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MULHERES EVANGÉLICAS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: O QUE O PODER PÚBLICO E A IGREJA TÊM A VER COM ISSO?

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Sandra Duarte de Souza**, Claudia Poleti Oshiro***

Resumo: o aumento do contingente de mulheres que se declaram evangélicas, por si só tem sido objeto de pesquisas que visam compreender a dinâmica religiosa brasileira, porém, o aumento do número de mulheres evangélicas que declaram terem sido agredidas por seus parceiros ainda carece de mais atenção de pesquisadoras e pesquisadores que trabalham sobre a violência doméstica. Dependendo do nível de envolvimento das mulheres evangélicas com a Igreja, esta pode desempenhar papel fundamental para a permanência ou para a ruptura de suas “fiéis” com casamentos violentos. Essa constatação gerou nosso interesse pela escuta de mu-lheres evangélicas em situação de violência e também de autores de violência, atendidas/os pelo poder público, visando trazer à tona as formas como ambos compreendem as relações de dominação que se tecem no âmbito doméstico, e a possível influência de sua confissão de fé no processo de perpetuação ou de ruptura com o ciclo de violência. A pesquisa envolveu a escuta de oito mulheres pentecostais em dois grupos focais e também entrevistas com quatro agressores. Palavras-chave: Violência Doméstica. Mulheres Evangélicas. Igreja. Desigualdade de Gênero

A

violência contra as mulheres tem sido amplamente debatida por diferentes se-tores da sociedade brasileira. As transformações sociais que levaram à emanci-pação das mulheres transformaram também a forma de controle das mesmas,

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* Recebido em: 25.09.2018. Aprovado em: 03.10.2018.

** Doutora em Ciências da Religião (UMESP) com pós-doutorado em História Cultural (UNICAMP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: sanduarte3@gmail.com

*** Mestre em Ciências da Religião (UMESP). Diretora do Instituto Integrar – Núcleo de Capacitação para o Desenvolvimento Humano e Social. Integrante do Grupo de Estudos de Gênero e Religião Mandrágora/Netmal. E-mail: cpoletioshiro@gmail.com

MULHERES EVANGÉLICAS

E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:

O QUE O PODER PÚBLICO

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rompendo definitivamente com a falsa crença de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. A luta pelos direitos das mulheres explicitou suas muitas opressões, inclusive aquelas vividas no âmbito doméstico, exercidas por seus companheiros e outros familiares e conhecidos. Hoje sabemos que a casa é um dos lugares onde mais se exerce a violência contra as mulheres1, e é por

esse motivo que se tem buscado desenvolver formas de enfrentamento à violên-cia doméstica. Tal enfrentamento se dá por meio do estabelecimento de leis que protejam as agredidas e que punam os agressores, pela ampliação de aparelhos públicos de apoio a mulheres em situação de violência, como delegacias, centros de referência, casas abrigo, centros de reabilitação e educação do agressor, juiza-dos de violência doméstica e familiar e defensorias da mulher, pela capacitação de técnicas e técnicos do poder público para o atendimento dessas ocorrências, pela criação de ONGs que atuam nessa área, visando o atendimento humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência, no sentido de garantir a inte-gralidade do atendimento, dentre outras ações.

Os esforços de erradicação da violência contra as mulheres estão presentes também no meio religioso, gerando um sem número de atendimentos, cursos, rodas de conversa e publicações a esse respeito. Esse é um indicador da importância da religião como parceira no enfrentamento da violência doméstica. Ao mesmo tempo, existe algo subdiscutido na sociedade, especialmente, mas não somen-te, no âmbito das religiões, cujas ações contra a violência doméstica, quando existem, se concentram majoritariamente no tratamento dos efeitos dessa vio-lência, não adentrando nas causas que a geram, inclusive na cumplicidade da própria religião para o exercício e perpetuação da violência. A recente inicia-tiva de alguns centros de atendimento a mulheres em situação de violência de registrar também a religião professada e frequentada por elas e de perguntar sobre a existência ou não de interferência religiosa no conflito vivido, tem indicado um contingente bastante alto de mulheres evangélicas cujas justifi-cativas para permanecer ou para romper com relacionamentos violentos passa pela influência da Igreja em suas vidas.

Essa constatação gerou nosso interesse pela escuta de mulheres evangélicas em situ-ação de violência e também de agressores, visando trazer à tona as formas como ambos compreendem as relações de dominação que se tecem no âmbito doméstico, e a possível influência de sua pertença religiosa no processo de perpetuação ou de ruptura com o ciclo de violência2. Para tanto, foram

re-alizados dois grupos focais com mulheres evangélicas acolhidas nas Casas Abrigo Regional Grande ABC. Um dos grupos focais aconteceu no mês de setembro/2016, no Centro de Referência da Mulher “Marcia Dangremon”, em São Bernardo do Campo-SP, contando com a participação de seis mulheres; e o segundo foi realizado no mês de outubro/2016, no Centro de Referência da

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Mulher “Vem Maria”, em Santo André-SP, com a participação de três mulhe-res. Além disso, foram realizadas, nos meses de setembro e outubro/2016, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em São Bernardo do Campo-SP, entrevistas semiabertas com quatro homens autores de violência doméstica contra mulheres. Das mulheres participantes da pes-quisa, oito se declaram participantes da Assembleia de Deus e uma da Igreja Pentecostal Deus é Amor. Dentre os homens, um se declarou assembleiano e os demais apenas se identificaram como evangélicos.

“O HOMEM PENSA QUE A MULHER TEM QUE SER SUBMISSA”: INSUBMISSÃO FEMININA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

[...] poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro será ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas deixada a seu próprio curso, ela conduz à desapropriação do poder (ARENDT, 1994, p. 43). As desigualdades de gênero possuem na violência contra as mulheres sua expressão

limite. Essa constatação, nada nova para o campo dos Estudos Feministas, somente recentemente tem sido considerada no processo de discussão e im-plementação de políticas públicas para o enfrentamento da violência contra mulheres.

Em 1995, na quarta conferência mundial sobre desenvolvimento populacional, em Pe-quim, o compromisso com a eliminação da desigualdade de gênero levou a comunidade internacional nela representada a adotar a Declaração de Pequim e a Plataforma de Ação, que explicitam os pontos nevrálgicos que perpetuam a desigualdade entre homens e mulheres e que, portanto, devem ser enfren-tados por todos e todas. Foram destacados doze tópicos: mulheres e pobre-za; educação e treinamento de mulheres; mulheres e saúde; violência contra

as mulheres; mulheres e conflito armado; mulheres na economia; mulheres

no poder e em espaços de decisão; mecanismos institucionais para o avanço das mulheres; direitos humanos das mulheres; mulheres na mídia; mulheres

e meio ambiente; meninas (UNITED NATIONS WOMEN, 2000). O uso do

conceito de gênero foi adotado pela Conferência de Pequim, sob o argumento de que ele permitiria uma compreensão mais abrangente da dinâmica cultural, política e econômica que envolve as desigualdades entre homens e mulheres. A estreita relação entre as desigualdades de gênero e a violência contra as mulheres não

pode ser ignorada. Em países onde há mais desigualdade de gênero os índices de violência contra as mulheres atingem patamares também mais altos. Um exemplo disso é o fato da violência doméstica não ser criminalizada ou puni-da em diversos países puni-da África subsaariana, do Norte puni-da África e do Oriente

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Médio (ONUBR, 2017). Se verificarmos os índices relativos à desigualdade de gênero publicados anualmente pelo World Economic Forum (2016) no Global

Gender Gap Report, observaremos que nessas regiões as desigualdades de gênero são ainda maiores do que em outras partes do mundo.3

A violência de gênero é sistêmica. Ela evidencia uma lógica de dominação masculina que envolve um complexo de “crenças” reiteradas cotidianamente que perpe-tuam a dominação das mulheres pelos homens e se fundamentam em tradições culturais, políticas e religiosas, como afirma Elizabeth Schüssler Fiorenza (1996, p. 42):

A violência deve ser entendida em termos sistêmicos e colocada em um conti-nuum de poder e controle masculino de elite sobre as mulheres e as crianças, que abarca não somente incidentes de violência física, mas também um empo-brecimento desumanizante. A maioria das análises da violência doméstica e do feminicídio, demonstram que a violência dos homens contra as mulheres e as crianças é motivada por um desejo de controle de propriedade e ciúmes que es-tão profundamente arraigados nas tradições culturais, políticas e religiosas do Ocidente e em sua maneira de entender as coisas.

As desigualdades de gênero são perpetuadas por se fundamentarem em afirmações naturalizantes daquilo que é “próprio do feminino” e daquilo que é “próprio do masculino”. Elas são reificadas cotidianamente, pois as construções de gê-nero, as representações de gênero assim o são. Mulheres que convivem com a violência desde a infância, embora se incomodem com os comportamentos machistas e agressivos dos parceiros, podem perceber as relações conflituosas como algo esperado ou até mesmo natural, o que acarreta manter-se nesse tipo de relação por muitos anos ou até o fim de suas vidas. O conceito de gênero permite explicitar o processo social de construção dos sexos e sua hierarquiza-ção, possibilitando, assim, a sua desnaturalização e questionamento.

Em nossa pesquisa de campo, a fala dos agressores explicita a assimilação e reprodu-ção das representações de gênero dominantes como sendo inerentes ao “ser homem”:

Ser homem é ser a estrutura da casa, ser homem é ter voz ativa, é uma coisa que assim, quando eu falo não é não. O homem que dá as diretrizes da família principalmente em relação à filha, em relação à minha esposa.4

A contestação dessa “ordem natural” desmonta todo um sistema de dominação. Nos depoimentos um dos entrevistados demonstrou inconformismo por ter sido denunciado, especialmente por ser ele o provedor, supondo que isso seria

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su-ficiente para a resignação absoluta de sua parceira: “Eu era o guia para ela, eu pagava tudo dentro daquela casa”.5

Fabrício, outro participante da pesquisa, afirma em tom enfático:

As mulheres estão perdendo a noção da situação. Hoje em dia, vocês estão na posição que chegaram e vocês estão abusando. As mulheres estão perdendo o sentido do bom senso, tem que ter uma diretriz de igualdade, de divisão.6

Todas as mulheres que participaram da pesquisa relataram aumento da violência perpetrada por seus parceiros por não desejarem continuar se sujeitando a seus desmandos. Uma delas relatou que sofreu violência sexual da parte do ex-companheiro e que, durante vários anos, silenciou sua dor para que ele não matasse a sua família: “Ele me estuprava. Eu não aceitava até ele me proibir de ir na casa dos meus parentes”7. Joana foi estuprada sistematicamente pelo

parceiro que a ameaçava de morte e a sufocava durante o ato sexual.

O contrato matrimonial, legalmente estabelecido, contribui para o controle da sexua-lidade feminina pelo homem, para o conhecido “dever sexual”, que obriga as mulheres a manter relações sexuais mesmo sem o desejo de fazê-lo. A cons-ciência de que o sexo não consentido, mesmo no casamento, é estupro, só foi possível com os atendimentos no Centro de Referência Especializado da Mulher. Mesmo vivenciando outras formas de violência, foi no abuso sexual que Joana se apercebeu da impossibilidade de se manter no relacionamento e da necessidade de buscar ajuda:

Em outras situações, eu até aceitava e ficava quieta mesmo; mas quando chega-va a violência sexual eu não dachega-va conta, eu não aceitachega-va, eu não aguentachega-va mais aquela situação, e aí eu fui buscar os meus direitos.8

Edília que viveu o cárcere privado, também viveu o terror da violência física e sexual, tendo fugido sob o risco de ser pega e assassinada:

Muitas vezes, ele me mandava ficar de joelhos como se ele fosse uma autoridade para me agredir. Uma vez ele deu uma paulada na minha cabeça e eu levei vinte pontos e quase morri. Ele me agredia de todas as formas que você pode imagi-nar. [Ele dizia:] “Se você não quiser o que eu quiser agora eu te arrebento, se você sair eu te arrebento e se você fugir eu pego seus filhos eu mato eles”, e aí eu ficava morrendo de medo.9

As diferentes formas de subjugar as mulheres compõem o complexo de estratégias pa-triarcais de dominação. As representações dominantes do masculino implicam

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na sujeição das mulheres. Como já indicou Hanna Arendt (1994, p. 33), “um homem sente-se mais homem quando se impõe e faz dos outros um instrumen-to de sua vontade, o que lhe dá um ‘prazer incomparável”. A contestação da dominação masculina é vista como ameaça a esse sistema de dominação, o que gera ainda mais violência.

A afirmação e sacralização da submissão das mulheres tem sido uma das mais poten-tes formas de perpetuar as estruturas de dominação de gênero. Para Heleieth Saffioti (1987, p. 37), “a resignação, ingrediente importante da educação fe-minina, não significa senão a aceitação do sofrimento enquanto destino da mulher”. A situação das mulheres é fruto de um processo histórico de constru-ção social da subordinaconstru-ção feminina. O sofrimento enquanto destino natural e inconteste da mulher começou a ser desmistificado nas negativas das mulheres às ordens de seus parceiros. O rompimento com o aprendizado da “natural” re-signação feminina e dominação masculina questiona o sistema de dominação baseado na diferença sexual. A afirmação da assembleiana Paula que dá título a esse item é emblemática: “O homem pensa que a mulher tem que ser submis-sa”10. Em uma frase Paula sintetiza o eixo de gênero que perpetua a violência

doméstica, questionando os seus polos: a ideia de que o homem deve dominar e a mulher deve se submeter à sua dominação. Essa desconstrução também se dá no questionamento da diferente valoração social da autonomia de homens e mulheres, conforme depoimento de Luciana, também assembleiana:

O homem, quando sai com um monte de mulheres, a bola dele é levantada e ele é o tal. A mulher, ela tá com o cara e daqui seis meses ela arruma outro namorado, ela já não presta, ela é vagabunda, entendeu? Então, isso é preconceito. Agora, o homem quando ele tá separado, ele pode arrumar uma mulher em quinze dias depois que ele se separou e não é criticado. A mulher, só por ela ser separada, ela já é malvista pela sociedade. Existe um grande preconceito, os homens não sofrem preconceitos como nós sofremos, acredito, e para mim tem muita diferença.11

As falas dessas mulheres evidenciam a tensão entre obediência e desobediência. Obe-decer a seus parceiros, às convenções sociais ou a si mesmas? DesobeObe-decer a seus parceiros, às convenções sociais ou a si mesmas?

Obedecer era consentir, aquiescer, concordar. Era algo que brotava de dentro. Mas as imposições sociais e familiares feitas não partiam de “dentro”. Eram de fora, gritadas, declaradas, obrigadas, negociadas, impostas a ferro e fogo. As mulheres percebiam que aquilo não era obediência, era desobediência a elas mesmas, à sua voz interior, aos gemidos de seus corpos, às doçuras de seus sonhos. Estava na hora de obedecer! Estava na hora de desobedecer! (GEBARA, 2017, p. 16).

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A consciência da dominação gera o estranhamento. Estranha-se a “normalidade” da subjugação das mulheres, a “naturalidade” da autonomia masculina e da de-pendência feminina. Tal consciência conflita com os intentos socioculturais reguladores das mulheres.

PARTICIPAÇÃO RELIGIOSA DAS MULHERES: ENTRE A OBEDIÊNCIA E A DESOBEDIÊNCIA

Conforme apontamos no início desse artigo, o registro da religião professada por mu-lheres em situação de violência ainda é bastante recente. Os dados, porém, de-mandam uma atenção especial para a equação violência doméstica e religião. Nosso recorte se concentra no público evangélico. Há indicação de um número crescente de mulheres autodeclaradas evangélicas que buscam os serviços de atendimento relatando os mais diferentes tipos de violência perpetrada por seus parceiros. Em 2017, somente no primeiro semestre, o Centro de Referência de Atenção à Mulher Loreta Valadares, em Salvador-BA, atendeu 112 mulheres, sendo que destas, 37 se declararam evangélicas (BORGES, 2017). Conside-rando que a população evangélica em Salvador não chega a 20% da população, esses dados são bastante reveladores. Em Campina Grande-PB, em 2013, os atendimentos a mulheres evangélicas pelo Centro Estadual de Referência da Mulher Fátima Lopes, chegaram a 26% do público atendido (CORTES, 2014, p. 109). Em Vitória-ES, foi realizada uma extensa pesquisa em 2014 (LEITE

et al., 2017) com 991 mulheres em situação de violência que fizeram uso das unidades de saúde do município. Destas, nada menos que 48,4% eram evangé-licas. Em São Paulo-SP, Sonia Regina Maurelli, fundadora da Casa de Isabel,

um centro de apoio a mulheres, a crianças e a adolescentes vítimas de violência doméstica e em situação de risco, já afirmava em 2006 que cerca de 90% das mulheres atendidas nessa instituição eram evangélicas (AGREDIDAS, 2006). Se formos listar as várias informações a esse respeito que se encontram disper-sas em publicações de caráter acadêmico ou não, veremos que nas diferentes regiões do Brasil se pode constatar o crescimento das denúncias de violência e da busca dos serviços de atendimento a mulheres em situação de violência. É claro que a crescente adesão de mulheres a grupos evangélicos, especialmente a

grupos pentecostais (IBGE, 2010), impacta os números relativos à busca dos aparelhos públicos de assistência a mulheres em situação de violência. Esses serviços são buscados especialmente, mas não somente, por mulheres de baixa renda, que se concentram na periferia. De acordo com o Censo 2010, a maio-ria da população pentecostal brasileira é formada por mulheres e concentra a maior proporção de pessoas com renda per capita inferior a um salário mínimo (IBGE, 2010). Apesar de sabermos que a violência doméstica está presente

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em todas as classes sociais, em todos os segmentos étnico-raciais, em todas as faixas etárias e entre pessoas religiosas ou não, o conjunto de fatores que conformam o perfil daquelas que buscam atendimento em serviços públicos de apoio às mulheres em situação de violência, revela que estas são predominan-temente de baixa renda, pardas ou negras12.

Quanto à filiação religiosa, a maioria dos centros de atendimento ainda não faz o levan-tamento sistemático da filiação religiosa, então o que temos são alguns dados disponibilizados por algumas pesquisas pontuais. O fato de o Brasil ser um país majoritariamente católico, nos leva a considerar que o maior número de atendimentos a mulheres em situação de violência ocorra entre as católicas13.

Porém, considerando que a população evangélica corresponde a 22,2% da po-pulação, quando encontramos dados que indicam que em diferentes regiões, diferentes serviços públicos voltados para mulheres em situação de violência registram que 26%, 33%, 48%, 90% dos atendimentos foram feitos com mu-lheres evangélicas, isso precisa ser discutido. É preciso discutir a relação entre a religião e a violência de gênero, a relação da religião com a permanência ou com a ruptura do ciclo de violência doméstica. Em que medida a adesão des-sas mulheres aos pentecostalismos foi motivada pela experiência da violência doméstica? Como sua vivência religiosa afeta seu relacionamento conjugal? Maria das Dores Campos Machado e Cecília Loreto Mariz (1997, p. 77), ao realizarem

um trabalho comparativo sobre a prática religiosa de mulheres pentecostais e católicas carismáticas das classes populares, constataram que:

As histórias de conversão ao pentecostalismo e de afiliação ao Movimento de Re-novação Carismática Católica indicam que as motivações mais freqüentes para as mulheres procurarem esses grupos religiosos são: as desavenças conjugais, os pro-blemas financeiros e ou o desemprego do chefe de família, a depressão ou o nervo-sismo feminino e os problemas de saúde de algum membro do grupo doméstico. Tal ênfase no universo familiar tem levado vários autores a concluir pela importância da “tensão doméstica” na formação da vida religiosa das mulheres casadas.

Em pesquisa sobre motivações de gênero para o trânsito religioso, Sandra Duarte de Sou-za (2011) constatou que os problemas de relacionamento afetivo preocupam de forma diferente a homens e mulheres. A socialização de gênero certamente tem a ver com a motivação para a adesão religiosa; afinal, as mulheres são educa-das para o cuidado com o outro em geral e para o casamento e a maternidade em especial. As representações sociais do feminino conferem às mulheres o pa-pel de cuidadoras, de mães, de esposas dedicadas ao marido, responsáveis pa-pelo bem-estar familiar. Essa lista de atribuições se converte em pauta para a busca religiosa das mulheres, que veem na religião o recurso mais disponível para

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res-ponder às suas demandas de gênero. A igreja é também um dos poucos espaços de sociabilidade acessíveis para as mulheres de baixa renda, e se configura como um dos raros lugares “tolerados” pelos parceiros agressores:

Acho que a partir do momento que seja buscando algo de bom, uma paz o que for, tudo que for de bom que ela seja buscando eu fico feliz por ela. Ela estando feliz por mim tudo bem.14

Para Hamilton, a igreja é um lugar que tranquiliza sua parceira, que lhe dá paz e a deixa feliz. Ele não vê a igreja como uma ameaça, ao contrário, ele parece acreditar que a igreja vai “pacificar” sua esposa. As representações das igrejas evangé-licas, especialmente as pentecostais, como espaços que reforçam a resignação feminina, parece não estar somente em boa parte da produção acadêmica sobre esse segmento, mas também no imaginário de alguns homens agressores. A igre-ja configura-se, então, como um “lugar permitido”, uma extensão da casa, um lugar que em princípio é visto como “seguro o suficiente” para seus parceiros as “deixarem” frequentar esse ambiente.

Algumas mulheres, porém, relatam situações de violência causadas por sua insistência em ir para a igreja:

Ele não concordava de eu ir para a igreja, e eu conheci ele dentro da igreja da Assembleia de Deus, só que depois que a gente se conheceu depois de um tempo ele saiu da igreja. Eu continuei. Ele queria que eu saísse também, porque ele infringiu as normas. [...] Ele me conheceu dentro da igreja, ele sabia que eu queria estar dentro da igreja, o resto da minha vida. Quando eu ia para a igreja ele ficava na porta me esperando, muitas vezes alcoolizado, e ele ficava me vi-giando na igreja, principalmente se estivesse sentada do lado de outro homem.15

A insistência de Joana em ir para a igreja gerou diversas situações conflituosas com seu parceiro. A despeito das investidas violentas do mesmo, ela persistiu na frequência religiosa. A desobediência ao marido revela que a participação na igreja, mesmo que seja a mera frequência, pode contribuir para o processo de autonomização das mulheres, como bem indicam Machado e Mariz, reforçando “sua auto-estima, questionando o fatalismo e relativizando a submissão feminina” (1977, p. 73). “O PASTOR FOI ATÉ FAZER CAMPANHA NA MINHA CASA PRA VER SE ELE

MUDAVA”: RELIGIÃO E PERPETUAÇÃO DA VIOLÊNCIA

A estreita relação entre a religião e a perpetuação da violência não pode ser ignorada ao tratarmos da violência doméstica contra as mulheres. Os sistemas religiosos

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contribuem para a violência contra as mulheres ao afirmarem sua submissão e secundariedade. A linguagem simbólica ritualizada tem um grande poder de impor-se como norma, como regra, legitimando comportamentos. Se a re-ligião afirma a submissão, a obediência e a responsabilidade feminina pela manutenção do lar, ela afirma também a legitimidade da violência contra as mulheres. Isso pode ser verificado no relato de Luciana sobre as campanhas de oração pelo seu agressor que quase a assassinou, e a negativa do pastor a seus apelos por ajuda para se divorciar:

O pastor foi até fazer campanha na minha casa pra ver se ele mudava. Um dia, eu chamei ele no particular e ele falou assim: ‘Olha, irmã, o que Deus une ho-mem nenhum separa. Se Deus fez o casamento dele ninguém separa. Será que é muito cedo? Porque é o teu Deus que preparou ele e ele vai mudar, ele vai mudar e através de você ele vai mudar’. Eu falei: ‘Mas eu estou em Cristo há tanto tem-po, há anos e não tá adiantando’. ‘Isso não é nada, irmã, ora mais’. Aí quando o pastor saía na porta, no outro dia ele começava tudo de novo, e eu dizia: ‘Jesus, mas é isso que tu quer pra mim?’16

Jussara também relata algo semelhante:

Eu fui buscar ajuda e ele [o pastor] falou que não era com a separação, porque a violência que eu estava sofrendo era muito séria. Eles faziam muita oração. Fizemos uma campanha, mas não adiantou nada.17

O conselho pastoral colocou sobre Luciana e sobre Jussara toda a responsabilidade de manter a ordem familiar. A afirmação do casamento como indissolúvel, como instituição divina, inviabiliza a ruptura do ciclo de violência. O que fazer? Orar e permanecer no casamento. A responsabilidade pela “cura” do marido é colocada exclusivamente sobre elas. Luciana e Jussara tentaram várias es-tratégias para os parceiros mudarem o comportamento agressivo, mas nada adiantou: eles continuaram as espancando e ameaçando de morte. E ainda assim o conselho dos pastores foi para que elas permanecessem tolerantes e fiéis aos seus pareceiros e, principalmente, que orassem intensamente, com a prerrogativa de que seus parceiros pudessem se converter e se tornar esposos não violentos. O mesmo aconteceu com Paula, que era missionária da Assem-bleia de Deus: “o pastor, ele tentava restituir entendeu? Restituir a família. Eu também acho isso, mas se o marido mudar”.18

Vários fatores têm contribuído para mudanças no padrão da família patriarcal nuclear do-minante. O aumento do número de divórcios, o aumento do nível educacional das mulheres, a inserção das mulheres no mercado de trabalho, o aumento do número

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de mulheres com a responsabilidade exclusiva com a manutenção da casa, dentre outros, são determinantes para a redefinição dos papéis de gênero e a consolidação de novos arranjos familiares (MACHADO,1996). Mas ainda há uma resistência cultural-religiosa à separação, à dissolução formal do casamento, ao questiona-mento da própria dominação masculina exercida sobre as mulheres, validando des-sa forma a permanência compulsória em relacionamentos violentos.

A separação, não raras vezes, é assimilada pelas mulheres como um “mal necessário”, gerando nelas sentimento de culpa. Edília se separou depois de anos de vio-lência cotidiana praticada por seu ex-parceiro. Ela se sente culpada por ter se separado, e acredita que ainda vai “pagar” por isso, pois tal atitude contrariava os preceitos da igreja e ela tinha consciência disso:

Fui criada no evangelho desde que nasci. A minha igreja sempre foi Assembleia de Deus. Quando você faz as coisas inocente, você é inocente, agora quando você faz as coisas sabendo que você tá errando, pode ter certeza que você vai pagar19

Ela justifica sua atitude dizendo que tentou de tudo, foi fiel, ficava calada quando ele a agredia, fazia todas as orações recomendadas e obedecia suas ordens. Nada adiantou, e as agressões foram ficando cada vez mais graves, até que o agres-sor a ameaçou de morte tentando enforcá-la. Foi quando ela resolveu buscar ajuda no Centro de Referência da Mulher. No seu caso, as cobranças vieram de outras mulheres, inclusive das mulheres da igreja:

Eu ouço assim: ‘você sabe que ele é assim, que ele não tem paciência. Por que que você não fica quieta? Você fica falando, falando, falando... É só quando ele chegar e começar a falar, você fica quieta. Assim aceita tudo que ele fala pronto. Daí ele não vai agredir e falar que ele te agride porque você é ruim’. Eu dizia para as pessoas: por que eu não posso lutar pelos meus direitos? Não, elas dizem: você tem que acei-tar e pronto, você tem que ser submissa. As próprias colegas da igreja falaram isso para mim. Então é isso, é esses conselhos das mulheres que vão pra igreja.20

Seu parceiro também se utilizava de argumentos religiosos para exigir sua submissão às agressões por ele exercidas, afirmando que ela lhe devia submissão “porque na Bíblia estava escrito ‘quando a gente bate de um lado da cara a pessoa tem que dar, oferecer a outra face’”.21

A religião permite que as mulheres se reconheçam melhor nos seus papéis domésticos e sintam-se mais seguras neles. A marginalidade à qual o divórcio relega as mulheres, especialmente no âmbito religioso, frequentemente demanda delas a aceitação da violência. No entanto, a influência da religião na reconfiguração de relações familiares conflitivas deve ser levada em conta para a

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compreen-são da adecompreen-são e permanência das mulheres nos pentecostalismos. A busca por soluções para problemas relacionados ao âmbito doméstico tem marcado a relação das mulheres com os pentecostalismos. Não é coincidência que todas as evangélicas que participaram dos grupos focais pertencem a igrejas pente-costais. Os pentecostalismos propiciam o “aumento da autoestima feminina e até uma redefinição no comportamento masculino, beneficiando as mulheres e a família” (MACHADO, 1996, p. 121), servindo “aos seus interesses práticos, já que por meio deles elas podem domesticar os seus cônjuges” (MACHADO, 1996, p. 122), que muitas vezes são viciados em drogas, álcool ou jogos, dei-xando de atender às demandas materiais e imateriais da família.

“A PRIMEIRA VEZ QUE SAÍ DE CASA EU FUI PROCURAR AJUDA NA IGREJA”22

A casa, lugar intocável pelo Estado e pela sociedade circundante, deixou-se tocar pela religião, que durante anos a fio conseguiu uma ascendência sobre o lar que nenhuma outra instituição social alcançou, além da própria instituição familiar (SOUZA, 2009, p. 48).

A violência contra as mulheres se faz sentir na pactuação da cultura do silêncio e na nega-ção da própria existência da violência. Ela se faz sentir na sua omissão por meio das estruturas que a mantêm e disseminam. A quase intocabilidade da casa pelo Estado e pela sociedade em geral, fez desse lugar o mais vulnerável para as mu-lheres. É na casa que elas são mais agredidas física e psicologicamente. É ali que elas são exploradas, estupradas e mantidas presas, longe do olhar da vizinhança, das amizades, da polícia e muitas vezes até mesmo de familiares próximos. Uma das poucas instituições autorizadas a acessar a casa tem sido a religião. No caso das mulheres evangélicas que participaram da pesquisa, a socialização da dor com as lideranças religiosas e com membros da igreja em algum momento dos conflitos ocorreu entre todas. A procura pela ajuda da igreja para tentar resolver o confli-to, para que a liderança ajudasse a intervir para a cessação da violência, seja por meio de orações, pelo aconselhamento ao parceiro ou pelo apoio para a separa-ção, demonstra o alto grau de confiança que as mulheres evangélicas depositam nas suas igrejas, particularmente em suas lideranças.

Em alguns casos, as mulheres relatam o acesso físico à casa: “o pastor foi até fazer campanha na minha casa”23; “o pastor, ele falou para mim: pode deixar que

eu vou lá conversar com ele”24. Esse acesso, muitas vezes negado até mesmo

a familiares próximos das mulheres, demonstra a permeabilidade da casa em relação à igreja: ela “entra na casa” e dialoga com os agressores. Esse diálogo, po-rém, precisa ser melhor qualificado. A capacitação de lideranças religiosas para o diálogo com homens autores de violência doméstica pode ser uma importante estratégia de ação do poder público.

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Geralmente, a primeira busca das mulheres junto às lideranças religiosas tende a ser para que se “opere” a transformação do parceiro. A confiança na liderança religiosa e o desejo de manutenção do modelo familiar socialmente afirmado e religiosamente sacralizado, faz com que elas relutem em considerar outras alternativas além da de “recuperar” o seu parceiro. No gabinete pastoral as mulheres encontram a possibilidade de contar para a liderança o que estão vivendo sob o teto do lar, na expectativa de alguma mudança nas situações de conflito. Mais uma vez a escuta qualificada poderia ajudar a antecipar o pro-cesso de ruptura com o ciclo de violência.

Várias mulheres relataram o apoio material dos pastores, mas isso bem depois de vá-rias tentativas frustradas de “restauração” dos parceiros, quando a violência é entendida por eles como insuportável:

Ele [o pastor] me falou assim: ‘se você está sendo agredida fisicamente a gente apoia sua separação’.25

O pastor me ajudou e me apoiou a separar dele. Até hoje quando eu preciso de mantimento para mim comer e para as outras mulheres que sofrem violência também, quando ele não pode doar sozinho a cesta básica, eles [membros da igreja] fazem uma vaquinha. Cada um dá o alimento que pode e ele doa.26

Teve um dia que eu cheguei tão machucada que o pastor falou: você quer ir embora? Eu te ajudo. Te mando para o interior eu ajudo no que for possível.27

O meu pastor que me levou para a delegacia. Meu pastor falou: ‘Chega! Deus instituiu as leis na terra e é pra gente usar. Vamos para a delegacia agora. O que ele fez ele vai ter que pagar’. Nós fomos na delegacia e demos parte dele.28

Sem dúvida a atitude das lideranças de ajudar as mulheres a se separar foi fundamental para que elas se sentissem seguras para fazê-lo, porém, a postergação da denún-cia, da ruptura do ciclo de violêndenún-cia, tem negado o direito à vida a milhares de mulheres. O privilégio do acesso à casa faz da igreja uma importante instituição no enfrentamento à violência contra elas, mas os investimentos nesse sentido por parte do poder público e das próprias instituições religiosas ainda são poucos e dispersos, e têm a ver com ações individuais de lideranças religiosas.

Com relação à agência das mulheres para o enfrentamento à violência por elas sofrida, há um aspecto que também precisa ser melhor analisado: a forma como elas desenvolvem novas leituras de sua realidade, transformando discursos religio-sos de sujeição em práticas efetivas de denúncia:

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No meu caso como eu que levava a palavra para as mulheres (...), eu falava assim para elas: ‘olha irmãs nós temos a sabedoria e temos que ser muito pru-dentes. Se você vê que o adversário está usando a vida do teu esposo, seja sábia. Deus colocou e constituiu a lei na terra a serviço das mulheres, então vão bus-car apoio, vão busbus-car direção’. Isso eu sempre falava. A igreja foi constituída abaixo de Deus, abaixo que a polícia, o delegado e o juiz. Então, Deus colocou aí a constituição desse serviço, portanto, tudo é um propósito de Deus.29

O relato de Márcia, que é missionária da Igreja Pentecostal Deus é Amor, reorganiza a hierarquia religiosa das instituições: em primeiro lugar Deus, depois a polícia, o delegado e o juiz. Só então a igreja. Tudo constituído por Deus. Márcia, que está acolhida em casa abrigo há um ano, foi severamente violentada por seu ex-parceiro. A violência frequente vivida por ela e por seus filhos a levou a de-nunciar o marido e a buscar proteção do Estado, a despeito da posição da igreja acerca da separação. A relutância da separação e o conselho do pastor para que ela fosse obediente à vontade de Deus, entendida como desejo de manutenção do casamento, quase a levou à morte. Isso a fez re-significar a própria institui-ção religiosa, e a desenvolver uma leitura própria da situainstitui-ção de conflito:

Ele [o pastor] ensinava que não devemos desobedecer a Deus e é assim, mas de-pende do entendimento da pessoa [...] e bom no meu entendimento, por exemplo, assim se você ver que a sua casa está em risco, por seus filhos, Deus permite sim [a separação]. Deus dá oportunidade para que ele [o autor da agressão] mude. Se ele quisesse ajuda, Deus vai trabalhar na vida dele. Se ele é filho Deus, vai levar ele para o céu. Se ele não quiser não vai ter mudança.30

Certamente, os pentecostalismos viabilizam a socialização e discussão dos problemas cotidianos das mulheres, especialmente aqueles relacionados às questões familiares (MACHADO; MARIZ, 1997, p. 82). É nesse ambiente que elas encontram dignidade e positivam sua auto-estima. Linda Woodhead (2001) demonstra que, além da fé e dos ritos sagrados, as religiões oferecem às mulheres espaços sociais e culturais em que possam articular seus desejos, medos, esperanças e convicções morais, espaços estes que não são ofereci-dos em outro lugar.

A religião não apenas reafirma a subserviência feminina, muitas vezes ela propicia o empoderamento das mulheres. Os diversos relatos de nossas entrevistadas e a forma como elas atribuíram à experiência religiosa a sua força para romper com o ciclo de violência e superar os abusos sofridos, são indicadores de que a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica passa também pelo in-vestimento em parcerias entre o poder público e as religiões.

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EVANGELICAL WOMEN AND DOMESTIC VIOLENCE: WHAT THE GOVERNMENT AND THE CHURCH HAVE TO DO WITH IT?

Abstract: the increase of the quota of women who declare being Evangelical has been by

itself the object of a research for the comprehension of the Brazilian religious dynamics, however the increase of the number of evangelical women who claim having been assaulted by their mates still needs to receive more attention from the part of researchers who deal with domestic violence. Depending on the level of the women’s attachment to the Church, the latter may play a fundamental role for the permanence or the disruption of their “believers” inside violent marriages. This revelation provoked our interest in listening the evangelical women in violen-ce situation and also the authors of the violenviolen-ce being assisted by governmental institutions, with the aim of displaying the manners how both understand the do-miinance relationships which are woven in the domestic realm and the possible in-fluence of their faith confession in the process of perpetuation or disruption of the violence cycle. The research consisted in a listening process of eight pentecostal women in two focal groups and also interviews with four aggressors.

Keywords: Domestic Violence. Evangelical Women. Church. Gender Inequality

Notas

1 O Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2015), considerando o atendimento a mulheres pelo SUS, indica que a violência contra mulheres é exercida predominantemente no âmbito doméstico, sendo que mais da metade de todos os casos registrados de violência contra mulheres na faixa de 18 a 59 anos, na esfera doméstica ou fora dela, envolve o parceiro ou o ex-parceiro.

2 Este artigo se baseia na pesquisa realizada para a produção da dissertação de mestrado de XXX (2017).

3 Em 2016 o relatório World Economic Forum (2016) classificou o Brasil em 79º lugar no ranking da desigualdade de gênero, atrás de diversos países europeus, africanos e latino--americanos.

4 Relato de Hamilton em entrevista realizada em setembro de 2016. Hamilton foi acusado de espancar sua esposa e estuprar sua filha.

5 Relato de Pedro em entrevista realizada em setembro de 2016. Pedro foi acusado de cometer violência física, psicológica, moral e patrimonial contra sua esposa. Ele já havia cometido violência contra sua primeira esposa.

6 Relato de Fabrício em entrevista realizada em outubro de 2016. Fabrício foi acusado de cometer violência física, psicológica, moral e patrimonial contra sua esposa. Ele também agredia sua parceira anterior.

7 Relato de Joana em grupo focal com Cláudia realizado em outubro de 2016. 8 Relato de Joana em grupo focal com Cláudia realizado em outubro de 2016. 9 Relato de Edília em grupo focal com Cláudia realizado em outubro de 2016.

(16)

10 Afirmação de Paula em grupo focal com Cláudia e Sandra realizado em setembro de 2016. Grifo nosso.

11 Afirmação de Luciana em grupo focal com Cláudia e Sandra realizado em setembro de 2016.

12 A informação étnico-racial nem sempre é preenchida, pois não é obrigatória. Essa é uma lacuna que dificulta uma definição mais precisa dos marcadores étnico-raciais da violência doméstica contra as mulheres.

13 Vale lembrar que os adeptos e adeptas católicas se concentram entre os de maior renda e os de menor renda (IBGE, 2010).

14 Relato de Hamilton em entrevista realizada em setembro de 2016. 15 Relato de Joana em grupo focal realizado em outubro de 2016. 16 Relato de Luciana em grupo focal realizado em setembro de 2016. 17 Relato de Jussara em grupo focal realizado em setembro de 2016. 18 Relato de Paula em grupo focal realizado em setembro de 2016. 19 Relato de Edília em grupo focal realizado em outubro de 2016. 20 Relato de Edília em grupo focal realizado em outubro de 2016. 21 Relato de Edília em grupo focal realizado em outubro de 2016. 22 Relato de Jane em grupo focal realizado em setembro de 2016. 23 Relato de Luciana em grupo focal realizado em setembro de 2016. 24 Relato de Jane em grupo focal realizado em setembro de 2016. 25 Relato de Joana em grupo focal realizado em outubro de 2016. 26 Relato de Edília em grupo focal realizado em outubro de 2016. 27 Relato de Jussara em grupo focal realizado em outubro de 2016. 28 Relato de Mirtes em grupo focal realizado em setembro de 2016. 29 Relato de Márcia em grupo focal realizado em setembro de 2016. 30 Relato de Márcia em grupo focal realizado em setembro de 2016. Referências

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