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O lugar do crime no jornalismo: a escrita de notícias sobre crimes no Diário de Notícias

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Academic year: 2020

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O lugar do crime no jornalismo: a escrita de

notícias sobre crimes no Diário de Notícias

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O lugar do crime no jornalismo: a escrit

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tícias

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Ricardo Batista Bettencourt

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Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Sandra Marinho

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Ricardo Batista Bettencourt

Relatório de Estágio

Mestrado em Ciências da Comunicação

Área de especialização em Informação e Jornalismo

O lugar do crime no jornalismo: a escrita de

notícias sobre crimes no Diário de Notícias

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Agradecimentos

À Débora, minha namorada, futura mulher, presente mais que tudo, porquanto sem ela não teria sido possível tudo isto. Tenho a consciência de que nem a totalidade das páginas deste relatório me bastariam para escrever o quanto lhe amo e o quão grato estou pelas horas de mel, dias de carinho, semanas de ternura, meses de afeto e anos de amor. Agradeço também pela ajuda e pela disponibilidade, pela paciência e pelo mais belo sorriso que alguma vez vi.

À minha orientadora da Universidade do Minho, professora Sandra Marinho, pela preciosa ajuda e afável simpatia com que sempre me brindou nas reuniões.

Ao meu orientador de estágio no Diário de Notícias, David Mandim, e a toda a equipa de jornalistas do DN na redação do Porto, por toda a ajuda e por todos os conselhos que me deram numa nova etapa da minha vida profissional.

À minha família, e em particular aos meus pais, por tudo terem feito para que pudesse alcançar esta meta e por me terem proporcionado as melhores condições para que fosse possível singrar no ensino superior. A eles, prometo enchê-los de orgulho.

À comunidade do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade dos Açores e à minha antiga turma da licenciatura – nunca serão esquecidos –, por me terem inspirado a continuar a vida académica e por me terem alimentado o gosto pelo jornalismo.

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O lugar do crime no jornalismo: a escrita de notícias sobre crimes no Diário de Notícias

Resumo

O crime é um evento que, pela sua natureza, tem de ser noticiado. Em todos os jornais, há sempre espaço para as notícias relacionadas com crimes de diversas origens, tal como há para política, economia ou desporto. No entanto, há diferentes formas de o crime ser noticiado. Em jornais ditos mais sensacionalistas, o objetivo de emocionar mais do que informar faz com que se corra o risco de infringir algumas regras que fundaram a profissão de jornalista, presentes no Código Deontológico do Jornalista. No presente relatório, além de uma profunda reflexão sobre a experiência de estágio vivida na redação do Diário de Notícias, foi conduzido um estudo que visou compreender que fontes noticiosas foram utilizadas nos relatos de crimes do Diário de Notícias no período em que lá estagiei e se e que normas do Código Deontológico do Jornalista foram violadas. Depois, atestou-se que diferenças existem entre esses relatos de crimes escritos nesse jornal de pendor mais informativo e noutro mais sensacionalista (Correio da Manhã). Tais objetivos foram alcançados através da análise de conteúdo das notícias presentes no Diário de Notícias para se aferir as fontes utilizadas e as normas do Código Deontológico desrespeitadas e da comparação entre notícias relativas aos mesmos crimes nos dois jornais supracitados. Este estudo permitiu concluir que as notícias de crimes no Diário de Notícias

afastam-se do sensacionalismo, enquanto as que são noticiadas pelo Correio da Manhã dele se aproximam.

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The place of crime in journalism: the writing of crime news in Diário de Notícias

Abstract

Crime is an event that, due to its own nature, has to be reported. In every newspaper, there is always space for news related to any sort of crime, just like there is for politics, economy issues or sports. However, there are different ways to report the crime. In the so-called sensationalist newspapers, the goal of trigger emotions rather than inform people can put in danger some vital rules that founded the journalist profession, established in the Journalist’s Code of Ethics. In this report, apart from a profound reflection on the internship experienced in Diário de Notícias’ newsroom, a study was conducted in order to understand which journalistic sources were used in crime news that I have written in Diário de Notícias and if and what rules of the Journalist’s Code of Ethics were infringed, and then to comprehend what were the differences between the crime reports written in that newspaper and those written in a more sensationalist one (Correio da Manhã). These goals were met through the content analysis of the news written in Diário de Notícias to assess the sources used and the rules of the Code of Ethics that were disrespected and also through the comparison between news related to the very same crimes in the two newspapers mentioned above. This study concluded that crime news written in

Diário de Notícias avoids sensationalism, whilst those reported in Correio da Manhã embraces it.

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Índice

Introdução ... 1

Capítulo I – Diário de Notícias: uma viagem por entre mais de um século de história... 3

Capítulo 2 – O estágio: uma viagem por entre mais de um século de aprendizagem ... 7

2.1 – Afazeres plenos de prazeres ... 7

2.2 – Mortes que me deram vida ... 8

2.3 – Novos desafios de um novo mundo ... 9

2.4 – Amargos dissabores para temperar no futuro ... 12

2.5 – Entre a experiência e o estudo das notícias sobre crime ... 13

Capítulo 3 – O que envolve a escrita de notícias de crimes: um olhar sobre a literatura ... 17

3.1 – Algumas considerações sobre a imprensa tabloide ... 17

3.2 – O valor do texto e da imagem na construção das notícias ... 19

3.3 – Notícias de crimes na imprensa ... 21

3.4 – As fontes de informação em relatos de crimes ... 23

3.5 – O que diz o Código Deontológico do Jornalista ... 27

Capítulo 4 – Metodologia ... 31

4.1 – Objetivos ... 31

4.2 – Amostra ... 31

4.3 – Instrumentos de análise ... 32

4.4 – Procedimentos ... 32

Capítulo 5 – As notícias de crime no Diário de Notícias ... 35

5.1 – As fontes noticiosas utilizadas nos relatos de crime no Diário de Notícias ... 35

5.2 – O Código Deontológico do Jornalista e os relatos de crime no Diário de Notícias ... 40

5.3 – Relatos de crime no Diário de Notícias e no Correio da Manhã: a comparação ... 44

Capítulo 6 – Considerações finais ... 55

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Anexos ... 65

Anexo I – Total das 20 notícias analisadas no DN ... 65

Anexo II – Número e tipo de fontes de informação utilizadas nas 20 notícias do DN ... 75

Anexo III – Grelha de observação referente ao respeito pelas normas do Código Deontológico do Jornalista das 20 notícias do DN ... 77

Anexo IV – Grelha de observação para a comparação das 14 notícias sobre o mesmo tema do DN e do CM ... 79

Anexo V – Notícias do CM sobre o mesmo tema do DN ... 87 

Índice de figuras e tabelas

Figura 1 – Gráfico representativo dos valores da tiragem e da circulação do DN nos três bimestres do ano de 2014 ... 4 Figura 2 – Gráfico comparativo dos valores da circulação dos cinco jornais diários nos primeiros três bimestres do ano de 2014 ... 5 Tabela 1 – Tipificação das fontes jornalísticas, de acordo com Schmitz (2011) ... 24 Tabela 2 – Número de notícias e breves redigidas em função das secções do jornal ... 32

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Introdução

“É a primeira vez, tem tudo para correr bem”. Ainda me lembro do pensamento que não pediu licença para me invadir a mente momentos antes de pôr os pés na redação do Diário de Notícias. Na data certa, nove meses depois de lá ter estado pela última vez, nasce o presente relatório de estágio, num esforço de demostrar o que vi, senti, vivi e aprendi na minha primeira experiência a sério numa redação de um dos principais jornais diários portugueses. Constitui também, por isso, um exercício de reflexão que se desdobrará em duas partes distintas.

O presente relatório congrega, por um lado, a minha experiência de estágio profissionalizante, decorrido entre outubro de 2013 e janeiro de 2014, com um relato sistematizado de todas as experiências, dificuldades, expetativas e esperanças para o meu futuro profissional. A descrição das atividades realizadas é sempre feita com um pensamento crítico, tendo em vista refletir sobre o que foi feito, o que poderia ter sido feito e o que poderá ser feito no futuro. A segunda parte deste relatório debruça-se sobre o modo como as notícias de crime são ou devem ser escritas nos jornais, uma questão que durante o estágio muito me fez pensar. Tendo sido o meu trabalho diário no jornal muito baseado em notícias que envolviam o crime como temática, estive sempre exposto a essa realidade, o que me fez questionar, por várias vezes, sobre como deve o crime ser relatado num jornal de pendor mais informativo. Por isso, foi levado a cabo um estudo que se distribuiu em três partes: primeiro, analisar 20 notícias sobre crimes da minha autoria escritas durante o período de estágio, para se aferir quantas e que tipo de fontes de informação foram utilizadas; segundo, averiguar se tais notícias cumprem as normas vigentes no Código Deontológico do Jornalista; terceiro, atestar se existem diferenças – e quais – entre os relatos de uma mesma notícia do Diário de Notícias, escritos por mim, e do Correio da Manhã. Mas antes de tudo isso, o ponto de partida é dado no capítulo que imediatamente se segue, onde conto um pouco mais sobre o jornal onde estagiei, a sua história e os seus números de tiragem e circulação.

“Tem tudo para correr bem”. Não podia iniciar este relatório de estágio sem registar de novo o pensamento com que principiei o estágio e que, curiosamente, é o mesmo que sinto no momento em que dou início à sua etapa conclusiva.

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Capítulo I – Diário de Notícias: uma viagem por entre mais de um século de história

O Diário de Notícias (DN) é um jornal que no presente ano de 2014 completa 150 anos de existência, o mais antigo do território continental e o segundo mais antigo do país. Testemunha de várias e diferentes forças políticas que governaram Portugal e de outros tantos acontecimentos que marcaram a história do país e da própria humanidade, é um dos títulos mais importantes da imprensa diária nacional.

Nascido na segunda metade do século XIX, no ano de 1864, altura que apadrinhou o fim das guerras civis e militares que dividiram o país, o DN assumiu-se desde o primeiro número como um jornal informativo, numa altura em que a imprensa era marcadamente partidária. Segundo pode ler-se no site do jornal1, ao passo que os jornais custavam, na altura, entre 30 a 60 reis, podia adquirir-se o

DN por 10, facto que contribuiu para uma difusão rápida do jornal por todo o país. Foi responsável pela introdução da reportagem no país tal como hoje a conhecemos e pela introdução dos telegramas das agências de informação internacionais nas suas colunas. O DN foi pioneiro também na introdução da publicidade nos jornais e na reformulação da venda do jornal nas ruas através de uma nova classe profissional – os ardinas.

Também se pode ler no site do jornal que o seu fundador, Eduardo Coelho, desejava que o DN fosse convertido num “jornal de todos e para todos, para pobres e ricos de ambos os sexos e de todas as condições, classes e partidos”. Em 1919, Augusto de Castro assumiu a direção do jornal e, a partir daí, a fisionomia do DN foi mais adaptada aos padrões europeus, nomeadamente os que ecoavam de Paris. Atualmente, em 2014, o jornal opera a partir de várias cidades: a sede é em Lisboa, mas as delegações do Porto, Coimbra, Leiria, Faro e Funchal também ajudam a construir o jornal que todos os dias é posto à venda no país.

Hoje, o DN já não está só. Com a profusão da imprensa no país, o jornal enfrenta agora desafios que se prendem com a sua própria sustentabilidade. Num mercado cada vez mais feroz e agressivo, onde tudo vale em nome do lucro, o DN já não se posiciona como o líder de vendas no país. Na verdade, analisando os dados da Associação Portuguesa para o Controlo da Tiragem e Circulação (APCT), percebemos que ao longo do ano de 2013, a tiragem e a própria circulação do DN foi gradualmente diminuindo. Se no primeiro bimestre desse ano se publicaram 41.504 exemplares dos jornais e 25.398 circularam – ou seja, 61% deles chegaram às mãos das pessoas –, o último bimestre de 2013 testemunhou uma tiragem na ordem dos 32.217 exemplares e uma circulação de 17.794, o que significa que 55% dos jornais nesse bimestre chegaram efetivamente ao público. No ano de 2014,

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a informação disponibilizada até à data pela APCT, a qual podemos observar através da Figura 1, permite-nos constatar que o cenário se mantém idêntico, ainda que com valores de tiragem mais baixos: o primeiro bimestre foi marcado por uma circulação de 17.478 jornais e o terceiro – último com dados disponíveis no site 2 – de 17.414 jornais.

31.409 31.071 31.197 17.478 17.420 17.414 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000

1.º Bimestre 2.º Bimestre 3.º Bimestre Tiragem Circulação

Figura 1 – Gráfico representativo dos valores da tiragem e da circulação do DN nos três bimestres do

ano de 2014 (fonte: APCT).

Por comparação com os jornais diários de informação que se vendem em Portugal, percebemos que o DN está longe do fulgor de outros tempos. Hoje, encontra-se – sempre tendo em conta os dados disponibilizados pela APCT relativos aos três primeiros bimestres do ano – em quarto lugar dos jornais de informação geral diários que mais venderam no país em 2014. A Figura 2 mostra que o Correio da Manhã (CM) é, destacadíssimo, o que mais circulação registou, o único acima das 100.000 unidades. O pico acontece no primeiro bimestre, em que atinge a marca de 115.165 jornais vendidos. De seguida, encontra-se o Jornal de Notícias, com uma vantagem de mais de 30.000 unidades em todos os três bimestres em comparação com o Público. Só depois vem o DN, que apenas está acima do jornal i, o qual nunca ultrapassou uma circulação de pouco mais de 4.207 unidades. Um facto curioso é que todos os diários apresentaram números inferiores de circulação se compararmos com o ano de 2013, à exceção do Público, que no primeiro bimestre deste ano registou um número ligeiramente superior de circulação (27.918 em 2013 contra 28.284 em 2014). Posso dizer, com a certeza que só os números conseguem dar, que houve uma quebra generalizada de circulação de jornais nos principais diários de informação em Portugal nesse período.

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140.000 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000

1.º Bimestre 2.º Bimestre 3.º Bimestre

Correio da Manhã Jornal de Notícias Público

Diário de Notícias Jornal i

Figura 2 – Gráfico comparativo dos valores da circulação dos cinco jornais diários nos primeiros três

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Capítulo 2 – O estágio: uma viagem por entre mais de um século de aprendizagem

2.1 – Afazeres plenos de prazeres

Neste que foi o quarto jornal de informação diário que mais vendeu no país durante todo o ano de 2013, estagiei durante três meses na secção País – Segurança, na delegação do Porto, de 7 de outubro de 2013 a 6 de janeiro de 2014. Nesta secção, são redigidas sobretudo notícias relacionadas com crimes, tribunais, acidentes, forças de segurança e ações de sensibilização que ocorrem no país. Embora fosse essa a secção na qual eu trabalhava diariamente, pude também direcionar, de vez em quando, a minha atenção para outras duas secções: a de País – Cidades, onde se incluem notícias mais de âmbito local e/ou relacionadas com eventos que acontecem nas várias cidades que povoam o país, e a de Sport, além dos habituais e – porque não? – tradicionais trabalhos destinados a estagiários na secção dos obituários. Pude, ainda, escrever para a plataforma online do DN.

Durante este período, confrontei-me com várias situações que merecem uma reflexão própria de quem entrou para o mundo real do trabalho, ainda que no regime de estagiário. Foi, até, no estágio que fiz o primeiro telefonema enquanto jornalista para obter informações de uma fonte. Numa notícia em particular da minha autoria, respeitante a um incêndio que ocorrera numa oficina no distrito de Leiria, foi da minha responsabilidade o telefonema para os bombeiros, no sentido de me inteirar do que tinha acontecido antes e depois do incidente, dos estragos causados e de possíveis feridos. Aprendi, nesse exato momento, que comecei por fazer as perguntas erradas. De facto, assim que me introduzi ao comandante, perguntei de imediato por feridos, pelo número de viaturas queimadas e pelos estragos no edifício. Com a ajuda do meu orientador de estágio, David Mandim, jornalista do DN, percebi que deveria, primeiro, fazer uma pergunta de âmbito mais geral e… mais simples. “Pode dizer-me o que aconteceu ao certo?”, por exemplo. Só depois, com o desenrolar do discurso da minha fonte, é que deveria ir ao pormenor. Faz sentido. Porventura a inexperiência e a ansiedade próprias de quem quer mostrar serviço poderão ter-se apoderado de mim e tornado mais árdua uma tarefa que não o é. Mas tudo isso faz parte da aprendizagem e do contacto com o mundo real do trabalho.

Finalizado esse primeiro passo, incumbiu-se-me a tarefa de, claro, ouvir a outra parte. Neste caso, tive de ligar para a oficina lesada pelo infortúnio. Afinal, só uma fonte ligada a ela me poderia inteirar do estado da oficina e dos seus trabalhadores. Preparado para fazer um telefonema enquanto jornalista pela segunda vez, não obtive nenhum “sim?” ou “estou?” do outro lado da linha. Voltei a tentar. Voltei a não obter resposta. É um problema que voltei a encontrar na redação de uma outra notícia, em que, não obtendo resposta via telefone, tive de enviar um e-mail, ao qual só obtive resposta passados dois dias. Num mundo e numa profissão que exige rapidez, é impensável contactar as fontes

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apenas por e-mail, pois o risco de não obter resposta é por demais evidente. É também um dos problemas do chamado “jornalismo de secretária”, aquele em que as notícias são feitas maioritariamente na redação, sem que o jornalista se desloque ao local onde o evento se deu. Sem resposta da oficina, lá tive então de pôr em prática algo que aprendi nas várias aulas práticas de jornalismo que durante cinco anos fui tendo. “O DN tentou contactar a oficina, com o intuito de se inteirar da situação da empresa e dos seus trabalhadores, mas sem efeito”, escrevi, com alguma tristeza por não poder fornecer toda a informação que queria e que era devida.

Mas também naquilo que considerava, à primeira vista, fácil encontrei dificuldade. Falo das breves, essas notícias em miniatura que exigem que o jornalista escreva tudo e não escreva nada. Em poucos caracteres, muitas vezes mesmo em uma ou duas frases, no máximo, tive de conseguir condensar a informação lógica e adequadamente, para que o leitor percebesse o que queria transmitir num espaço tão curto. Fi-lo a partir de textos já existentes, fornecidos pela Lusa. Tentei sempre obedecer à lógica da resposta aos tradicionais “quem, o quê, quando, onde, porquê e como”, o que me levou a ter de cortar várias palavras por várias vezes do texto original e a modificá-lo, também para não entrar no facilitismo do copy-paste, que queria, a todo o custo, evitar. O maior entrave que senti nesta atividade não foi tanto discernir que informação necessitava de selecionar para a breve; foi mesmo a de fazê-la caber no espaço que lhe era reservada.

Encontrei essas dificuldades em respeitar os limites de uma caixinha de texto com uma notícia nas primeiras vezes, é certo, mas tomei-as como um desafio a ultrapassar, tendo acabado por, também com a prática, demorar cada vez menos tempo na sua realização. Fiquei, inclusive, a gostar de cortar expressões, trocar palavras maiores por sinónimos mais pequenos e, numa lógica quase de uma brincadeira séria, fazê-lo de forma a que a última linha ficasse preenchida integralmente. Foi uma tarefa que me acompanhou na quase totalidade dos dias do estágio, a ponto de pensar que aquele dia em que não havia feito nem uma breve não tinha sido o mesmo. Isto apesar, claro, de o meu sonho, como o de qualquer jornalista, não se coadunar propriamente com a escrita deste estilo de texto informativo, que acaba por limitar o nosso trabalho, mas antes a de grandes reportagens escritas. Este assunto será, de resto, também aprofundado ao longo do presente relatório.

2.2 – Mortes que me deram vida

Durante três meses, mantive contacto com uma secção que, longe de me ser próxima, é familiar a todos os jornais. Na verdade, creio que qualquer estagiário de qualquer jornal informativo está sujeito a dedicar algum do seu tempo aos obituários. O período durante o qual estagiei coincidiu

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com a morte de alguns nomes notáveis de várias áreas. A mais flagrante é, sem dúvida, a de Nelson Mandela, em inícios de dezembro de 2013. Mas claro que os obituários da minha autoria não foram respeitantes a tal figura, porquanto a própria vida e história do ilustre líder sul-africano naturalmente merece mais do que uma pequena caixa de texto numa página. Quem fala de Mandela fala também de Lou Reed, monstro da música cuja morte, em fins de outubro do mesmo ano, também mereceu páginas de destaque, não pequenas caixas de texto na secção dos obituários.

Será porventura importante ressalvar que estes obituários de que falo não se podem traduzir propriamente na necrologia que alguns jornais, possivelmente de âmbito mais regional, têm. Estes obituários do DN, que todos os dias são escritos, contêm quatro caixas de texto, uma maior e mais destacada, todas com uma fotografia a ilustrar o perecido, com linhas dedicadas aos êxitos e conquistas da sua vida e a dar conta da natureza da sua morte. São, portanto, pessoas que se destacaram um pouco por todo o mundo em diversas áreas, desde cientistas a músicos, passando por bispos, escritores, pensadores, atletas, atores e políticos… mas também criminosos e assassinos em série que se tornaram famosos por razões invariavelmente menos nobres. Isto para ilustrar que são obituários não relativos ao comum cidadão, mas aos que, portugueses ou de qualquer outra nacionalidade, se destacaram por esta ou por aquela razão.

Encarei a escrita dos obituários como uma forma de conhecer melhor quem partiu. Muitos dos nomes que escrevi eram-me manifestamente desconhecidos, confesso, pelo que me obriguei, mais não seja por uma questão de respeito, a perceber quem foram e o que fizeram nas suas vidas. A escrita deste tipo de texto não é lecionada nas disciplinas de jornalismo, e considero importante reconhecer que qualquer estudante desta área se encontra habilitado a escrevê-lo, pelo que nem me parece fazer sentido estudar obituários ou a sua escrita. Pelo menos é a sensação com que fico, dada a manifesta facilidade da tarefa.

2.3 – Novos desafios de um novo mundo

Nem só de mortes se fizeram os meus três meses de estágio. Também o desporto – mais concretamente, aquele que é considerado o desporto-rei, o futebol – ocupou um lugar de destaque em fins de 2013, muito por culpa da seleção nacional. Em novembro, qualificou-se para o Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, no playoff que opôs o nosso lusitano Portugal à viking Suécia. Menciono isto simplesmente porque me permitiu viver numa redação um ambiente que só o futebol, esse perito no despertar de emoções, poderia proporcionar. Foi, aliás, motivo de conversa – umas vezes mais séria, outras mais em tom de brincadeira – todos os dias entre os colegas de redação. E também refiro o

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desporto porque, apesar de estagiar na secção de segurança, acabei por fazer trabalhos também na de desporto, quando ainda não havia material para trabalhar em segurança, por exemplo. Isto foi algo que me deu prazer, uma vez que tenho um gosto especial por esta área – não necessariamente para a seguir profissionalmente.

Aliás, foi também na secção de desporto que pude fazer mais um telefonema enquanto jornalista. Na verdade, foram três, mas dado que uma das pessoas contactadas não atendeu, outra disse não ter tempo para prestar declarações e outra ainda fez questão de, bem alto, exclamar “então você liga para o telemóvel e não sabe que eu ‘tou no Irão? Assim também pago a chamada!”, prefiro contar como um telefonema apenas. Uma experiência que, apesar de algo amarga, me abriu os olhos para o facto de nem sempre ser fácil contactar fontes e estabelecer com elas uma relação. Fiz, durante o meu estágio, apenas duas notícias de desporto, uma de fórmula 1 e outra de ténis, um número pequeno mas suficiente para perceber que conseguiria ser competente e encontraria também prazer se me dedicasse ao jornalismo de âmbito desportivo.

O ambiente na redação marcou-me. Sendo manifestamente pequena, senti camaradagem e proximidade entre todos os jornalistas. Não me senti, de todo, posto de parte pela minha condição de estagiário ou por ser novo. De facto, se precisasse de ajuda para obter um número de telefone ou para tirar alguma dúvida sobre questões técnicas, por exemplo, eu tinha essa ajuda de pronto. A proximidade entre todos manifestava-se, também, em comentários – novamente, mais ou menos sérios, mais ou menos em tom de brincadeira – às notícias do dia, transmitidas na redação pela RTP Informação, TVI 24 e SIC Notícias. Esse foi também um facto que me impressionou: o dia era passado a escrever notícias ouvindo notícias. Além de nos pôr em constante contacto com o que se passa no país e no mundo, escrever notícias no jornal a ouvir notícias na televisão faz-nos ter presentes dois estilos de escrita jornalística diferente, o que contribui para, no meu caso, aprender com maior exatidão as diferenças que necessariamente existem entre as notícias escritas na imprensa e aquelas que são transmitidas na e pela televisão. Ao contrário do que poderia ter pensado ao início, a informação que provinha das televisões não era utilizada na escrita das notícias para o jornal. É que, a meio da tarde, o trabalho estava já destinado, cada jornalista, eu incluído, sabia o que tinha a fazer para aquele dia, e utilizavam-se outras fontes de informação que não as televisões. Elas funcionavam, no fundo, como banda sonora para o desenrolar da ação, mas não assumiam o papel principal.

Algo que também não me imaginava a fazer foi a parte do online, de escrever notícias para o

site do DN. Mas fi-lo. Eu, que estou longe de ser um perito em questões relacionadas com HTML, lá fui escrevendo notícias para publicar online quando não dispunha de material para escrever as notícias na

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edição em papel do jornal ou quando, pura e simplesmente, como qualquer estagiário está sujeito, não me tinha sido destinado nenhum trabalho para o jornal em papel do dia seguinte. No espaço virtual, escrevi notícias única e exclusivamente relacionadas com a secção de segurança, pelo que, mesmo que não tivesse nenhuma notícia para o jornal, sempre ia praticando a escrita de notícias da minha secção.

As notícias que escrevi foram maioritariamente retiradas dos sites da Guarda Nacional Republicana (GNR), Polícia Judiciária (PJ) e Polícia de Segurança Pública (PSP), as três grandes forças policiais nacionais que fazem do combate ao crime a sua vida. A partir dos comunicados que disponibilizavam nos seus sites, a maioria com títulos demasiadamente parecidos (algo do género “detidos por furto a habitação”, “detido por tráfico de droga”, precedidos da localização onde a apreensão ocorreu), construía textos diferentes, com títulos diferentes, o que me obrigava a ser criativo. Nesse âmbito, senti-me plenamente capaz quando escrevi numa notícia os mesmos crimes – ou de natureza semelhante – que tinham ocorrido em localidades diferentes. Por exemplo, em vez de fazer duas notícias referentes a “um jovem detido por assalto com recurso a arma branca em Loulé” e a “três indivíduos detidos por assalto à mão armada em Matosinhos”, escrevi uma só notícia com destaque para a que tinha mais informação. Se a notícia de Loulé fosse o caso, então escreveria sobre ela, para no fim mencionar que “também em Matosinhos um grupo de jovens foi detido por assalto, mas à mão armada (…)”. Não foi propriamente algo que me ensinaram nas aulas de jornalismo nem na própria redação me aconselharam a fazê-lo. Partiu de mim e foi algo do momento.

Escrever para o online não é o mesmo que escrever para o jornal em papel. Aliás, há um fator crucial que distingue as escritas para um e para outro: o tempo. É que um jornalista acaba por ter mais ou menos tempo para escrever uma notícia para sair no dia seguinte, mas se ela tiver de sair no

site do jornal, então ele terá de a escrever e publicar já. Apesar de não ter sentido qualquer tipo de pressão para publicar as notícias online, a verdade é que, no meu subconsciente, ouvia sempre uma voz que funcionava como um tic-tac irritante, ordenando-me que terminasse o trabalho o mais rapidamente possível, naquele espírito jornalístico de ser o primeiro a dar a notícia. E tentava respeitar essa voz, mas sempre certificando-me de que o trabalho estava bem feito. Foi, sem dúvida, a minha maior dificuldade no que respeita à escrita de notícias para o online, visto que até nem notei diferenças – quer em termos de linguagem, quer em termos de estrutura – entre a forma como estava habituado a escrever para o jornal e a forma como escrevi para o seu site.

Ainda sobre o tempo, considero pertinente mencionar a pena que sinto por não ter experienciado o stresse próprio do deadline do jornal. Por força da viagem de regresso a Braga que

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todos os dias tinha de fazer de comboio, saía mais cedo do trabalho que os restantes jornalistas do DN. Acabei por não apanhar o frenesim típico do fecho do jornal, em que dali a uma hora já tinha de estar na tipografia e ainda era preciso fazer mais um texto ou modificar outro. Teria certamente contribuído para melhorar a minha capacidade de trabalho em condições de stresse e para eu próprio poder amadurecer enquanto profissional. Terei, ainda que mais esperançosa do que garantidamente, oportunidade para viver essa ordenada confusão no meu futuro.

Percebi que existe todo um processo por detrás da escrita de uma notícia que antes do início do estágio só conseguia imaginar. É que as notícias que fui escrevendo tinham sempre de passar por um superior – neste caso, o meu orientador do estágio –, o qual manifestava a sua opinião e, claro, corrigia aquilo que, pela sua maior experiência, considerava que precisava de ser feito de uma outra maneira. Havia, portanto, uma mediação na escrita das notícias. Há sempre mais do que um jornalista envolvido na produção noticiosa; na verdade, são vários os profissionais que se envolvem, de forma direta ou indireta, na preparação, construção e revisão do produto noticioso. Esta é outra realidade que só graças a um estágio profissional eu pude ter noção.

2.4 – Amargos dissabores para temperar no futuro

O jornalismo tem na sua identidade a procura da informação, a busca incessante pela verdade e a demanda pelos factos concretos e reais. Neste sentido, é o espírito empreendedor e destemido do jornalista, capaz de resistir a pressões externas e de desafiar os limites impostos seja por que circunstâncias forem – no fundo, a visão romântica da profissão –, o responsável por tornar prática esta teoria.

Não é ao acaso que o parágrafo supramencionado, ainda que seja mais curto do que todos os que o antecederam, é aqui colocado: de facto, todo esse lema que envolve o jornalismo da busca pela verdade pode ser transposto para o caráter prático do trabalho realizado por um jornalista. Por outras palavras, o trabalho de campo é crucial nesta profissão. E durante o período em que estive a estagiar, esta foi uma realidade que ficou por experienciar. Grande parte dos textos que redigi foi através da agência Lusa, que fornecia as notícias. Depois, reescrevia-as, desmontando cada parágrafo, arranjando outras expressões, distinguindo o essencial do acessório. No fundo, tornava as notícias minhas, dava o meu cunho e nunca, mas nunca caí na tentação do copy-paste. Até porque, na verdade, para mim não é grande tentação copiar um texto que não é da minha autoria. Nem mesmo o fator de poder poupar tempo com essa ação me atrai, porquanto o regozijo de ter uma notícia escrita por mim suplanta qualquer outra motivação.

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Esta escrita de notícias a partir de outras notícias fez parte do meu dia-a-dia no DN. Nunca saí propriamente para a rua, com o intuito de fazer o tal trabalho de campo, recolher depoimentos pessoalmente, procurar a raiz do acontecimento. Fiquei pelo trabalho na redação, pelos takes da Lusa, pelos telefonemas, pelas pesquisas na internet. Era ambição minha fazer uma reportagem, género jornalístico que muito aprecio pela liberdade que concede ao jornalista, mas naqueles três meses nunca se proporcionou. É quiçá o maior arrependimento, um amargo arrependimento, que tenho do tempo em que estive no estágio e que me irá decerto perseguir até conseguir finalmente assinar uma reportagem num jornal.

Considero que ter feito o trabalho jornalístico de campo poderia ter-me dado um arcaboiço que muito gostaria de ter tido e que de outra forma não é possível ter. Poderia também ter-me tornado mais ativo na procura da informação. Ter-me-ia porventura dado mais gozo, até. Mas tento sempre ver a realidade pelo lado positivo. Na verdade, e embora reconheça essa lacuna, o tempo que estive na redação tornou-me mais competente na componente das interações entre colegas de profissão e fortaleceu os meus conhecimentos dos meandros das redações dos jornais, mesmo apesar de a redação portuense do DN ser manifestamente pequena – a contar comigo, eramos sete jornalistas ao todo. Para quem nunca tinha estado em real contacto com esse mundo, para quem a imagem de uma redação era ainda um mistério envolto num denso mas convidativo nevoeiro, já se pode considerar isto como um começo. Um começo que deseja não ter fim.

2.5 – Entre a experiência e o estudo das notícias sobre crime

O estágio trouxe-me toneladas de aprendizagens e novos conhecimentos que só esta experiência me podia ofertar. Depois de quatro anos de braço dado com a teoria, através das aulas e dos manuais, foi altura de abraçar a prática e partir numa aventura que muitos frutos me deu. Uma vez finalizada, é altura de refletir e aprofundar a temática da escrita de notícias de crimes, a qual me foi introduzida por este estágio e que me marcou profundamente.

No desembarque desta viagem, não tinha bem noção do que iria fazer quando fosse colocado no DN. Tanto poderia tratar de assuntos da política como envolver-me no desporto, cingir-me ao online

ou até cumprimentar as sempre evitáveis páginas do social. Apenas sabia que não iria tratar da cefaleia que é a economia, porquanto a incompatibilidade própria de quem não consegue harmonizar as letras com os números, cuja cura ainda persigo, me obrigou a colocá-la no fundo das minhas preferências numa reunião preliminar que juntou o subdiretor do DN, Leonídio Paulo Ferreira, ao grupo de estagiários, onde me incluía, que iria entrar de serviço naquele período. Acabei por ser colocado na

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Segurança, uma secção em que não havia imaginado trabalhar, mas que, à medida que os dias foram passando, me marcava cada vez mais e me oferecia sensações – umas mais mórbidas do que outras – a cada linha que escrevia.

Sempre existiram crimes, e os jornais sempre os acompanharam. Os crimes fazem parte da história do jornalismo, e eu pude participar, mesmo que por pouco tempo, na contínua construção dessa história. Fascina-me a ideia de alguém poder vir, daqui a uns anos, a estudar – porque não? – os crimes que ocorreram no nosso país e saber que tenho a minha miúda inscrição na história. É por isso que também me atrai o modo como os crimes se relatam nos jornais. Porque, estou em crer, haverá consideráveis diferenças quando se escreve sobre crimes, que não estão circunscritas à natural perceção diferente de cada jornalista de cada jornal acerca do mesmo crime, notória aquando da transposição para a escrita do evento. O próprio facto de trabalharem para jornais diferentes pode mudar a forma como noticiam o crime. Além disso, é um tema que muito facilmente, pela sua própria natureza que já acarreta dramas e/ou bizarrices, pende para o sensacionalismo, algo que qualquer jornalista, mais não seja por se tratar de um ideal definido no próprio Código Deontológico da profissão, deveria repudiar. Daí a pertinência do tema (e o meu óbvio interesse por ele).

Aliás, uma experiência que tive no estágio, aquando da escrita de uma notícia, ajudou-me na decisão de prosseguir o relatório com este tema. Motivado não só pela aprendizagem que durante cinco anos recebi mas também pelos meus ideais do que deve ser o jornalismo, escrevi um título essencialmente informativo numa notícia de um crime. O meu orientador de estágio elogiou-me, disse que a notícia estava muito bem escrita, mas o título teria de ser forçosamente outro, sob pena de passar despercebido naquela página do jornal. Teria de ser um título que, de algum modo, mostrasse como o crime ocorreu e que desse uma ideia da sua violência, com o intuito de prender o leitor. Isto também prova o quão ténue pode ser a linha que separa o jornalismo rigoroso do jornalismo mais sensacionalista. Mas o primeiro é sempre mais desejável e pode ser exequível.

A proposta, daqui por diante, é simples: depois da reflexão acerca da minha experiência de estágio, segue-se um estudo sobre como são construídas as notícias de crimes no DN – especificamente, as da minha autoria –, aferindo o número e tipo de fontes de informação utilizadas na sua redação, averiguando o respeito pelas normas do Código Deontológico do Jornalista, versão portuguesa, e comparando-as com as notícias sobre o mesmo evento escritas pelo CM, um jornal mais conotado com o sensacionalismo e com o jornalismo tabloide.

Mas antes, propunha uma viagem por entre definições e conceitos. Falo, claro está, da literatura, ela que é, por razões óbvias, importante não só para a compreensão da experiência de

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estágio, mas também – e principalmente – para o estudo que foi feito e que será apresentado no presente relatório no capítulo a ele destinado.

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Capítulo 3 – O que envolve a escrita de notícias de crimes: um olhar sobre a literatura

Para melhor compreender a minha experiência de estágio e enquadrar não só as vivências que diariamente me inundaram durante aqueles três meses mas também o próprio estudo que foi levado a cabo, é importante que tenhamos algumas noções sobre a imprensa tabloide, a construção das notícias, o crime na imprensa, a tipologia das fontes de informação e quais as que são utilizadas nessas notícias e o conteúdo do Código Deontológico do Jornalista. É precisamente a estas temáticas que as próximas linhas se dedicam.

3.1 – Algumas considerações sobre a imprensa tabloide

Os meios de comunicação social, abrangente leque no qual a imprensa naturalmente se inclui, podem ser concebidos como instrumentos com grande peso na construção da realidade e na moldagem ideológica do mundo (Frade, 2006: 7). O acesso a essa informação que é produzida pelos

media está, na ótica de Sodré (1996; citado por Frade, 2006: 8), estreita e intimamente ligado à situação económico-financeira dos leitores. Não será de estranhar, por isso, a existência de uma visão mais mercantil – nada romântica – do news making, em que a informação se torna num produto colocado à venda ao público. Neste sentido, os órgãos de comunicação social, cientes do seu poder nos meandros da esfera pública, “podem estimular o consumo de informações em massa” (Frade, 2006: 8), originando uma expetativa de que a democracia social poderá ser alcançada por via deste caminho.

É por demais evidente que não é correto fazer referência a esta noção de comunicação alargada às massas sem introduzir um aspeto que muito contribui para essa maximização do produto informativo: o surgimento dos tabloides. É sabido que os conteúdos desse tipo de jornais se centram no foco na vida privada dos indivíduos, na política – não raras vezes intervindo nesse campo de forma partidária e populista –, num movimento fluido entre as notícias e o entretenimento e no uso predominante de imagens e dramatização em detrimento de elementos textuais e analíticos (Johansson, 2007: 32). Um jornal sensacionalista, para Frade (2006: 14), é um jornal que valoriza a violência, que destaca temas como “o assassinato, o suicídio, o estupro, a vingança, a briga, as situações de conflito, a agressão sexual e a tortura”. Notícias ligadas ao mundo das celebridades e de escândalos sexuais, os quais podem ser muitas vezes acompanhados de “métodos jornalísticos agressivos” (Johansson, 2007: 7), como a cobertura paparazzi, constituem igualmente características deste tipo de jornais. O sensacionalismo busca, pois, “conteúdos mais sedutores para um público popular” (Frade, 2006: 17), aproximando-se do leitor ao transportá-lo para o local do acontecimento,

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mesmo junto à vítima e ao criminoso, sentindo as suas emoções (Angrimani, 1995; citado por Aguiar, 2013).

A objetividade, sabe-se, “contribui para o discurso que sustenta a instituição jornalística” (Brixius, 2006: 8), aproximando o jornalista dos factos sem que haja juízos de valor. No entanto, não é difícil perceber que os jornalistas não são meros observadores passivos da realidade, dado que têm um papel ativo na sua construção, mais não seja pela própria natureza do seu trabalho. É importante reter que as notícias não constituem um espelho da realidade, mas antes “uma representação do mundo, e todas as representações são seletivas” (Schudson, 2003: 33). Tendo em conta que a objetividade é “a característica preponderante do texto informativo” (Frade, 2006: 9), um princípio-chave do jornalismo, um pilar sobre o qual toda a atividade jornalística se ergueu desde os tempos mais remotos, importa perceber que os tabloides desafiam constantemente essa regra de ouro do jornalismo. De facto, linhas editoriais há repletas de exageros e engrandecimentos na escrita das notícias, algo que contraria a objetividade, o rigor, a exatidão com que o jornalismo deve abordar a realidade a ser comunicada.

As características supramencionadas dos jornais tabloides configuram, na prática, o sensacionalismo, conotado com um declínio e uma redução dos standards jornalísticos que, em última instância, debilita as funções dos media nas democracias liberais (Gripsrud; in Sparks & Tulloch, 2000: 285). Por poder ser entendido enquanto uma arma ao seu serviço que estende a produção noticiosa além daquilo que é efetivamente real, a credibilidade do sensacionalismo – e, por extensão, dos tabloides – pode ser colocada em causa (Frade, 2006: 10). Não se estranha, pois, a existência de críticas ao modo como os tabloides operam quer da parte de jornalistas quer da parte de políticos, além de textos académicos produtos de investigações no campo do jornalismo (Johansson, 2007: 7). Uma das mais comuns prende-se com o facto de os jornais tabloides “venderem sensacionalismo e entretenimento em vez de fornecer o tipo de informação que pode contribuir para uma cidadania democrática” (Wasserman, 2008: 1). Muitas vezes, os jornalistas e editores deste tipo de jornais acabam por ser vistos como “cínicos em busca de lucro (…) que professam uma coisa e fazem o oposto assim que tiverem outra oportunidade” (Rhoufari; in Sparks & Tulloch, 2000: 163), No fundo, e como Amaral (2005: 5) refere, o sensacionalismo pode ser considerado como um “conceito errante”, seja pelas suas insuficiências, seja pelas suas generalizações.

Para caracterizar a linguagem própria dos tabloides e do sensacionalismo, Tófoli (2010: 1) recorre a Pedroso, que a define como valorizando a emoção em detrimento da informação, como dando destaque a elementos “insignificantes, ambíguos, supérfluos ou sugestivos” e subtraindo elementos importantes e acrescentando ou até mesmo inventando palavras ou factos. Além disso, o

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sensacionalismo caracteriza-se por ter uma “produção discursiva sempre trágica, erótica, violenta, ridícula, insólita, grotesca ou fantástica” (Pedroso, 2001; citado por Tófoli, 2010: 1). Apesar das críticas, com as quais concorda, Gripsrud (in Sparks & Tulloch, 2000: 299) defende que para um sistema democrático dos meios de comunicação social funcionar são necessários todos os tipos de jornalismo, incluindo o sensacionalismo, já que só na diversidade e pluralidade é que há espaço para um medium ser meritório.

Ora, este sensacionalismo próprio dos tabloides não é de agora. Com efeito, as suas raízes reportam-nos ao período do yellow journalism, nos Estados Unidos da América, nos finais do século XIX e inícios do século XX. Ampla e largamente debatido um pouco por toda a comunidade jornalística, esse tipo de jornalismo acarretou um novo modo de encarar a própria fisionomia dos jornais. Aos

broadsheets, um tipo de jornal marcadamente informativo, a preto e branco, com poucas ou nenhumas imagens e com um tamanho maior, juntaram-se nesta época, então, os tabloides, mais pequenos no formato, mais coloridos, mais ousados e com conteúdos diferentes, com uma visão mais focada na obtenção de lucros no sentido da manutenção do próprio jornal (Filho, 1989; citado por Zacariotti et al., 2007: 2). Foi nesta altura que as notícias de crimes invadiram em força os tabloides norte-americanos, estridentes e sensacionais, sendo que esta imprensa rapidamente tecia conclusões acerca da inocência ou culpa de quem era acusado dos crimes, bem antes de o júri deliberar o veredito (Petersen, 1999: 75). É exatamente sobre o modo de noticiar crimes que o presente relatório enveredará a partir das próximas páginas.

3.2 – O valor do texto e da imagem na construção das notícias

Há dois elementos que assumem uma importância capital na construção de uma notícia, que pode ser construída não só pelo próprio texto, mas também por imagens. Aliás, de acordo com Cunha e Andrade (1999: 3), “a linguagem jornalística compõe-se de uma conjugação de diversas linguagens: a linguagem verbal escrita, a fotográfica, a gráfica e a diagramática”. Sendo as três primeiras percetíveis, convém precisar que a última se trata daquela linguagem referente à disposição da informação no espaço da página do jornal. “O tamanho do texto, se conterá 20, 30 ou 70 linhas, bem como o tamanho do título, a forma de diagramação, os destaques que são dados na hora de se esboçar o layout da página do jornal” são, para Freitas (1999: 11), os chamados filtros visíveis de informação e que podem ajudar a destrinçar diferentes tipos de jornais.

Ora, enquanto uns jornais organizam os seus textos de modo a apresentar uma linguagem culta, formal e até editam manuais de redação, outros optam por uma linguagem de cariz mais

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popular, “na busca de maior aproximação com o leitor das classes mais modestas da população” (Cunha & Andrade, 1999: 3). Esta diferença é provocada pela concorrência existente entre os jornais, que os fazem procurar a adesão de um determinado público leitor. É pressuposto, na ótica dos autores, que os jornais utilizem uma linguagem “fiel à norma padrão culto”, “um estilo preocupado com a comunicação em todos os níveis socioculturais”, que se reja pela ausência da retórica e do hermetismo, de extremismos, purismos, vulgarismos, gíria e coloquialismo.

Recorrendo a um livro de Ana Rosa Ferreira Dias, os mesmos autores dão um exemplo de uma notícia publicada no jornal brasileiro Folha de São Paulo, em 1991, sobre a crise na antiga Jugoslávia, em que são notórios traços que vão contra o que o próprio jornal advoga – no seu manual de redação – sobre como noticiar eventos dramáticos, através de uma descrição “seca e concisa”. O facto de o clima de tensão emocional vivido não se limitar à narração direta e precisa dos factos, mas ao uso de adjetivos (“reportagem excitante”), à presença pontual do discurso na primeira pessoa do singular (“vi tiroteios”) e à avaliação e emprego de termos incomuns na linguagem culta (“deixando os observadores malucos”), mostra como um jornal pode ultrapassar a barreira do relato sério, imparcial e cuidado dos factos.

A linguagem usada na notícia tem, de facto, uma importância vital na construção por parte do público da realidade e do próprio crime (Pollak & Kubrin, 2007: 61). A dificuldade do jornalista aumenta na escrita de uma notícia sobre crime se tivermos em conta que os jornais têm de condensar os crimes em curtos espaços de notícia. Além disso, em certos temas como, por exemplo, crimes ou violência social, “é difícil para o jornalista redigir o seu texto” (Cunha & Andrade, 1999: 5). Com efeito, a língua “não é constituída de significados restritos e homogéneos; ela não é um instrumento de comunicação fechado” (Freitas, 1999: 7).

A imagem – particularmente a fotografia – começou, também, a ganhar cada vez mais importância nos jornais nas últimas décadas da imprensa. “Mais espaço para a fotografia, para a infografia, mais atenção à página enquanto unidade que se quer atraente, de leitura mais fácil”, a atribuição de “valor estético às superfícies brancas, permitindo que as páginas – que antes se asfixiavam de tanto texto – passassem a respirar” (Alves, 2003: 187) são algumas características dessa mudança. A função primordial da fotografia nos jornais e no jornalismo coaduna-se com a da profissão: informar o público (Cordeiro, 2006: 17). Para Sousa (2002: 5), a fotografia jornalística “mostra, revela, expõe, denuncia, opina” e fornece informação, funcionando como um aliado na credibilização da informação textual. A fotografia e o texto estão sempre unidos; “não existe

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fotojornalismo sem texto” (ibidem: 76). É, pois, um importante elemento discursivo presente nos jornais, especialmente desde que eles deixaram de ser ocupados apenas por texto.

Um dos mais importantes nomes da filosofia linguística, Roland Barthes, é autor do estudo fundador das relações entre texto e imagem. Barthes (1964; citado por Martinec & Salway, 2005: 341) baseou-se numa tripla distinção concernente à relação entre texto e imagem: quando o texto suporta a imagem, que assume um papel de maior protagonismo, há uma relação de “ancoragem” (anchorage); quando o contrário se verifica, ou seja, quando é a imagem a suportar o texto, de “ilustração” (illustration); quando as duas componentes são igualmente importantes, de “retransmissão” (relay). Empregando as próprias palavras de Barthes, há uma relação entre texto e imagem de “ancoragem” quando a linguagem claramente funciona como uma elucidação em relação à imagem e de “ilustração” quando a imagem elucida ou perceciona o texto.

3.3 – Notícias de crimes na imprensa

Budó (2006: 1) afirma que “o crime e o jornalismo sempre tiveram relações estreitas”. De facto, se recuarmos até ao período que se estendeu desde o século XV aos inícios do XX, era em que a imprensa escrita assumiu particular preponderância na transmissão de informação, antes da rádio, televisão e da internet, percebemos que as notícias relativas a crimes começaram a atingir um público cada vez mais vasto (Surette, 2011: 7). Aliás, os crimes começaram a ser uma característica central das notícias dos jornais por volta de 1830, sendo que pouco mais de meio século depois, em 1890, com o advento do yellow journalism, a dramatização dos crimes e também dos próprios criminosos tornou-se uma realidade. Não é demais lembrar que foi neste período que os meios de comunicação social se transformaram em meios massificados de infotainment, uma perigosa confluência entre a informação e o entretenimento com fronteiras um tanto ou quanto indefinidas.

Ora, nesta época do yellow journalism, os crimes ganharam toda uma nova dimensão e importância para os jornais e tornaram-se, inclusive, um aliado porque os ajudaram a ter mais vendas (Chermak, 1994: 97). O tipo de crimes julgados e relatados pelos tabloides expuseram as preocupações e os problemas americanos específicos do início do século passado (Petersen, 1999: 77). A importância dada por aqueles media aos crimes que viriam a ser julgados era de uma extensão tal que os próprios julgamentos serviam como barómetros sociais. De facto, a própria construção da narrativa dos crimes influenciava a opinião pública e o modo como o crime relatado era observado. Neste sentido, é importante notar que Surette (2011: 6) nos alerta para a “surpreendente” similitude entre os relatos de crimes feitos nesse período e aqueles com que nos confrontamos no nosso

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quotidiano: ambos apresentam imagens que fomentam a impressão de que “os indivíduos competentes perseguem e capturam os criminosos; e encorajam a crença de que os criminosos podem ser reconhecidos prontamente e de que o crime é, em última análise, reduzido através de esforços agressivos das forças da lei”.

Nesta altura do yellow journalism, os jornalistas dos tabloides não só estereotipavam os arguidos do sexo feminino como descreviam vítimas do mesmo sexo de determinadas formas que podiam indevidamente fazer com que os júris tivessem preconceitos contra os arguidos do sexo masculino (Petersen, 1999: 80). Por outras palavras, o preconceito e o estereótipo, que provocam uma resposta de emoção no leitor, acabam por operar de forma injusta contra os arguidos e funcionam como aliados da acusação. Com efeito, alguns media “simpatizam com algumas vítimas e culpam outras” (Jewkes; in Greer, 2010: 225), e, embora não cubram todas as formas e expressões do crime, tendem a “favorecer os desejos mais voyeuristas da audiência ao exagerar e dramatizar crimes relativamente incomuns, ignorando ou minimizando crimes mais prováveis de acontecer à pessoa ‘comum’” (ibidem: 225). Neste sentido, Medeiros e colaboradores (2010: 7) salvaguardam a importância de o jornalista que atua na secção do crime e da investigação criminal ter algum tipo de especialização, motivada pelo grande interesse que o público tem sobre estas matérias policiais, para que tenha familiaridade com a linguagem jurídica ao ponto de ser capaz de a traduzir para o seu público.

Apesar da forma dramática a que os jornais tabloides tanto recorrem para relatar o crime, a verdade é que ele constitui um evento noticioso por natureza, que não deve ser deixado de lado pelos

media. De facto, é reconhecido ao crime um “elevado grau de noticiabilidade por conter violência, rutura com a ordem social e imprevisibilidade” (Penedo, 2003: 41). Este valor-notícia do crime satisfaz, na ótica da autora, “as exigências das rotinas produtivas das organizações dos media ao assegurar constante matéria noticiosa” (ibidem: 42).

Para Leal (2010: 422), é “inquestionável” o poder dos órgãos de comunicação social, eles que podem influenciar “o modo como os indivíduos constroem as representações acerca da insegurança e do mundo e como o experienciam”. A este propósito, assume-se como natural e até lógico perceber como são construídos os relatos de crimes nos jornais. De acordo com Surette (2011: 16), as notícias de crimes são construídas, na sua generalidade, tendo em conta três segmentos: primeiro, o anúncio de que o crime ocorreu; depois, o jornalista transporta, visual ou verbalmente, o leitor para a cena do crime; por fim, é dado destaque à identidade do criminoso e ao esforço dos agentes policiais.

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Pollak e Kubrin (2007: 78) levaram a cabo um estudo em que examinaram as diferenças entre os relatos de crimes no Washington Post e numa televisão local da ABC. Nele, concluíram que, para ser noticiado, um crime tem de ter uma natureza tipicamente violenta, já que 85% dos crimes incluídos na sua amostra eram violentos.

3.4 – As fontes de informação em relatos de crimes

Já se percebeu, a esta altura, que a temática da criminalidade se configura “como fonte inesgotável de matéria-prima à produção noticiosa” (Penedo, 2003: 43). Como tal, nos crimes e, no fundo, em qualquer situação ou evento a noticiar, “as fontes de informação são elementos fundamentais da produção noticiosa” (Brites, 2010: 4). O acesso a elas é inclusive consagrado por diversos códigos deontológicos como um “direito dos jornalistas e pressuposto fundamental para garantir aos cidadãos o seu direito à informação” (Fidalgo, 2000: 322). Com a sua crescente profissionalização, as fontes, que têm interesse na cobertura mediática de determinados assuntos respeitantes ao seu âmbito de ação, utilizam variadas estratégias para obter um tratamento jornalístico que vá ao encontro dos seus interesses. Por outras palavras, “a informação fornecida aos jornalistas pelas fontes, muitas vezes, já pressupõe um enquadramento implícito que serve as finalidades da fonte” (Brites, 2010: 5). Tal acontece mais, na ótica de Ribeiro (2006: 13), no noticiário político.

De facto, o exercício da atividade jornalística, que se deve pautar pela “disciplina da verificação” (Kovach & Rosenstiel, 2003: 100), está muito sujeito a constrangimentos exteriores cuja influência pode ser direta ou indireta (Bordieu, 1996). A relação entre jornalistas e fontes advém do facto de o jornalista nem sempre estar capaz de observar um evento noticiável, necessitando de “alguém que lhe faça um relato o mais correto possível – a fonte” (Santos; in Traquina et al., 2001: 96). No entanto, as fontes de informação, que detêm um papel fulcral no jogo jornalístico, procuram muitas vezes assumir um papel ativo, organizando-se “para publicitar interesses próprios, garantindo acesso a enquadramentos específicos de um acontecimento e não apenas a sua simples menção ou cobertura” (ibidem: 95). De facto, o jornalismo “tenta chegar à verdade num mundo confuso, procurando discernir em primeiro lugar o que é informação fidedigna de tudo o que é informação errónea, desinformação ou informação interessada” (Kovach & Rosenstiel, 2003: 63). Assim, cabe ao jornalista impedir que a fonte intervenha no relato honesto e sério do acontecimento a noticiar, averiguando qual a intenção da fonte e procurando dissecar toda e qualquer réstia de dúvida que possa impedir o correto exercício da sua atividade, para a qual contribuem os códigos deontológicos.

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Ora, concretamente, as fontes “são pessoas, são grupos, são instituições sociais ou são vestígios – falas, documentos, dados – por aqueles preparados, construídos, deixados” (Pinto, 2000: 278). Existem múltiplas definições de fontes jornalísticas propostas por vários autores, e não menos extensas são as suas propostas de classificação. Tal comprova não só a vastidão do campo mas também a complexidade que caracteriza a relação entre as fontes, cada vez mais especializadas, e os jornalistas, que dependem sempre das primeiras para realizar o seu trabalho. Para o estudo que mais à frente será apresentado neste relatório, irá ser utilizada a matriz de tipificação das fontes de notícias de Schmitz (2011), presente na tabela 1, que congrega contributos de vários autores.

Tabela 1. Tipificação das fontes jornalísticas, de acordo com Schmitz (2011). Tipificação das fontes jornalísticas

Categoria Grupo Ação Crédito Qualificação

- Primária - Secundária - Oficial - Empresarial - Institucional - Popular - Notável - Testemunhal - Especializada - Referência - Proactiva - Ativa - Passiva - Reativa - Identificada - Sigilosa - Confiável - Fidedigna - Duvidosa

Sem querer tornar este tópico demasiado extenso, centremo-nos no essencial da definição de cada item. De acordo com os dados recolhidos pelo autor, uma fonte primária é aquela que fornece diretamente o essencial de uma matéria, estando envolvida ou próxima dos factos. Uma fonte secundária, por sua vez, é a que “contextualiza, interpreta, analisa, comenta ou complementa a matéria jornalística, produzida a partir de uma fonte primária” (Schmitz, 2011), estando envolvida nos eventos de forma indireta.

Uma fonte pode ser, segundo o grupo, oficial se se tratar de alguém a desempenhar algum tipo de cargo público “que se pronuncia por órgãos mantidos pelo Estado e preserva os poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário), bem como organizações agregadas”; empresarial se for um representante de uma corporação empresarial da indústria, comércio ou serviços; e institucional se a fonte for alguém de um grupo social ou de uma organização sem fins lucrativos, que não raras vezes procura os jornalistas com o intuito de defender uma causa social ou política. Uma fonte pode, ainda,

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ser popular se se tratar de uma pessoa comum, não pertencente a qualquer organização, muitas vezes sendo a vítima, o cidadão reivindicador e/ou a testemunha ou então contextualizando uma informação na vida quotidiana; notável se for alguém que é procurado pelo jornalista pela sua fama e/ou talento, seja para falar sobre si e o seu trabalho, seja para falar sobre o próprio assunto da notícia; testemunhal se tiver participado ou observado – no fundo, presenciado – o evento a noticiar; e especializada se for uma pessoa “de notório saber específico” ou “organização detentora de um conhecimento reconhecido”. Por fim, de acordo com o grupo, uma fonte é considerada de referência se se tratar de algum tipo de documento, media ou bibliografia que o jornalista usou na construção da notícia e que serve para enriquecer a narrativa, agregando razões e ideias.

Na conceção de Schmitz (2011), uma fonte pode ser proactiva, ativa, passiva ou reativa, de acordo com a sua ação. A primeira é uma fonte que, por ter aprimorado as suas estratégias, efetivamente produz as suas próprias notícias e oferece-as de pronto ao jornalista de forma antecipada. Semelhantemente, uma fonte ativa age criando material de apoio à produção de notícias – entrevistas exclusivas ou comunicados de imprensa, por exemplo –, mantendo, ainda que menos ostensivamente, uma “regularidade no relacionamento” com os media, com quem procura defender os seus interesses. Como facilmente se depreende, fazem parte das fontes passivas a bibliografia e os documentos que o jornalista utiliza, mas também organizações e pessoas que se manifestem somente quando são interpeladas por um jornalista, fornecendo a informação estritamente necessária. As fontes que privilegiem uma ação mais discreta, low-profile, ou que não queriam ver a sua privacidade potencialmente invadida, mesmo apesar de serem notórias e de deterem informação relevante e de interesse público, são consideradas pelo autor como fontes reativas.

Relativamente ao seu crédito, uma fonte pode prestar informações a um jornalista sendo revelada a sua identidade ou em anonimato. Como tal, pode classificar-se uma fonte como sendo identificada ou sigilosa. No primeiro caso, que deve sempre ser a regra, a fonte surge na notícia discriminada, idealmente com o nome, status, profissão, cargo, função ou condição e quem representa. No caso da fonte sigilosa, é necessário uma relação de confiança para que haja um compromisso do silêncio quanto à origem da informação. A fonte decide o que quer ou não divulgar e se quer ou não que a sua identidade seja exposta. Nestes casos em que a fonte não é revelada, é considerado que a matéria veiculada no jornal é da autoria do jornalista ou do próprio jornal, passando a ser essa identidade a responder civil e criminalmente pelo que publica.

Na categoria projetada por Schmitz (2011) concernente à qualificação da fonte, o autor distingue entre uma fonte confiável, fidedigna e duvidosa. A seleção que o jornalista faz das suas fontes

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é, naturalmente, influenciada pelo tipo de relação que os primeiros mantêm com as segundas. Deste modo, nas relações mantidas por traços de conveniência e de confiabilidade, mais estáveis e em que a informação vinda das fontes é verdadeira e recebida pelos jornalistas na hora esperada, a fonte é considerada confiável. Se a fonte for procurada pelo jornalista por critérios que se prendem com notoriedade, credibilidade e respeitabilidade, então estamos perante uma fonte fidedigna, aquela que, não mantendo um “histórico de confiança mútua”, exerce o seu poder pela posição social. Citando Charaudeau, Schmitz (2011) afirma que, pelo contrário, uma fonte duvidosa é aquela que expressa reserva, dúvida, hipótese e inclusivamente suspeita. Como tal, a informação fornecida por esse tipo de fontes é dúbia, embora o jornalista tenda a considerá-la “provisoriamente verdadeira, até prova em contrário”.

Hall e colaboradores (1999: 239; citados por Brites, 2010: 4) referem que em notícias relacionadas com crime e/ou delinquência, os órgãos de comunicação social “parecem estar mais fortemente dependentes das instituições de controlo de crime para as suas ‘estórias’ do que praticamente em qualquer outra área”. Assim, tanto a polícia como os tribunais assumem-se como o monopólio das fontes de notícias de crime nos media. No caso brasileiro, Brites (2010: 5) afirma que as fontes policiais (25%) e os familiares das vítimas (11,1%) são as fontes que mais se destacam na cobertura de crimes ligados à delinquência juvenil.

Um jornal tem maior credibilidade quanto maior for a sua preocupação com o apuramento e tratamento das fontes. Esse é, aliás, um dos princípios jornalísticos mais elementares: a averiguação do que efetivamente aconteceu. Porém, muitas são as vezes em que os jornais apresentam páginas repletas de uma prática diferente. Há, efetivamente, notícias em que existe apenas uma fonte, que poderão ser produto de uma “relação viciosa e viciada com as fontes” (Zacariotti et al., 2007: 5), ou em que não haja sequer uma, fruto das dificuldades sentidas pelos jornalistas no acesso às fontes de informação (Brites, 2010: 6).

A este respeito, o próprio facto de serem noticiados acontecimentos com fontes anónimas pode encobrir opiniões e considerações feitas, inclusive, pelo próprio jornalista (Santos, 2006; citado por Brites, 2010: 6). No processo de escrever a notícia, é então por demais evidente a necessidade de o jornalista atentar a este tipo de pormenores, sob pena de incorrer na descredibilização da informação, e ao poder que uma fonte de informação detém, ainda para mais se tivermos em conta que “quanto menos informação houver sobre um assunto, mais o jornalista aceita o material dado pelas fontes” (Santos; in Traquina et al., 2001: 100).

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3.5 – O que diz o Código Deontológico do Jornalista

O jornalismo é, para Karam (1997: 39), “moralmente imprescindível”: ele assume-se como a forma pela qual as pessoas se vão apropriando dia-a-dia do seu movimento no interior da humanidade. Uma vez que esta atividade profissional “trabalha com valores e significados contraditórios” (ibidem: 39), e porque vimos, ao longo do presente relatório, a falar de sensacionalismo, importa abordar um tema assaz importante em qualquer matéria jornalística: o Código Deontológico do Jornalista, que funciona quase como a Bíblia da profissão. E é fácil perceber porquê. Ainda que a especialização investigativa dos tabloides tenha mapeado e descortinado várias e diferentes estratégias de corrupção e outros crimes, não é menos verdade que também “gerou demandas próprias, rápidas demais e desprovidas de regras preestabelecidas” (Fortes, 2005). O mesmo autor considera, inclusive, que existe um conflito geral de interesses e métodos na classe jornalística que necessita de regulamentação, sob pena de o jornalismo ser resumido a uma “corrida desenfreada por cabeças de ministros e pela degola política em geral” (ibidem). De facto, a forma de noticiar e relatar crimes dos tabloides desafia as regras e os pilares fundamentais existentes nos códigos deontológicos do jornalismo.

Os vários códigos que existem um pouco por todo o mundo “complementam-se, compensando lacunas ou iluminando pontos de vista e aspetos distintos” (Aznar, 2005: 41), contribuindo para melhorar eticamente a comunicação. No caso português, o Código Deontológico do Jornalista (doravante, Código), aprovado em 1993, contém dez tópicos pelos quais o jornalista deve sempre pautar o seu trabalho. Com relação ao crime e ao modo como deve ser noticiado, a primeira alínea mostra que “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”. Isto significa que todos, vítimas, testemunhas e também arguidos, devem ter o mesmo peso na construção de uma notícia de um crime. Devem todos ser ouvidos em igualdade de circunstância. A segunda alínea é igualmente importante: “o jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais”. A esta segunda alínea pode perfeitamente juntar-se a sétima, que se traduz no dever de o jornalista “salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado”. Sabendo de antemão que os tabloides não têm problemas em fazer juízos de valor acerca da culpa e da inocência dos envolvidos em crimes, percebe-se que contrariam e desrespeitam esta importante regra deontológica do jornalismo. Aliás, também pelo seu hábito de julgamento de valores, a ação dos tabloides vai também um pouco contra o que na oitava alínea se lê: “o jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo”.

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Figura 1 – Gráfico representativo dos valores da tiragem e da circulação do DN nos três bimestres do ano de 2014 (fonte: APCT).
Figura 2 – Gráfico comparativo dos valores da circulação dos cinco jornais diários nos primeiros três bimestres do ano de 2014 (fonte: APCT)
Tabela 1. Tipificação das fontes jornalísticas, de acordo com Schmitz (2011).
Tabela 2 – Número de notícias e breves redigidas em função das secções do jornal.

Referências

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