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Contribuições do estudo do meio na formação de educadores do campo para o ensino de Ciências no semiárido Piauiense

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220 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020

10.26843/rencima.v11i7.2281 eISSN 2179-426X Recebido em 22/04/2019 Aceito em 03/08/2020 / Publicado em 20/11/2020

Contribuições do estudo do meio na formação de educadores do

campo para o ensino de Ciências no semiárido Piauiense

Contributions of the study of the environment for the formation of rural educators for Science teaching in the semiarid in state of Piauí, Brazil

Alexandre Leite dos Santos Silva

Universidade Federal do Piauí/Curso de Licenciatura em Educação do Campo, alexandreleite@ufpi.edu.br

https://orcid.org/0000-0002-8239-9240

Suzana Gomes Lopes

Universidade Federal do Piauí/Curso de Licenciatura em Educação do Campo, sglopes@ufpi.edu.br

https://orcid.org/0000-0001-9071-9585

Resumo

O objetivo desse artigo é discutir sobre as contribuições do estudo do meio para a formação inicial de educadores do campo para o ensino de ciências na região do semiárido piauiense no primeiro semestre de 2018. Os dados foram coletados na forma de questionários e gravações em vídeo de relatórios apresentados em seminários de 19 licenciandos de um Curso de Licenciatura em Educação do Campo. A análise dos dados mostrou que o estudo do meio se coaduna com os fundamentos da Educação do Campo. Os resultados, analisados na perspectiva crítico-social dos conteúdos, indicaram que o estudo do meio pode contribuir para o ensino contextualizado de Ciências; o fortalecimento da identidade campesina; o ensino com pesquisa; o trabalho coletivo e a reflexão crítica da realidade.

Palavras-chave: Estudo do meio; Educação do Campo; Ensino de ciências; Formação

docente; Semiárido.

Abstract

This paper aims to discuss the contributions of the study of the environment to the initial training of rural educators for science teaching in semiarid region of Piauí State, Brazil, in the first semester of 2018. Data were collected in the form of questionnaires and

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221 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 recordings in video of reports presented in seminars of 19 undergraduates of a Course of Licentiate of Rural Education. Data analysis showed that the study of environment is metodology consistent with the foundations of Rural Education. The results, analyzed in the critical-social perspective of the contents, indicated that the study of environment can contribute to the contextualized of Science teaching; the strengthening of peasant identity; teaching with research; the collective work and the critical reflection of reality.

Keywords: Study of the environment; Rural education; Science teaching; Training

teacher. Semiarid.

Introdução

O objetivo desse trabalho é apresentar e discutir os resultados de uma pesquisa sobre as contribuições do estudo do meio, desenvolvido com futuros educadores do campo, licenciandos de uma turma da disciplina “Geografia Física e Matemática” do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza (LEdoC/CN), da Universidade Federal do Piauí, campus de Picos, localizado na região do semiárido piauiense. Esse curso, que surgiu na esteira do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), habilita os seus egressos para a docência multidisciplinar em Química, Física e Biologia no Ensino Fundamental e Médio nas escolas do campo, além da gestão de processos escolares e comunitários (UFPI, 2017).

O estudo do meio é uma estratégia de ensino que envolve o estudo direto do contexto natural e social, a partir de uma problemática (ANASTASIOU; ALVES, 2007; SUTIL et al., 2018). Do ponto de vista de Lopes e Pontuschka (2009, p. 174), o estudo do meio:

[…] visa proporcionar para alunos e professores contato direto com uma determinada realidade, um meio qualquer, rural ou urbano, que se decida estudar. Esta atividade pedagógica se concretiza pela imersão orientada

na complexidade de um determinado espaço geográfico, do

estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, com o intuito de verificar e de produzir novos conhecimentos.

Além disso, na definição de Pontuschka (2004), o estudo do meio envolve atividades desenvolvidas fora da sala de aula e que permitem agregar pesquisas de campo e bibliográficas, e os trabalhos coletivo e individual, com uma finalidade interdisciplinar, a partir da concepção de que esta se refere ao diálogo entre disciplinas ou diferentes áreas do saber para responder a um problema comum. Ademais, através do estudo do meio é possível agregar o ensino com pesquisa de forma contextualizada, isto é, aproximando os saberes escolares da realidade, para melhor a entenderem, problematizarem-na e a transformarem (CARDOSO, 2009).

Essa estratégia pode abranger, segundo Sutil et al. (2018), três etapas: (1) Planejamento: quando é definida a problemática que norteará a observação e a pesquisa,

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222 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 bem como os instrumentos de pesquisa; (2) Execução: coleta dos dados direto do meio, através da observação, de entrevistas, de registros fotográficos e vídeos, e a elaboração do relatório; (3) Apresentação dos resultados: os alunos apresentam os resultados para a discussão com a turma, voltando à problemática estudada. Ao longo dessas etapas são definidos o espaço e o tema a serem estudados, os objetivos, o cronograma, os instrumentos de pesquisa e como será a apresentação dos resultados e a avaliação (LOPES; PONTUSCHKA, 2009; SANTOS; CARDOSO; MACIEL, 2016). Durante o processo, o professor atua como mediador, articulando essas etapas para que a pesquisa realizada no meio seja norteada pela problemática planejada.

Relatos de pesquisas encontrados em periódicos nacionais têm apontado o estudo do meio como uma estratégia eficaz para promover a interdisciplinaridade e a contextualização no ensino superior (SUTIL et al., 2018), para a valorização da paisagem local e educação ambiental (MACEDO; LANDIM NETO; SILVA, 2015), e para aproximar a teoria da prática, possibilitando o contato direto com os conteúdos (SANTOS; CARDOSO; MACIEL, 2016; SILVA, 2019). Devido ao fato de ser uma ferramenta para a contextualização, viu-se o potencial do estudo do meio para a formação de professores da área de Ciências Naturais no semiárido piauiense, no âmbito da LEdoC/CN. A importância de uma formação docente na área de Ciências da Natureza voltada para a contextualização com o semiárido foi constatada por Lima e Mendes Sobrinho (2008), no seu estudo com professores do Estado do Piauí:

Muitas vezes identificamos professores de Ciências Naturais que têm um volume enorme de informações sobre os aspectos físicos e geográficos do sul do país e até de outros países, mas não conhecem, de forma aprofundada, as características, as potencialidades e os problemas socioambientais vivenciados no semiárido. (LIMA; MENDES SOBRINHO, 2008, p. 153)

Acontece que a disciplina “Geografia Física e Matemática”, que possui um viés interdisciplinar, tem como um dos seus objetivos específicos mostrar a importância de contextualizar o ensino de Ciências Naturais através de dados geográficos. Dito isso, optou-se pelo estudo do meio como estratégia de ensino para estimular e nortear a contextualização para formação de professores de Ciências Naturais para escolas do campo. Por conseguinte, partindo da perspectiva crítico-social dos conteúdos, dentro do âmbito da Educação do Campo, a pesquisa apresentada neste trabalho buscou responder ao seguinte problema: Quais as contribuições do estudo do meio para a formação dos estudantes do Curso de Licenciatura em Educação do Campo?

O paradigma da Educação do Campo

A população do campo é constituída por pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, acampados e assentados da reforma agrária, dentre outros. São sujeitos que experimentam uma diversidade tanto cultural como de espaços naturais que ocupam e que são responsáveis pela produção de saberes situados que devem ser compartilhados na vivência não apenas com as suas famílias, as suas comunidades e as

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223 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 suas organizações sociais, mas devem ser considerados também pela escola e pela universidade. É com essa visão que a Educação do Campo, um paradigma educacional surgido na década de 1990 e em processo de constituição histórica, procura ocupar o seu espaço no ambiente acadêmico (MOLINA; JESUS, 2004; CALDART, 2012).

A Educação do Campo possui dois esteios: de um lado procura superar a dicotomia rural-urbano pela noção de complementaridade de ambas as áreas, dentro de um projeto maior de desenvolvimento do todo; por outro lado, aponta para a criação de vínculos de pertencimento para a formação e a valorização da identidade do camponês (BRASIL, 2003). Essa identidade camponesa está ligada ao território, ao lugar como espaço e domínio de relações de poder, ou seja, a paisagem natural com todas as suas características físicas e a produção social e cultural vinculada a esta historicamente (HAESBAERT, 1997; DALLABRIDA, 2012; LEITE, 2012; ARAÚJO; CARNEIRO, 2015; CALVENTEL, 2017). Dessa forma, valorizar o lugar do camponês, a paisagem natural do campo e o que nela é produzido culturalmente, é um meio de fortalecer a identidade camponesa, um dos papéis da escola e da universidade no contexto da Educação do Campo (FERNANDES, 2011). Por sua vez, o fortalecimento dessa identidade é condição necessária para a fixação dos jovens no campo, para que possam promover o desenvolvimento sustentável deste, dentro de um projeto de desenvolvimento de toda a sociedade, que inclui o rural e o urbano.

Dentro do paradigma educacional da Educação do Campo, que é o resultado do encontro de diversos referenciais pedagógicos, tais como a pedagogia do oprimido, a pedagogia socialista, a pedagogia da terra e a pedagogia do movimento, tem-se demandado por um ensino de Ciências contextualizado, interdisciplinar, que permita a aprendizagem sólida de conteúdos científicos mas com sentido para a vida e as atividades do trabalhador do campo (MOLINA; JESUS, 2004; CALDART, 2012). Espera-se na Educação do Campo uma “formação de professores que não Espera-seja disciplinar/fragmentária, mas por área de conhecimento, propiciando adequação de conteúdos e das práticas pedagógicas às peculiaridades locais, a partir de abordagens efetivamente contextualizadas e interdisciplinares” (BRICK et al., 2014, p. 29).

Nessa ótica, o ensino de Ciências deve ser um processo que estimule o trabalho e a colaboração coletivos, a aprendizagem ativa e a reflexão crítica da realidade, para transformá-la (SILVA, 2018). Esse tipo de ensino de Ciências pode ser alcançado através do ensino com pesquisa:

A pesquisa, então, está associada à produção de inquietações acerca da realidade, do desejo de conhecer o novo, de buscar respostas para os problemas, de construir coletivamente soluções para os desafios do cotidiano. Ou seja, é uma modalidade de ensino voltada para o desenvolvimento do ensino investigativo e da curiosidade epistemológica, que desperta no aluno o desejo constante de conhecer, desvendar o mundo e mudar a realidade [...] permite que eles aprendam para além dos

conhecimentos exigidos pelo currículo escolar, desenvolvendo,

principalmente, a capacidade de conviver, negociar, buscar e selecionar informações, considerar situações e tomar decisões, além de utilizar todas

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224 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 essas habilidades para a construção de novas formas de ver e fazer novas leituras sobre a realidade onde vivem (LIMA, 2014, p. 118, 119).

Dessa forma, através da problematização é possível instigar a pesquisa e desencadear processos de reflexão que podem fazer o ensino de Ciências ter mais sentido para os alunos do campo, pela aproximação entre a teoria e a prática, entre o saber científico e o cotidiano.

A pedagogia crítico-social dos conteúdos

No mesmo sentido de articular os conteúdos escolares com a realidade dos alunos de forma emancipadora, a pedagogia crítico-social dos conteúdos defende, desde a década de 1980, a associação do ensino com uma análise crítica do contexto em que as pessoas vivem (LIBÂNEO, 1985). Defende que o papel da escola é promover a democratização e emancipação da população através de uma sólida formação cultural, que não desconsidera os saberes populares, empíricos, mas que se preocupa também com o domínio dos conteúdos científicos e o desenvolvimento cognitivo dos educandos. Faz uma abordagem crítica dos conteúdos, tratados dentro de uma análise das relações econômicas, sociais e culturais, que se relacionam com a prática escolar. O objetivo é contribuir para a formação de sujeitos pensantes e críticos, através da criação de condições para o desenvolvimento da capacidade do sujeito se colocar diante da sua realidade, a fim de pensar sobre ela e ser atuante na sua transformação. Ensinar a pensar de forma crítica é fazer o aluno apropriar-se dos objetos de conhecimento, a partir de uma visão totalizante e reflexiva da realidade e de sua problematização. O ápice desse ensino deve ser a aquisição, pelos alunos, de conceitos que possam nortear criticamente suas ações no mundo em que vivem.

Didaticamente, a pedagogia crítico-social dos conteúdos advoga pelo papel do coletivo na aprendizagem e, por isso, considera importante que o professor crie um clima de grupo (VYGOTSKY, 1984; LIBÂNEO, 1985). Nesse contexto, deve ser garantida a participação do alunado. Embora seja contra os estilos não-diretivos, propõe que o professor atue não como autoritário, mas como mediador, propiciando uma relação de trocas entre professor e aluno. O professor, nesse contexto, deve se aproximar da realidade dos seus alunos, para compreendê-la, de modo a criar condições e implementar métodos de ensino voltados para a interação dela com os conteúdos científicos.

Por isso, é importante que a formação de professores leve em conta tanto os conteúdos científicos como também a forma de os ensinar, em plena integração com a realidade vivida pelo educando. Para tal, o professor precisa conhecer a realidade dos alunos e mediar processos para que estes a problematizem, para que ocorra a síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e opaca e adquire uma visão mais integral e nítida do seu meio (LIBÂNEO, 1985).

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225 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 A pesquisa, de abordagem qualitativa foi desenvolvida em 2018 com uma turma de 19 licenciandos da LEdoC/CN no âmbito da disciplina “Geografia Física e Matemática”. Os dados foram coletados através de um questionário misto e dos materiais produzidos, na forma de filmes e registros fotográficos, constantes nos relatórios apresentados pelos licenciandos.

Os questionários foram aplicados aos licenciandos no início e no final da disciplina. O objetivo do primeiro questionário foi fazer um diagnóstico da turma, para obter um perfil e estudar as possibilidades de implementação do estudo do meio. Entre as perguntas, questionou-se sobre idade, gênero, área de domicílio (rural ou urbano), município e localidade de residência, acesso à internet, disponibilidade para atividades extraclasse, e se possuíam dispositivos eletrônicos que os possibilitassem a fazer o registro de fotografias e vídeos para as atividades a serem desenvolvidas. Assim foi possível constatar que a turma tinha a média de 29 anos de idade, sendo a maioria do sexo feminino (74%). Os licenciandos residiam na área rural de diversos municípios do semiárido piauiense: Itainópolis, Picos, Patos do Piauí, Alagoinha do Piauí, Santana do Piauí, Jaicós, Massapê do Piauí e Jacobina do Piauí. Todos os licenciandos afirmaram ter acesso à internet e disponibilidade para fazer atividades extraclasse, além de possuir algum dispositivo com capacidade para tirar fotos e vídeos. Assim, foi possível perceber que o estudo do meio poderia ser realizado. O segundo questionário buscou obter uma avaliação dos alunos acerca das atividades desenvolvidas na disciplina, em especial o estudo do meio, e quais as contribuições destas para a sua formação como educadores do campo.

Após o diagnóstico inicial, a proposta da atividade foi apresentada à turma, detalhando seus objetivos, tarefas e cronograma. Os licenciandos concordaram com a proposta, como parte da avaliação da disciplina, e foram distribuídos em grupos por localidades rurais, considerando onde eles residiam.

Antes de ser realizada a atividade de estudo do meio, os licenciandos tiveram aulas, através de exposições dialogadas e estudos dirigidos, sobre diversos tópicos da Geografia Física, conforme a ementa da disciplina “Geografia Física e Matemática”. Assim, os conteúdos científicos ministrados trataram de conceitos relacionados ao relevo, estrutura geológica, solo, rochas, hidrografia, clima, flora e fauna. Nessas aulas expositivas, foram apresentados e discutidos, por meio de mapas, fotografias e vídeos o conteúdo da disciplina, com exemplos de várias regiões do país e do mundo. Nestas ocasiões, foram indicadas fontes de pesquisa (em livros, em instituições e na internet) em que os licenciandos poderiam encontrar mais informações sobre aspectos da geografia física local. Os estudos dirigidos eram compostos por perguntas sobre cada uma das temáticas exploradas, o que incentivou os licenciandos a buscarem nas fontes de pesquisa indicadas. As respostas eram socializadas através de dinâmicas de grupo, que incitaram discussões e sínteses. Após essa sistematização de conceitos, os licenciandos foram orientados sobre como poderiam coletar dados para a elaboração do estudo do meio e como poderiam elaborar o relatório e apresentá-lo na forma de seminário.

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226 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 O estudo do meio se deteve na análise da paisagem natural da área rural dos municípios de origem dos licenciandos a partir da seguinte problemática: “Quais as principais riquezas naturais, atividades produtivas e problemas ambientais da minha comunidade?”. Dentro dessa problemática, foi fornecido um roteiro com questões norteadoras para a coleta de dados: Como é a vegetação natural da área? Que plantas nativas/espontâneas estão presentes: arbóreas e herbáceas? Há reservas na área? De que tipo? Que animais existem no lugar: nativos e domésticos? Quais os tipos de relevo, que acidentes geográficos existem? Há erosão, voçorocas, ravinas? Quais os tipos e as características (físicas, químicas e biológicas) do solo: cor, estrutura (arenosa, argilosa etc.), densidade (terra solta ou compactada), composição (quanto à presença de matéria orgânica)? Quais os tipos de rocha existentes e que uso se faz delas? Quais são os indicadores considerados significativos pelos agricultores para definir que o solo é de boa qualidade? E quais as condições atuais de qualidade do solo deste local? Observa-se, por exemplo, a presença de plantas indicadoras de qualidade do solo? Quais? Como é o clima na região: qual a regularidade das chuvas, qual a média de temperaturas ao longo do ano, qual a média de dias do sol por ano etc.? Há fontes de água no entorno? Quais? Existe algum riacho, rio, lagoa, açude ou vertente de água no local ou próximo? Há alguma barragem em área próxima? Como é a qualidade da água? Estamos conservando ou degradando a biodiversidade? Por quê? Quais os aspectos que mais ameaçam a sustentabilidade da agricultura neste lugar, nesta região? Muitas dessas questões foram oriundas de um guia formulado para o inventário da realidade pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST, 2016).

Com base nesse roteiro, os licenciandos fizeram a pesquisa e os dados foram coletados para a elaboração do estudo do meio de localidades rurais dos municípios da região. Devido ao fato de todos possuírem acesso à internet, foi possível tirarem dúvidas à distância e obterem orientações do professor. Para a construção do relatório, os licenciandos coletaram dados na forma de vídeos e fotografias de elementos da paisagem natural típica do semiárido, com destaque para as riquezas da terra e problemas ambientais, através do uso de filmadoras, de máquinas fotográficas e de smartphones. Também foram feitos vídeos com entrevistas a pequenos agricultores e pecuaristas da região. Como resultado do trabalho, foram realizados seminários, nos quais os relatórios foram apresentados, por meio de fotografias e vídeos, com dados sobre a hidrografia, o solo, as rochas, o relevo, a produção agropecuária, e os problemas ambientais. Essas apresentações foram gravadas para comporem junto com as respostas do questionário o material para análise.

A partir dos dados da pesquisa com os licenciandos da LEdoC/CN foi realizada uma análise qualitativa, conforme Creswell (2008). A análise das respostas dos questionários e dos relatórios apresentados nos seminários, com fotos e vídeos, consistiu em identificar na fala dos licenciandos as contribuições do estudo do meio para sua formação, dentro da perspectiva crítico-social dos conteúdos no contexto da Educação do Campo. Nesse caso, os licenciandos não foram identificados por motivos éticos (para preservar o anonimato), mas foram designados ao longo do artigo pela palavra “ALUNO” seguida por um número.

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Resultados e discussão

Nas apresentações dos relatórios dos licenciandos sobre o estudo do meio foi possível perceber que eles relacionaram conceitos sobre a paisagem natural do campo com o quadro físico e social local, confrontando o saber científico com o saber cotidiano. Essa contextualização foi feita de forma interdisciplinar, pois o conteúdo da disciplina “Geografia Física e Matemática” agrega conceitos físicos, químicos e biológicos junto com temas de caráter histórico, social e cultural.

O registro das apresentações e das respostas do questionário também mostraram que o estudo do meio foi uma estratégia para a contextualização no ensino de Ciências e para o fortalecimento da identidade campesina, em consonância com o paradigma da Educação do Campo. Assim, foram socializados fotografias e vídeos, com dados locais da paisagem rural (Figura 1). As fotos expostas se tornaram objetos de discussões sobre a relação entre a natureza e a sociedade. Também foram admiradas muitas vezes por captarem a beleza sem igual do semiárido.

Figura 1 – Fotos apresentadas pelos licenciandos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza de Picos-PI durante a exposição do estudo do meio. (A) Formações rochosas, de um terreno em erosão e relevo caracterizado como depressão na Comunidade Recanto, em Alagoinha do Piauí-PI. (B) Jumentos (Equus asinus), em Massapê do Piauí-PI, comuns na paisagem e utilizados para o transporte de água e alimentos. (C) Os solos na Serra do Brejinho, Picos-PI, são predominantemente litólicos, havendo faixas latossolo vermelho amarelo, podzólico vermelho amarelo equivalente eutrófico. (D) Mandacaru (Cereus jamacaru), planta comum na Comunidade Curralinho, em Picos-PI, utilizado para uso medicinal e purificação de água. (E) Queimadas em Itainópolis-PI. (F) O lixo em meio à paisagem do semiárido em Alagoinha do Piauí-PI.

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228 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 A exposição dialogada de fotos produzidas pelos licenciandos, como essas da Figura 1, e de vídeos com entrevistas realizadas com trabalhadores rurais locais, trouxeram problemas comumente discutidos nos livros, como o desmatamento, as queimadas e a poluição do solo e das águas, para próximo da realidade dos licenciandos, aproximando o estudo do meio à perspectiva crítico-social dos conteúdos. Também, dentro do âmbito da Educação do Campo, foi concebido um novo sentido para a paisagem e os problemas ambientais vivenciados pelos licenciandos, já que deixaram de ser simplesmente elementos do seu cotidiano para se tornarem objetos de análise coletiva e reflexão crítica, uma condição para a emancipação e transformação social.

Dessa forma, foi possível elencar algumas contribuições do estudo do meio para a formação inicial de educadores do campo, dentro da perspectiva crítico-social dos conteúdos, tais como o ensino contextualizado de Ciências; o fortalecimento da identidade campesina; o ensino com pesquisa; o trabalho coletivo e a reflexão crítica da realidade.

Ensino contextualizado de Ciências

O estudo do meio proporcionou a contextualização do ensino, conforme atesta a seguinte expressão extraída da resposta ao questionário:

[...] a gente pode trabalhar em grupo e descobrir juntos mais sobre a vegetação do nosso local, que é a caatinga, que existem muitas plantas exóticas aqui. (ALUNO 03)

O estudo do meio criou condições para o ensino contextualizado dos conteúdos científicos, permitindo ao professor e aos licenciados vincularem conceitos sobre estrutura geológica, relevo, rochas, minerais, solo, hidrografia, clima, vegetação e vida animal com elementos presentes no cotidiano, em suas comunidades rurais na região do semiárido piauiense. Dessa forma, foi possível tomar o “mundo concreto” como objeto de estudo (BRICK et al., 2014, p. 45).

Essa contextualização é uma condição para a seleção de uma metodologia de ensino adequada, segundo Libâneo (1985, p. 31):

A questão dos métodos se subordina à dos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática social).

Assim, como ilustra a resposta do ALUNO 03, foi possível compreender que a caatinga é a cobertura vegetal predominante, através das suas características presentes no meio. Nesse sentido, os licenciandos tiraram fotografias de plantas nativas como o mandacaru, o coroa de frade e o xique-xique, dentre outras. Também discutiram a presença de plantas exóticas, que têm peso na economia local, como o cajueiro e a carnaúba. Essas plantas foram mencionadas por agricultores entrevistados. Ao exporem as fotografias de exemplares da vida vegetal e animal do semiárido, os licenciandos

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229 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 explicaram conceitos biológicos, citando inclusive os seus nomes científicos, e, junto com estes, partilharam saberes locais, como usos medicinais, religiosos, culinários e cosméticos. Uma aluna explicou, por exemplo, uma receita de chá feito com mandacaru que nem todos conheciam. Nesse sentido, embora todos os licenciandos fossem oriundos de uma região onde essas plantas são comuns, diversos deles exclamaram que não conheciam diversos fatos e saberes partilhados sobre elas, como mostram as seguintes falas registradas nas apresentações dos relatórios:

Não sabia que o Mandacaru tinha tantas utilidades. (ALUNO 07)

Aprendi nome científico de animais domésticos, como o jumento, e plantas do meu dia a dia. (ALUNO 11)

Reconhecer que não conheciam é uma evidência do papel da academia, de suprir aqueles conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade (LIBÂNEO, 1985). Além disso, relacionaram as características locais da caatinga com outros elementos da paisagem natural como o clima semiárido, a hidrografia, marcada por chuvas irregulares e rios temporários, e o solo arenoso, dando um sentido maior para os conhecimentos adquiridos.

Os licenciandos expressaram uma dificuldade em identificar o relevo local até fazerem o estudo do meio. Apesar da classificação em mapas e das aulas expositivas e discussões em meio aos estudos dirigidos, foi a partir da observação do relevo local e das suas características, discutidas em grupo, que se tornou possível para diversos licenciandos identificarem a depressão presente na região, como evidenciou o comentário a seguir do ALUNO 07 apresentado no relatório.

Não sabia que o nosso relevo é uma depressão. (ALUNO 07)

Portanto, o estudo do meio contribuiu para a contextualização do ensino de Ciências, criando um diálogo entre o saber científico e o saber cotidiano e entre a teoria e a prática (BRICK et al., 2014; SILVA, 2018). Isso o torna um instrumento demandado para o ensino de Ciências para a Educação do Campo.

Nesse sentido, faz-se importante mobilizar trabalhos em EC [Ensino de Ciências] que instrumentalizem ações educativas mais estruturadas – perpassando a inovação das práticas pedagógicas, as reorientações curriculares e a formação inicial e continuada de professores – que convirjam com os princípios e finalidades da Educação do Campo (BRICK et al., 2014, p. 35).

Um dos princípios da Educação do Campo é a contextualização do ensino, levando em conta as especificidades de seus sujeitos (BRASIL, 2003). Os resultados alcançados e atestados pelas respostas dos licenciandos e seus relatórios mostram essa contribuição do estudo do meio para instrumentalização para o ensino de Ciências e para a Educação do Campo.

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230 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 Com o estudo do meio houve também o fortalecimento da identidade campesina. Nesse sentido, os seguintes trechos foram extraídos das respostas ao questionário:

Muitas vezes não percebemos as coisas tão belas e as riquezas que temos do nosso lado. (ALUNO 03)

Aprendemos coisas sobre a nossa região que eu não conhecia. (ALUNO 08)

Foi bom ver através das fotos quanta beleza temos por perto. (ALUNO 20) Percebe-se pelas respostas que o estudo do meio contribuiu para o reconhecimento das riquezas naturais e a valorização do território dos licenciandos; e, consequentemente, para o fortalecimento da sua identidade campesina. Essa é uma importante contribuição, segundo Fernandes (2011, p. 141-142):

A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja, da terra em que pisa, melhor ainda a partir da sua realidade. Quando pensamos o mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos o mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população do campo quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a partir da cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento de si mesmo, o que dificulta muito a construção da identidade, condição fundamental da formação cultural.

Segundo Macedo, Landim Neto e Silva (2015, p. 43), “só valorizamos o que conhecemos e reconhecemos como nosso”. O conhecimento do seu lugar pode conduzir o sujeito do campo a valorizá-lo. Ao valorizar o seu lugar, este sujeito pode enxergar razões para nele permanecer e compreender como contribuir para o seu desenvolvimento (DALLABRIDA, 2012).

Dentro do paradigma da Educação do Campo o fortalecimento da identidade campesina é um dos fundamentos, já que tem por objetivo propor uma educação não apenas voltada para o trabalhador do campo, mas pensada por ele e que, por conseguinte, valorize o seu lugar e os seus saberes (BRASIL, 2003).

Ensino com pesquisa, trabalho coletivo e reflexão crítica da realidade

Houve a promoção da pesquisa através do estudo do meio.

Senti falta de mais informação sobre o relevo e a hidrografia do meu povoado. Não encontrei literatura. É importante pesquisar para aprender. (ALUNO 05)

O estudo do meio deu aos licenciandos um exercício de pesquisa, atividade adequada para a educação dos sujeitos do campo por estimular o trabalho coletivo e a aproximação dos saberes científicos com a realidade (LIMA, 2014). Por conseguinte, tiveram que buscar dados em periódicos científicos e livros para caracterizar a paisagem local e nem sempre encontravam com facilidade as informações. A falta de estudos sobre

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231 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 o relevo, a estrutura geológica, o solo, as rochas e a hidrografia local ficou evidente ao longo do trabalho de pesquisa, o que exigiu um esforço a mais no sentido de identificar as características fitogeográficas do seu território, da sua paisagem natural. Conforme o ALUNO 05 expressou no questionário, há a carência de pesquisas científicas sobre a paisagem do semiárido piauiense. Acrescenta-se a isso a dificuldade devido à fata de experiência em fazer pesquisa bibliográfica conjugada à pesquisa de campo. Contudo, apesar dos desafios, realizar uma atividade fora do ensino convencional e da sala de aula a partir de uma problemática que suscita a curiosidade, fez com que os licenciandos encontrassem, através da adoção de elementos do ensino com pesquisa, um ingrediente motivador da aprendizagem, como observado também por Silva, Almeida e Campos (2014).

As pesquisas foram realizadas em grupo e assim, coletivamente, foram criadas oportunidades para discutirem e chegaram a um consenso sobre as características e os problemas comuns encontrados na sua paisagem natural. Conforme Libâneo (1985, p. 36, 37):

Evidentemente que, ao se advogar a intervenção do professor, não se está concluindo pela negação da relação professor-aluno. A relação pedagógica é uma relação com um grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia. Nesse sentido, são bem-vindas as considerações formuladas pela "dinâmica de grupo", que ensinam o professor a relacionar-se com a classe; a perceber os conflitos; a saber que está lidando com uma coletividade e não com indivíduos isolados, a adquirir-se a confiança dos alunos. Entretanto, mais do que restringir-se ao malfadado "trabalho em grupo", ou cair na ilusão da igualdade professor-aluno, trata-se de encarar o grupo-classe como uma coletividade onde são trabalhados modelos de interação como a ajuda mútua, o respeito aos outros, os esforços coletivos, a autonomia nas decisões, a riqueza da vida em comum, e ir ampliando progressivamente essa noção (de coletividade) para à escola, a cidade, sociedade toda.

Portanto, o estudo do meio está em consonância com o tipo de interação coletiva defendida pela pedagogia crítico-social dos conteúdos, que concebe a aprendizagem como “desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos, do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência” (LIBÂNEO, 1985, p. 34). Esse desenvolvimento requer a mediação do professor e de outros, é um processo coletivo (VYGOTSKY, 1984). Durante o processo de pesquisa, de elaboração e de apresentação do estudo do meio houve oportunidades dos licenciandos aprenderem um com o outro e com o professor: aprenderam na escolha das fontes dos dados, nas atividades de fotografar, gravar vídeos e entrevistas e edição. Também aprenderam em conjunto a ligar o saber científico com a sua realidade à medida que juntos “descobriram” os nomes científicos das plantas e dos animais do seu cotidiano, tanto dos que são típicos do bioma caatinga como os que são exóticos. À medida que foram fazendo coletivamente essa identificação, foi possível verem como a pesquisa, através do estudo do meio, é importante para a aprendizagem, por oportunizar ao aluno um papel ativo nela (DEMO, 1996; BUENO, 2009). Conforme Libâneo (1985, p. 33):

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232 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 O papel do adulto é insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo. Ou seja, o aluno, com sua experiência imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforço do professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos, implica um envolvimento com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e carências; buscará despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa.

A pesquisa provocou a reflexão crítica sobre a realidade à medida que proporcionou aos licenciandos, através das questões levantadas, identificarem problemas ambientais locais, como as queimadas desnecessárias e a caça por esporte, além de discutirem o uso econômico dos recursos naturais e a relação entre a paisagem e a cultura local. Relacionar conceitos das Ciências Naturais com questões envolvendo a sociedade e a tecnologia de forma contextualizada é importante para a formação de sujeitos autônomos e críticos (VASCONCELOS; ANDRADE, 2017). Perceberam assim, como mostraram o ALUNO 03 e o ALUNO 17 durante as apresentações dos relatórios, que problemas ambientais mencionados nos livros didáticos estão próximos, presentes na sua realidade.

Há muitas queimadas na minha comunidade. (ALUNO 03)

Essas fotos de lixo estão perto do açude próximo de casa. (ALUNO 17) Esses comentários que salientaram problemas ambientais locais são fruto da observação da realidade com um certo distanciamento. Os estudantes a observaram não apenas como moradores, mas como pesquisadores, ao tirarem e explicarem fotografias e ao realizarem entrevistas com moradores, muitas vezes vizinhos e parentes, de suas comunidades. Dessa forma, foi possível “proporcionar aos alunos uma aprendizagem ‘mais perto da vida’, ou seja, um contato mais direto com a realidade estudada, seja ela, natural ou social” (LOPES; PONTUSCHKA, 2009, p.176). Dito isso, pode-se constatar que o estudo do meio vai além da mera observação e descrição da paisagem natural, pois requer também “detectar os problemas existentes na vida de seus moradores, estabelecer relações entre os fatos verificados e o cotidiano do aluno” (SILVA, 2019, p. 2).

O estudo do meio foi recebido com muito entusiasmo pelos licenciandos, pois os aproximou da sua própria realidade com um olhar crítico, dando-lhes consciência de que fazem parte de uma paisagem cheia de riquezas naturais e problemas graves que podem comprometer o desenvolvimento sustentável da região. Por outro lado, houve a percepção do potencial de desenvolvimento que o semiárido piauiense possui.

Conclusão

O estudo do meio resultou em uma aproximação dos licenciandos da LEdoC/CN, como educadores do campo em formação, com a sua própria realidade, o semiárido

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233 REnCiMa, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 220-236, nov. 2020 piauiense. Como ferramenta metodológica, o estudo do meio deu a eles um novo olhar sobre o seu próprio lugar, um campo dotado de belezas naturais, biodiversidade, saberes populares e problemas que precisam ser coletivamente vencidos. Além disso, foi uma oportunidade de visualizar possibilidades para contextualizar o ensino de Ciências Naturais a partir de elementos do espaço físico e da prática social que neste se desenvolvem, algo defendido dentro do paradigma da Educação do Campo.

Os resultados da pesquisa mostraram que o estudo do meio também contribuiu, em consonância com a perspectiva crítico-social dos conteúdos, para a aprendizagem coletiva, para a assunção do aluno como ator ativo na sua aprendizagem através da pesquisa, para a conscientização e para a reflexão crítica sobre os problemas ambientais locais. Desse modo, o saber produzido e mobilizado através do estudo do meio tem o potencial de emancipar e nortear a transformação da realidade.

Por fim, o estudo do meio, ao encontro dos fundamentos da Educação do Campo pode contribuir para o reconhecimento e valorização das riquezas naturais e, consequentemente, o fortalecimento da identidade campesina. Pode, assim, ser adicionado, dentro de cada contexto, como mais um instrumento para o ensino de Ciências para a população do campo.

Para os educadores, a pesquisa mostrou que o estudo do meio tem o potencial de aproximar os conteúdos científicos da prática social, em prol de um ensino de Ciências vinculado às questões sociais mais amplas e, portanto, com um caráter crítico.

Aos pesquisadores, o presente trabalho contribui para a interface entre o ensino de Ciências e a Educação do Campo, mostrando que o diálogo é possível tanto no aspecto teórico como prático. Também aponta para as LEdoC/CN, cursos relativamente recentes, como contextos profícuos para investigações educacionais, dado o público específico que ela atende e aos propósitos emancipadores do paradigma da Educação do Campo.

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Figura 1 – Fotos apresentadas pelos licenciandos do Curso de Licenciatura em Educação  do Campo/Ciências da Natureza de Picos-PI durante a exposição do estudo do meio

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