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Uma leitura de <i>Ou Isto ou Aquilo</i> de Cecília Meireles

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Academic year: 2020

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UMA LEITURA DE OU ISTO OU AQUILO DE

C E C l L I A MEIRELES

Ro&eJU Batuta da CAMARGO*

No e s t u d o de a l g u n s poemas i n f a n t i s , de Cecília M e i r e l e s , o p r i m e i r o a s p e c t o r e l e v a n t e nos p a r e c e s e r o que se r e f e r e ã s o n o r i d a d e . Po demos d i z e r que as p a l a v r a s parecem b r o t a r de uma s o n o r i d a d e que emana do espírito da poètJL sa.

Assim, convém lembrarmo-nos de que, segundo a l g u n s filósofos que se preocuparam em e n t e n d e r e d e f i n i r o s u r g i m e n t o da p o e s i a , como H e g e l ( l ) , p o r exemplo, a s o n o r i d a d e c o n s t i t u i - s e em princí_ p i o básico de formação do poema. Para e s t e filó s o f o , a p o e s i a s u r g i u da associação da música com as p a l a v r a s , uma vez que a música é a- a r t e que m e l h o r se p r e s t a p a r a t r a d u z r i os conteúdos a b s t r a t o s , t a i s como os s e n t i m e n t o s , as paixões humanas.

Na o b r a em e s t u d o , os poemas c o n t i d o s na coletânea e n t i t u l a d a Ou Jòto ou Aquilo ( 2 , p.

7 3 4 ), a s o n o r i d a d e c o n s t i t u i - s e em f a t o r de ex

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trema importância p a r a o e n t e n d i m e n t o dos poemas n e l a e n c o n t r a d o s .

Podemos d i z e r que e s t a característica "musi. c a l " , além da temática n e l e s abordada p e l a poe t i s a é o que tem g a r a n t i d o a e s t e s poemas a sua inserção na classificação de uma ramificação da L i t e r a t u r a , denominada L i t e r a t u r a I n f a n t i l .

E n t r e t a n t o , convém lembrarmo-nos de que é e s t a mesma característica, a s o n o r i d a d e , o que t o r n a e s t e s poemas u u n i v e r s a i s . Com base na t e o r i a h e g e l i a n a s o b r e a p o e s i a , a S o n o r i d a d e cons t i t u i - s e em e l e m e n t o puramente e s p i r i t u a l . Sendo a s s i m , a s o n o r i d a d e f a z com que o poema s e j a a p r e c i a d o p o r q u a l q u e r pessoa, uma vez que, p o r meio d e l a , o poema a t i n g e a i n t e r i o r i d a d e de quem o lê.

O u t r o f a t o r de importância p a r a a c a r a c t e r j L zação da p o e s i a é a forma de que e l a se r e v e s t e , p o i s a p o e s i a se d e f i n e , também, p o r a p r e s e n t a r uma e s t r u t u r a d i f e r e n t e em relação â p r o s a . Até os espaços v a z i o s que encontramos no poema t r a zem uma significação e s p e c i a l , p o i s e l e s impõem um r i t m o de l e i t u r a e c o n f e r e m ao poema uma de t e r m i n a d a nuança de significação.

Segundo H e g e l , a p a l a v r a poética assume uma função s u p e r i o r , ou s e j a , a de e x p r e s s a r a n a t u

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r e z a de m a n e i r a d i g n a , n o b r e , d i f e r e n c i a n d o , as s i m , o seu d i s c u r s o do d i s c u r s o v u l g a r .

Para comprovarmos o que f o i a f i r m a d o a n t e r i o r m e n t e , a t e n t e m o s à l e i t u r a de: RIO NA SOMBRA Som f r i o . R i o s o m b r i o 0 l o n g o som do r i o f r i o O f r i o bom do l o n g o r i o . Tão l o n g e , tão bom tão f r i o o c l a r o som do r i o s o m b r i o ! ( 2 , p. 7 27)

um poema de tema tão s i n g e l o e que nos t r a z um s e n t i m e n t o de s e r e n i d a d e , paz e aceitação do r i t

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mo da N a t u r e z a . Como explicaríamos s e n t i m e n t o s tão e l e v a d o s que emanam de sua l e i t u r a , a não s e r p e l a m u s i c a l i d a d e que d e l e s emana? E s t a mus_i c a l i d a d e , tão c a r a ao espírito, é o que nos p a r e ce t e r s i d o a inspiração da p o e t i s a ao t e n t a r r e p r o d u z i r , p o r meio de p a l a v r a s , o som do r i o . É o som do r i o que nos i n v a d e , j u n t o ã forma do poe ma e que i n u n d a o nosso espírito de paz, t a l q u a l i n v a d i r a o espírito da p o e t i s a .

C o n t i n u a n d o a a n a l i s a r o Poema, em suas ca racterísticas g e n e r a l i z a n t e s , vimos que e l e pojs s u i uma forma p e c u l i a r e que as p a l a v r a s n e l e em pregadas assumem um p a p e l e s p e c i a l ; e l a s v o l t a m a t r a d u z i r o s i g n i f i c a d o t o t a l da p a l a v r a , o siç[ n i f i c a d o mágico que os povos p r i m i t i v o s l h e con f e r i a m , que já não vemos.

A t u a l m e n t e , d e s i l u d i d o s p e l a f a l t a de sign_i ficação do mundo em que v i v e m o s , nos p a r e c e que é através da p a l a v r a , p r i n c i p a l m e n t e da p a l a v r a poética, que i r e m o s r e e n c o n t r a r o s i g n i f i c a d o das c o i s a s que nos r o d e i a m , dos a c o n t e c i m e n t o s que nos a s s a l t a m e, até mesmo, o s i g n i f i c a d o de nossa própria existência.

A p a l a v r a poética é que nos devolverá a visão mágica, p r i m i t i v a e mítica do u n i v e r s o em que v i v e m o s .

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Passemos, então à l e i t u r a de o u t r o poema, i n t i t u l a d o : 0 C a v a l i n h o B r a n c o à t a r d e , o c a v a l i n h o b r a n c o está m u i t o c a n s a d o : mas há um p e d a c i n h o do campo onde é sempre f e r i a d o . 0 c a v a l o s a c o d e a c r i n a l o u r a e c o m p r i d a e n a s v e r d e s e r v a s a t i r a s u a b r a n c a v i d a . Seu r e l i n c h o e s t r e m e c e a s raízes e e l e e n s i n a a o s v e n t o s a a l e g r i a de s e n t i r l i v r e s s e u s m o v i m e n t o s . T r a b a l h o u t o d o o d i a t a n t o ! d e s d e a m a d r u g a d a ! D e s c a n s a e n t r e a s f l o r e s , c a v a l i n h o b r a n c o , de c r i n a d o u r a d a ! ( 2 , p. 7 2 4 )

Neste poema c o n f i r m a - s e c l a r a m e n t e o que j á dissemos sobre a magia da p a l a v r a usada em poe

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s i a . N e l e , podemos d i z e r que a p o e t i s a c r i a um l u g a r mágico, "um campo onde é sempre f e r i a d o " , através de um i n v e s t i m e n t o de s e n t i d o e s p i r i t u a l de que a p a l a v r a é capaz. O C a v a l i n h o Branco de que a p o e t i s a nos f a l a , não é apenas a q u e l e que podemos e n c o n t r a r em q u a l q u e r campo; e l e é ao mesmo tempo a q u e l e que encontramos na R e a l i d a d e e a q u e l e c r i a d o p e l a f a n t a s i a da p o e t i s a .

P e l a intersecção formada p e l a p o e t i s a , en t r e r e a l i d a d e v i v i d a e r e a l i d a d e sonhada, ou má g i c a , s u r g e uma nova r e a l i d a d e , uma r e a l i d a d e su p e i o r . E s t a s u p r a - r e a l i d a d e , m o s t r a d a p e l a poe t i s a é o que nos fará p e r c e b e r t o d a a b e l e z a de que se r e v e s t e a r e a l i d a d e em que v i v e m o s , b e l e

za que já não víamos, tão embaçada se t o r n a r a nossa percepção, p e l o d e s g a s t e a que a visão con t i n u a d a a r e l e g a r a . Na p o e s i a , a p a l a v r a é revés t i d a de conotação simbólica.

V o l t a n d o a a n a l i s a r o poema em suas c a r a c terísticas e s s e n c i a i s podemos nos l e m b r a r de que Hegel d e f i n e a P o e s i a como A r t e Cristã. T a l d e f i . nição nos p a r e c e e v i d e n c i a r o s i g n i f i c a d o t r a n s c e n d e n t e , próprio da l i n g u a g e m poética. A p o e s i a t r a d u z i r i a , então, o momento em que a p a l a v r a as s u m i r i a um s i g n i f i c a d o tão p r o f u n d o que merece r i a s e r p o r nós r e v e r e n c i a d a a s s i m como o c r i s

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tão r e v e r e n c i a a sua d i v i n d a d e .

Seguindo a i n d a e s t a a n a l o g i a , podemos d i z e r que, a s s i m como na oração, o poema também neces s i t a de que se s i g a um r i t u a l , de que nada s e j a mudado em sua e s t r u t u r a , p a r a termos assegurado o seu s i g n i f i c a d o místico. Na p o e s i a , a s s i m como na oração, e s t e r i t u a l se e v i d e n c i a , também, pe l a m a n e i r a como o " f i e l " , ou i n i c i a d o a lê ... A p o e s i a d e f i n i r - s e - i a , então, como um a t o mítico, do a r t i s t a e do l e i t o r , a q u e l e , na revelação do d i v i n o e e s t e , na t e n t a t i v a de sua apreensão. Em Cecília M e i r e l e s , parece-nos e v i d e n t e t o d a a c a r g a de s i g n i f i c a d o d i v i n o de que a p o e t i s a r e v e s t e a p a l a v r a .

Passemos ã l e i t u r a de o u t r o poema, que se i n t i t u l a : PESCARIA Cesto de p e i x e s no chão Cheio de p e i x e s , o mar. C h e i r o de p e i x e s p e l o a r . E p e i x e s no chão. Chora a espuma p e l a a r e i a , na maré c h e i a .

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As mãos do mar vêm e v a o , em vão. Não chegarão aos p e i x e s do chão. Por i s s o c h o r a , na a r e i a , a espuma da maré c h e i a . ( 2 , p. 723)

Neste poema, além da s o n o r i d a d e , c a r a c t e r i zada p e l a f i g u r a de l i n g u a g e m denominada a l i t e ração, e n c o n t r a r e m o s o u t r o componente de impor tãncia no e s t u d o do que Hegel denomina A r t e be l a . E s t e componente é a a u r a do poema, o s i g n i f i . cado e s p i r i t u a l que nos advém de sua l e i t u r a . Es_ t e e f e i t o é c o n s e g u i d o através da união, no poe ma, do s e n t i m e n t o de t r i s t e z a que h a b i t a o ínti mo da p o e t i s a e do o b j e t o p o r e l a r e t r a t a d o , a p e s c a r i a , no seu a s p e c t o n e g a t i v o , o da m o r t e dos s e r e s v i v o s . O poema t r a z â nossa consciên c i a um s e n t i m e n t o de angústia, de p i e d a d e , expe r i m e n t a d o s p e l o "eu" da p o e t i s a do q u a l a real·L dade e x t e r i o r se t o r n a e s p e l h o .

Ao a n a l i s a r Ou loto ou kquilo, não p o d e r i a mos d e i x a r de m e n c i o n a r os poemas - CotaA de.

CaAolina e o poema que dá título à coletânea,

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Em t a i s poemas, parece-nos c o n v e n i e n t e s a l i e n t a r a p o s t u r a pedagógica da p o e t i s a , sempre preocupada com a L i t e r a t u r a I n f a n t i l e com a criança, l e i t o r p r i m e i r o a que se d e s t i n a t a l produção literária. Passemos à l e i t u r a do poema: COLAR DE CAROLINA Com seu c o l a r de c o r a l , C a r o l i n a c o r r e p o r e n t r e as c o l u n a s da c o l i n a . O c a l o r de C a r o l i n a c o l o r e o c o l o de c a l , t o r n a c o r a d a a menina. E o s o l , vendo a q u e l a c o r do c o l a r de C a r o l i n a , põe c o r o a s de c o r a l nas c o l u n a s da c o l i n a . ( 2 , p. 723) O que chama a atenção, n e s t e poema, é o j o go de p a l a v r a s montado p e l a p o e t i s a em t o r n o dos sintagmas c o l a r e C a r o l i n a . C o n s i d e r a n d o - s e que a p o e t i s a e r a também uma pedagoga, o emprego des;

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t e r e c u r s o literário não nos p a r e c e vão. Ao con trário, podemos supor que a p o e t i s a já supunha o i m p a c t o que t a l r e c u r s o c a u s a r i a na mente de seus l e i t o r e s . E s t e poema chama a atenção de quem o lê p e l a forma como f o i e s t r u t u r a d o , forma que nos f a z d e f i n i - l o como um quebra-cabeças com as p a l a v r a s .

O p r o c e d i m e n t o de t r o c a de fonemas é o r e c u r s o que nos p a r e c e t e r s i d o usado magnífica e m a g i s t r a l m e n t e p e l a p o e t i s a . Além do v a l o r s u p r e mo da p o e s i a que é o de c o n s t i t u i r - s e na r e v e l a ção do B e l o , n e s t e poema Cecília M e i r e l e s mos t r a - n o s a b e l e z a que encontramos ao b r i n c a r com as p a l a v r a s , ao formarmos novas p a l a v r a s , de on de nos aparece um novo mundo, um mundo c o l o r i d o p e l a b e l e z a e p e l a magia que emanam da combina ção d e s t a s p a l a v r a s .

F i n a l i z a n d o , l e i a m o s o poema:

OU I S T O OU AQUILO

Ou s e tem c h u v a e nao s e tem s o l ou s e tem s o l e nao s e tem c h u v a !

Ou s e calça a l u v a e nao s e poe o a n e l , ou s e poe o a n e l e não s e calça a l u v a !

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Quem s o b e n o s a r e s não f i c a no chão, quem f i c a no chão não s o b e n o s a r e s . É uma g r a n d e p e n a que n a o s e p o s s a e s t a r ao mesmo tempo n o s d o i s l u g a r e s ! Ou g u a r d o o d i n h e i r o e nao compro o d o c e , ou compro o d o c e e g a s t o o d i n h e i r o . Ou i s t o ou a q u i l o : ou i s t o ou a q u i l o ... e v i v o e s c o l h e n d o o d i a i n t e i r o ! Nao s e i s e b r i n c o , nao s e i s e e s t u d o , s e s a i o c o r r e n d o ou f i c o t r a n q u i l o , Mas nao c o n s e g u i e n t e n d e r a i n d a q u a l é m e l h o r - s e é i s t o ou a q u i l o . (2, p. 734)

Neste poema, Cecília M e i r e l e s c o l o c a o seu l e i t o r f a c e a f a c e com uma preocupação que o se gue p o r t o d a a v i d a , a existência de várias pos s i b i l i d a d e s de ação e a n e c e s s i d a d e de e s c o l h a que permeia a v i d a do s e r humano. Sem q u e r e r en

f a t i z a r a importância didática da o b r a literá r i a , mas não esquecendo de seu v a l o r , podemos di. zer que, quando l i d o p e l a criança, através de s u a identificação com as situações de e s c o l h a e an tagonismo da v i d a que a p o e t i s a r e t r a t a , o pe queno l e i t o r estará p r e p a r a n d o p a r a m e l h o r i n t e

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r a g i r com a r e a l i d a d e que o r o d e i a . R e a l i d a d e em que sempre se achará d i a n t e de várias a l t e r n a t i _ v a s , e n t r e as q u a i s terá que e s c o l h e r , sem saber p r e v i a m e n t e o que s e r i a m e l h o r , ou i s t o ou aqui. l o .

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