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RESUMO DO LIVRO ÉTICA A NICÔMACO, DE ARISTÓTELES

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FERNANDO COSTA FURLANI [Turma: 1º T]

RESUMO DO LIVRO “ÉTICA A NICÔMACO”,

DE ARISTÓTELES

Trabalho de Graduação apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para satisfazer os requisitos da Disciplina ‘Ética e Cidadania Aplicada ao Direito I’

Professor: Marcos Peixoto Mello Gonçalves

São Paulo 2003

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SUMÁRIO

LIVRO I ... 4

LIVRO II... 10

LIVRO III ... 15

LIVRO IV ... 21

LIVRO V ... 27

LIVRO VI ... 33

LIVRO VII... 39

LIVRO VIII ... 45

LIVRO IX ... 53

LIVRO X ... 60

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ... 66

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LIVRO I

CAPÍTULO 1

Todas as coisas tendem para o bem, por exemplo: toda ação e toda escolha, toda arte e toda investigação. Os fins se dividem entre (i) atividades, e (ii) produtos diferentes das atividades das quais resultam, sendo estes distintos das ações, e por isso mais excelentes. Como há muitas artes e ciências, existem muitos fins. Os fins fundamentais devem ter precedência sobre os subordinados, pois estes são procurados em função daqueles.

CAPÍTULO 2

Considerando a existência de um fim que desejamos por si mesmo, sendo que todas as outras coisas são desejadas por causa dele, esse fim vem a ser o “sumo bem”, tudo seguindo em sua direção. Ele é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo: a ciência política. A finalidade da ciência política abrange a finalidade das outras ciências, e tal finalidade é o bem humano, mas principalmente voltado a todos os indivíduos organizados em uma nação ou cidade-Estado, por ser mais nobre e mais divino do que se fosse voltado a um indivíduo só.

CAPÍTULO 3

As ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões diferentes, podendo-se concluir que elas existem por convenção e não por natureza. Com os bens também se observa este fenômeno, e um bem pode até chegar a ser prejudicial. A conclusão da investigação ética deve ser feita de forma aproximada e sumária, não admitindo precisão em virtude de sua natureza. Quem dominar um assunto específico é bom juiz nesse assunto, e quem tiver recebido instrução a respeito de todas as coisas é bom juiz em geral. O jovem, quer jovem de idade ou de caráter, não achará proveitoso o estudo da ciência política, e seu estudo por eles será

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improfícuo, já que os jovens agem por paixões, e a investigação ética ajuda apenas a quem quer agir de acordo com a razão, e não por paixões.

CAPÍTULO 4

Quase todos parecem estar de acordo quanto a qual vem a ser o bem supremo: é a felicidade. E o fim da ciência política, portanto, é a felicidade. Entretanto, existem divergências sobre o que vem a ser a felicidade. Por exemplo, alguns consideram que ela equivale ao bem viver e ao bem agir. A opinião dos sábios difere da do vulgo; ainda, outros pensam que a felicidade depende das circunstâncias, por exemplo, com a saúde quando se está doente, etc. Sua investigação deve começar pelos fatos conhecidos dos homens. Para isso é preciso ter sido educado nos bons hábitos. Quem não é educado, deve ouvir os que foram educados desse modo.

CAPÍTULO 5

Pode-se dizer que existem três tipos de vida: a vida dos prazeres, a vida política e a vida contemplativa. As pessoas de maior refinamento identificam a felicidade com a honra, que seria a finalidade da vida política. Procura-se a honra através da prática da virtude; portanto, a virtude pode ser considerada a finalidade da vida política. Mesmo o homem virtuoso está sujeito a sofrimentos e infortúnio, sendo então essa virtude incompleta. A vida dedicada a ganhar dinheiro não busca um bem em si, porém algo útil no interesse de outra coisa.

CAPÍTULO 6

O bem universal é que deve ser considerado, e discutido com maior profundidade. Faz-se mister salientar que o termo “bem” tem numerosas definições, e por isso o bem não é único e universal. Decorre disso o fato de haver várias ciências do bem. O bem pode ser considerado

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uma substância, ou qualidade, ou ainda uma relação. O bem substancial é anterior à relação. Não existe idéia de “bem comum” no modo absoluto e relativo. O bem em si e os particulares não diferem enquanto bem. Os platônicos cogitam sobre um “bem em si” e outros em relação a este. Estudando o bem em si, pode-se perceber que não existe elemento comum em uma só idéia. O bem único e universal seria inatingível ao homem. Além disso, se houvesse o conhecimento do bem único e universal, ele não seria útil nos casos particulares.

CAPÍTULO 7

Voltemos a falar do bem que está sendo procurado, e a indagar o que é ele. Ele se mostra diferente nas diversas ações e artes. O bem das artes é aquele em cujo interesse giram todas as suas ações. Portanto, o bem seria a finalidade das ações. O sumo bem é absoluto, ou seja, desejável “em si”, e não pelo interesse de outra coisa.

A felicidade é esse bem desejável “em si”. Ela é perfeita e auto-suficiente, faz com que a vida seja desejável e sem carências de qualquer natureza, sendo o fim de todas as ações. Ademais, a felicidade depende da função do homem.

A vida ativa da alma é a função do homem, implicando ela num princípio racional. Além disso, o homem bom deve realizar bem suas ações. O bem do homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude; se há mais de uma virtude, então será em consonância com a melhor e mais completa entre as virtudes. Entretanto, a virtude deve ser praticada “em uma vida inteira”, já que um só dia de prática não tornaria um homem feliz e venturoso. Tomemos o “fato” como o ponto de partida, ou “primeiro princípio”. Os primeiros princípios podem ser estabelecidos pela indução, pela percepção, pelo hábito, e ainda de diferentes formas. Seu estudo merece atenção porque é comumente aceito que “o começo é mais do que a metade do todo”.

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CAPÍTULO 8

Os bens têm sido divididos em três tipos: os externos (ou exteriores), os da alma e os do corpo. Os bens da alma são considerados melhores, pois são “bens” no mais próprio e verdadeiro sentido do termo. Outra crença que faz sentido é a de que o homem feliz age bem e vive bem. Alguns identificam a felicidade com a virtude, outras com a sabedoria prática, outras com sabedoria filosófica, e outras a consideram ser uma somatória de todas as anteriores, somadas a pelo menos um pouco de prazer; ainda, alguns identificam a felicidade com a prosperidade exterior. A chamada “atividade virtuosa” deve necessariamente agir, e agir bem, posto que são uma atividade, não admitindo estado de inércia. As ações virtuosas devem ser aprazíveis em si e por natureza. Assim, a felicidade é a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo. A felicidade parece depender também dos bens exteriores para realizar atos nobres a fim de que seja conquistada.

CAPÍTULO 9

Pergunta-se como se adquire a felicidade: pelo hábito, pelo aprendizado, por algum tipo de exercício, ou ainda por providência divina, e pode-se concluir que a felicidade é de fato uma graça concedida pelos deuses, posto que é algo divino e abençoado. Além do mais, a felicidade é uma determinada atividade da alma conforme à virtude. Não se pode dizer que animais, e tampouco crianças, são felizes. Porque para atingir a felicidade é preciso não apenas virtude completa, mas também levá-la por toda uma vida.

CAPÍTULO 10

Se partirmos do princípio de que a felicidade é permanente, cai-se em um paradoxo ao se afirmar que o homem é feliz somente ao final de uma boa vida. As atividades virtuosas constituem a felicidade, sendo as mais duráveis. As atividades viciosas nos conduzem à

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infelicidade. Durante toda a sua vida, o homem dito feliz dedicara-se à ação ou contemplação da virtude, suportando os reveses da vida. Nos grandes infortúnios é que se revela a verdadeira nobreza de um homem, e é quando aparece sua grandeza de alma. O homem sábio e bom tira o maior proveito das circunstâncias. Homens felizes são aqueles que estão em condições de se tornarem felizes, e preferivelmente por toda a vida.

CAPÍTULO 11

A boa ou má fortuna dos amigos parecem ter certa influência sobre os mortos, porém tais influências são muito pouco significativas para a felicidade dos homens, não sendo capazes de alterar seu estado.

CAPÍTULO 12

A felicidade é uma coisa louvável e perfeita, não sendo do tipo das potencialidades. A felicidade é, ainda, o “primeiro princípio” e a causa dos bens, sendo ainda de natureza divina.

CAPÍTULO 13

A felicidade é uma atividade da alma segundo a virtude perfeita. Convém considerar a natureza da virtude para compreender a natureza da felicidade, e a virtude aqui se refere à virtude humana, sendo esta ainda a da alma e não do corpo. O político estuda a virtude antes de tudo, e o que se busca é a virtude humana. Portanto, o político se dedica ao estudo da alma. A alma é formada de uma parte racional, e de outra privada de razão; isto é, uma parte sobre a qual temos controle, e outra sobre a qual não temos nenhum controle. O homem continente, temperante e bravo obedece à razão.

A parte irracional da alma é persuadida pela razão, pela reprovação e conselhos. As virtudes são de ordem intelectual ou moral. As de ordem intelectual são a sabedoria, a compreensão e

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a prudência. As de ordem moral são a generosidade e a temperança. As disposições de espírito louváveis que são praticadas por hábitos são chamadas virtudes.

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LIVRO II

CAPÍTULO 1

Havendo duas espécies de virtude, ela se divide em: moral e intelectual. A virtude moral é adquirida pelo hábito – e não por natureza, ao passo que a virtude intelectual é desenvolvida através do ensino. As coisas naturais não podem adquirir um hábito contrário à sua natureza. A boa legislação torna bons os cidadãos por meio dos hábitos. O contrário também é verdadeiro: toda virtude pode ser destruída por uma má constituição. As virtudes e os hábitos tornam os homens justos ou não. Os nossos hábitos adquiridos na infância terão importância decisiva nas nossas disposições morais e para a qualidade dos atos que praticamos.

CAPÍTULO 2

A presente investigação ética não visa o conhecimento teórico da virtude, e sim a natureza dos atos na prática, ou seja, de que forma devemos praticá-los. O princípio comumente aceito é o de que devemos agir de acordo com a “regra justa”. É importante esclarecer que está na natureza das virtudes o fato de que são destruídas pela deficiência e pelo excesso. Por exemplo, a temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pela deficiência, e preservadas pela mediania.

CAPÍTULO 3

O prazer e a dor que são conseqüência dos atos devem ser considerados os sinais das nossas disposições morais. Por causa do prazer, podemos praticar ações más, e por causa da dor podemos nos abster de ações nobres. A excelência moral deve levar em conta o deleite e o sofrimento. Cada ação e paixão é acompanhada de prazer e dor. O castigo é efetuado pelo contrário do efeito da ação a ser punida. Tanto o vício como a virtude relacionam-se com o

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prazer e a dor, mas de modo contrário. Existem três objetos de escolha: o nobre, o vantajoso e o agradável. E, ainda, há três objetos de rejeição, a saber: o vil, o prejudicial e o doloroso. 1105a - Prazer e dor acompanham os homens desde a infância. É mais difícil lutar contra o prazer do que contra a dor. A virtude e a arte orientam-se pelo mais difícil. E esse é o motivo pelo qual a virtude e a ciência política sempre giram em torno de prazeres e sofrimentos, pois o homem que os usa bem é bom, e o que os usa mal é mau.

CAPÍTULO 4

Ao praticarmos atos justos, iremos nos tornar pessoas justas. Para praticar a virtude, o agente deve estar em determinada condição. Deve conhecer o que faz, e deve escolher os atos em função dos próprios atos; além disso, a ação deve proceder de uma disposição moral firme e imutável. As ações são ditas justas e temperantes quando são conformes às praticadas pelas pessoas justas e temperantes, e as pessoas têm necessariamente de praticá-las para se tornarem boas. Uma pessoa não pode ficar apenas com o aspecto teórico das ações, para se tornar boa. Apenas praticando a virtude as pessoas se tornam virtuosas.

CAPÍTULO 5

Vejamos o que vem a ser a virtude. A virtude pode pertencer às paixões, ou às faculdades e disposições de caráter. As paixões são os sentimentos que trazem prazer e dor. As faculdades permitem sentir as paixões. As disposições de caráter são o que pode ser considerado bom ou mal diante das paixões.

As pessoas são louvadas ou censuradas por suas virtudes ou vícios. Com respeito às paixões se diz que somos movidos, mas com relação às virtudes não somos movidos, e sim que temos esta ou aquela disposição de caráter. Posto que as virtudes envolvem escolha, elas não são paixões nem faculdades, e sim disposições de caráter.

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CAPÍTULO 6

Não basta, no entanto, definir a virtude como uma disposição de caráter, sendo necessário assinalar de que tipo é essa disposição. Toda virtude ou excelência dá boa condição tanto à própria coisa como à função dessa coisa. A virtude do homem é a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem sua função.

De tudo o que é divisível, pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual – isto no que se refere à própria coisa em si, e à coisa em relação a nós. O meio-termo vem a ser o que é eqüidistante em relação aos extremos. O meio-termo das coisas em si é uma medida única e invariável para todas as pessoas; por outro lado, o meio-termo entre as coisas e s pessoas é variável de pessoa para pessoa. Por exemplo, o que vem a ser meio-termo em matéria de definição da quantidade de alimento necessária para saciar a fome de alguém, varia de pessoa para pessoa conforme a compleição e outras características.

A arte também realiza bem seu trabalho quando consegue acertar no meio-termo. A excelência das obras de arte as preservam, ao passo que o excesso e a falta as destroem.

No que concerne aos homens, o meio-termo é relativo, mas não ao objeto. A virtude é o atributo de visar o meio-termo. A virtude diz respeito às paixões e ações, sendo erros o excesso e a falta, enquanto o meio-termo é o único modo de acerto. Enquanto há muitas formas de errar, pode-se acertar de um modo apenas. O excesso e a falta são características do vício e a mediania, da virtude.

Para concluir acerca da definição da essência da virtude, ela é uma mediania; entretanto, com relação ao sumo bem e ao mais justo, ela é um extremo. Não há como se falar de virtude ou meio-termo nas paixões viciosas, que são más em sua própria natureza. Da mesma forma que não há excesso nem falta na mediania, com relação ao excesso ou à falta não existe meio-termo.

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CAPÍTULO 7

Além da definição acima, que é genérica, devemos nos ater aos casos particulares, pois no que diz respeito às regras de conduta, as normas particulares são mais verdadeiras, pois a conduta se relaciona a casos individuais. Aristóteles passa então a tratar não muito profundamente sobre os aspectos “excesso – falta – meio-termo” sobre o medo/temeridade/coragem, os prazeres e sofrimentos do qual o meio-termo é a temperança e, o excesso, é a intemperança. Existem três meios-termos distintos, embora tenham uma semelhança comum. Todos estão em intercâmbio entre atos e palavras. Um diz respeito à verdade e os outros dois ao aprazível. Dos aprazíveis, um proporciona divertimento e outro manifesta-se em todas as situações. A maioria das disposições não têm nomes, mas devemos inventá-los. Há meio-termo nas paixões propriamente ditas, e também um meio-termo em relação a elas.

A justa indignação é um meio-termo entre a inveja e o despeito, estando estas disposições relacionadas ao sofrimento e ao prazer que sentimos diante da boa ou má sorte de nossos semelhantes.

CAPÍTULO 8

Quanto à justiça, de difícil definição, existem três tipos de disposições: duas delas são vícios que envolvem excesso e carência, e a terceira é uma virtude: o meio-termo.

A disposição extrema é contrária ao meio-termo e ao outro extremo. O meio-termo é contrário aos extremos. Os estados medianos são excessivos em relação às deficiências, sendo por sua vez deficientes diante dos excessos. Porém, a maior contrariedade é a que está entre os extremos, e não entre extremos e meio-termo. O meio-termo pode estar mais próximo de um extremo do que outro. Aquilo pelo qual o homem tende por natureza lhe parece mais contrário ao meio-termo. Daí podemos concluir que somos levados mais facilmente à intemperança do que à moderação.

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CAPÍTULO 9

Uma vez explicado que a virtude é um meio-termo entre dois vícios, e que não é fácil ser bom, pois em tudo é difícil encontrar o meio-termo. Quem visa o meio termo deve se afastar do que lhe é mais contrário.

Em tudo, devemos nos precaver mais contra o prazer e o que é agradável, posto que não conseguimos julgá-los com imparcialidade. Como atingir o meio-termo não é fácil, só é censurado aquele que se desvia consideravelmente do meio-termo, e a percepção é que decide até que ponto o homem merece censura. Para chegarmos ao que é certo, ou seja, ao meio-termo ora teremos de nos inclinar para o excesso, ora para a falta.

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LIVRO III

CAPÍTULO 1

Além dos aspectos já estudados da virtude, é necessário distinguir os aspectos voluntário e involuntário da natureza da virtude. São consideradas involuntárias as ações que ocorrem sob compulsão ou por ignorância. Há ainda as ações que poderiam ser chamadas de “mistas”, já que contêm elementos voluntários e involuntários ao mesmo tempo – embora mesmo estas pertençam mais ao campo das voluntárias do que ao das involuntárias. Por exemplo, às vezes somos forçados a fazer algo ignóbil que, numa situação comum, nunca escolheríamos fazer. O ato forçado parece ser aquele cujo princípio motor se encontra do lado de fora do agente, o qual em nada contribui para tal ato. Tudo o que é feito por ignorância é não-voluntário, e apenas o que acaba por produzir sofrimento e arrependimento é involuntário.

Como tudo o que se faz forçado ou por ignorância é involuntário, o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor está no próprio agente quando este tenha conhecimento das circunstâncias particulares em que está agindo.

O involuntário é doloroso, e por outro lado o que está de acordo com o apetite é prazeroso. Não são involuntárias as paixões irracionais, como por exemplo a cólera ou aquelas derivadas do apetite, por serem ações do homem.

CAPÍTULO 2

Agora passemos ao exame da escolha, que parece estar mais proximamente ligada à virtude do que as ações o são. A escolha parece voluntária, mas não se identifica assim. Ela não é comum à irracionalidade como a cólera e o apetite. A escolha é contrária ao apetite e não se relaciona com o prazeroso e o doloroso. Além disso, a escolha não visa coisas impossíveis, e

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se relaciona com os meios, e não com os fins, como o desejo. Também, ela não se identifica com a opinião. A escolha é caracterizada pela bondade ou pela maldade.

A escolha requer um princípio racional e o pensamento, ou seja: envolve razão e reflexão. É aquilo que preferimos às outras coisas.

CAPÍTULO 3

Sobre o que deliberamos? Deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e que podem ser realizadas, sendo estas as que restam para a análise. Quanto mais exata a ciência ou o objeto, menos deliberamos sobre tal coisa. De outra face, quanto menos exata a coisa, mais deliberamos sobre ela. A deliberação diz respeito às coisas que em geral acontecem de uma determinada forma, mas cujo desfecho é obscuro e indeterminado. Além disso, nas coisas importantes recorremos a outras pessoas para nos ajudar a deliberar, por não ser suficiente a confiança que depositamos na nossa capacidade de decidir.

Não deliberamos sobre os fins, e sim sobre os meios. Ainda, nem toda investigação é deliberação. Mas toda deliberação é investigação.

O homem é um princípio motor de ações, a deliberação é acerca de coisas a serem feitas pelo próprio agente, e as ações são praticadas com vistas a outra coisa que não elas mesmas. A escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance. Em suma, a escolha se relaciona com os meios para chegarmos aos fins.

CAPÍTULO 4

Podemos dizer que aquilo que em verdade o homem bom deseja é que é verdadeiramente um objeto de desejo; por outro lado, qualquer coisa poderia ser objeto de desejo para o homem mau, pois o homem bom avalia corretamente todas as coisas, e em cada tipo de coisas a verdade lhe aparece com clareza. Poder-se-ia afirmar que a maior diferença entre o homem

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bom e os outros está no fato de que o homem bom consegue perceber a verdade em cada classe de coisas, sendo ele a ‘norma e medida’ dessas coisas.

CAPÍTULO 5

O exercício da virtude se relaciona com os meios; portanto, a virtude está também ao nosso alcance, da mesma forma que o vício. Está em nossas mãos escolher agir de acordo com o que é nobre ou o que é vil, ou seja, depende apenas de nós sermos virtuosos ou viciosos.

Todos os atos viciosos que dependem dos culpados merecem punição. Os homens são responsáveis por serem injustos e intemperantes. Além dos vícios da alma, os do corpo também podem ser voluntários.

Pode acontecer de uma pessoa ser punida pela própria ignorância, caso seja responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios [dobrada, porque: (i) se embriagou, e (ii) a embriaguez desejada lhe tolheu o conhecimento, e lhe fizera delinqüir]. Também são punidas as pessoas que ignoram as prescrições legais, pois elas poderiam ter-se informado de uma maneira mais zelosa.

Com relação aos vícios do corpo, os que dependem de nós evitar são recriminados, e aqueles que não estava ao nosso alcance evitar não são recriminados. Por exemplo: não se recrimina aquele que nasceu sem beleza física, mas sim é recriminado aquele que não cuida de sua saúde e cai doente em razão disso.

Visar a um fim justo não depende da nossa escolha, mas é preciso ter nascido com uma visão moral, por assim dizer, que nos permita julgar corretamente e escolher o que é verdadeiramente bom. Essa visão moral é a coisa mais nobre que existe, e é algo que não aprendemos de outra pessoa, posto que recebemos ao nascer; e ser nobremente dotado dessa qualidade, é a excelência perfeita no que diz respeito aos dotes naturais.

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A seguir diremos quais são as virtudes, sua inter-relação e quantas são elas.

CAPÍTULO 6

Falemos da coragem, que é o meio-termo entre os sentimentos de medo e temeridade. A coragem se relaciona com as coisas mais temíveis, sendo a morte a mais temível de todas as coisas, por ser ela o fim de tudo. No entanto, não é sempre que a morte dá margem a que a coragem se manifeste. A coragem se manifesta então nas circunstâncias mais nobres, e essas mortes são as que ocorrem na batalha, e por isso é que são honradas nas cidades-Estados e pelos monarcas. Corajoso é o homem que se mostra destemido diante de uma morte honrosa e sempre que houver perigo de morte.

CAPÍTULO 7

Corajoso é o homem que enfrenta e teme as coisas que deve, e pelo devido motivo. O homem corajoso age de acordo com o caso em questão, e do modo que a regra prescreve e por causa da honra, pois essa é a finalidade da virtude. O corajoso sempre age com fins nobres. A coragem em excesso é a temeridade. O excesso de medo é a covardia.

A covardia, a temeridade e a coragem relacionam-se com os mesmos objetos. A coragem é a mediania; de outra face, os extremos são a covardia e a temeridade.

Além do mais, os temerários são precipitados e anseiam os perigos antecipadamente, porém recuam quando os têm pela frente, ao passo que os corajosos são ardentes no momento de agir, mas fora dessas situações são tranqüilos.

CAPÍTULO 8

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A coragem deve surgir por nobreza, e não por coação. A experiência e o conhecimento dos fatos particulares também podem ser considerados coragem. Em certos casos, a paixão também é confundida com a coragem. Os homens corajosos agem tendo em vista a honra, mas a paixão os ajuda a agir. A paixão corajosa parece a mais natural, tornando-se a verdadeira coragem quando acompanhada de escolha e motivo. Os otimistas assemelham-se aos corajosos apenas porque sua confiança se baseia em sucessivas vitórias. As pessoas que ignoram o perigo também parecem corajosas; entretanto, fogem assim que se dão conta do perigo.

CAPÍTULO 9

A coragem relaciona-se mais com as coisas que inspiram medo. É por enfrentarem o que é penoso que as pessoas são chamadas de corajosas. O objetivo da coragem é prazeroso, apesar das circunstâncias desagradáveis envolvidas no caso. Não é em relação a todas as virtudes que o exercício é agradável, exceto na medida em que atingem sua finalidade.

CAPÍTULO 10

Agora falemos da temperança, que parece pertencer à parte irracional da alma, sendo ainda o meio-termo em relação aos prazeres. A temperança deve estar relacionada com os prazeres do corpo (como o tato e o paladar), e não os da alma. A intemperança parece ser justamente condenada porque nos domina não como homens, e sim como animais. E se comprazer com tais coisas – as do tato e do paladar – e amá-las acima de todas as outras, é próprio de animais.

CAPÍTULO 11

Agora se tratará dos apetites, sendo que alguns deles são comuns a todas as pessoas, e outros são peculiares a certas pessoas, pois foram adquiridos. O apetite pelo alimento é natural, o

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mesmo ocorrendo com o amor (como já dizia Homero, na sua Ilíada). Nos apetites naturais, poucos se enganam, e quando se enganam o fazem em apenas um sentido: o do excesso. Entretanto, o excesso em relação aos prazeres é intemperança, e é condenável. O homem temperante deseja moderadamente as coisas que, sendo agradáveis, contribuem para a saúde ou a boa condição do corpo; ele ocupa, portanto, a posição de meio-termo em relação aos prazeres.

No que toca à covardia, esta parece ser menos voluntária do que a intemperança, graças ao prazer. Os atos particulares da intemperança são voluntários.

Em um ser irracional, o desejo de prazer é insaciável. Já para o ser humano, os apetites devem ser poucos, moderados e racionais. Os apetites devem ficar subordinados à razão, visto que o homem temperante visa às coisas nobres.

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LIVRO IV

CAPÍTULO 1

Agora tratemos da liberalidade. Parece ser ela o meio-termo em relação à riqueza, pois o homem liberal, ou generoso, é louvado pela sua capacidade de dar e obter riquezas, sobretudo a dá-las. Por “riquezas” entendem-se tudo o que é mensurável pelo dinheiro. Por sua vez, nos extremos estão a prodigalidade e a avareza, respectivamente o excesso e a falta.

O pródigo promove sua própria ruína ao dilapidar seus bens. O liberal é aquele que melhor utiliza a sua riqueza. Ele dá tendo em vista o que é nobre, e como deve. Além disso, as ações virtuosas são isentas de dor.

A liberalidade é usada em relação às posses de um homem, na disposição de caráter de quem dá. O liberal não estima a riqueza em si, mas como meio, gastando apenas na medida de suas posses. É mais característico do homem liberal dar às pessoas certas do que obter das fontes certas e não das erradas. A liberalidade é sempre considerada proporcionalmente às posses de uma pessoa liberal; alguém que dá uma pequena coisa pode ser o mais liberal, se essa pessoa tinha menos para dar. Aqueles que herdaram sua fortuna são os mais liberais, pois estes não têm experiência da necessidade – e ainda porque todos temos mais amor ao que nós próprios produzimos, como os pais e os poetas.

A prodigalidade excede no dar e não receber; por outro lado, a avareza é deficiente no dar e pelo excesso no receber. Os que têm o apetite de dar não se importam com a fonte de onde se origina o que dão. Por isso, não o fazem com nobreza. A avareza se caracteriza por ser deficiente em dar e por ter excesso em tomar. Os amantes do ganho indébito incluem-se no vício da avareza. Os homens erram mais no sentido da avareza, contrária à generosidade, do que no da prodigalidade.

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A avareza pode ser definida como o contrário da liberalidade, sendo ainda mal maior do que a prodigalidade.

CAPÍTULO 2

Examinemos agora a magnificência (aqueles que gastam suntuosa e desmedidamente). Ela parece ser uma virtude relacionada com a riqueza, sendo um gasto apropriado que envolve grandes quantias. A pessoa magnificente é liberal, mas a liberal nem sempre é magnificente. A deficiência desta disposição de caráter chama-se mesquinhez, e o excesso pode ser chamado de vulgaridade ou mau gosto, já que o excesso diz respeito aos gastos ostentatórios em circunstâncias erradas e do modo errado.

O homem magnificente é como um artista, pois sabe o que é adequado e sabe aplicar grandes somas com bom gosto, e assim são os seus resultados. O magnificente, ainda, fará suas ações visando à honra, e o fará ainda com prazer e grandeza.

Um homem pobre não pode ser magnificente, já que lhe faltam meios para isso; quem tenta fazer isso é um tolo, pois gasta mais do que se poderia esperar que fizesse, e mais do que é adequado à sua condição, vez que apenas a despesa justa é conforme à virtude.

O magnificente não gasta consigo mesmo, e sim com objetos públicos ou para muitas pessoas. Ele também decora sua casa de modo compatível com sua riqueza (pois até uma casa é uma espécie de ornamento de uma cidade), e gasta preferivelmente em obras duradouras (pois essas são as mais belas).

O homem que se inclina para o excesso é vulgar e revela ostentação em seus atos. Por outro lado, o que fica aquém da medida é o mesquinho, que hesita e estuda sempre de forma a gastar menos, e lamenta até o pouco que gasta. Estes extremos, apesar de serem vícios, não são dos mais condenáveis, porque não são nocivos aos demais, nem desonram a terceiros.

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CAPÍTULO 3

Tratemos agora da magnanimidade, que se relaciona a coisas mais grandiosas do que as da magnificência. Magnânimo se refere ao meio-termo, e é aquele que se considera digno de grandes coisas e de fato está à altura delas. A falta dessa disposição se refere àquele que é indevidamente humilde. Em contraposição, o excesso disso é o pretensioso, aquele que se atribui uma dignidade da qual não está à altura é um tolo ou ridículo, e este portanto não pode ser virtuoso, julgando-se digno de grandes coisas sem estar à altura delas. Estes dois extremos não são considerados maus, mas apenas equivocados.

Magnânimas são as pessoas que têm disposição certa com relação à honra e à desonra, e quem é verdadeiramente magnânimo deve ser necessariamente bom. A magnanimidade parece ser o coroamento das virtudes.

É característico do magnânimo não pedir nada ou quase nada, mas ajudar de bom grado e adotar uma atitude digna diante das pessoas que desfrutam de alta posição e são favorecidas pela fortuna, e de outra face adotar uma atitude despretensiosa para com aqueles de posses medianas. O magnânimo não guarda rancor por ofensas que lhe façam, não é dado a conversas fúteis, não fala de si mesmo nem dos outros; não é propenso a lamentar-se nem a pedir favores. Além do mais, prefere ele possuir coisas belas e improfícuas em vez das úteis e proveitosas, por ser mais próprio de um caráter independente. São ainda suas características um andar lento, uma voz profunda e entonação uniforme.

CAPÍTULO 4

Acerca da honra: assim como em relação a ganhar e gastar existe um meio-termo, excesso e deficiência, também a honra pode ser desejada mais ou menos do que convém, ou da maneira e das fontes certas. E esta é a disposição de caráter que é louvada, ou seja, o desejo do

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meio-termo com relação à honra. O desejo por honra em excesso é a ambição; a falta seria a desambição. O meio-termo, entretanto, ainda não recebeu denominação própria.

CAPÍTULO 5

A calma é o meio-termo em relação à cólera, embora ela se incline mais para a deficiência, que também não tem nome, mas seria um tipo de pacatez. O excesso é a irascibilidade. Os que se encolerizam por motivos justos, com coisas ou pessoas certas, e além disso, da forma, nas ocasiões e pelo tempo que devem, são dignos de serem louvados. As pessoas calmas não são vingativas, e se inclinam a relevar os erros dos outros.

Os irascíveis encolerizam-se com pessoas e coisas indébitas. As birrentas conservam a cólera por mais tempo. Os mal-humorados encolerizam-se com o que não devem, e não se acalmam enquanto não conseguem se vingar. Esses são os excessos opostos à calma. Os excessos de cólera devem ser censurados.

Não é tarefa fácil determinar até que ponto alguém pode desviar-se do meio-termo sem se tornar merecedor de censura, pois a decisão depende das circunstâncias particulares de cada caso e da percepção. Entretanto, uma coisa é certa: o meio-termo merece ser louvado, enquanto os excessos e deficiências são dignos de censura.

CAPÍTULO 6

Na vida social, nas relações interpessoais e no intercâmbio de palavras e atos, as pessoas que, para serem agradáveis louvam todas as coisas e jamais se opõem a quem quer que seja, julgando ser seu dever não desagradar às pessoas que encontram, são chamadas obsequiosas; outras, em contraste, se opõem a tudo e não têm a menor preocupação em não magoar os outros, são chamadas grosseiras e altercadoras. Estas duas disposições são censuráveis, e a disposição intermediária é louvável: aquela pela qual alguém se inclina a rebelar-se ou

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conformar-se em face das coisas que deve e como deve – embora esta disposição não tenha recebido nenhum nome.

Aquele que age pelo meio-termo se relacionará de modo diferente com pessoas de alta posição e com pessoas mais simples, com conhecidos mais íntimos e com outros mais distantes, tratando cada classe de pessoas como for mais conveniente. Os extremos parecem se opor entre si porque o meio-termo não recebeu denominação própria.

CAPÍTULO 7

Sobre a jactância. Considera-se jactancioso a pessoa que se arroga coisas que trazem a glória, quando na verdade não as tem, ou atribui a si mais do que de fato tem. No outro extremo há a pessoa falsamente modesta, que tende a negar ou a minimizar o que possui. O homem que observa o meio-termo não exagera nem subestima, é verdadeiro seja em seu modo de viver seja em suas palavras, declarando o que efetivamente possui, nem mais nem menos. Além disso, o que segue a medianidade não tem nome especial.

Em princípio, os extremos são condenáveis dado que a falsidade é em si mesma ignóbil e censurável, ao passo que a verdade é nobre e digna de louvor. Uma pessoa veraz será naturalmente considerada uma “pessoa de bem”, digna de louvor.

O jactancioso é um ser desprezível, mas é mais fútil do que mau. Em contraposição, o falsamente modesto – que subestimam seus méritos, parecem mais simpáticos, porque agem assim para fugir à ostentação.

CAPÍTULO 8

É sabido que a vida não é feita só de atividade, mas também de repouso, especialmente nas relações sociais – falemos da jocosidade. Aqui, em um extremo aparecem os “bufões vulgares”, ou chocarreiros, aqueles que levam a jocosidade ao extremo, e que procuram

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provocar o riso a qualquer preço, não se preocupando com a inconveniência de seus atos. No outro extremo há os rústicos e grosseiros, sendo estes o que não sabem gracejar nem suportam os que o fazem. Por último, os que observam o meio termo são chamados espirituosos. Estes sabem ser jocosos na medida certa, e quem sabe fazer isso necessariamente possui tato para avaliar as circunstâncias; é próprio de um homem de tato dizer e escutar aquilo que é conveniente a uma pessoa digna e polida. O tipo de gracejo que a pessoa de tato se disporá a escutar será o mesmo que ele irá fazer, pois ela é fina e bem-educada.

Como o lazer e o entretenimento são considerados elementos necessários à vida, a pessoa rústica é censurável, pois ela não dá nenhuma contribuição, e tudo repreendem.

CAPÍTULO 9

Tratemos agora da vergonha que, entretanto, não deveria constar entre as virtudes, já que parece se assemelhar mais a um sentimento – um “medo da desonra” – do que a uma disposição de caráter.

O sentimento de vergonha não é adequado a todas as idades, mas somente à juventude. Os jovens que sentem vergonha pelos erros que cometem são louváveis, pois esse sentimento serve para refreá-los. O outro extremo é o despudor, ou seja, o não se envergonhar por praticar de praticar ações ignóbeis, e isso é uma má disposição. Entretanto, nem por isso será bom aquele que se envergonhar de praticá-las. Portanto, como acompanha as más ações, a vergonha não é digna do homem bom.

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LIVRO V

CAPÍTULO 1

Agora, passemos a tratar da justiça. Devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que tipo de meio-termo é a justiça, e entre quais extremos o ato justo é o meio-termo. Segundo a opinião geral, a justiça é a disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, e as faz agir justamente e a desejar o que é justo. Por analogia, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto.

Examinemos primeiramente o que vem a ser uma pessoa injusta. Tanto o que infringe a lei quanto o ganancioso e ímprobo são injustos e, em contraposição, o que cumpre a lei e é honesto, é justo. Desse modo, como o descumpridor da lei é injusto e que a cumpre é justo, obviamente todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, posto que os atos prescritos pela arte do legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo. Além disso, são justos os atos que produzam e preservem a felicidade e seus elementos para a política. A justiça é considerada a maior das virtudes. É a virtude completa, pois ela é exercida sobre quem a possui e também ao próximo. É importante salientar as palavras de Bias, um dos Sete Sábios da Grécia: “O exercício do poder revela o homem”.

A lei determina que pratiquemos atos de pessoas corajosas, temperante e calmo, e assim por diante com relação às outras virtudes, na linha da medianidade. Entretanto, apenas a lei bem elaborada faz essas coisas retamente, ao passo que as leis elaboradas às pressas não o fazem assim tão bem.

A justiça não é uma parte da virtude, e sim a virtude inteira. Da mesma forma, a injustiça não é uma parte do vício, mas o vício inteiro.

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Todos os atos injustos são sempre atribuídos a alguma espécie de deficiência moral. Há que se ressaltar a existência de mais de uma espécie de injustiça: a injustiça no sentido amplo e uma injustiça de modo particular. A investigação ética deve buscar aquela que se distingue da virtude no pleno sentido da palavra. Tudo que é probo é legítimo, mas nem tudo que é legítimo é probo. Em relação à justiça parcial, uma classe se manifesta nas coisas que a serem divididas entre quem tem parte na constituição. Outra tem um papel corretivo nos negócios humanos, tanto os voluntários como os involuntários.

CAPÍTULO 3

Como já foi mostrado que tanto a pessoa quanto os atos injustos são ímprobos ou iníquos, fica claro que há também um ponto intermediário entre essas duas iniqüidades – a chamada eqüidade. Assim, se o injusto é iníquo, o justo é eqüitativo.

O justo deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual (envolve duas participações iguais) e relativo (ele é justo para determinadas pessoas). Desta forma, se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais. As distribuições devem ser feitas de acordo com o mérito de cada um. Como se observa, o justo é uma espécie de termo proporcional. Podemos concluir que o justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção.

CAPÍTULO 4

Há outra espécie de justiça: a corretiva. Como este tipo de injustiça é uma desigualdade, o juiz tenta restabelecer a igualdade através da pena, subtraindo uma parte do ganho do ofensor. A justiça corretiva será o meio-termo entre perda e ganho.

As pessoas recorrem ao juiz quando há injustiça, porque recorrer ao juiz é recorrer à justiça. O justo é intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda nas transações que não são voluntárias.

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CAPÍTULO 5

Alguns pensam que a reciprocidade é justa sem qualquer reserva, tal como os pitagóricos definem a justiça. No entanto, “reciprocidade” não se identifica com a justiça distributiva nem com a corretiva, pois aquela deve ser feita de acordo com uma proporção, e não na base de uma retribuição exatamente igual, posto que hão de ser consideradas ainda as diferenças entre os atos voluntários e os involuntários ao aplicar-se uma pena. Assim, haverá reciprocidade quando os termos da proporção forem igualados.

A retribuição proporcional é garantida pela conjugação cruzada. Nesse sentido, introduziu-se o dinheiro nas negociações. Ele é o termo que serve para medir todas as coisas, e tanto o excesso como a falta. O dinheiro veio a se tornar a representação da procura pela unidade, mas por mera convenção entre os homens, que têm poder de mudá-lo ou torná-lo sem valor. Se não fosse possível efetuar a reciprocidade entre os diversos produtos, não haveria associação entre as partes. O preço de cada bem garante a troca e a associação entre os homens. Deve haver um acordo que estabeleça a unidade do dinheiro, para que todas as coisas sejam comensuráveis. A justiça é um meio-termo que se relaciona com a quantia ou quantidade intermediária, ao passo que a injustiça se relaciona com os extremos.

Na ação injusta, ter demasiadamente pouco é ser vítima de injustiça; e tê-lo em demasia é agir injustamente.

CAPÍTULO 6

Agora, falemos sobre a justiça política. Esta existe apenas entre pessoas cujas relações mútuas são regidas pela lei, e a lei existe para as pessoas entre as quais é possível haver justiça, pois a justiça legal é a discriminação entre o que é justo e o que é injusto. E, havendo injustiça entre

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homens, há também ações injustas, e estas consistem em atribuir demais a si mesmo as coisas boas em si, e muito pouco das coisas más em si.

E é por isso que não se permite que um homem governe por si mesmo, cabendo à lei esse papel, já que o homem poderia governar em seu próprio interesse, tornando-se um tirano. O magistrado é um guardião da justiça e, portanto, também um guardião da igualdade. Se ele é justo, deve ser recompensado, e sua recompensa é a honra e o privilégio. A justiça relaciona-se com a lei e entre pessoas sujeitas à lei.

CAPÍTULO 7

A justiça política é em parte natural e em parte legal. Natural, porque tem a mesma força em todos os lugares e não existe em virtude dos pensamentos humanos. O aspecto legal refere-se a tudo o que passa a viger depois de ser estabelecida a lei, os decretos, etc. Ou seja, existe uma justiça por natureza e outra por convenção. Ambas são igualmente mutáveis.

CAPÍTULO 8

Quando uma pessoa pratica atos involuntariamente, ela não age nem injusta nem justamente, a não ser por acidente. E o fator determinante do que é justo ou injusto é o caráter voluntário ou involuntário do ato. Por ato voluntário, deve-se entender tudo o que uma pessoa tem o poder de fazer, e que faz, com conhecimento de causa, isto é, sem ignorar a qual a pessoa afetada pelo seu ato, o instrumento usado, e qual o fim a ser alcançado; além disso, nenhum desses atos deve ser acidental nem forçado.

Entre os atos voluntários, alguns praticamos por escolha; outros, não. Há três espécies de danos nas transações entre as pessoas: (i) os que são infligidos pela ignorância – quando a pessoa afetada pelo ato, o próprio ato, o instrumento ou o fim a ser atingido são diferentes do que o agente imaginava; e isso se trata de um infortúnio; (ii) quando não é contrário a uma

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expectativa razoável, e tampouco implica vício, é um engano; e (iii) quando, porém, uma pessoa age por escolha, é uma pessoa injusta e viciosa.

Entre os atos voluntários, alguns são desculpáveis (os erros cometidos na ignorância e por ignorância) e outros não o são (os que não se devem à ignorância).

CAPÍTULO 9

Pode ocorrer que alguns sejam tratados justamente, porém contra sua vontade.

Também é possível alguém tratar injustamente a si próprio. Ninguém deseja ser tratado injustamente.

Saber como se deve agir e como efetuar distribuições justas é mais difícil do que saber, por exemplo, o que faz bem à saúde. Agir com justiça ou não, resulta de uma disposição de caráter. A justiça é algo essencialmente humano.

CAPÍTULO 10

Vejamos agora a eqüidade e o eqüitativo, e suas relações com a justiça e o justo, respectivamente. A justiça e a eqüidade não são absolutamente idênticas, nem diferentes entre si. O justo e o eqüitativo são diferentes, mas ambos são bons; portanto, hão de ser a mesma coisa. O eqüitativo é superior a uma simples espécie de justiça. Uma mesma coisa pode ser justa e eqüitativa, embora a eqüidade seja superior.

O eqüitativo não é apenas justo, e sim uma correção da justiça legalmente estabelecida. A origem do problema é que toda lei tem caráter universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta com relação a todas as situações particulares. Neste caso, é correto então que o legislador aja de modo a preencher a lacuna existente, como se dissesse o que o próprio elaborador da lei teria dito se estivesse cuidando daquele caso particular, e que teria incluído na lei se tivesse previsto aquele caso especificamente.

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Assim, a natureza do eqüitativo é uma correção da lei quando esta é deficiente em razão da sua universalidade. O eqüitativo, por seu turno, é aquele que escolhe e pratica atos eqüitativos, que não se atém de forma intransigente aos seus direitos, e que tende a receber menos do que lhe caberia, embora tenha a lei ao seu lado.

CAPÍTULO 11

Há ainda a questão da “injustiça contra si mesmo”. Por exemplo, aquele que, em um acesso de forte emoção chega a se apunhalar, pratica esse ato contrariando a reta razão da vida, e isso a lei não permite; portanto, age injustamente. Mas contra quem? Certamente contra a cidade, e não contra si mesmo. Por esse motivo a cidade pune o suicida, com uma certa perda de direitos civis, pois ele trata a cidade injustamente. Ademais, não é possível uma pessoa tratar injustamente a si mesma, já que o justo e o injusto sempre envolvem mais do que uma pessoa. Alguém que pratica um dano a si próprio, ao mesmo tempo sofre e pratica dois atos condenáveis de uma só vez.

Se formos considerar alguma espécie de injustiça que uma pessoa poderia cometer contra si mesma, esta diz respeito às partes racional e irracional de sua alma, em que esta pode trair aquela, levando a pessoa a ser injusta para consigo mesma.

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LIVRO VI

CAPÍTULO 1

O meio-termo é determinado pela reta razão. A pessoa visa sempre sua meta ora intensificando, ora relaxando sua atividade no sentido de adotar o meio-termo. Até para as medianias existe um padrão, uma justa regra, e isto deve ser definido.

Da mesma forma que a alma tem duas partes: uma que concebe um princípio racional, e a outra privada de razão, a primeira (a racional) também há que ser dividida em duas. Uma contempla as coisas de causas variáveis, e a outra as causas passíveis de variação. Os nomes dessas duas partes são: científica e calculativa. Apenas sobre as coisas variáveis se pode deliberar. Devemos saber qual é o melhor estado de cada uma delas, pois aí é que reside a virtude de cada uma.

CAPÍTULO 2

São três os elementos da alma que controlam a ação e a verdade: a sensação, a razão e o desejo. A sensação não principia nenhuma ação refletida. A escolha é um desejo deliberado. O desejo reto (probo) corresponde à escolha acertada. O reto desejo deve buscar exatamente o raciocínio verdadeiro. Este tipo de pensamento e de verdade é de natureza prática.

Quanto ao intelecto contemplativo (que não é prático nem produtivo), o bom e o mau estado a verdade e a falsidade. Na parte prática, o bom estado é a concordância da verdade com o desejo. A origem da ação é a escolha, e a origem da escolha é o desejo e o raciocínio. A ação existe pela combinação de intelecto e caráter. Apenas o intelecto, em si, não move nada. O intelecto produtivo sempre visa a um fim. A boa ação é um fim ao qual o desejo é orientado. A origem da ação é o homem. A escolha é ou (i) um raciocínio desiderativo – que envolve desejo, ou um desejo racional.

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Concluindo, a função de ambas as partes intelectuais é a verdade. E as virtudes destas partes estão no grau mais alto da verdade.

CAPÍTULO 3

Cinco são as disposições da alma para a verdade, seja as afirmando, seja as negando: (i) arte, (ii) conhecimento científico, (iii) sabedoria prática, (iv) sabedoria filosófica (também chamada de prudência) e (v) a razão intuitiva (também chamada de inteligência). O objeto de conhecimento científico existe necessariamente, é eterno, pode ser ensinado e aprendido, e pode ser adquirido por indução ou por silogismo. A indução parte do caso particular para o universal, e o silogismo parte do universal para o particular. O epistêmico adquiriu convicção por conhecer os pontos de partida.

CAPÍTULO 4

No campo das coisas variáveis há tanto as coisas produzidas quanto as praticadas, já que existe uma diferença entre produzir e agir. A arte equivale a uma capacidade de produzir, envolvendo o raciocínio reto. A arte é produção, e não ação. A carência de arte também envolve produção, mas é uma disposição acompanhada de falso raciocínio.

CAPÍTULO 5

Quanto à sabedoria prática, chegaremos à sua definição considerando as pessoas que têm essa virtude. Um homem dotado de sabedoria prática delibera bem acerca do que é bom e conveniente para ele, não apenas sobre um aspecto específico, mas sobretudo referente às que contribuem para a vida boa de um modo. Quem é capaz de deliberar tem sabedoria prática. Ela não é ciência, nem arte. A sabedoria prática também não é epistêmica pois sua ação não é necessária, nem técnica – pois a ação não é produção. A sabedoria prática é uma capacidade

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verdadeira e raciocinada de agir sobre as coisas que são boas ou más para o homem e todos os seus bens. A temperança preserva a nossa sabedoria prática, que é uma virtude e não uma técnica. Ela é formada por opiniões, pois trata do variável. Finalmente, a sabedoria prática é a parte da virtude, dentre as duas partes da alma que se guiam pelo raciocínio.

CAPÍTULO 6

O conhecimento científico é derivado dos primeiros princípios que não são objetos de ciência, arte, sabedoria prática ou sabedoria filosófica. Desta forma, resta apenas uma alternativa: a razão intuitiva é a disposição que apreende os primeiros princípios.

CAPÍTULO 7

Dentre todas as artes e formas de conhecimento, a sabedoria é a mais perfeita forma de conhecimento. A filosofia deve ser uma combinação da razão intuitiva com o conhecimento científico.

A sabedoria filosófica é um conhecimento científico combinado com a razão intuitiva das coisas mais elevadas por natureza. Por outro lado, a sabedoria prática diz respeito à ação, e portanto se relaciona com coisas particulares, e não com as universais. O ideal seria possuirmos ambas as formas de sabedoria, a ainda mais a segunda (a dos casos particulares, a prática) do que a primeira – a universal. Entretanto, deve haver uma espécie de sabedoria controladora da sabedoria prática e da sabedoria filosófica.

CAPÍTULO 8

Agora, falemos da sabedoria que diz respeito à cidade. Esta faz parte da mesma disposição da alma que a prudência. Seu papel controlador é a sabedoria legislativa, ao passo que aquela que

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se relaciona com os aspectos particulares dentro de seu universal é a ciência política. Esta se relaciona à ação e deliberação.

A sabedoria prática diz respeito à própria pessoa; saber o que é bom para si é um conhecimento prático, e não político. A sabedoria prática não se identifica com o conhecimento científico, posto que ela se relaciona com o fato particular imediato, que não é objeto de conhecimento científico e sim de percepção.

CAPÍTULO 9

Investigação e deliberação não são coisas idênticas; esta última consiste em investigar um tipo particular de coisa. Devemos determinar a excelência da deliberação.

O conhecimento científico não é, haja vista que ninguém investiga coisas que conhece, e a boa deliberação é um tipo de investigação. Tampouco é habilidade em fazer conjeturas – visto que esta pressupõe rapidez, e a deliberação requer longo tempo, e que entretanto a conclusão do que se deliberou deve ser posta imediatamente em prática. Além do mais, a excelência na deliberação implica raciocínio. Resta, portanto, a alternativa de que sua excelência seria a correção do raciocínio. A pessoa que delibera, está investigando e calculando algo, mas sua excelência é a deliberação correta. Deliberar bem, entretanto, é apenas no sentido de algo bom, ou seja, a deliberação que tende a alcançar um bem.

Ademais, pode-se deliberar bem (i) no sentido absoluto, e sua excelência será aquilo que logra êxito no fim absoluto, e (ii) no sentido particular, cuja excelência será o êxito no fim particular.

CAPÍTULO 10

A inteligência (idêntica à perspicácia), não se identifica totalmente com a opinião, nem com o conhecimento científico, nem com as ciências particulares (como a medicina ou a geometria).

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A inteligência não se relaciona com as coisas eternas e imutáveis, e sim com aquelas sobre as quais podemos ter dúvidas e deliberar. Portanto, seus objetos são os mesmos do que os da sabedoria prática; no entanto, inteligência e sabedoria prática não são a mesma coisa: a sabedoria prática emite ordens, enquanto que a inteligência limita-se a julgar.

Além de chamar esse tipo de perspicácia de inteligência, muitas vezes a chamamos também de entendimento, pois há também apreensão da verdade científica.

CAPÍTULO 11

Agora, tratemos do discernimento. Este é a reta discriminação do eqüitativo, ou do honesto. O bom discernimento é o que julga segundo a verdade. Chamamos discernimento à reta discriminação do eqüitativo.

Quando falamos de discernimento, de inteligência, de sabedoria prática e de razão intuitiva, atribuímos às mesmas pessoas a posse do discernimento. Quem a possui atingiu a idade da razão, e são também dotadas de inteligência e de sabedoria prática. E todas estas coisas se relacionam a coisas imediatas, ou particulares.

Tais disposições (discernimento, inteligência e perspicácia) são dotes naturais, são inatas das pessoas; entretanto, ninguém é filósofo por natureza.

Devemos acatar sempre os aforismos (ensinamentos) de pessoas experientes e mais velhas e das dotadas de sabedoria prática, pois tais pessoas enxergam bem pelo fato de que a experiência lhes ter dado como que um outro olho.

CAPÍTULO 12

A sabedoria prática é a disposição da mente que se ocupa com as coisas justas, boas e nobres para o homem, sendo essas coisas inerentes a uma pessoa boa. Entretanto, o simples fato de

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conhecê-las não torna boas as pessoas; é preciso praticar essa sabedoria para tornar-se bom. Por exemplo, meramente conhecer a arte da medicina não nos torna mais saudáveis.

Além disso, a sabedoria prática é inferior à filosófica, e não tem autoridade sobre esta, haja vista que a arte que produz alguma coisa (a filosófica) comanda e governa o que produziu. Para alguém ser bom, é preciso ter uma disposição nesse sentido, ou seja, a pessoa deve praticá-los em decorrência de escolha e visando aos próprios atos. A virtude torna certa a escolha.

Há uma faculdade de que chama habilidade, que consiste em praticar as ações que conduzem ao fim visado, e a atingi-lo. Se o fim é nobre, a habilidade merecerá louvor; em contraste, se for mau, a habilidade será simplesmente astúcia. Não é possível possuir sabedoria prática sem ser bom.

CAPÍTULO 13

Examinemos novamente a virtude, que guarda relação análoga à que a sabedoria prática tem com a habilidade: assim como a sabedoria prática está para a habilidade, a virtude natural está para a virtude no sentido estrito do termo. Contudo, a virtude inata precisa do elemento racional para ser virtude absolutamente. Quando a virtude existe desacompanhada da razão (em crianças, por exemplo, que ainda não adquiriram a razão), aquela disposição natural comumente se desvia para o mau caminho e é nociva.

Portanto, entre os dois tipos de virtudes: a natural e a virtude em sentido estrito, esta última envolve sabedoria prática.

Em suma, não é possível ser bom, no sentido estrito da palavra, sem ter sabedoria prática, nem é possível ter essa sabedoria sem ter a virtude moral.

A escolha não será acertada sem a sabedoria prática, nem sem a virtude, pois esta nos leva a praticar as ações que conduzem a um fim, e a sabedoria prática determina o fim.

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LIVRO VII

CAPÍTULO 1

Há três tipos de disposições morais a serem evitadas: o vício, a incontinência e a bestialidade. As disposições opostas às duas primeiras são a virtude e a continência. À bestialidade, corresponde opor uma disposição de ordem sobre-humana, metafísica; algo ligado com o divino, e que se relaciona também com algo quando se diz que os homens se tornam deuses pelo excesso de virtude. É raro encontrar o homem divino, assim como o bestial.

Tratemos da incontinência e da frouxidão (ou efeminação), e das suas disposições opostas: a continência e a fortaleza, e estas são boas e louváveis enquanto aquelas são más e censuráveis. O incontinente age levado pela paixão, ao passo que o continente age ciente de que seus apetites são maus, age movido pelo princípio racional.

CAPÍTULO 2

O homem que age por incontinência não pensa que deva agir dessa forma, antes de ser afetado por esse estado. Nem toda continência é boa, posto que ela pode levar a sustentar opiniões falsas. Nenhuma pessoa possui todas as formas de incontinência; entretanto, outras são absolutamente incontinentes.

CAPÍTULO 3

O incontinente se relaciona precisamente com os objetos do intemperante. O intemperante é levado por seus desejos por sua própria escolha, pensando que deve buscar sempre o prazer presente, ao passo que o incontinente também busca tais prazeres, mas não pensa assim. O homem incontinente absoluto relaciona-se com os objetos da intemperança de sua própria escolha.

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Os incontinentes agem de forma semelhante à loucura. A linguagem que usam é própria dos farsantes, como atores que declamam suas falas. O incontinente age sob a influência de uma razão e opinião que não é contrária em si, mas apenas acidentalmente à reta razão.

A incontinência não é provocada pela presença do conhecimento, apenas pelo conhecimento perceptivo, e é possível agir de modo incontinente com conhecimento de causa.

CAPÍTULO 4

O fato de qualificarmos uma pessoa de incontinente apenas por analogia é evidenciado por ser a incontinência, tanto no sentido absoluto quanto no relativo a algum prazer particular do corpo, censurada não apenas como uma falha mas também como um tipo de deficiência moral, embora não consideremos moralmente deficientes as pessoas incontinentes com relação a dinheiro e coisas desse tipo.

Os incontinentes são censurados pelos seus vícios, não por sua pessoa. Os incontinentes e os intemperantes, bem como os continentes e os temperantes, têm certa relação com os mesmos prazeres e dores.

A semelhança de alguns sentimentos com a incontinência com faz com que esta seja denominada de acordo com o respectivo objeto em cada caso particular, por exemplo: incontinência no que tange à honra ou ao lucro.

CAPÍTULO 5

As disposições bestiais causadas pela natureza não são chamadas incontinentes, como os hábitos de algumas tribos de comer carne crua, carne humana e de crianças. Há ainda aquelas que decorrem de doenças mentais, inclusive a pederastia.

Todo estado excessivo nesse sentido, ou é bruto ou mórbido. Os estados brutos o são por natureza, e os mórbidos por doença. Existe uma incontinência brutal e outra mórbida, mas só

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a que corresponde à intemperança no nível humano é chamada simplesmente de incontinência.

CAPÍTULO 6

O incontinente em decorrência da cólera é vencido pelo raciocínio, enquanto há ainda aquele que é tomado pelo apetite e não pelo raciocínio. Chamamos de vício, a incontinência dos apetites em sentido absoluto. Ninguém comete desregramentos sofrendo com isso; quem age sob o efeito da cólera age sofrendo, e quem comete desregramentos age com prazer. A incontinência relacionada ao apetite é mais censurável do que a relacionada com a cólera. A bestialidade é um mal menor do que o vício, embora seja mais assustadora.

CAPÍTULO 7

A incontinência e a continência são disposições que se relacionam com os prazeres; e as que se relacionam com o sofrimento são a frouxidão e a fortaleza. Quem busca o excesso de coisas agradáveis ou necessárias é intemperante. As pessoas que são deficientes na busca dos prazeres são o contrário das intemperantes, e as que estão na medianidade são temperantes. O intemperante é pior do que o incontinente. A continência é mais digna de escolha do que a fortaleza.

A efeminação é uma espécie de frouxidão. Os homens que gostam muito de se divertir também são chamados intemperantes, mas na verdade são frouxos já que a diversão é um relaxamento da alma, uma pausa no trabalho.

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CAPÍTULO 8

Os intemperantes não se costumam arrepender pois permanecem fiéis ao que escolheram; por outro lado, qualquer pessoa incontinente pode se arrepender. O primeiro é incurável, enquanto que o segundo é curável. A incontinência é contrária à escolha, o vício não.

É boa a disposição da continência (possuída por quem não se deixa levar pelas paixões e permanece firme nas suas convicções), enquanto a incontinência é má.

CAPÍTULO 9

São chamados teimosos os que não se deixam persuadir facilmente a mudar de idéia. Eles atêm-se à paixão e ao apetite, e por causa disso não cedem. O meio-termo entre o teimoso e o incontinente é o continente, e este é quem se atém à razão.

O continente e o temperante não contrariam a regra justa. O continente também possui apetites maus e sente prazer; no entanto, não se deixa levar por eles.

CAPÍTULO 10

Não é possível a mesma pessoa ser dotada de sabedoria prática e ser incontinente; aquela disposição requer também bom caráter, e o incontinente é incapaz de agir como deve.

O incontinente age voluntariamente, mas não é mau – posto que seu propósito é bom, e também não é criminoso porque não age com premeditação.

É mais fácil mudar um hábito do que alterar a nossa natureza.

CAPÍTULO 11

O estudo do prazer e do sofrimento pertence ao campo do filósofo político, o qual é o arquiteto do fim que avalia as coisas boas ou más.

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Há os que neguem absolutamente que o prazer seja um bem, e há os que pensem que nem todos os prazeres são bons.

CAPÍTULO 12

Das opiniões contrárias ao prazer, não se pode concluir que ele não seja um bem.

Há dois tipos de prazeres. Os primeiros são os que não envolvem dor nem apetite, por exemplo: a contemplação – e este são os prazeres buscados pelas pessoas dotadas de sabedoria prática. Os prazeres não são processos (ou seja, meios), e nem todos eles envolvem processos: os prazeres são atividades e fim. O prazer é uma atividade do estado natural, e em vez de “consciente”, devemos dizer “sem obstáculo”. O prazer não impede a prudência. Por exemplo, os prazeres derivados do pensar e do estudo nos fazem pensar e aprender ainda mais. O segundo tipo de prazeres são os corporais, e estes implicam em dor e apetite; costumam ser buscados por animais irracionais e por crianças, e é por esse motivo que estes dois são chamados intemperantes, e pelo mesmo motivo a pessoa temperante evita tais prazeres.

CAPÍTULO 13

O sofrimento é um mal e deve ser evitado. Além disso, algumas dores são más em sentido absoluto, e outras são más porque de alguma forma servem de obstáculo à nossa atividade. O prazer é necessariamente um bem. Nada impede que o sumo bem venha a ser um prazer ou um conhecimento, embora haja prazeres e conhecimentos maus.

Todas as pessoas pensam que a vida feliz deve ser agradável e incluem o prazer no seu ideal de felicidade. Se nenhuma atividade é perfeita quando impedida, a felicidade é uma coisa perfeita, pois se apresenta “sem obstáculos”. É por isso que o homem feliz necessita dos bens do corpo e dos bens exteriores (da fortuna) para não ser obstado nesses campos.

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Todos buscam o prazer, embora nem todos busquem o mesmo prazer, pois ele não é o mesmo para todos. A vida do homem bom não será mais agradável do que a dos outros se as suas atividades não forem também mais agradáveis.

CAPÍTULO 14

As pessoas se tornam más porque buscam o excesso dos prazeres do corpo e não por buscarem os prazeres necessários; pois todas as pessoas se deleitam até certo ponto com iguarias, vinhos e a união sexual, mas nem todos o fazem como deveriam. Os prazeres corporais parecem mais desejáveis porque eles afastam o sofrimento, funcionando como um remédio para combater o sofrimento.

Os prazeres que não implicam dor não admitem excesso. São agradáveis por natureza e não por acidente. As coisas naturalmente agradáveis estimulam a ação da natureza sã. Não existe nada que seja permanentemente agradável, posto que nossa natureza não é simples e à passível de constante mutação; se assim fosse, uma mesma coisa sempre nos pareceria sempre agradável no mais alto grau – o que não acontece. Pelo fato de não ser simples e boa, a natureza que muda é viciosa

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LIVRO VIII

CAPÍTULO 1

Cumpre agora discorrer acerca da natureza da amizade, sendo ela uma virtude ou implica uma virtude, e ainda é extremamente necessária à vida.

Ninguém escolheria viver sem amigos. Os ricos e poderosos são os que mais precisam de amigos, pois de que serviria sua prosperidade sem a oportunidade de fazer o bem? Em contraste, na pobreza e no infortúnio os amigos são o único refúgio. Com amigos, as pessoas são mais capazes de agir e de pensar.

Poder-se-ia dizer que os legisladores se preocupam mais com a amizade do que com a justiça, haja vista que buscam assegurar a unanimidade acima de tudo. Os amigos não precisam de justiça, e mesmo os justos precisam de amigos. A mais autêntica forma de justiça é um tipo de amizade. Além de necessária, a amizade é das coisas mais nobres que há.

Sobre a amizade, há teorias dos que defendem ser ela formada da união de elementos antagônicos, e outros que pensam que a amizade é a união de dois elementos semelhantes. Ainda, entre os problemas que envolvem os homens, há os que envolvem caráter e sentimentos.

CAPÍTULO 2

Os tipos de amizade podem ser esclarecidos conhecendo-se o objeto do amor. Nem tudo merece ser amado; as coisas que o merecem são o bom e o agradável. As pessoas amam o que é digno de ser amado.

As pessoas amam por três motivos. Há o amor dos objetos inanimados (o vinho, por exemplo), em que não há afeição nem o ‘desejar bem ao outro’. Aos amigos, devemos desejar-lhes o bem no interesse deles próprios – mas neste caso apenas ocorre amizade

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quando há reciprocidade de benevolência um para com o outro; sem reciprocidade, seria apenas benevolência. Para haver amizade entre as pessoas, estas devem necessariamente se conhecer uma a outra, desejando-se bem reciprocamente.

CAPÍTULO 3

Aqueles que fundamentam sua amizade no interesse, amam-se por causa de sua utilidade e em virtude de algum bem que recebem um do outro, mas não amam um ao outro por si mesmos, e acontece coisa similar com os que se amam por causa do prazer. Portanto, os que amam a outros por interesse ou prazer, de fato amam pelo que é bom ou agradável para eles mesmos, e quando o fator de interesse ou prazer acaba, a amizade também termina. Este tipo de amizade parece ocorrer sobretudo entre os velhos e os jovens, pois ambos buscam mais o lado útil e prazeroso das amizades.

A amizade perfeita é a existente entre os homens que são bons e semelhantes na virtude, pois estes são bons em si mesmos, e desejam o bem um ao outro igualmente. Assim, sua amizade durará enquanto as pessoas forem boas, e a bondade é muito duradoura. Estas pessoas são também agradáveis, posto que as ações dos homens bons são as mesmas ou parecidas, e as de uns agradam aos outros também.

Tanto o amor quanto a amizade são encontrados em sua melhor forma entre os homens bons. Como homens assim são raros, também amizades deste tipo são raras. Além disso, uma amizade deste tipo exige tempo e intimidade. Um desejo da amizade pode surgir depressa, mas a amizade não o pode.

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CAPÍTULO 4

Há dois tipos de amizade: a que existe entre os bons por eles mesmos (por causa da sua bondade), e os outros, que são amigos apenas acidentalmente e por analogia com os primeiros.

Os que amam só pela utilidade ou prazer, são menos constantes e separam-se quando cessa a vantagem (utilidade ou prazer). Por outro lado, muitos amantes são constantes, se a intimidade os levou a amar o caráter um do outro pela afinidade que existe entre eles.

Só os homens bons podem ter amigos pelo que eles são em si mesmos. De outra sorte, as pessoas más não se deleitam com o convívio uma das outras, e somente se essa relação lhes trouxer algum proveito. Apenas a amizade entre bons é invulnerável à calúnia.

CAPÍTULO 5

A distância entre dois amigos não desfaz a amizade em si, e sim sua atividade. Porém, se a ausência distância se prolonga por muito tempo, parece de fato acontecer de as pessoas esquecerem sua amizade. Nada é mais característico dos amigos do que o desejo de estarem juntos. A amizade é, ainda, uma disposição de caráter, posto que envolve escolhas. O amor é um sentimento. Amizade é igualdade, e ambas são normalmente encontradas entre as pessoas boas.

CAPÍTULO 6

Os idosos e acrimoniosos são menos dados a estabelecer novas amizades, pois tais pessoas são menos bem-humoradas e não vêem muito prazer na companhia umas das outras. As marcas principais da amizade são a boa disposição e a sociabilidade, sendo ainda suas causas. Por isso os jovens são rápidos em fazer amizades, e os idosos não. As pessoas não se tornam amigas daquelas cuja companhia não lhes seja agradável.

Referências

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