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A METODOLOGIA IRDI: DETECÇÃO PRECOCE DE RISCO PSÍQUICO POR EDUCADORAS DE CRECHES DE CURITIBA, ATRAVÉS DE ACOMPANHAMENTO EM SERVIÇO E SUPERVISÃO

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PSÍQUICO POR EDUCADORAS DE CRECHES DE CURITIBA,

ATRAVÉS DE ACOMPANHAMENTO EM SERVIÇO E SUPERVISÃO

ARMILIATO, Vinícius1 - PUCPR Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: FAPESP

Resumo

Partindo da pesquisa “Formação de Educadores de Creche para o Acompanhamento do Desenvolvimento Psíquico de Crianças de 0 a 3 anos de Idade”, o trabalho procura apontar as implicações relacionadas com o acompanhamento em serviço de educadoras de creche, com vistas à detecção e intervenção precoce com bebês que apresentam risco psíquico. Considerando o aumento da demanda pelas creches, decorrente das novas configurações sociais, torna-se necessário um cuidado especial na formação de educadores de creche, visto que, por passarem dois turnos do dia com a criança, apresentam uma função importante na subjetivação estas. A metodologia IRDI (Indicadores de Risco Psíquico para o Desenvolvimento Infantil) é utilizada na formação de professores, com o objetivo de tornar visível o andamento dos quatro eixos de subjetivação da criança (suposição de sujeito, estabelecimento da demanda, alternância presença-ausência e função paterna). Por se tratar de uma pesquisa de referencial teórico psicanalítico, com relação à subjetivação do bebê e à detecção precoce de risco psíquico, propomos uma transmissão de saberes alternativa àquela dos saberes técnico-científicos. Por lidarmos com a hipótese do inconsciente, procuramos na formação dos professores transmitir sobre um saber que chamamos inconsciente. Sendo este saber aquele capaz de tornar um bebê sujeito da cultura. Concluímos que o uso da metodologia IRDI abre espaço para um pensar da infância pautado nos próprios saberes das educadoras, aliado ao instrumental técnico-científico que permeia a cultura e as instituições atuais. A capacitação das educadoras não consistiu somente em uma apresentação teórica dos saberes do campo psicanalítico com relação à subjetivação dos bebês, e sua posterior aplicação prática, mas sim na transmissão, através do acompanhamento em serviço, da possibilidade de olhar um sujeito que se manifesta ou que tarda a se manifestar e da capacidade que estas educadoras tem, em intervir.

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

(PPGF/PUC-PR), especialista em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), graduado em Psicologia (PUC-PR) e em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Pesquisador do Laboratório de Psicopatologia Fundamental (UFPR), atuando na Linha de Pesquisa Prevenção Promoção e Atuação em Saúde Mental. E-mail: vinicius.arm@gmail.com

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Palavras-chave: Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil. Creche.

Formação de Educadores.

Introdução

A partir da pesquisa “Formação de Educadores de Creche para o Acompanhamento do Desenvolvimento Psíquico de Crianças de 0 a 3 Anos de Idade”, do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (LEPSI - USP), em parceria com o Laboratório de Psicopatologia Fundamental da UFPR, procuraremos apontar as implicações do acompanhamento em serviço de educadoras, com vistas à detecção de risco psíquico e intervenção precoce com bebês e crianças pequenas.

No período entre junho de 2012 e junho de 2013, a pesquisa supracitada esteve presente em algumas creches municipais de Curitiba com o objetivo de avaliar a metodologia IRDI2 no trabalho formativo de educadoras e na promoção de saúde mental em crianças usuárias de instituições de educação infantil. As educadoras durante um ano, foram acompanhadas em serviço, mantendo reuniões periódicas com os pesquisadores, os quais também aplicaram o IRDI3 com as crianças contempladas na pesquisa.

O IRDI (Indicadores de Risco Psíquico para o Desenvolvimento Infantil) é um instrumento criado para detecção precoce de impasses no desenvolvimento infantil e de risco psíquico. Através de uma série de indicadores, pode o profissional de saúde visualizar características do desenvolvimento psíquico da criança, especialmente na relação mãe-bebê. A ausência de alguns elementos dessa relação pode indicar a instalação de dificuldades no curso do desenvolvimento. Para tanto, o IRDI trabalha com indicadores que apontam para a presença de “saúde” psíquica, e não o contrário, ou seja, a morbidade.

Originalmente o IRDI foi composto para ser utilizado por pediatras, com a possibilidade de ser incluído nos protocolos de acompanhamento do desenvolvimento infantil, com a especificidade de detecção de risco psíquico. Atualmente já existem aplicações do

2 “A metodologia IRDI é constituída por: 1) formação teórica sobre a constituição psíquica dirigida aos

professores de creches; b) acompanhamento em serviço dos professores; c) aplicação, por monitores, de 31 indicadores clínicos de desenvolvimento infantil para a avaliação e o acompanhamento das crianças de zero a dezoito meses que estão sob os cuidados dos professores formados e acompanhados pela metodologia IRDI.” (KUPFER; PESARO, 2012, p. 145)

3 Os IRDI (Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil) foram validados após a pesquisa do

Grupo Nacional de Pesquisa (GNP), o qual compôs 31 indicadores de risco psíquico verificáveis nos primeiros 18 meses de vida da criança. Tais indicadores privilegiam a articulação entre desenvolvimento e sujeito psíquico. Este sujeito psíquico decorre de uma perspectiva teórica psicanalítica, a qual vê o sujeito a partir de sua relação com a linguagem, transmitida de forma geracional, e organizando a constituição subjetiva da criança. Dos 31 indicadores iniciais, 15 foram significativamente preditivos de risco psíquico. (KUPFER et. al, 2009)

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IRDI em outros campos, como em clínica psicológica, maternidades, creches e escolas de educação infantil (MARIOTTO; BERNARDINO, 2012) UTI neonatal, instituições de abrigo (NOGARA, 2011), com agentes comunitárias de saúde (MORAIS; TOCCHIO; LERNER, 2012).

A proposta desta comunicação está em discutir a metodologia IRDI no campo da creche, considerando como baliza o fenômeno da creche, a capacitação das educadoras, bem como o processo de subjetivação da criança, sem perder de vista as implicações da pesquisa em psicanálise.

A preocupação com as creches

A preocupação com os cuidados na primeira infância vem crescendo significativamente na contemporaneidade. A necessidade de delegar os cuidados despendidos ao bebê às instituições de educação infantil reflete uma redução do tempo que os pais ficam com seus bebês, em detrimento do aumento do tempo de cuidado por educadoras dessas instituições. Segundo a OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development)4 há um aumento significativo nas matrículas de crianças com até três anos em instituições de cuidados iniciais.

No caso do Brasil, o número de matrículas em creches também aumentou, segundo o Censo Escolar da Educação Básica. De 2010 para 2011 as matrículas em creches para crianças de 0 a 3 anos aumentaram 11,3%5, já no período entre 2011 e 2012 houve um aumento de 10,5% de matrículas6. Segundo o INEP, o aumento do número de matrículas “[...] se deve ao reconhecimento da creche como primeira etapa da educação básica” (INEP, 2012, p. 18)

Esses dados nos permitem visualizar uma configuração nova na dinâmica social. A criança é colocada mais cedo em um ambiente de cuidado que não o espaço familiar. Segundo

4 Cf.OECD (2011, p. 5). Chart PF3.2.C Participation in formal childcare by children not yet 3 years old,

1995-2008. Disponível em <http://www.oecd.org/els/soc/37864698.pdf>. Acesso em 10/05/2013.

5 Cf. INEP. Censo da Educação Básica 2011: Resumo Técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2012. Disponível em < http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao _basica_2011.pdf >. Acesso em 09/05/2013.

6 Cf. INEP. Número de Matrículas na Educação Infantil e População Residente de 0 a 3 e 4 e 5 anos de idade - Brasil - 2007 - 2012 . In: INEP. Censo da Educação Básica 2012: Resumo Técnico. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013. Disponível em: < http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao _basica_2012.pdf>. Acesso em 09/05/2013.

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o Ministério da Educação, historicamente a inserção crescente da mulher no mercado de trabalho impulsionou que se pensasse na qualidade dos serviços oferecidos pelas creches, havendo “uma maior conscientização da necessidade da educação da criança sustentada por uma base científica cada vez mais ampla e alicerçada em uma diversificada experiência pedagógica” (BRASIL, 2006).

Sendo assim, a necessidade de pensar em uma qualificação dos serviços oferecidos pelas creches, dá margem para um cuidado técnico, amparado em ditames científicos, em detrimento de um cuidado que é atravessado por um saber que não se aprende por apostilas, aulas, cursos, mas sim que é a base para a subjetivação da criança na relação com a mãe, um saber que não passa pela consciência.

Um saber não consciente

Ao nascer o primeiro filho de uma mulher, costuma-se dizer que esta é uma “mãe de primeira viagem”. Expressão que remete a um saber que a mãe não tem, mas que será imprescindível que o tenha desde os primeiros minutos de vida de seu filho. Os livros e manuais, programas de televisão, revistas informativas que existem para ensinar as mães a serem mães não precisam ser lidos, esmiuçados para que se construa um saber sobre o cuidar. Esse fato é bastante sabido por todos, especialmente por quem já foi mãe. Portanto, espera-se que as mães saibam de algo que quem não foi mãe não sabe ou saberá. Uma mãe, ao escutar os gritos de seu filho, os traduz para a língua partilhada, identificando nuances nas vocalizações que querem dizer fome ou dor de barriga, calor ou frio, sono e o que mais a mãe souber. Evidentemente que para alguns cuidados, como cuidados na higiene e alimentação, uma mãe pode recorrer a cartilhas e manuais, bem como a consultas com especialistas, no entanto, no que se refere ao simbólico, à linguagem ou, à subjetivação, o saber construído não é transmitido da mesma forma que os conhecimentos sobre higiene e alimentação. Dessa forma, não é possível ensinar, ao menos nos mesmos moldes, a subjetivar uma criança.

A psicanálise é por excelência um campo de investigação de um saber que não se sabe. Trata-se de uma disciplina transmitida nas universidades e em sociedades psicanalíticas que, assim como outras disciplinas, possui definições conceituais precisas, articulações com outros campos do saber, constantes pesquisas teórico-práticas, no entanto “o que marca a sua diferença de outros saberes e a singulariza de forma crucial, é justamente algo que a afasta de

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maneira abissal e definitiva desses mesmos saberes: a psicanálise concerne a um saber que não se sabe” (LO BIANCO, 2010, p. 167).

A noção de representações inconscientes agindo como operadores psíquicos trazida por Freud, descentrou a crença na confiabilidade das representações conscientes e consequentemente, abriu um espaço para discutir a transmissão de um saber sobre o inconsciente (FREUD, 1981). A “ferida narcísica” que é a proposição do insconsciente apresentada por Freud, expõe uma fragilidade do saber enunciado. Passamos a lidar com uma investigação da transmissão de conhecimentos avessa aos enunciados científicos, a qual é pautada mais na enunciação de processos inconscientes.

Além disso, a psicanálise trabalha com um saber sobre uma causalidade inconsciente, ou seja, em uma causalidade que não é decorrente de associações conscientes entre elementos7. Por exemplo, uma mãe lê uma cartilha sobre como prevenir assaduras no bebê, aplica os procedimentos indicados e como efeito as assaduras cessam ou, nunca aparecem. Temos aqui uma causalidade que pode ser transmitida, como vimos acima, em discursos enunciados. Já no caso da subjetivação de um bebê, muito pouco pode ser feito no campo das associações causais conscientes, enunciadas por livros, especialistas da infância ou programas de televisão. Não basta assistir um programa educativo sobre como cessar choros de “manha” de bebês, aplicar o procedimento estabelecido e a manha cessará. Mais um exemplo hipotético: quando a criança tarda a falar e, depois de feitos todos os exames de causalidades orgânicas (desordens cerebrais, genéticas ou no aparelho fonoarticulatório), procura-se um livro sobre “como fazer seu filho aprender a falar”, não basta também apenas aplicar a técnica indicada pelo livro e a criança depois de certo tempo, falará. Algumas conquistas do desenvolvimento da criança não estão sob uma causalidade que possa ser precisa nos moldes científicos tradicionais. É na relação mãe-bebê que encontramos uma transmissão da cultura, a qual torna o bebê um humano, dotado de uma subjetividade que o diferencia dos animais, estes últimos submetidos de forma mais intensa aos instintos. “Para a psicanálise, o processo

7 Perez (2012, p. 27-28) aponta para a introdução por Freud de uma terceira causalidade, a causalidade psíquica

inconsciente: “[...] o comportamento humano não só estaria determinado por sua natureza biológica, como pode mostrar a medicina, ou por sua consciência, como expõe a razão prática – mas também pelo Inconsciente [...] Este novo regime de determinação – o Inconsciente – foi elaborado por Freud para dar conta de sintomas que, não tendo causa física, também não eram produtos da consciência e, mesmo assim, se apresentavam como efeitos passíveis de reconhecimento na clínica” Para isso foi preciso que Freud criasse “[...] novos conceitos e registros de determinação a fim de compreender e tratar as manifestações sintomáticas sem causa física ou consciente, tais como histerias, fobias e neuroses obsesivas. Intentando fazer uma psicologia científica, Freud acabou produzindo elaborações que iriam além da relação de oposição natureza-consciência ou causalidade natural – causalidade livre, a qual dominava o quadro epistemológico de sua época” (PEREZ, 2012, p. 27-28)

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de humanização permite o ingresso da criança na cultura tomando lugar em relação à Lei, aos códigos e aos discursos que a organizam” (MARIOTTO, 2009, p. 45).

A linguagem, as trocas simbólicas, o entendimento da cultura, a sensação de pertença a um grupo, os sentimentos, são conquistas humanas não partilháveis com outras espécies. Quando um bebê nasce, há uma cultura o aguardando e, o processo de imersão desse bebê na cultura implica uma série de etapas as quais darão corpo ao seu desenvolvimento psíquico. A primeira dessas etapas é o estabelecimento de um vínculo inicial, cumprido pela função materna.

A subjetivação dos bebês

O fato de o bebê humano ao nascer receber durante um tempo bastante significativo cuidados de um outro adulto (caso contrário não sobreviveria), evidencia a instalação de um imperativo subjetivo, cerceado pelo simbólico, em detrimento de um imperativo instintual necessário para sua sobrevivência, como acontece com os demais animais. A função materna se estabelece nesse lugar de cuidados iniciais os mais emergentes, como aqueles que podem ser transmitidos de maneira formal, como alimentação, calor, higiene, acrescidos de um elemento a mais introduzido pela mãe, qual seja, a cultura. Desde os primeiros contatos com seu bebê, a função materna se estabelece com “adições” de saber sobre aqueles saberes formais (como os aprendidos nos correntes cursos de gestantes), ao mostrar ao seu bebê que naquele choro existem outras questões não tão instintuais como a fome ou o frio, mas a sensação de abandono, a saudade do colo da mãe, o prazer que a alimentação oferece não só aos centros cerebrais específicos, como o hipotálamo (MACHADO, 2006, p. 234), mas também à boca (quando a mãe observa seu filho “se lambendo” quando se alimenta com satisfação) e o ânus (nos rituais de dar “tchau” ao cocô, quando a criança está deixando a fralda). Há sempre nos cuidados mais específicos, valores culturais, sensações morais, desejos maternos, que são imiscuídos a um cuidado técnico. A função materna, que não só troca as fraldas, oferece alimentos e calor, além de oferecer à criança um ambiente seguro para subjetivar-se8, que a torna capaz de estabelecer vínculos afetivos com um outro

8 É preciso que haja uma constância segura da figura da mãe, durante o período de vida do bebê: “[...] na experiência que o bebê tem da vida, na realidade em relação à mãe ou figura materna, se desenvolve geralmente

certo grau de confiança na fidedignidade da mãe [...] o amor da mãe [...] não significaria apenas um atendimento às necessidades da dependência, mas vem a significar a concessão de oportunidades que permita ao bebê [...] passar da dependência para a autonomia” (WINNICOTT, 1975, p. 150).

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(WINNICOTT, 1990, p. 132). Para Winnicott a mãe é capaz de proporcionar um ambiente ao bebê que o faça conceber a ideia de que suas necessidades sempre são atendidas a medida que aumenta sua tensão instintual. “A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa correspondente à sua própria capacidade de criar” (WINNICOTT, 1975, p. 27). É preciso que o bebê receba um ambiente seguro com uma continuidade temporal e de elementos do ambiente externo. (WINNICOTT, 1975, p. 29)

Seria aquele saber que mesmo no caso de uma “mãe de primeira viagem”, esta sentirá com relação a seu filho, notando que apesar de estar bem alimentado, por exemplo, pode existir um incômodo ali, decorrente de um estilo de música que ocasionalmente está tocando no rádio e que seu bebê não gosta de ouvir. Existiria uma angústia diante da criança que moveria o desejo da mãe para colocar palavras e resolver questões sobre aquele corpo que a mãe tem à sua frente. Segundo Jerusalinsky, a mãe “[...] cumpre a função transmissora, se apoiando num jogo de suportes corporais – o do filho e o próprio – que refere estes corpos a uma constante construção imaginária deslocada incessantemente através do campo angustiante da falta” (JERUSALINSKY, 2012, p. 75). A função materna insere novas necessidades para a criança, geralmente relacionadas com a cultura. É nesse lugar que o bebê vai adquirindo linguagem, aprendendo a nomear os objetos e, posteriormente, suas vontades. Para Mariotto “[...] um ambiente enriquecido para o bebê nos seus primeiros meses é aquele que se dá a partir do laço com o outro, em que o olhar e a palavra ocupam postos privilegiados, colocando em evidência também a qualidade desse outro” (MARIOTTO, 2009, p. 55).

Considerando então a entrada cada vez mais precoce da criança no ambiente institucional, é consequente que os cuidadores responsáveis pelos cuidados das crianças nesses ambientes, ocupem um lugar no processo de subjetivação dessas crianças pequenas. Foi nesse processo de subjetivação que a pesquisa “Formação de Educadores de Creche para o Acompanhamento do Desenvolvimento Psíquico de Crianças de 0 a 3 anos de idade” esteve imiscuída.

O lugar das educadoras na pesquisa

Uma pesquisa científica necessita de critérios precisos para demarcações conceituais, ordenamentos de causalidades, bem como para protocolos de intervenção. No entanto, para o

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campo de trabalho psicanalítico existe uma causalidade distinta, que não depende necessariamente de um acúmulo de saberes ordenados capazes de explicar uma lógica mensurável. Nossa posição não quer privilegiar um dos campos, mas sim buscar uma aliança entre o saber mensurável e a intervenção psicanalítica na detecção precoce de sinais de risco, por educadoras. Em pesquisa decorrente de sua tese de doutoramento, a qual lançou mão do protocolo IRDI nas creches, Mariotto (2009, p. 99) procura estabelecer uma parceria entre a lógica consciente (dos fenômenos observáveis e com uma mensurabilidade palpável de sua causalidade) e a inconsciente (dos processos psíquicos que evidenciam a presença de um sujeito nos bebês observados). Segundo a autora,

São modos distintos de definir, observar e interpretar o tema da investigação, já que partindo da lógica inconsciente qualquer sinal ou dado de investigação será tratado sob o estatuto de significante, e na lógica consciente, por sua vez, é sempre de um signo que se trata. Isso quer dizer que o sinal como significante será lido como um indicador de um sujeito e o sinal como signo será indicador de um significado, de uma causa, de um conteúdo já manifesto, sob a articulação de uma lógica singular em que o indicador não indica algo fixo nem tem valor absoluto

O objetivo de acompanhamento em serviço e aplicação dos IRDIs contemplava a detecção de sinais de risco psíquico, balizada nos eixos de subjetivação que deram base para a construção do instrumento IRDI. O trabalho permitiu discutir com as educadoras pontos específicos do desenvolvimento psíquico, muito pouco contemplado nos protocolos pediátricos. Assim, cabe apresentar o percurso no mapeamento daquilo que na pesquisa se definiu como “eixos de subjetivação”.

O primeiro que trataremos é a suposição de um sujeito. Trata-se de um momento fundante da criança, imprescindível para que ali se instale a linguagem. Na suposição de um sujeito, aquele bebê com poucos dias de vida, é tomado pelo cuidador em seus reflexos motores mais arcaicos como alguém que se dirige a um outro externo. O agente externo ao bebê supõe na criança uma intencionalidade dirigida a ele. Outro eixo é o estabelecimento da

demanda, momento em que o cuidador interpreta uma necessidade que pode ser subjetiva,

determinando demandas específicas da criança ao traduzir suas ações na linguagem da cultura. A alternância presença-ausência permite ao bebê apreender seu corpo como um em relação ao corpo do outro cuidador, proporcionando que a criança possa estabelecer suas primeiras relações dialógicas. No intervalo entre a demanda por algo e sua consequente satisfação, a criança percebe-se sujeito. Trata-se de uma alternância não só da presença ou ausência física do cuidador, mas também de uma alternância de elementos simbólicos na

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relação. Para que um bebê torne-se um sujeito que deseja, é preciso que se dê este espaço descontínuo. O último eixo de subjetivação é a função paterna ou introdução da alteridade. Aqui refere-se ao momento em que a função materna cede espaço para um terceiro que terá uma função de restrição à satisfação completa da criança consigo mesma ou com seu cuidador. Agora ela terá que se haver com sua sexualidade e procurar novas formas de satisfação, já que com seu outro cuidador foi barrada.

A partir desses eixos que na pesquisa, procuramos nortear o acompanhamento em serviço das educadoras, contribuindo na construção de saberes teóricos base da pesquisa, sobre a experiência cotidiana que as educadoras possuíam. Assim, precisávamos respeitar o espaço que cabe à educadora, munida de saberes técnicos e vivenciais, tornando observável às mesmas as causalidades inconscientes que estão em jogo nos cuidados dos bebês.

Tornar visível os efeitos dos processos inconscientes envolvidos nos cuidados da primeira infância permitiu à pesquisa cumprir um de seus principais objetivos, ou seja, o de proporcionar uma intervenção precoce nas possíveis dificuldades de subjetivação, de inserção da criança na linguagem e na cultura. Por se tratar de uma pesquisa que, por sua base psicanalítica, opera a partir da noção de inconsciente, ao notarmos um indicador ausente em determinada criança, era preciso transmitir às educadoras mais que uma técnica específica para cada indicador (que ao ser aplicada, assim como uma pomada para assaduras, apresentaria impreterivelmente,um resultado específico). Sendo assim, procuramos nos encontros semanais, lançar mão de uma angústia mínima que as educadoras sentiam com alguma criança que não apresentava um desenvolvimento psíquico esperado, para afirmar um saber nas educadoras semelhante ao saber inconsciente daquele que cumpre a função materna. Nesse sentido, Bernardino (2008) aponta que

Nas creches, a proposição de reuniões para a formação ou a sensibilização dos profissionais que cuidam dos bebês pode permitir um estilo de cuidar no qual o sujeito é considerado em sua singularidade, em seu ritmo, tendo o brincar como o eixo principal da Educação Infantil. Somente assim a creche poderá cumprir seu principal papel junto aos bebês: uma função de continência.

As reuniões viabilizavam a “circulação da palavra” necessária para estas profissionais, as quais passam no mínimo oito horas diárias no trabalho com bebês. Sendo assim, é um alto investimento de energia psíquica que cada profissional necessita para cumprir suas funções, na extensão dos cuidados domiciliares, visto que “é convidado a se voltar para cada bebê como sujeito único, estabelecendo com ele uma relação qualitativamente suficiente para

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incidir em sua constituição subjetiva” (BERNARDINO, 2008). Bernardino (2009) defende uma formação capaz de contemplar os conhecimentos sobre a constituição de sujeito, que proporcione também espaços de escuta para estes professores.

Entendemos a escuta como um momento no qual o professor poderá construir seu saber sobre a criança, dialogando com o espaço institucional. A formação e a escuta, através do acompanhamento em serviço e das reuniões semanais foram pilares da nossa pesquisa.

Conclusão

O trabalho de observação remete com frequência à discussão entre observador e observado, mais especificamente à impossibilidade de se fazer uma observação sem que esta interfira no material observado. A noção de isolamento total do objeto da pesquisa em detrimento do observador, ao ser refutada, implica que se assuma a interpretação dos resultados obtidos. Interpretação que inevitavelmente é atravessada pela subjetividade do pesquisador. O uso dos IRDI na pesquisa não excluiu essa reflexão, procurando utilizar da interpretação dos fenômenos observados nas crianças, para assumir o uso de um saber inconsciente sobre os bebês. Saber princeps para fazer de um bebê, um sujeito em constituição.

Concluímos que o trabalho de acompanhamento em serviço das educadoras contribuiu para a construção de um pensar da infância a partir dos próprios saberes das educadoras (saberes necessários para a subjetivação de bebês), sem o emprego tão massivo dos ditames técnico-científicos como temos visto na contemporaneidade (LEBRUN, 2004).

Pensar a infância de forma não estritamente técnica, na qual visualizaríamos estágios de maturação, desenvolvimento, crescimento esperados, mas sim visualizar seu modo de subjetivação, na montagem de seu aparelho psíquico (não visualizável em exames por imagem), permite uma instrumentalização das educadoras em seus próprios saberes subjetivos. Saberes inconscientes geradores de angústia, que movimentaram e proporcionaram um diálogo com a ciência da nossa pesquisa.

REFERÊNCIAS

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