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APOSTOLADO DA BOA IMPRENSA: CONTRIBUIÇÕES DAS FILHAS DE MARIA NA IMPRENSA CATÓLICA (PERNAMBUCO, 1902-1922)

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APOSTOLADO DA BOA IMPRENSA: CONTRIBUIÇÕES DAS

FILHAS DE MARIA NA IMPRENSA CATÓLICA

(PERNAMBUCO, 1902-1922)

Walter Valdevino do Amaral*

RESUMO

Neste artigo, realizamos uma discussão sobre a boa imprensa e as suas estruturas, analisando de que maneira o Primeiro Congresso Católico de Pernambuco foi decisivo para a criação de um jornal católico no estado de Pernambuco. Em seguida, analisamos a atuação das Filhas de Maria como propagadoras do jornal “A Tribuna”, o surgimento da revista “Maria”, e como esta revista foi utilizada para propagar algumas normas, propostas pela Igreja Católica, para a sociedade pernambucana, em especial às mulheres. Como aporte teórico, utilizamos as análises propostas por Michel Foucault, em “A ordem do discurso”, para compreender as condições de produção do discurso.

PALAVRAS-CHAVE: História Cultural, Igreja Católica, meios de

comunicação, modelos eclesiais, mulher.

ABSTRACT

In this paper we try to establish a discussion about the good Press and its structures, analyzing how the First Catholic Congress of Pernambuco was decisive for the creation of a Catholic newspaper in the State of Pernambuco. Then, we analyze the actions of the Daughters of Mary as keepers of the newspaper “The Tribune” and the creation of the magazine “Mary”, in order to show how this magazine was used to propagate some of the rules proposed by the Catholic Church in the society of Pernambuco regarding women. The analysis proposed by Michel Foucault in Order of discourse was elected as the principal theoretical support,”, trying to understand the conditions of production of the speeches.

KEYWORLDS: Cultural History, Catholic Church, Media, ecclesiatic models, woman.

* Doutorando em História na UFU, mestre em Ciências da Religião pela UNICAP, especialista em Cultura Pernambucana pela FAFIRE e licenciado em História pela UNICAP. Membro do grupo de pesquisa Estudos Transdisciplinares em História Social, da UNICAP. Endereço: Av. João Naves de Ávila, n. 2121, Bloco 1H, sala 1H50, Camus Santa Mônica, Santa Mônica, Uberlândia - MG, CEP: 38.408-144.

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Introdução

Nas duas primeiras décadas do século XX, as mulheres pernambucanas tiveram um importante papel na manutenção e divulgação das doutrinas católicas. Com o intuito de expandir, de forma mais dinâmica, os seus conceitos éticos e morais, a Igreja Católica passou a conclamar, em seus periódicos, uma maior participação das associações femininas para a realização do trabalho da propagação dos mesmos, tanto dentro de seus lares como em sua vizinhança. Entre estas associações, destacava-se a Pia União das Filhas de Maria, destinada às jovens solteiras, de “boas famílias”1, cuja principal finalidade era educar e preparar suas associadas, sob a espiritualidade mariana, para serem boas filhas, esposas e mães.

Assim, buscaremos nesse trabalho, mostrar que, durante o período compreendido entre 1902 e 1922, a boa imprensa, ou seja, os periódicos católicos foram utilizados pela Igreja Católica como instrumentos de normatização da mulher e da sociedade. Quando usamos a expressão normatização, nos referimos a uma tentativa de adequação e/ou enquadramento do sexo feminino e da sociedade em geral a um modus vivendi idealizado pelas elites católicas e civis, o qual deveria ser implantado em todas as esferas sociais.

Em defesa da boa imprensa

Na segunda metade do século XIX a Igreja Católica começou a ter consciência do alcance e da influência do jornalismo na sociedade; a palavra escrita e impressa passou a representar para as elites católicas (eclesiásticas e leigas), um dos principais instrumentos no combate aos inimigos. Eram “armas” eficientes em defesa da fé e da moral, eficazes na política diante da ascensão da República, portanto, deveriam ser exploradas.

Devido ao grande alcance e influência que a imprensa estava exercendo sobre os cidadãos de um novo contexto mundial, a hierarquia eclesiástica passou a defender com mais vigor a atuação dos católicos no campo da escrita, pois acreditava que o jornalismo poderia ser um grande aliado na propagação e defesa de sua fé. Nesta perspectiva, os católicos deveriam: “Portanto, combater com estas armas [periódicos] pela defesa da

1 Quando falamos “boas famílias”, nos referimos àquelas que, na perspectiva dos eclesiásticos, pertenciam às classes mais abastadas, conservadoras e, sobretudo, católicas.

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206 religião cristã, recebendo, como convêm, as diretivas dos Bispos e guardando o respeito devido ao poder civil, não seja uma das menores solicitudes dos católicos” (LEÃO XIII, 1959, p. 11). (Grifo original)

Algo que vemos ecoar na voz de bispos brasileiros, como Dom José de Camargo Barros, bispo de Curitiba, quando afirma na carta pastoral Em Favor da Boa Imprensa Católica, que: “Onde o púlpito dorme e não fala, o periódico torna-se para o povo o suplemento da homília ou da palavra do pároco e, para dizermos, todo o nosso pensamento, o seu único catecismo” (BARROS, 1983, p. 35). Através desta afirmação do bispo de Curitiba, observamos que essa nova forma de interação entre clero e fiéis, era algo que tornava cada vez mais sólida a influência da Igreja num maior número de localidades, dando de forma eficiente sustentação a doutrina católica.

Nesse mesmo período, a liderança eclesiástica intensificou a sua política em defesa da criação de uma imprensa que estivesse a serviço da defesa da moral, da ética e da fé cristãs. Neste sentido, passou a incentivar a comunidade católica a que dedicasse seus esforços na difusão e preservação de um jornalismo que defendesse e propagasse a verdade católica (a boa imprensa), em combate a um jornalismo que cada vez mais disseminava a irreligião e a imoralidade (a má imprensa).

Nesse contexto, dentre as preocupações da hierarquia eclesiástica, temos o uso dos jornais para a propagação dos ideais católicos numa sociedade cada vez mais em processo de descatolicização. Como nos aponta o historiador Oscar Lustosa, nas análises que fez das cartas pastorais emitidas por bispos brasileiros entre os anos de 1890 e 1930: “a Imprensa não podia faltar no rol dos recursos ou instrumentos significativos e eficientes a serem empregos a fim de viabilizar a missão eclesiástica e, também, a fim de opor, com as mesmas armas, um dique ao que se via como uma avalancha de males, carreados pelos ‘maus’ periódicos” (1983, p. 22). (Grifo original)

Assim, os líderes eclesiásticos no Brasil, para o cumprimento dos seus objetivos, além dos tradicionais instrumentos (como as associações religiosas que permitiam uma contínua comunicação com a população), também passaram a contar com as publicações de periódicos. Dentro da nova práxis do corpo eclesiástico estava presente a intenção de criação e expansão de novos jornais, os quais se destacariam por “uma concepção moral da Imprensa Católica, na qual o múnus do jornalismo, seria marcado, notadamente, pela tarefa de sanear os costumes ou sustentá-los nos quadros e nos princípios da ética cristã” (LUSTOSA, 1983, p. 28). (Grifo do original)

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207 outro item importante no programa mínimo de investimentos e realizações dos prelados da época consistiu na criação de diversos tipos de publicações, desde algumas poucas iniciativas bem-sucedidas de jornais diários, passando pelas revistas diocesanas com periodicidade mensal, pela impressão de boletins eclesiásticos para divulgação de documentos e diretrizes pontifícias e outras informações de interesse do clero local, até as revistas das obras e associações pias (1985, p. 108).

Uma pesquisa realizada em 1913, pelo Frei Pedro Sinzig, OFM, mostra que a ação do clero em prol da boa imprensa, nos primeiros anos do século XX, foi bem sucedida, pois, segundo a pesquisa, havia em todo o território brasileiro “cerca de 140 publicações periódicas católicas, sendo 71 jornais, 19 revistas e 50 outras publicações (almanaques, anuários, boletins etc.)” (SOARES, 1988, p. 186).

Com o objetivo de combater a má imprensa e os novos instrumentos de diversão e difusão de imagens, foi inaugurado, no dia 29 de janeiro de 1910, o Centro da Boa Imprensa, órgão que deveria nortear a reorganização da imprensa católica no país. Com a aprovação do Cardeal Arcoverde e do episcopado brasileiro, os seus estatutos determinavam que a sua finalidade fosse:

1 – Auxiliar bons jornais e revistas que quiserem aceitar seu programa de ação;

2 – Difundir a boa imprensa e a sã literatura;

3 – Favorecer a fundação e manutenção de bons jornais e revistas. Formar jornalistas e escritores; amparar jornalistas católicos na indigência; 4 – Favorecer aos jornais, revistas, pertencentes à coligação, artigos dos

melhores escritores, sobre todas as questões; 5 – Servir de intermédio com os centros estrangeiros;

6 – Fornecer informações seguras sobre acontecimentos importantes e sobre o que se entender com a defesa da Igreja e de seus Ministros;

7 – Promover a publicação de bons livros, originais ou traduzidos; 8 – Auxiliar a fundação de bibliotecas populares e círculos de leituras; 9 – Promover congressos, reuniões, conferências, exposições etc. (SOARES,

1988, p. 186).

Entre os dias 31 de março e 4 de abril de 1910, foi realizado, em Petrópolis, o Primeiro Congresso dos Jornalistas Católicos, no qual foi criada a Liga da Boa Imprensa, a qual teria por objetivo auxiliar administrativa e financeiramente o Centro da Boa Imprensa. Para os congressistas, este órgão seria formado por grupos de católicos que deveriam contribuir mensalmente com a quantia de 10$000 (dez mil réis), destinada ao Centro da Boa Imprensa.

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208 Além do recolhimento dessa contribuição mensal, os membros da Liga da Boa Imprensa também tinham o dever de rezar pelo sucesso da obra, contribuir para o desenvolvimento de bons jornais e para a fundação de bibliotecas católicas. Segundo o historiador Cláudio Aguiar Almeida, a “celebração de uma missa mensal pela intenção de todos, a concessão de indulgências especiais e a participação do ‘mérito de todo bem conseguido pela ação comum’, eram apontadas como vantagens que seriam usufruídas pelos membros da Liga” (2002, p. 54-55). Em pouco tempo, a Liga da Boa Imprensa foi difundida em quase todos os Estados brasileiros.

A verdade da doutrina católica versus a verdade da vida mundana. O catolicismo travava uma luta continua para que sua verdade não fosse eclipsada por outras que vinham se consolidando e seduzindo cada vez mais a sociedade, inclusive os seus membros. Para tal empreitada, a de exercer sua vontade de verdade, a hierarquia eclesiástica se apropria das armas do homem moderno, se adapta ao seu discurso e tenta resistir às pressões externas, revestindo seus fiéis com novas “armaduras de fé”, como jornais e revistas, nas quais a voz católica bradava contra os sons estridentes da vida moderna.

Essa relação entre saber e poder, discurso e vontade de verdade, pode ser exemplificada nas palavras de Michel Foucault:

Dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso: a palavra proibida, a segregação a loucura e a vontade de verdade, foi do terceiro que falei mais longamente. É que, há séculos, os primeiros não cessaram de orientar-se em sua direção; é que, cada vez mais, o terceiro procura retomá-los, por sua própria conta, para, ao mesmo tempo, modificá-los e fundamentá-los; é que, se os dois primeiros não cessam de se tornar mais frágeis; mais incertos na medida em que são agora atravessados pela vontade de verdade, estalem contrapartida, não cessa de se reforçar, de se tornar mais profunda e mais incontornável (2003, p. 19).

Através dos periódicos católicos, podemos observar as estratégias da Igreja Católica para afirmar sua verdade num momento histórico em que passava a ser questionada. Foi um período em que vemos a redefinição do papel dos fiéis, principalmente o da mulher, para tal análise nos concentraremos na figura das Filhas de Maria e sua atuação na chamada boa imprensa.

A partir do que Michel Foucault afirma em A ordem do discurso, podemos tecer análises acerca de como atuaram as fiéis católicas dentro da imprensa: eram livres para pensar ou estavam perpassadas pelo discurso eclesiástico que lhes dava uma sensação

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209 de liberdade, mas que, na verdade, estavam sendo enquadradas pelas novas formas de poder que a Igreja Católica passava a exercer?

O surgimento da imprensa católica em Pernambuco

No início do século passado, o episcopado brasileiro e diversas associações religiosas começaram a se articular em seus Estados e nacionalmente, através de conferências episcopais e congressos católicos. Segundo Oscar Lustosa,

dentro desse movimento, a Imprensa Católica ocupava um lugar de destaque. Prova disto está nas pautas e programas dos diversos Congressos nacionais e regionais em que o tema do periodismo de tendências e de feitio católico vigora sempre como importante. A mesma preocupação se revela forte e clara nas determinações das Conferências dos bispos do norte e do sul do país que se realizavam quase trienalmente (1983, p. 18). (Grifo original)

Confirmando o acima citado, durante o Primeiro Congresso Católico de Pernambuco, realizado em junho de 1902, a discussão sobre a criação de um jornal católico no Estado, estava presente no Programa desse evento.

Na sessão de instalação do Primeiro Congresso Católico de Pernambuco, Dom Luiz Raimundo da Silva Brito proferiu um discurso no qual manifestou aos congressistas o seu interesse na criação de um jornal católico em sua Diocese. Pois, segundo o Bispo, no momento atual, “indispensável é pensarmos na imprensa, poderoso elemento de propaganda e defesa; para ela chamo vossa atenção, de modo que possamos ter um órgão católico, que seja ao mesmo tempo boletim diocesano” (BRITO, 1902, p. 19).

As últimas palavras proferidas neste discurso foram direcionadas às mulheres católicas que, no entendimento do eclesiástico, deveriam unir forças para o desenvolvimento e sucesso do projeto de um periódico católico em Pernambuco. Neste sentido, ele afirmava:

E vós, minhas diletas filhas e Exmas. Sras., em cujos corações a fé se tem conservado pura e a moral impoluta, mostrai que sois cristãs e brasileiras; de vós dependerá em grande parte o triunfo glorioso de nossa idéia, tomai-a em vossas mãos delicadas que têm o condão de abrir todos os corações, apregoai-a com vossa voz melindrosa, apresentai-a aos vossos esposos, ensinai-a aos vossos filhos, e desenvolvei esse zelo conhecido, para que os anjos do céu tomem, como sua, a empresa sustentada pelos anjos da terra (BRITO, 1902, p. 20).

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210 Assim, a mulher como um agente da fé, dentro do seu lar ou no espaço público, que através de seu exemplo como fiel regrada e devota estaria na linha de frente, com a chancela da Igreja Católica, para lutar pela mesma, sempre em defesa da verdade católica. Contudo, não seria, como já observamos, qualquer mulher, mas sim, aquelas que estivessem enquadradas no perfil que a Igreja desejasse. Para a construção desse discurso, a hierarquia eclesiástica impunha determinadas normas, pois se tratava

de determinar as condições de seu funcionamento, de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso a eles. Rarefação, desta vez, dos sujeitos que falam; ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo (FOUCAULT, 2003, p. 36-37).

O tema da boa imprensa e da criação de um jornal católico estava contemplado na Terceira Secção: Instrução, Educação e Imprensa, do Primeiro Congresso Católico de Pernambuco. O responsável pela palestra, na qual essa temática seria discutida, foi o Dr. Albino Gonçalves Meira de Vasconcelos, senador e ex-professor da Faculdade de Direito do Recife.

O senador proferiu a palestra Imprensa – Meio pratico de fundação de um jornal católico na diocese. Iniciou dissertando sobre os males que a má imprensa tem causado para a Igreja Católica e para a família pernambucana, afirmando ser “incalculável o estrago e a devastação que um mau jornal exerce, quer na moral publica e social, quer na moral privada e individual” (VASCONCELOS, 1902, p. 301-302). Pois, como “serpente insidiosa, o jornal ímpio encobre sob palavras enganadoras o veneno que destila e que pretende inocular no organismo social” (VASCONCELOS, 1902, p. 302).

Para ele, uma vez que os governantes nada faziam para defender a sociedade dos constantes ataques do jornalismo ateu contra a ética e moral das famílias, caberia aos católicos entrar no campo da escrita para defendê-la. Para isso, propôs dois meios que acreditava serem eficazes:

Em primeiro lugar, sejamos vigilantes para que os maus jornais não penetrem em nossas casas, não profanem o nosso lar: formemos todos os católicos uma liga contra essa tuberculose impressa, para que ela não se propague entre nós. E, como nós somos a grande maioria, a quase unanimidade, quando esses mensageiros da imoralidade não poderem romper o cordão sanitário que lhe tivermos oposto, morreram de inanição.

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211 Em segundo lugar, é preciso criar um jornal católico n’esta diocese (VASCONCELOS, 1902, p. 307). (Grifo original)

Mais adiante, o orador afirmou ter consciência das dificuldades que os católicos enfrentariam na realização de tal projeto. Acreditava que montar uma pequena tipografia e fazer sair os primeiros exemplares de um jornal, não seria uma tarefa tão difícil; o mais complicado, em sua visão, seria a sua manutenção. Assim, fazia-se necessário que todos os católicos se convencessem de que era sua obrigação defender e manter o periódico.

Objetivando proporcionar os meios concretos para a viabilização de um jornal católico na diocese, o senador solicitou que os párocos não medissem esforços para mostrar aos seus fiéis o bem que um jornal católico representaria para a defesa da fé, da moral e da ética cristãs, e que, portanto, deveriam contribuir para este feito.

Encerrando sua palestra, ele propôs que o trabalho para a fundação de um jornal católico em Pernambuco ficasse sob a responsabilidade dos monges do Mosteiro de São Bento, “ordem religiosa que tem sempre iluminado o mundo com os resplendores de sua ciência, e servido de exemplo a todos pela rigidez de sua fé [...] incansáveis trabalhadores, a que a religião tanto deve” (VASCONCELOS, 1902, p. 309). E que se formasse uma comissão permanente, a qual deveria ser composta por religiosos e leigos, para auxiliar os beneditinos nas questões morais e financeiras daquele projeto.

Ao término do Primeiro Congresso Católico de Pernambuco, os congressistas chegaram às seguintes conclusões:

1. O congresso resolve a fundação de um jornal católico, que sirva de órgão aos seus sentimentos e ideias, advogue as necessidades religiosas da diocese, e combata os erros da propaganda anti-católica entre nós. 2. O congresso exige de todos os católicos de Pernambuco, com um dever

de religioso, que contribuam, com donativos ou assinaturas, para a criação e manutenção d’esse jornal.

3. Que os Rvdms. Párocos, em suas freguesias, se esforcem por chamar os seus paroquianos á compreensão e comprimento d’esse dever.

4. Que a mesa do congresso se entenda com os Rvdms. Beneditinos no intuito de conseguir d’eles que se encarreguem da empresa do referido jornal, tanto na parte material como na parte moral.

Que a mesa nomeie oportunamente uma comissão permanente, encarregada de auxiliar aqueles Rvdms. Padres no desempenho de sua árdua tarefa, tanto na parte moral como na parte material da empresa (VASCONCELOS, 1902, p. 310-311). (Grifo original)

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212 Passados quatro anos, as deliberações de Dom Luiz Raimundo da Silva Brito e dos congressistas de 1902, tornaram-se realidade, pois começava a circular o jornal A Tribuna, principal instrumento da boa imprensa no Estado de Pernambuco.

O jornal A Tribuna

No estado de Pernambuco, durante o período que estamos analisando, foram publicados alguns periódicos católicos, como A Crença, O Dia e A Tribuna. Entre estes, o de maior circulação e importância foi, sem dúvida, A Tribuna, que pertencia à Arquidiocese de Olinda e Recife, era fiscalizado diretamente pelo próprio arcebispo, e tinha como finalidade a publicação de questões e visões oficiais da Igreja Católica.

O referido jornal surgiu no Seminário de Olinda, após reunião realizada no dia 13 de julho de 1906, por grupo de seminaristas que formavam a Pia União de São Luiz de Gonzaga, estes decidiram pela criação de um periódico que seria denominado de A Tribuna – Publicação promovida, com aprovação eclesiástica, pela Pia Associação de São Luiz de Gonzaga. Seu primeiro exemplar foi publicado no dia 26 de agosto de 1906, sendo este composto por quatro páginas, sendo cada uma delas dividida em duas colunas e com periodicidade quinzenal. Sua sede ficava no Seminário de Olinda e a impressão era feita na gráfica do Jornal do Recife, localizada na Rua do Imperador.

No editorial da primeira edição, intitulado por A Tribuna, os redatores expressaram a principal finalidade desse periódico:

Isto não é um jornal, é um incentivo apenas.

O desejo de levar a palavra de Deus por aí afora, de porta em porta, foi o seu único objetivo.

É sabido que esforços empregam os filhos das trevas, senão para destruir a verdade, ao menos para cercá-la de mil preconceitos que a tornem odiosa ou impossível.

Uma palavra despretensiosa e verdadeiramente evangélica bem pode convencer alguns, premunir a muitos e ser apropriado incentivo para a prática de olvidados deveres religiosos.

É este o nosso fim (NASCIMENTO, 1975, p. 181).

Seus primeiros redatores foram os padres José Pereira Alves, João Tavares de Moura, Augusto Álvaro da Silva e Francisco de Luna Sobrinho. Os exemplares iniciais eram compostos por um editorial, pelas seções Evangelho, Cartas, Crônica, Noticiário e por outras colaborações. Uma portaria de Dom Luiz Raimundo da Silva Brito, publicada no número 10, datada de 13 de janeiro de 1907, recomendava: o aumento no

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213 corpo da sua redação, passando o mesmo a ser dirigido pelo Monsenhor Marcolino Pacheco do Amaral; a inserção da seção Boletim Oficial, destinada à divulgação das disposições da Santa Sé e da administração diocesana; que cada freguesia contribuísse com 50$000 para ajudar nas despesas da publicação.

A partir da edição de 1º de fevereiro de 1907, o periódico passou a ser intitulado como Tribuna Religiosa – Órgão da Diocese de Olinda. Cada página passou a ser composta por três colunas e sua confecção foi transferida para a Imprensa Industrial, localizada na Rua do Apolo. O número 24, publicado em 15 de agosto de 1907, trazia mais algumas alterações: quatro colunas em cada página e a impressão transferida para a Agência Jornalística Pernambucana, situada na Rua do Imperador.

Em 1909, a sua publicação passou a ser realizada semanalmente, o seu formato manteve-se o mesmo, alterando-se somente o número de colunas que então passava a ser de cinco em cada página. Contudo, a mudança mais significativa foi que o mesmo passou a ser impresso na sua própria oficina gráfica, localizada na Rua da Aurora. No mesmo ano, a Tribuna Religiosa, abriu campanhas contra o líder protestante Jerônimo Gueiros, contra os periódicos O Missionário, Jornal do Recife (ambos da capital) e O Norte Evangélico (de Garanhuns).

Um novo corpo editorial, composto pelos padres Alberto Pequeno (diretor), José Pereira Alves (secretário) e José G. de Sá Leitão (gerente), assumiu a direção do jornal em abril de 1911. Depois de três anos, o Padre Alberto Pequeno foi substituído pelo Padre Leonardo Mascelo, e a direção do periódico passou às mãos do Padre José Pereira Alves.

Entre os anos de 1915 e 1917, a Tribuna Religiosa teve o seu formato reduzido, e chegou a ter sua publicação cancelada por um curto período. Segundo o jornalista Luiz do Nascimento,

devido às dificuldades que se opunham à aquisição de papel, em conseqüência da guerra européia, a Tribuna Religiosa viu-se na contingência de reduzir o formato, o que se verificou de 1º de maio de 1915 a 2 de dezembro de 1916, sendo, então, redator-secretário o Padre Alfredo Xavier Pedrosa. E ficou suspensa.

Depois de “forçado repouso”, por “motivos de ordem superior”, reapareceu a 15 de março de 1917, restabelecido o formato anterior de quatro colunas (NASCIMENTO, 1975, p. 184). (Grifo original)

A partir da edição de 6 de janeiro de 1921, este periódico passou a se intitular A Tribuna – Hebdomadário Católico, o seu corpo redacional também sofreu novas

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214 modificações, passando a ser composto pelos padres José Pereira Alves (diretor), Xavier Pedrosa (redator-chefe) e Euvaldo Souto Maior (redator-secretário).

Quadro 1 – Corpo editorial do jornal A Tribuna (1906-1922)

Nome Função Área de atuação

Cônego Alfredo Xavier Pedrosa Secretário Redator Redator-chefe

- Membro da Academia Pernambucana de Letras. - Diretor e secretário da revista “Maria”.

Dom José Pereira Alves Secretário Redator Diretor

- Professor e reitor do Seminário Diocesano.

- Vigário Capitular da

Arquidiocese de Olinda e Recife. - Sócio Honorário do Círculo Católico em 1932.

- Membro honorário do IAHGP. - Diretor do jornal “Mês do Clero”. - Fundador/responsável da revista “Maria”. - Membro da Academia Pernambucana de Letras.

Dom João Tavares de Moura Redator - Cônego, reitor do Colégio

Diocesano.

- Primeiro bispo de Garanhuns.

Dom Augusto Álvaro da Silva Redator Vigário de São José.

- Bispo de Floresta.

- Sócio Honorário do Círculo Católico de Pernambuco.

- Sócio correspondente do IAHGP.

Padre Francisco de Luna Sobrinho

Redator - Vigário de Vicência.

Monsenhor Marcolino Pacheco do Amaral

Diretor - Vigário Capitular de Olinda.

- Publicou as Cartas Pastorais. Padre Alberto Teixeira Pequeno Diretor - Fundador/responsável da revista

“Maria”.

- Professor do Seminário Episcopal.

Padre José G. de Sá Leite Secretário - Dado não encontrado.

Padre José do Carmo Barata Secretário - Sócio remido do Círculo Católico de Pernambuco. - Participou da diretoria do Círculo Católico de Pernambuco. - Fundador responsável da revista “Maria”.

Padre Leonardo Mascello Secretário - Sócio correspondente do

IAHGP.

- Professor de língua e literatura italiana.

- Diretor da revista “Maria”.

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215 Igualmente a diversos periódicos que circularam no início do século XX, A Tribuna passou por várias dificuldades financeiras, as quais levavam os seus redatores a realizarem constantes pedidos de apoio à comunidade católica. Esses pedidos eram realizados através de matérias publicadas no próprio jornal, através dos padres em suas paróquias e até mesmo pelo arcebispo que, em várias ocasiões, solicitou aos católicos que angariassem assinaturas do periódico: “o sr. Arcebispo incitou todas as associações a trabalharem com denodo em favor da imprensa católica, a arma por excelência dos nossos tempos. Pediu a todas as associações confederadas que angariassem assinaturas da Tribuna Religiosa (sic)” (A TRIBUNA, 09 de janeiro de 1919, p. 02).

O supracitado pedido do arcebispo foi direcionado a algumas associações católicas femininas em encontro realizado no mês de dezembro de 1918. Depois de um mês, foi realizado outro encontro com o mesmo grupo de mulheres para que estas apresentassem o resultado de seus trabalhos, o qual foi bastante agradável aos olhos de Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra.

Encarregara o sr. Arcebispo as associações confederadas, na ultima reunião de Dezembro, de trabalharem em favor da imprensa católica, angariando novas assinaturas para a Tribuna Religiosa.

As senhoras católicas de Pernambuco mostraram mais uma vez que, quando amam uma causa, entregam-se a ela com toda a dedicação.

Foram 708 assinaturas novas que as associações femininas apresentaram ao sr. Arcebispo.

O sr. Arcebispo encerrou a sessão com elevadas palavras de elogios e gratidão ás Associações Católicas femininas, palavras que, de todo coração, fazemos nossas (A TRIBUNA, 30 de janeiro de 1919, p. 01). (Grifo nosso)

Entre as associações que faziam parte dessas reuniões organizadas e presididas pelo próprio líder da Arquidiocese de Olinda e Recife, estavam as Pias Uniões de Filhas de Maria. Em inúmeras reuniões da Confederação das Associações Católicas – Sessão Feminina2, que ocorriam mensalmente sob a direção do arcebispo, as Filhas de Maria se destacaram devido aos resultados satisfatórios dos trabalhos que desenvolviam em prol da boa imprensa.

Ha dias já nos chegara a noticia de que um grupo de zelosas senhoritas andavam com solicitude angariando assinaturas para “A Tribuna”.

2 No mês de setembro de 1918, no salão nobre do Circulo Católico, o arcebispo Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra realizou uma cerimônia para a instalação da Confederação das Associações Católicas:

Sessão feminina, da Confederação das Associações Católicas da Arquidiocese e Olinda e Recife (A

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216 E o resultado foi aquele que vimos.

Chamadas as diversas associações a maioria delas, trouxe o seu contingente de animador.

Mas subiram ao auge a alegria e o entusiasmo da seleta assembléia quando a Pia União das Filhas de Maria do Colégio da sagrada (sic) Família apresentou as suas listas.

Eram 230 assinaturas da “A Tribuna” pagas adiantadamente. Bravo! Senhoritas! Foi o grito mudo de todos.

As filhas (sic) de Maria do Colégio de Casa Forte são as amazonas de Deus e da Boa Imprensa! Será isto motivo de inveja para alguém? Não. De estimulo, sim! De ufania para todos nos. Consola tanto zelo, e anima tanto carinho pela nossa causa (A TRIBUNA, 03 de fevereiro de, 1921, p. 02). (Grifo original)

O excelente desempenho das Filhas de Maria na propagação de A Tribuna pode ser atribuído a uma campanha iniciada em 1911, durante o arcebispado de Dom Luiz Raimundo da Silva Brito, com aquela associação, quando o periódico passou a publicar algumas matérias de incentivo à participação destas mulheres nos trabalhos de divulgação do jornalismo católico:

O apostolado da Boa Imprensa é uma questão visceral. Difundir o bom jornal, arranjar assinaturas, inculcar a leitura é fazer-se benemérito da Religião, é levar luz ás trevas de muitas inteligências, alento e esperanças á agonia e desanimo de muitos corações, é ser apostolo e colaborador de Deus na salvação do mundo.

Eis uma bela e imprescindível forma de apostolado digna de ser posta em pratica pelas “Filhas de Maria”. Difundir a Boa Imprensa é um sacerdócio. Porque as 'Filhas de Maria' não serão as nobres e abnegadas sacerdotisas desse grande ministério?

Promovam assinaturas em suas casas, entre as pessoas de suas relações, entre os estranhos com uma grande Constancia; inculquem com convicção a leitura dos bons periódicos e folhas, façam que eles avassalem todos os lares e passem por todas as mãos.

Exercei com paixão e entusiasmo, Filhas de Maria, esta Grande Obra do bem (TRIBUNA RELIGIOSA, 08 de julho de 1911, p. 01). (Grifo nosso)

Neste sentido, as jovens deveriam dedicar seus esforços angariando o maior número de assinaturas de A Tribuna que pudessem, pois, dessa forma, estariam fortalecendo a boa imprensa, contribuindo assim para a propagação da fé, ética e moral católica.

A atuação das Filhas de Maria no meio jornalístico foi tão satisfatória que, dois anos após o início dos seus trabalhos na propagação do jornalismo católico, elas conquistaram o direito de publicarem o seu próprio periódico, a revista Maria. Esta revista tinha o apoio do jornal A Tribuna, que repetidas vezes publicou notas sobre o periódico, como observamos na edição de 22 de março de 1923, na qual foi publicada a seguinte nota: “dez anos de serviços prestados ao publico! A revista ‘Maria’ já não pode

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217 mais desaparecer do cenário da imprensa. É um baluarte que cada vez mais se afirma no conceito da sociedade” (A TRIBUNA, 22 de março de 1923, p. 04).

A introdução da revista Maria como meio de comunicação da Igreja Católica com a sociedade, e mais especificamente com o sexo feminino, representa o reflexo dos trabalhos realizados pelas Filhas de Maria em prol do jornalismo católico, revelando-nos sua importância para a execução e expansão da boa imprensa em Pernambuco.

A revista Maria

O ano de 1911 marca o início da atuação das Filhas de Maria no campo jornalístico, através de uma forte propagação da imprensa católica, na qual estas jovens se destacaram por angariarem um expressivo número de assinaturas para o jornal A Tribuna. O desempenho conseguido proporcionou-lhes a conquista de um periódico próprio, a revista Maria. A introdução deste periódico representa uma verdadeira conquista para as mulheres católicas da época, pois aquelas jovens conquistaram o seu lugar na imprensa pernambucana.

O periódico, Maria – Revista Mensal Literária, Apologética e Noticiosa, começou a circular em abril de 1913. Era publicado pelas Filhas de Maria, com a finalidade de propor a continuidade da relação de suas associadas com a devoção à Santíssima Virgem, com os trabalhos da Igreja e com a própria associação.

Como todos os periódicos católicos do período, a revista era supervisionada por líderes eclesiásticos; assim, a sua primeira mesa diretora foi composta pelos padres Alberto Pequeno, José Pereira Alves, José do Carmo Barata e Guilherme Wassen; com exceção deste último, os outros três faziam parte da redação do jornal A Tribuna.

Depois de catorze meses de circulação ininterrupta, a revista teve sua publicação interrompida. Em abril de 1915, voltou a ser publicada, tendo a sua sede no Seminário de Olinda. Em julho daquele mesmo ano, foi publicada a edição de número 4, a qual trouxe algumas modificações: o subtítulo passou a ser Revista das Filhas de Maria; a redação foi completamente modificada, passando a ser composta pelos padres Leonardo Mascello (diretor), Alfredo Xavier Pedrosa (secretário) e Henrique Vieira (gerente); e seus trabalhos gráficos passaram a ser realizados pela Imprensa Industrial.

Em maio de 1917, o Padre Henrique Vieira foi substituído pelo Padre Euvaldo Souto Maior na gerência da revista. Em outubro de 1919, sua sede foi transferida para o Recife, passando a funcionar na Rua Conde da Boa Vista, n. 640. Em junho de 1920, o

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218 Padre Leonardo Mascelo, diretor da revista, foi substituído pelo Cônego Alfredo Xavier Pedrosa.

Quadro 2 – Corpo editorial da revista Maria (1913-1922)

Nome Função Área de atuação

Padre Alberto Teixeira Pequeno Fundador/responsável (04/1913-05/1914)

- Diretor do jornal “A Tribuna”. Dom José Pereira Alves Fundador/responsável

(04/1913-05/1914)

- Redator, secretário e diretor do jornal “A Tribuna”.

- Professor e reitor do Seminário Diocesano.

- Vigário Capitular da

Arquidiocese de Olinda e Recife. - Sócio Honorário do Círculo Católico de Pernambuco. - Membro honorário do IAHGP. - Dirigiu o jornal “Mês do Clero”.

- Membro da Academia Pernambucana de Letras.

Padre José do Carmo Barata Fundador/responsável (04/1913-05/1914)

- Redator e secretário do jornal “A Tribuna”.

- Sócio remido do Círculo Católico de Pernambuco. - Participou da diretoria do Círculo Católico de Pernambuco. Padre Guilherme Wassen Fundador/responsável

(04/1913-05/1914)

- Fundador do Círculo Operário do Recife.

- Co-fundador da Escola de Belas Artes do Recife.

- Fundador do Círculo Operário do Recife.

- Membro do Círculo Católico de Pernambuco.

Padre Leonardo Mascello Diretor (04/1915-05/1920) - Redator e secretário do jornal “A Tribuna”.

- Sócio correspondente do IAHGP.

- Professor de língua e literatura italiana.

Cônego Alfredo Xavier Pedrosa Secretário (04/1915-05/1920) Diretor (06/1920-12/1922)

- Redator e secretário do jornal “A Tribuna”.

- Membro da Academia Pernambucana de Letras. Padre Henrique Vieira Gerente (04/1915-04/1917) - Dado não encontrado. Padre Euvaldo Souto Maior Gerente (05/1917-02/1922) - Dado não encontrado.

A numeração dos exemplares correspondia ao mês do ano, assim, a sua contagem se reiniciava anualmente indo do número 1 ao 12. Cada exemplar era composto por uma média de 16 a 30 páginas. As capas eram bem ilustradas e quase sempre traziam imagens dos santos católicos, com a marcante predominância da

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219 imagem de Nossa Senhora das Graças; em alguns exemplares, estampou em suas capas retratos de personalidades eclesiásticas e de monumentos arquitetônicos.

Observamos que, entre julho de 1915 e novembro de 1917, com exceção dos números 7/8, referente aos meses de julho/agosto de 19163, e do número 5, referente ao mês de maio de 19174, todas as capas tiveram o mesmo design: o nome da revista em destaque, seguido por um terço, ao centro deste se encontrava a imagem de nossa Senhora das Graças, em seu entorno a frase Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós; abaixo da Virgem, uma paisagem tropical, composta por coqueiros, o mar e uma igreja localizada no alto de um morro; por fim, um retângulo contendo os dados bibliográficos do exemplar.

Praticamente todos os exemplares da revista Maria reservavam uma página dedicada ao registro dos nomes de alguns assinantes; este espaço inicialmente intitulou-se Assinaturas de Proteção, intitulou-sendo depois substituída por Quadro de honra dos protetores da revista Maria. Entre eles, figuravam senhoras da alta sociedade (como Maria Pedrosa de Andrade Borba, Alice de Sá Correa de Oliveira e Maria Adelaide Aranha Brandão Cavalcanti), instituições de ensino (como o Colégio de São José, Colégio do Sagrado Coração Eucarístico e Colégio das Damas da Instrução Cristã) e de Pias Uniões (como a Pia União das Filhas de Maria do Barro, Pia União das Filhas de Maria do Colégio da Sagrada Família de Casa Forte e Pia União das Filhas de Maria de Ponte de Uchoa).

O corpo textual de Maria era bastante diversificado, sendo formado por: notícias locais, nacionais e internacionais, tanto religiosas quanto laicas; atividades a serem realizadas e as já realizadas pelo clero, pelas igrejas e pelas próprias Filhas de Maria; textos de combate às novidades modernas consideradas perniciosas (como roupas, danças e cinema); poesias; artigos sobre devoção, vida religiosa, boa conduta etc. Ainda sobre os textos, destacamos o cuidado na elaboração dos títulos, que se caracterizavam por serem bastante claros, objetivos e atraentes, vejamos alguns exemplos: Moda que santifica (julho de 1915), Místicas Flores a Maria (março de 1917), O Ceará e as grandes secas (fevereiro de 1920), Sem religião, sem nada (abril de 1922) etc.

De 1913 a 1922, encontramos em Maria algumas sessões que perduraram por alguns anos, tendo sido praticamente estáveis: Notas e Fatos (pequenas notícias sobre o

3 Na capa deste número, temos a fotografia de Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, em homenagem a sua posse na Arquidiocese de Olinda.

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220 Brasil e o mundo), Respigando... (curiosidades, poesias, pequenos contos, provérbios e afins) e Revista do mês (indicações de livros, revistas e jornais para leitura).

Nas duas primeiras décadas do século XX, a grande maioria dos periódicos (laicos e religiosos) reservava suas últimas páginas para a publicidade comercial. Contrariando esta tendência, a revista Maria, durante os seus primeiros sete anos de existência, não publicou nenhum tipo de propaganda comercial. Em janeiro de 1922, ela passou a seguir o padrão editorial da maioria dos outros periódicos, reservando, assim, a sua última página para publicidade comercial; entre os anunciantes estavam os serviços de profissionais liberais, casas comerciais, produtos alimentício entre outros.

Uma revista feminina a serviço da normatização

A revista Maria foi um dos instrumentos utilizados pelos líderes eclesiásticos do estado de Pernambuco, para a propagação da devoção mariana e para a normatização da mulher católica, especialmente das Filhas de Maria. Um artigo nela publicado, em fevereiro de 1917, intitulado A-B-C das Filhas de Maria, nos aponta uma pequena amostra das qualidades que deveriam ser perseguidas pelo sexo feminino:

Ardentes no amor de Deus e da Virgem. Benévolas com os pobres.

Constantes no trabalho.

Dedicadas no ensino do Catecismo.

Esmeradas no cumprimento do que preceitua o Manual. Frequentes na comunhão.

Guardadoras da lei de Deus e da Igreja. Humildes com seus pais e superiores. Inocentes em suas conversas.

Joviais com suas irmãs e companheiras. Kyrie Eleison seja o seu grito nos sofrimentos. Livros honestos ornem sua estante.

Modesto seja o seu porte. Níveo o vestuário. Obediente o seu coração. Pura a sua alma.

Quietação reine seu juízo. Real seja o seu afeto.

Salutares sejam seus conselhos. Terna seja sua voz.

Úteis sejam suas ações. Verídicas as suas palavras.

Zelosas sejamos todas nós em aprender este A-B-C (ANGELUS, 1917, p. 195). (Grifo original)

Neste A-B-C identificamos instruções relacionadas à devoção (ardentes no amor de Deus e da Virgem), doutrina (frequentes na comunhão), comportamento (modesto

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221 seja seu porte), dever religioso (dedicadas no ensino do catecismo) e dever social (benévolas com os pobres). Em suma, um conjunto de regras que deveriam ser observadas pelas jovens católicas.

As Filhas de Maria deveriam ser verdadeiros exemplos a serem seguidos pelas outras jovens, portanto, não poderiam se macular com algumas novidades culturais da modernidade, como vestuário, danças e cinema. Assim, alguns artigos foram publicados na revista Maria, os quais tinham por objetivo mostrar que estas novidades eram as principais responsáveis pela imoralidade e desvalorização da família e da sociedade. Vigiar e orar, se penitenciar quando necessário, praticar uma vida regrada, longe dos excessos, ou seja, ser uma mulher exemplar. Nessa empreitada ardorosa, a boa imprensa desempenharia um importante papel, apregoando a palavra católica diante das más influências, em um veículo a serviço da disciplina.

A influência das roupas europeias sobre as mulheres pernambucanas foi um ponto de questionamento e rejeição, tanto do clero quanto das mulheres de “boa família”, pois as roupas da moda europeia eram mais curtas (deixando partes do corpo à mostra) e mais justas (delineando o corpo).

A moda, a terrível corruptora, investiu até contra os lares. Arregaçou as saias das donzelinhas e desceu o decote das senhoras.

A moda está corrompendo tudo, sem o menor respeito ás coisas mais puras, mais recatadas ou mais sagradas. Tristes tempos estes, em que a própria família não se sente forte na sua moralidade e inabalável na sua pureza! (A MODA corruptora, 1920, p. 10-11).

Com o objetivo de preservar o corpo da mulher dos olhares maliciosos, a revista Maria publicou em março de 1919, o artigo A moda sem freios, o qual trazia para as suas leitoras a seguinte recomendação: “é preciso formar-se barreira á moda despudorada, que por aí afora, tristemente impera, faz-se necessário que o grande número de jovens e senhoras que formam as Congregações marianas, sejam solicitas e persistentes em não seguir os costumes grandemente paganizados de hoje” (A MODA sem freios, 1919, p. 35).

Outra preocupação dos eclesiásticos era os novos meios de comunicação social que, na visão destes, também contribuíam para a desvalorização das famílias e, portanto, deveriam ser evitados pelas Filhas de Maria. Assim, se pretendia controlar as transformações culturais em curso, moralizando não somente as jovens, mas toda uma

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222 sociedade. Neste ponto, encontravam-se os bailes, pois as danças que se tem visto neles, são

uma das maiores calamidades do nosso século e que tem tomado ultimamente, uma feição a essa característica, estereotipando, com nitidez apavorante, a imoralidade dos nossos costumes.

Aliás a dança deixou de ser a diversão honesta para se transformar num passatempo escandaloso, encobrindo com as roupagens do conceito que teve no passado, as infâmias que em nossos dias se praticam.

Refiro-me á dança “profunda e descaradamente sexual”, no dizer de Franco da Rocha, transplantada do “cabaré” para os clubes recreativos e destes para o seio das mais recatadas famílias, sem a menor alteração possível (BARROS, 1922, p. 188).

O cinema foi outro meio de comunicação bastante combatido pelo clero pernambucano, pois era tido como o grande difusor de relacionamento sexual mais nítido, por causa das exibições de cenas de abraços e beijos, sendo um instrumento de propagação da perversidade, o que lhe caracterizava como um ambiente indesejável e, portanto, desaconselhado às Filhas de Maria. Por isto, tornou-se alvo de ataque da política normatizadora da Igreja Católica, pois estava disseminando a imoralidade e a desvalorização da família.

Não é a primeira vez que levantamos a voz contra aquelas empresas cinematográficas, que, pela sua gana de lucros, oferecem fitas indecentes, cujas cenas violentas e escandalosas abalam os nervos e excitam a fantasia dos espectadores.

E os Paes de família? E as mães o que fazem? Que cuidados tomam para com os filhos e filhas? E os governos? É tempo de reagir, levantar a voz e protestar contra este abuso e esta traição horrível.

Entretanto urge tomar uma providencia contra os abusos dos cinemas. É preciso preservar, salvar a mocidade, as crianças e especialmente a mulher. E isto pela paz das famílias, pela integridade da sociedade e da pátria (MAX, 1916, p. 122-123).

Como podemos observar, nas matérias acima citadas, a sensação de liberdade de pensar e escrever que passava pelo discurso dos líderes eclesiásticos, parece não passar de um meio encontrado pela Igreja Católica para enquadrar as jovens no modelo idealizado pela mesma, no qual, as Filhas de Maria simbolizavam a luta das Marias para não se tornarem Evas.

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223 Como vimos à participação das Filhas de Maria na imprensa, entre os anos de 1902 e 1922, no Estado de Pernambuco, deu-se inicialmente pela propagação desta imprensa, principalmente do jornal A Tribuna. Contudo, não podemos deixar de reconhecer que, nessa mesma época, a publicação da revista Maria foi um dos periódicos católicos que mais correspondeu aos objetivos da boa imprensa, pois, através do sexo feminino, não só manteve as tradições católicas, como também as reproduziu na sociedade pernambucana.

Por fim, ressaltamos que a existência de uma revista, publicada pelas mulheres, naquele período, mesmo tendo a sua redação formada por homens, e suas matérias, na grande maioria, elaboradas também por homens, não deixa de representar uma vitória para as mulheres católicas da época, pois elas conquistaram um espaço na imprensa em um momento em que a participação feminina era dificultada e até mesmo negada, fosse ela religiosa ou leiga.

Referências

AÇÃO Católica Feminina. A Tribuna, 30 de janeiro de 1919. Recife, 1919, p. 01.

AÇÃO Social Católica Feminina: a favor da imprensa católica. A Tribuna, 09 de janeiro de 1919. Recife, 1919, p. 02.

ALMEIDA, Cláudio Aguiar. Meios de comunicação católica na construção de uma ordem autoritária: 1907/1937. 2002. 264 p. Tese (Doutorado em História) – Curso de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo. São Paulo.

ANGELUS. A-B-C das Filhas de Maria. Maria. Olinda, ano 5, n. 2, p. 195, fev. 1917. BARROS, José de. A imoralidade das danças. Maria. Recife, ano 10, n. 11, p. 188, nov. 1922.

BARROS, José de Camargo. Em favor da imprensa católica. In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo (Sel. e Introd.). Os bispos do Brasil e a imprensa. São Paulo: Loyola/CEPEHIB, 1983. pp. 31-40.

A BOA imprensa e as Filhas de Maria. Tribuna Religiosa, 08 de julho de 1911. Recife, 1911, p. 01.

BRITO, Dom Luiz Raimundo da Silva. Discurso. In: Anais da obra dos congressos católicos em Pernambuco. Primeiro congresso. Recife: Empresa d’ A Província, 1902. pp. 15-20.

CONFEDERAÇÃO das Associações Católicas: sessão feminina. A Tribuna, 03 de outubro de 1918. Recife, 1918, p. 01.

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224 CONFEDERAÇÃO Católica: sessão das senhoras. A Tribuna, 03 de fevereiro de 1921. Recife, 1921, p. 02.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2003. 80 p.

LEÃO XIII. Sobre a imprensa. Documentos pontifícios. Petrópolis: Vozes, 1959. 31 p. LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Os bispos do Brasil e a imprensa. In: ______. (Sel. e Introd.). Os bispos do Brasil e a imprensa. São Paulo: Loyola/CEPEHIB, 1983. pp. 07-29.

MAX. Cinemas. Maria. Olinda, ano 4, n. 10, pp. 122-123, out. 1916.

MICELI, Sergio. A gestão diocesana na República Velha. Revista religião e sociedade. São Paulo, v. 12, n. 1, pp. 92-111, 1998.

A MODA corruptora. Maria. Olinda, ano 8, n. 1, pp. 10-11, jan. 1920. A MODA sem freios. Maria. Olinda, ano 7, n. 3, pp. 35-36, mar. 1919.

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A REVISTA Maria. A Tribuna, 22 de março de 1923. Recife, 1923, p. 04.

SOARES, Ismar de Oliveira. Do Santo Oficio à libertação: o discurso e a prática do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil sobre a comunicação social. São Paulo: Paulinas, 1988. 404 p.

VASCONCELOS, Albino Gonçalves Meira de. Imprensa: Meio pratico para de fundação de um jornal católico na diocese. Anais da obra dos congressos católicos em Pernambuco. Primeiro congresso. Recife: Empresa d’ A Província, 1902. p. 301-311.

Recebido em 17 de Outubro 2013/ Aprovado em 4 de Junho 2014.

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