem degradada em plantio de soja rende também,

após alguns anos, uma área de pastagem mais produtiva, o que eleva a rentabilidade do investimento na produção de soja nessas áreas. Em outras palavras, a conversão de pastagens em plantação de soja é não apenas produção de soja mas, também, produção de novas pastagens, o que eleva a rentabili-dade dessa operação, comparada com a conversão de áreas virgens. Como, em geral, essa conversão de pastagens se dá via cessão da terra em arrendamento, isso exime o sojicultor da necessidade de imobilização de capital na aquisição de terra; além do mais, essa produção conjunta de soja e pasta-gens renovadas acaba reduzindo o valor do arrendamento. É claro que esse valor depende também do preço da soja (BRANDÃO et al., 2005, p. 12-3).

Os argumentos apresentados acima são coerentes e foram invocados para justificar que a introdução da cana-de-açúcar na Amazônia Legal também não causaria a derrubada de florestas. Porém, há que se observar se as áreas de pastagens a serem substituídas fo-ram abertas de acordo com o que determina a legislação. Numa parcela significativa das propriedades rurais brasileiras não há o respeito aos limites máximos de conservação da vegetação nativa; além disso, é comum o desmatamento de áreas de encostas com declive superior a 45º e a derrubada de matas ciliares19.

Outro problema diz respeito às zonas de transição entre Cerrado e Amazônia, pois o limite máximo de remoção da cobertura vegetal original varia de acordo com o bioma. O antigo Código Florestal Brasileiro (lei 4.771/1965), consoante redação dada pela MP 2.166/2001, apresentava os picos percentuais de desmatamento (art. 1620):

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de pre-servação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7o deste artigo;

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

§ 1.º O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.

§ 2.º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabeleci-dos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3o deste artigo, sem prejuízo das demais

legislações específicas.

§ 3.º Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas.21

(15)

O índice de preservação exigido na Amazônia Legal é bastante elevado, fato que gera protestos de entidades ligadas ao agronegócio. A insatisfação chegou ao Congresso Nacional e, dentre as propostas mais ousadas, vale mencionar o projeto de lei 5/2007, de autoria do senador Jonas Pinheiro (DEM-MT), cujo objetivo é a exclusão dos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão da Amazônia Legal22.

A investida da soja rumo à Hileia provoca o aumento do preço da terra e aquece os negócios imobiliários. Nos últimos anos, a rentabilidade da pecuária de corte e da pro-dução de leite apresentou queda. Além disso, proprietários cujas glebas foram herdadas veem que não terão fazendas com a dimensão das de seus ascendentes – pioneiros em muitas regiões do Centro-oeste – nem acesso a linhas de crédito tão vantajosas como as de outrora. Então muitos vendem suas propriedades a fim de adquirir áreas maiores mais ao norte e reproduzem a trajetória dos antepassados. Uma parcela significativa dos fazen-deiros migrantes se dedica à pecuária e busca terras com um preço mais atrativo no norte do Mato Grosso, Pará e Tocantins.

O dinheiro farto a juro barato de décadas atrás produziu uma elite que não se ha-bituou a produzir e trabalhar a terra para garantir sua sobrevivência. Mesmo que essa afirmação não seja absoluta, não se pode menosprezar que uma parcela representativa dos filhos da elite rural cresceu dentro desse modelo e acreditou que lhe daria continuidade; mas, anos depois, constataram que sem as linhas de crédito do passado não eram tão ricos como imaginavam. O pecuarista normalmente contratava mão de obra, analfabeta ou semianalfabeta, em pequena quantidade e baixos salários para cuidar de um rebanho numeroso e de um patrimônio imóvel de valor expressivo23. O crédito subsidiado

propor-cionava a aquisição das camionetas General Motors e Ford, símbolo de status nas cidades que se dedicavam à agropecuária, e permitia a movimentação do dinheiro por meio de negócios de compra e venda de gado ou em aplicações financeiras com rentabilidade su-perior às taxas de juro cobradas pelo poder público. Com o fim do suporte governamen-tal, muitos criadores de gado da região central do país buscam melhores oportunidades no Norte, isto é, na Amazônia Legal. O fato constatado não é somente uma mudança de atividade, o criador de gado que se torna sojicultor; muitos plantadores da oleaginosa compram terras de pecuaristas que saem à procura de novas áreas, preferencialmente maiores do que as que venderam. Portanto, mesmo que a ampliação da área de cultivo da soja ocorra por meio da substituição de pastagens por lavouras, não se pode ignorar que novas áreas de pastagens são abertas pois, apesar da modernização do campo, o regime de criação extensiva é predominante; o número de cabeças de gado criadas soltas nos pastos ainda é superior ao de animais em regime de confinamento.

No que concerne às zonas de expansão do cultivo da cana-de-açúcar, o mesmo cenário descrito no parágrafo anterior é válido, todavia deve-se registrar outro fenôme-no. Paralelamente à venda de terras para as companhias sucroalcooleiras nos municípios próximos das usinas, surgiu o negócio do arrendamento24. O etanol é utilizado por uma

boa parte dos automóveis no Brasil e nos momentos de alta súbita e intensa do preço do petróleo a procura pelo biocombustível aumenta razoavelmente. Assim, o arrendamento de fazendas onde havia a criação de gado de corte e/ou a produção de leite se tornou um bom negócio; em muitos municípios, produtores rurais ganham mais com o arrendamento

(16)

do que com a pecuária. Esse fato também contribui para a mobilidade dos produtores, que aproveitam para adquirir terras mais baratas na Amazônia Legal.

A construção de dutos capazes de transportar o etanol das principais zonas produto-ras para os grandes mercados do país e do mundo já é vislumbrada em projetos públicos25

e privados, embora o entusiasmo diminua nos períodos de queda do preço do barril do petróleo. Uma das principais companhias envolvidas em projetos de construção de al-cooldutos é a Brenco (Companhia Brasileira de Energia Renovável). Conforme informa-ção disponível no sítio da companhia, suas instalações cortarão um trecho representativo do território nacional: “A rota traçada pela companhia conecta Alto Taquari (Estado de Mato Grosso) ao Porto de Santos (SP), passando também pelos Estados de Mato Grosso do Sul (bases de Costa Rica e Paranaíba) e São Paulo (bases em Noroeste I, Noroeste II, Paulínia, São Paulo e Santos).”26 O mapa de localização do empreendimento não inclui

Mato Grosso, Tocantins e Maranhão na área da Floresta Amazônica, o que deixa entender que há sintonia entre os interesses dos investidores e os projetos de lei que almejam a diminuição da Amazônia Legal.

Figura 1: Mapa apresentado pela Brenco, que exclui da Amazônia brasileira os Estados de Mato Grosso, Maranhão e Tocantins

(17)

A queda do preço do petróleo teve reflexo no setor alcooleiro e isso fez com que várias companhias buscassem parcerias e unissem forças. Em setembro de 2009, divulgou-se que a Brenco estudava a possibilidade de dedivulgou-senvolver projetos com a PMCC – empresa constituída por Petrobrás, Mitsui e Camargo Corrêa27.

Vale ressaltar que não só a cade-açúcar está inserida na política energética na-cional. A soja e outras oleaginosas, como o dendê e o amendoim, podem ser utilizadas na produção de biodiesel. A lei 11.097/2005 introduziu o biodiesel na matriz energética brasileira e determinou que o diesel contenha pelo menos 5% de óleo vegetal em sua composição.

Muito se discute no Brasil sobre a eliminação da restrição legal do uso de motores alimentados com óleo diesel nos automóveis de pequeno porte, os “carros de passeio”. A proibição teve início em meados da década de 1970 e, desde então, somente veículos utilitários podem circular com esse combustível, ao contrário do que acontece em países da União Europeia ou na vizinha Argentina. Encontra-se no Senado Federal um projeto de lei, de autoria do senador Gerson Camata, que libera o uso de motores à diesel em carros de passeio28. O Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Indústria e

Comér-cio e o Ministério da Agricultura são favoráveis ao projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em agosto de 2009; o Ministério do Meio Ambiente tem se posicionado contrariamente. Para este último, mesmo com a disponibilidade de terras adequadas à produção de oleaginosas, há que se observar como o uso de áreas de cerrado dentro da Amazônia Legal pode prejudicar o equilíbrio ambiental na região

Deve-se questionar se a troca de áreas no Cerrado por terras na Amazônia é real-mente um negócio tão interessante. Afinal de contas, uma fazenda de 200 alqueires loca-lizada fora da Amazônia Legal permite a derrubada de vegetação nativa e a utilização de 160 alqueires, já que a reserva legal, consoante o Código Florestal Brasileiro, é de 20% da extensão da propriedade. Para que se obtenha a mesma área produtiva em zona de floresta dentro da Amazônia Legal serão necessários 800 alqueires pois o percentual máximo de desflorestamento é de 20%. A lucratividade do negócio é frequentemente fruto da baixa fiscalização e, em certos casos, do suborno de agentes dos órgãos ambientais estaduais e federais. Muitas das autoridades políticas municipais e estaduais são vinculadas à ativida-de agropecuária o que torna mais frágil a aplicação efetiva das normas ambientais.

No que diz respeito à Pan-amazônia, a discussão de projetos e propostas que visem a uma harmonização legislativa mínima é questão de alta relevância para os países da região. Não se pode ignorar que grande parte da produção agrícola dos países da OTCA acontece na Hileia, sobretudo o cultivo das commodities destinadas à exportação. Leis mais tolerantes com a derrubada da cobertura vegetal em países vizinhos (v.g. Bolívia

e Peru) já estimulam a aquisição de terras por brasileiros em seus territórios. Essa emi-gração é também instigada da pela abertura e pavimentação de estradas que permitem a exportação por meio dos portos do oceano Pacífico.

Deve-se ainda registrar a relação entre vários setores que se beneficiam da baixa presença do Estado e do descumprimento das normas. A derrubada de floresta não serve apenas aos criadores de gado e aos produtores das commodities agrícolas. A indústria

(18)

apesar do crescimento do comércio de madeira certificada, não existe uma fiscalização eficiente no corte das árvores, na exportação ou na importação do produto. A conivên-cia dos consumidores brasileiros e dos países importadores é outro agravante... nobres e plebeus. Em 2005 o Greenpeace denunciou que parte da madeira empregada na obra de ampliação do Museu Nacional Reina Sofia, em Madrid, era jatobá – retirado no município de Altamira (Pará) – exportado por madeireiras envolvidas em atividades clandestinas29.

O drama do corte ilegal de madeira, inclusive de espécies protegidas, não é restrito às propriedades dos grandes fazendeiros. Os lotes doados pelo programa nacional de reforma agrária também são inseridos no consórcio de atividades ilícitas, muitas vezes mais facilmente do que as grandes fazendas. Existe uma grave deficiência estrutural no assentamento de trabalhadores rurais que se tornam pequenos proprietários pois eles re-cebem suas glebas mas nem sempre dispõem de recursos para produzir em quantidade e qualidade necessária ao sustento de suas famílias. Uma fonte rápida de dinheiro é a venda de madeira nobre, cortada pelo proprietário ou por madeireiros e serrarias que propõem contratos informais de parceria. Outra fonte de renda para esses agricultores é a produção de carvão vegetal, sobretudo nas zonas próximas de usinas siderúrgicas que adquirem um combustível de valor baixo e custo socioambiental astronômico (AB’SÁBER, 2004).

Ao investigar o município de Juína, no noroeste do Mato Grosso, Vitale Joanoni Neto chegou a números que impressionam:

A exploração de madeira representou empregos diretos e indiretos, apesar de em grande parte, em índices próximos a 90% irregular. Em 2000 essa produção foi estimada em 250.000m3/ano de

an-gelim, aroeira, caixeta, cedro, cerejeira, freijó, ipê, itaúba, marupá, massaranduba, mogno, peroba, pinho cuiabano, timburi, entre outras. Todas eram colhidas da mata nativa, portanto não certificadas, e em percentual significativo, mas por motivos óbvios, difícil estipular, extraída de modo irregular (de áreas de proteção ambiental permanente, de áreas de reserva legal, de áreas indígenas etc.). Apesar destes problemas com a extração e de outros tantos nas fases de processamento (serrarias não regularizadas, trabalhadores não registrados em carteira profissional, exploração de trabalho infantil), a importância desta atividade para o município pode ser medida pela reação da prefeitura local quando da proibição, pelo IBAMA, de toda e qualquer atividade de desmatamento e transporte de madeira por 120 dias, decretada pelo órgão no início de 1999. O prefeito decretou e a câmara dos vereadores aprovou medida que colocou o município em estado de calamidade pública ‘em face do bloqueio determinado pelo IBAMA’ (JOANONI NETO, 2007, p. 150).

O quadro de atividades ilícitas revela uma rede de operações que se auxilia mutua-mente composta por empreendimentos informais e formais, em parte oriundos de investi-mentos feitos com o empréstimo de dinheiro público (BNDES, Fundo Amazônia, Fundo do Centro-oeste). Apesar de todos esses problemas, os frigoríficos ainda se valem do mito do “boi verde” para vender a boa imagem da carne brasileira.

A complicada indústria madeireira ainda é vista como um dos principais trunfos na construção de uma economia sustentável. Em março de 2006, o Congresso Nacional aprovou a lei 11.284, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. Autorizou-se, assim, a concessão de áreas pertencentes às entidades da ad-ministração direta e indireta à iniciativa privada. A exploração não se restringe ao corte de árvores, incluindo outras formas de extrativismo e o turismo. O novo sistema de apro-veitamento ainda hoje gera polêmica, pois a incredulidade diante da capacidade do poder público garantir a eficácia das leis leva muitos a crer, não sem razão, que a concessão de

(19)

áreas públicas poderá acarretar a devastação de boa parte da Amazônia com o aval do Es-tado. Ademais, o discurso sobre a internacionalização refloresce visto que a lei não limita a participação nas concorrências às pessoas físicas e jurídicas exclusivamente nacionais.

A primeira área pública disponibilizada à exploração privada foi a Floresta Nacio-nal do Jamari, em Rondônia, em setembro de 2007. Dos 220 mil hectares que formam essa unidade de conservação, 90 mil foram loteados em unidades de pequeno, médio e grande porte a serem licitadas. Apesar do alarde que envolve a concessão de florestas pú-blicas, essa modalidade de utilização pode gerar bons resultados, mormente se os projetos forem associados à agregação de valor aos produtos da floresta. Em suma, tudo dependerá da seriedade na condução dos empreendimentos e do efetivo poder de polícia do Estado.

Menciona-se, ainda, dentre as principais questões concernentes ao agronegócio, o aumento do uso de sementes geneticamente modificadas. Conforme informações di-vulgadas pelo International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications

(ISAAA)30, em 2009 o Brasil assumiu o segundo lugar no ranking dos maiores produtores

de transgênicos.

O Brasil dispõe de regras que disciplinam o uso e a comercialização de organis-mos geneticamente modificados e sua Constituição está em sintonia com os pilares da proteção do meio ambiente, como os princípios da prevenção e da precaução. Contudo, questiona-se se a liberação de sementes geneticamente modificadas associada ao uso de potentes herbicidas não seletivos (v.g. glifosato) já está suficientemente amparada em

pesquisas que assegurem a proteção da rica biodiversidade. Há que ser observado que um número muito grande de espécies da flora e da fauna amazônica ainda não foi cataloga-do e/ou suficientemente estudacataloga-do e o uso de herbicidas não seletivos pode comprometer matérias-primas de atividades mais rentáveis.

A Mineração

Até o início do século XX os ciclos econômicos da floresta tropical sul-americana estavam mais voltados para o extrativismo vegetal, a exemplo das drogas do sertão e da borracha; em caráter secundário, pode-se apontar a produção agropecuária. A des-coberta gradual de um imenso potencial mineral mudou substancialmente esse cenário. Atualmente a Amazônia é importante fornecedora de ouro, manganês, estanho, bauxita, ferro, aço, caulim e recursos energéticos – mormente gás e petróleo. Além disso, existem grandes depósitos de minerais radioativos, a exemplo de urânio e tório, e os países já enfrentam o problema do contrabando. A exportação de recursos minerais amazônicos apresenta um peso considerável na balança comercial dos membros da OTCA. Em 2013, o município de Parauapebas (PA) foi o maior exportador do Brasil31.

Os trabalhos pioneiros de geoprospecção na floresta tropical foram desenvolvidos em um contexto de forte vínculo entre Estado e iniciativa privada. Outro elemento im-portante no boom da mineração é a planificação econômica (SANTOS, 1981; SCLIAR, 1996; VILLAS-BÔAS, 1995a; VILLAS-BÔAS, 1995b).

No fim do século XX e no princípio do XXI, as reformas estruturais em consonân-cia com as diretrizes do Fundo Monetário Internacional e do consenso de Washington

(20)

provocaram uma onda de desestatização de diversas companhias mineradoras e siderúr-gicas nos países amazônicos32. Isso, obviamente, estimulou a participação do capital

es-trangeiro na região (VILDOLOLA FUENZALIDA, 1999).

Se na década de 1970 e 1980 um dos principais mercados consumidores de miné-rios brasileiros foi o Japão (NUNES, 2006) – interessado, sobretudo, no projeto Carajás –, no início do novo milênio a China se revela como o país que exerce maior influência sobre o setor mineral na Amazônia.

A falta de resultados sociais razoáveis das reformas neoliberais gerou um clima de insatisfação e favoreceu o surgimento de forças políticas simpáticas a uma maior presen-ça do Estado na atividade produtiva – mormente nos países da ALBA (Venezuela, Bolívia e Equador). Em outros países, a exemplo do Brasil, não houve semelhante retomada do capital estatal na produção mineral, mesmo com a ascensão de partidos políticos reputa-dos tradicionalmente como esquerdistas ou nacionalistas. Tem-se, portanto, que a unifor-midade legal relativa aos investimentos no setor mineiro, que perdurou em parte dos anos 1990 e 2000, não mais subsiste.

A população amazônica, ao contrário do que o senso comum tende a conceber, apresenta um alto grau de urbanização. A mineração tem papel decisivo na formação ou no aquecimento de alguns centros regionais da Amazônia brasileira. Embora a carência de infraestrutura social seja uma constante, o modo de organização desses centros urba-nos é bastante variável.

Nas áreas onde são descobertos depósitos de pedras preciosas e/ou ouro, normal-mente assiste-se a uma rápida transformação, consequência da corrida de garimpeiros em busca de fortuna. Normalmente esses trabalhadores estão no estrato inferior da organiza-ção socioeconômica e apresentam baixo ou nenhum nível de escolaridade. Hoje é comum a formação de cooperativas de garimpeiro, o que lhes permite maior capacidade de pla-nejamento e execução. Entretanto, mesmo nos municípios onde atuam as cooperativas, a rede de serviços sociais (educação, saúde, saneamento, segurança) é muito precária.

As zonas onde estão presentes grandes grupos mineradores – a maioria com intensa participação de capital estrangeiro – tendem a apresentar um panorama menos dramáti-co. Uma vez que a mineração industrial exige mão de obra qualificada – com melhores salários – e investimentos na aquisição e manutenção de máquinas e equipamentos, a geração de empregos diretos e indiretos é maior. Ademais, o comércio e o setor de servi-ços tornam-se mais dinâmicos. Os municípios que atraem esses investimentos têm maior possibilidade de aplicar recursos em infraestrutura, uma vez que recebem royalties33.

Dentre os principais impactos ambientais gerados pela extração mineral destacam-se: a contaminação de rios (v.g. dejeto de mercúrio), a mineração ilegal em terras indígenas, a inércia do Estado diante da não recuperação das áreas degradadas. Atualmente, um empreendimento mineiro conduzido com conhecimento técnico-científico e consciência ambiental pode gerar impactos menores do que a agricultura em larga escala. Não obstante, na Amazônia brasileira, assiste-se a uma associação de companhias mineradoras e siderúrgicas, madeireiros e agropecuaristas no desmatamento ilícito (UHLIG et al., 2008). Não raramente, indústrias siderúrgicas adquirem carvão vegetal proveniente de desmatamento ilegal para alimentar seus fornos. Essa associação

(21)

ocorre em um cenário complexo: agropecuaristas têm interesse na derrubada da mata para introduzir animais e lavouras. A indústria madeireira clandestina se torna uma aliada, pois os proprietários buscam estabelecer parcerias: as indústrias promovem a derrubada da madeira nobre e o proprietário da terra ganha uma participação no lucro. Finalmente, entram os carvoeiros: esses ateiam fogo no restante da vegetação original que se tornará carvão. Após o trabalho dos carvoeiros, a terra está apta à sua transformação em áreas de pastagem ou lavoura e as siderúrgicas têm oferta de combustível barato para abastecer seus fornos. Somam-se a isso os graves problemas que envolvem as condições de trabalho nas madeireiras e nas carvoarias... algumas acusadas de usar mão de obra escrava (AB’SÁBER, 2004; PICOLI, 2006).

A abertura e o aperfeiçoamento dos corredores de transporte inseridos na Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) podem agravar o problema. É bem plausível o deslocamento de parte da população de outras regiões do Brasil para a porção da Amazônia Legal inserida nos grandes eixos de integração, mor-mente a rota interoceânica. Tendo em vista as características que a confluência das regiões central, ocidental e setentrional apresenta – vislumbra-se uma continuidade do processo de ocupação e desenvolvimento econômico do interior do país, uma nova marcha para o oeste. Fontes de recursos minerais e energia – hidreletricidade, gás, petróleo, biocom-bustíveis –, extensas porções de terras cultiváveis, crescimento populacional em função de movimentos exógenos e consequente aumento do mercado consumidor, proximidade relativa dos corredores que dão acesso ao oceano Pacífico e à confluência Atlântico-Ca-ribe são alguns elementos que fazem com que essa região seja um ponto de interesse de investidores. Tudo isso leva a crer que há uma tendência natural de novas incursões na Amazônia no século XXI. Obviamente, o centro-sul-sudeste permanece na condição de principal referência econômica e populacional; contudo as novas investidas favorecerão a degradação ambiental se o poder público não se impuser e exercer verdadeiramente seu papel de agente formulador de políticas e fiscalizador.

No tocante às questões transnacionais, destaca-se a imigração ilegal. Malgrado o Brasil ser o país amazônico de maior proeminência no contexto mundial, brasileiros são frequentemente deportados e expulsos de países limítrofes onde permanecem clandesti-namente e trabalham na exploração ilegal de ouro e pedras preciosas. Esse fenômeno tem sido mais comum na Guiana Francesa, Suriname, Venezuela e Guiana. O problema tem se agravado nas duas últimas décadas e se intensificou no fim dos anos 2000 em virtude do aumento do preço do ouro, decorrente da grave crise econômica mundial.

CONCLUSÃO

A ocupação econômica da Amazônia é um fenômeno que conta com uma aliança entre Estado e iniciativa privada. O governo brasileiro aspirava integrar a região, muito distante das áreas mais povoadas à economia nacional a fim de estimular a migração. Essa preocupação é perfeitamente compreensível pois grande parte do território brasileiro per-tenceria aos Estados vizinhos, majoritariamente ex-colônias espanholas, e portugueses e brasileiros reivindicaram as áreas ocupadas com fundamento no princípio do uti possidetis

(22)

(posse efetiva). Ademais, no período subsequente à Segunda Guerra Mundial, o ambien-talismo ganha força e abre margem para os discursos relativos à internacionalização da

Amazônia. Os projetos e planos governamentais de ocupação da Amazônia, desde os anos

1950, têm um caráter reativo e afirmativo: reage-se às investidas estrangeiras – reais ou não; afirma-se a soberania sobre uma porção vazia e/ou desconhecida do território nacional.

O Cerrado foi o corredor de acesso do agronegócio para se chegar à região amazô-nica, visto que Mato Grosso e Tocantins integram a Amazônia Legal. Verifica-se um des-compasso entre a legislação e o projeto econômico pois o governo financiou grande parte da degradação ambiental. Bancos públicos ofereciam créditos altamente favoráveis para empreendimentos agropecuários que não estavam sujeitos a qualquer tipo de fiscalização e a débil presença do poder público continua a estimular o mesmo modelo migratório predatório com intensa desigualdade social.

Pergunta-se se a Amazônia está mais inserida na economia brasileira ou mundial, uma vez que os seus principais produtos são destinados à exportação. Lamentavelmente, a dependência das divisas oriundas da atividade exportadora, mormente em tempos de crise, gerou uma situação social e ambientalmente cruel: impor efetivamente a legislação ambiental pode implicar redução do ingresso de dólares e demais moedas usadas como meio de pagamento no cenário global. Até o momento, não se desenvolveu um mercado que privilegie a conservação das áreas de floresta.

A mineração, em virtude da rigidez locacional, apresenta impactos mais isolados. Não obstante, as mesmas críticas apresentadas acima são válidas para o setor mineiro.

A exploração racional da biodiversidade e o aproveitamento do conhecimento tra-dicional na produção de produtos com valor agregado (v.g. medicamentos) é uma

alterna-tiva econômica capaz de render bons frutos em longo prazo. Entretanto, isso depende de um contrato social e ambiental no qual trabalhadores e/ou fornecedores de matéria-prima igualmente se beneficiem da exploração econômica e da proteção ambiental. O mediador de tal pacto só pode ser a autoridade estatal, que há de legislar e garantir a aplicação da lei. Notas

1 Dificuldade de demarcação da Pan-Amazônia e dos territórios indígenas na região. Textos & debates (UFRR). Boa Vista, v. 2, n. 26, p. 7-28, 2015.

2 Os dados apresentados retratam o recorte temporal adotado, cujo término é o período de encerramento do segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva

3 “As medidas tendentes a incrementar a produção local de borracha silvestre e a formação de seringais de plantação tiveram êxito limitado, não logrando alterar o facies econômico da região. Finda a guerra, essa colaboração internacional foi descontinuada, acentuando-se a necessidade da existência de um plano nacional de recuperação, que perseguisse objetivos próprios e fôsse executado sem relação imediata com a conjuntura internacional. Essa era a idéia que desde 1940 fôra enunciada pelo Presidente Getúlio Vargas, no ‘Discurso do Rio Amazonas’, pronunciado em Manaus” (BONFIM, 1958, p. 17-8).

4 “Art. 199. Na execução do plano de valorização econômica da Amazônia, a União aplicará, durante, pelo menos, vinte anos consecutivos, quantia não inferior a três por cento da sua renda tributária. Parágrafo único - Os Estados e os Territórios daquela região, bem como os respectivos Municípios,

reservarão para o mesmo fim, anualmente, três por cento das suas rendas tributárias. Os recursos de que trata este parágrafo serão aplicados por intermédio do Governo federal.”

5 As duas outras regiões que ganharam destaque da Assembleia Constituinte de 1946 foram o Polígono

Imagem

Tabela 1: Exportação de soja (ncm 1201.00.90)
Figura 1: Mapa apresentado pela Brenco, que exclui da Amazônia brasileira os Estados de Mato Grosso, Maranhão e  Tocantins

Referências

Documentos relacionados

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Após extração do óleo da polpa, foram avaliados alguns dos principais parâmetros de qualidade utilizados para o azeite de oliva: índice de acidez e de peróxidos, além

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

(1983) estudaram o efeito da adição de monensina (l00mg) em dietas de novilhas da raça holandesa, recebendo 33% de concentrado e 67% de volumoso, verificaram que houve aumento de

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

5 Cs e 1 contexto : uma experiência de ensino de português língua estrangeira conforme os parâmetros de ensino de língua norte-americanos – Standards for Foreign Language Learning

 Foi criado o Fundo Azul, que irá funcionar no âmbito de competências da Ministra do Mar, com a natureza de património autónomo e o objetivo de se constituir como um mecanismo de

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em