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A pandemia de Covid-19

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Academic year: 2021

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(1)

r e A l I z A ç ã O

A p O I O

P e s q u i s a d o r e s ( a s )

r e s p O N s á v e I s

Gabriela Lotta

Michelle Fernandez

Giordano Magri

Claudio Aliberti de Campos Mello

Marcela Garcia Corrêa

Mariela Campos Rocha

Eduardo Ryo Tamaki

Brunah Schall

Denise Nacif Pimenta

EAESP

e os(as) Profissionais de saúde

(2)

86,8%

dos(as)

respONdeNTes dIsserAm

já Ter reCebIdO pelO

meNOs A prImeIrA

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Não

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10,0%

sim

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78,8%

90,0%

acs/ace

Profissional de

enfermagem

Médico(a)

Outros(as)

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de saúde sentem

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PúbliCa no brasil

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afirmaram ConheCer

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Covid-19

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sim

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44,8%

46,0%

35,6%

acs/ace

Profissional de

enfermagem

Médico(a)

Outros(as)

Não receberam

em nenhum

momento

receberam uma

vez ou poucas vezes

durante a crise

receberam de

forma contínua

durante a crise

6,2%

59,7%

34,1%

1,6%

28,9%

69,5%

5,1%

30,8%

64,1%

10,5% 26,1%

63,3%

reCebeu equiPamentos de Proteção (ePi)?

dO TOTAl de respONdeNTes,

6,2%

não reCeberam em nenhum momento,

49,4%

reCeberAm umA Ou pOuCAs vezes e

44,5%

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durANTe A CrIse.

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mental foi afetada

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dos(as) resPondentes

afirmaram ter reCebido

(3)

apresentação

1

A crise sanitária, a perda de milhares de vidas e o exacerbamento de desigualdades estruturais são apenas uma parte do rol de consequências geradas pela pandemia da COVID-19 no Brasil e no mundo. Ao longo de 2020, houve diversas discussões sobre o papel do Estado, dos sistemas de proteção social (CARVALHO, 2020) e, em especial, a área da saúde se tornou o foco dos debates internacionais e nacionais. A rápida disseminação do vírus, a desigualdade territorial na distribuição dos equipamentos de saúde, a falta de investimentos em ações na Atenção Básica para prevenção da disseminação do vírus se materializam como desafios do complexo mosaico de problemas agravados pela COVID-19 no Brasil (LIMA, PEREIRA e MACHADO, 2020). Ao longo dos últimos meses, o país transformou-se no epicentro mundial da pandemia (OMS, 2020) e, em março de 2021, a situação de calamidade pública levou a Fiocruz a declarar que vivemos o “maior colapso sanitário e hospitalar da história” (FIOCRUZ, 2021). Foi também em março de 2021, com ocupação de quase 100% dos leitos das capitais e municípios de grande porte, o Brasil experienciou o pior mês da pandemia com mais de 66 mil mortes. No dia 31 desse mês, o país contabilizava mais de 12.7 milhões de casos acumulados no último ano, e 321.515 óbitos, além de uma média móvel em contínua ascensão (Ministério da Saúde, 2021a). Com a lenta vacinação e o surgimento de novas cepas, mais contagiosas, é difícil vislumbrar um horizonte para o fim da crise.

Nesse contexto, a política de saúde, em especial, o Sistema Único de Saúde (SUS) demandou olhares atentos de especialistas e autoridades do governo. Conforme pontuou Maria Helena Machado (2020), pesquisadora da Fiocruz, “o Brasil tem dois patrimônios no âmbito da saúde: o SUS e os mais de 3 milhões e meio de profissionais de saúde que nele atuam”. Na linha de frente e em contato direto com a população, os(as) profissionais de saúde brasileiros(as) estão constantemente expostos ao risco de contaminação do vírus da COVID-19 (MEDEIROS, 2020; ADAMS e WALLS, 2020). Segundo boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde no dia 4 de março de 2021, mais de 144 mil casos suspeitos entre profissionais de saúde foram notificados em 2021, sendo cerca de 39 mil confirmados. As profissões de saúde com maiores registros dentre os casos confirmados foram técnicos(as)/auxiliares de enfermagem (11.779; 29,8%), seguidos de enfermeiros(as) (6.747; 17,1%), médicos(as) (4.690; 11,9%), Agentes Comunitários de Saúde (1.941; 4,9%) e farmacêuticos (1.845; 4,7%) (Ministério da Saúde, 2021b). O Conselho Nacional de Enfermagem (Cofen) mantém um painel de monitoramento que atualiza estes dados para a categoria, e até 31 de março de 2021 foram registrados 51.235 casos e 723 1 Agradecemos o apoio das diversas instituições que auxiliaram na divulgação da pesquisa, em especial: Conacs, Cofen, Coren-SP, SindSaúde-DF, CONASS, Conasems, Coletivo Adelaides, IEPS, GV Saúde e Instituto República. Também agradecemos a colegas que ajudaram de diversas formas na pesquisa: Pesquisadores do Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB), Thaynah Gutierrez, Débora Lira, João Pedro Haddad, Amanda Luise Beck, Mario Aquino Alves, Lauro Gonzalez, Mario Monzoni, Ana Maria Malik e Adriano Massuda.

(4)

óbitos. No que tange à categoria médica, a estimativa divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) é de 624 vidas perdidas3.

A crise sanitária e suas consequências sócio-econômicas não afetam a todos por igual, e embora o vírus não discrimine, o racismo, machismo, capitalismo e a xenofobia sim (BUTLER, 2020). Assim, diversas especialistas chamam atenção para o fato de que a pandemia no Brasil atinge desigualmente grupos vulneráveis, sobretudo a população negra, as mulheres, populações LGBT e identidades não-binárias (CARLI, 2020). No Brasil, assim como nos Estados Unidos, a população negra foi a mais acometida pela doença - o que escancara, mais uma vez, o racismo estrutural destas sociedades (OLIVEIRA et al., 2020). No caso dos(as) profissionais de saúde da linha de frente no Brasil, estima-se que a participação das mulheres no setor saúde chegue a quase 70% do total, sendo 62% para as categorias de nível superior e 74% de nível médio e elementar. Em Enfermagem e Psicologia as mulheres são 80% das profissionais, enquanto na categoria médica representam 36% (PIRES, 2020). A partir desta constatação, uma perspectiva de gênero (e de raça) sobre os impactos e situação de vulnerabilidade desproporcional a qual as mulheres profissionais de saúde têm sido expostas é fundamental para lançar luz sobre as distintas realidades da linha de frente (KOPEL et al., 2020).

No atual panorama de continuidade, criticidade e agravamento da pandemia em território nacional, compreender sob quais condições os(as) profissionais de saúde pública estão atuando é uma forma de investigar as respostas estatais oferecidas pelo SUS à crise. Isso porque, enquanto profissionais de linha de frente, esses(as) trabalhadores(as) são os(as) principais responsáveis pela entrega dos serviços à população (LIPSKY, 2019). O presente relatório, organizado pelo Núcleo de Estudos da Burocracia (NEB/FGV-EAESP), em parceria com a Fiocruz e a Rede Covid-19 Humanidades, apresenta de forma sintética os resultados da quarta etapa de uma pesquisa voltada à investigação da vivência destes(as) profissionais na linha de frente. Buscamos mapear suas condições de trabalho, seu bem-estar e modos de agir cotidianamente em meio à pandemia. Os dados apresentados aqui foram extraídos de um survey online realizado com 1.829 profissionais da saúde pública no Brasil.

NOta MetOdOlógica

A coleta dos dados foi realizada a partir da aplicação de um survey online4 entre os dias 1º e 20 de março de

2021. Os resultados são fruto de uma amostra coletada por conveniência (não probabilística), constituída a partir de respostas voluntárias ao questionário5. Esse tipo de amostragem é comumente utilizado por

estudos exploratórios, principalmente no campo de estudos organizacionais, (BRYMAN, 2016) e não nos permite fazer generalizações para todo o universo de profissionais da saúde pública no Brasil.

Optamos por este método dadas as dificuldades de pesquisa impostas pela pandemia, e o contexto de urgência permite maior aceitabilidade do uso da amostra por conveniência (BRYMAN, 2016), pois preenche 2 Disponível em: http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/

3 Disponível em: https://memorial.cfm.org.br/

4 O survey corresponde a um método de coleta de dados e se delimita a partir da construção de um roteiro estruturado de perguntas elaboradas e ordenadas a partir da pergunta de pesquisa (research question) delimitada pelos(as) pesquisadores(as).

5 Para ampla divulgação do questionário, o link de acesso à web page foi difundido em redes sociais de profissionais de saúde de todo o país (WhatsApp, Facebook, Twitter etc.). Inclusive, antigos contatos estabelecidos na primeira, segunda e terceira fases da pesquisa foram retomados. Outros grupos como representantes dos profissionais de saúde como o Conacs, os Corens e o Cofen também foram acionados. Ademais, disponibilizamos o questionário a todas as secretarias de saúde do país.

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uma lacuna de falta de informações sintéticas e descritivas sobre a realidade desses(as) profissionais na linha de frente. O formato de pesquisa adotado na presente investigação também foi utilizado por outros grupos de pesquisa no mundo que buscaram investigar as condições dos(as) profissionais de saúde no combate à COVID-19 (FELICE et al., 2020; LAI et al., 2020; NOGUEIRA et al., 2020) e no contexto de pandemias passadas (KHALID et al., 2016; LIN et al., 2007).

A crise da COVID-19 demanda diagnósticos emergenciais e respostas rápidas. Dessa forma, a estatística realizada nos resultados ora apresentados é puramente descritiva, uma vez que só pode ser vista como uma espécie de balanço sobre a população “entrevistada” (isto é, 1829 respostas válidas dos(as) profissionais respondentes)6.

É exclusivamente sobre a percepção dessas pessoas que se pode afirmar algo. A falta de inferência estatística, portanto, não invalida os dados, apenas circunscreve a análise a um universo específico (n = 1829).

O presente esforço corresponde à quarta fase da pesquisa “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais de saúde pública no Brasil”7, em parceria com a Fiocruz e da Rede Covid-19 Humanidades. A continuidade

da investigação iniciada em abril de 2020 se fez necessária à medida que o cenário nacional da pandemia da COVID-19 permanece crítico. Conforme pontuado anteriormente, o mês de março de 2021 foi o pior desde o início da crise, com recordes no contágio e número de vítimas pela doença.

A quarta rodada da pesquisa sofreu algumas adaptações. Adicionou-se uma lente de gênero com novas perguntas para compreender melhor os impactos da COVID-19 na vida de mulheres, populações LGBT e identidades não-binárias. Buscamos mapear também um possível acúmulo da carga de trabalho doméstico no contexto de pandemia, sobretudo das mulheres. Além disso, adicionaram-se algumas questões relativas às percepções sobre ciência e contexto político. O desenho do instrumento de coleta foi revisado e aprimorado, sendo composto por 52 perguntas de distintas naturezas (abertas, binárias, múltipla escolha, etc.). O questionário foi revisado e testado por pares, especialistas e profissionais de saúde voluntários(as). A amostra de 1.829 respondentes diz respeito a profissionais de saúde pública que atuam no Brasil em todas as Unidades da Federação (UF). As análises presentes neste relatório são, como já pontuado, referentes à estatística descritiva do total de respondentes. Em concomitância, no que tange às informações qualitativas coletadas (oriundas das perguntas abertas), foram realizados procedimentos de categorização (com auxílio do software MaxQDA) a fim de encontrar possíveis padrões e tendências (MILES, HUBERMAN e SALDAÑA, 2014).

ResultadOs

Perfil dos(as) respondentes

Os dados de perfil da amostra detalhados na Tabela 01 são apresentados a partir da distribuição por profissões, indicando a parcela correspondente a cada uma das características listadas em seguida. A distribuição profissional indica uma concentração dos(as) respondentes entre Agentes Comunitários(as) de Saúde e Agentes de Combate a Endemias (ACS/ACE), os(as) quais representam 51,7% do total de participantes. Em seguida, trabalhadores(as) classificados em outras profissões (dentistas, psicólogos(as), farmacêuticos(as), profissionais de gestão, etc.)8 correspondem a 20,3% da amostra, seguido de profissionais

6 No total, foram recebidas 1939 respostas iniciais, das quais 110 eram duplicadas e por isso foram retiradas da presente análise. 7 Para mais detalhes sobre, conferir as notas técnicas das rodadas anteriores em: https://neburocracia.wordpress.com/publicacoes/ 8 A opção por agregar estas profissões em uma categoria única se deu pelo baixo número de respostas das diversas categorias, impossibilitando

(6)

de enfermagem (17,2%) e médicos(as) (10,8%). Nas demais categorias, destaca-se a predominância de mulheres, especialmente entre profissionais de enfermagem (92,1%) e a discrepância entre ACS/ACE, onde há predominância de profissionais negros(as) (70,4%) e médicos(as), onde prevalecem trabalhadores(as) brancos(as) (78,8%). Ainda, enquanto respondentes ACS/ACE se concentram na região Nordeste (68%), os(as) demais profissionais estão mais presentes na região Sudeste, principalmente médicos(as) (73,7%). Cumpre salientar, portanto, que há uma sobrerrepresentação dos(as) ACS/ACE na amostra.

tabela 01 - Perfil dos(as) respondentes

total de respondentes

acs/ace Profissional de enfermagem Médico(a) Outros(as)

n(%) n(%) n(%) n(%)

945(51,7) 315(17,2) 198(10,8) 371(20,3)

gênero

Feminino 709(75,0) 290(92,1) 140(70,7) 291(78,4) Masculino 235(24,9) 25(7,9) 58(29,3) 76(20,5) Preferiu não responder 1(0,1) 0(0) 0(0) 4(1,1)

cor/Raça Branca 265(28) 185(58,7) 156(78,8) 230(62) Parda 557(58,9) 102(32,4) 32(16,2) 105(28,3) Preta 109(11,5) 22(7) 1(0,5) 19(5,1) Amarela 10(1,1) 3(1) 8(4) 12(3,2) Indígena 3(0,3) 3(1) 0(0) 1(0,3) Prefiro não declarar 1(0,1) 0(0) 1(0,5) 4(1,1)

Região Centro-Oeste 50(5,3) 25(7,9) 12(6,1) 22(5,9) Nordeste 643(68) 51(16,2) 23(11,6) 75(20,2) Norte 62(6,6) 15(4,8) 2(1) 11(3) Sudeste 103(10,9) 151(47,9) 146(73,7) 173(46,6) Sul 87(9,2) 73(23,2) 15(7,6) 90(24,3) serviço Atenção Básica 945(100) 106(33,7) 44(22,2) 123(33,2) Atenção Especializada 0(0) 37(11,7) 48(24,2) 68(18,3) Atenção Hospitalar 0(0) 141(44,8) 86(43,4) 76(20,5) Gestão 0(0) 3(1) 2(1) 10(2,7) Outro 0(0) 28(8,9) 18(9,1) 94(25,3) Faixa etária 19-29 anos 51(5,4) 32(10,2) 21(10,6) 46(12,4) 30-39 anos 278(29,4) 124(39,4) 49(24,7) 118(31,8) 40-49 anos 402(42,5) 96(30,5) 43(21,7) 115(31) 50-59 anos 195(20,6) 51(16,2) 53(26,8) 69(18,6) 60-69 anos 18(1,9) 11(3,5) 27(13,6) 23(6,2) 70-79 anos 1(0,1) 1(0,3) 5(2,5) 0(0) Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

(7)

Adicionalmente, o Gráfico 01 apresenta a distribuição dos(as) respondentes a partir de uma perspectiva interseccional de gênero e raça. Embora haja variações em todas as profissões, o aspecto mais marcante a ser destacado é a forte predominância de mulheres negras entre ACS/ACE, diferente do que encontramos nas demais categorias profissionais, em que há maior concentração de mulheres brancas entre o total de respondentes. Vale destacar, ainda, a discrepância do percentual de homens brancos entre médicos (26,8%) com relação às demais profissões, onde esse perfil é menos representativo.

gráfico 01 - composição interseccional de gênero e raça - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Mulheres negras Homens negros Mulheres brancas Homens brancos Outro Profissional de enfermagem 34,6% 4,8% 55,6% 3,2%1,9% Médico(a) 14,6% 2,0% 52,0% 26,8% 4,5% acs/ace 52,5% 17,9%21,5% 6,6% 1,5% Outros(as) 23,5% 9,4% 51,5% 10,5% 5,1% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: o 100% corresponde ao total de respondentes de cada profissão.

BeM-estaR e cONdições de tRaBalHO dOs(as)

PROFissiONais da saúde

A análise do cotidiano de trabalho dos(as) profissionais da saúde pública frente à pandemia de COVID-19 requer, inicialmente, um diagnóstico das condições de trabalho às quais estão sujeitos(as). Diversos estudos têm relatado o medo generalizado da população (ORNELL et al., 2020; FARO et al., 2020), e, no atual contexto de crise sanitária, o alto risco de contaminação é um agravante na rotina dos(as) trabalhadores(as) do SUS (MEDEIROS, 2020). Por sua vez, isso se torna evidente à medida que, no presente estudo, 87,6% do total de respondentes disseram ter medo da cOVid-19.

Os resultados dessa percepção, desagregados por região, não mostram uma variação muito acentuada, a ver: Centro Oeste (85,3%), Nordeste (89,9%), Norte (83,3%), Sudeste (84,3%) e Sul (90,2%) - o que indicaria um sentimento generalizado de medo e insegurança por parte dos(as) profissionais de saúde em todo o país. No Gráfico 02 abaixo é possível observar que os(as) ACS e as outras categorias (fisioterapeutas, psicólogos, dentistas, gerentes de serviço etc.) são aqueles(as) que proporcionalmente mais declaram sentir medo (90%) em comparação aos(às) médicos(as) (resultado de 78,8%) e os(as) profissionais de Enfermagem (82,9%).

(8)

gráfico 02 - Medo da cOVid-19 - por profissão (%)

82,9% 90,1% 78,8% 90,0% Médico(a) 17,1% acs/ace 9,9% 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Outros(as) sim Não Profissional de enfermagem 21,2% 10,0% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

A ameaça “invisível”, a imprevisibilidade da doença e o iminente colapso do sistema são narrados pelos(as) respondentes como principais catalisadores das sensações de insegurança e o medo de contaminação - não só sua, mas de entes queridos como familiares, amigos(as) e colegas de trabalho. Por um lado, 96,6% dos(as) respondentes afirmaram conhecer algum(a) colega

de trabalho com suspeita ou diagnosticado com cOVid-19 e 31,2% informaram que já foram

contaminados com a doença. O Gráfico 03 segmenta estes resultados por profissão - apenas em relação à contaminação da doença há uma diferenciação entre as categorias, com médicos(as) e profissionais de Enfermagem com 35% de declarações de infecção contra 30,6% dos(as) ACS e 26,7% de outros profissionais.

gráfico 03 - contaminação pela cOVid-19 - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Profissional de enfermagem Outros(as)

conhece algum companheiro(a) que já pegou ou está com covid Já pegou covid Médico(a) acs/ace 95,7% 30,6% 96,5% 26,7% 99,0% 35,4% 97,8% 35,9% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: os percentuais correspondem às respostas positivas (Sim =1), sendo o 100% o total de respondentes de cada categoria profissional.

“Medo do excesso

de pessoas, e com

gravidade que

demanda excesso

de cuidados,

serem bem maior

do que os recursos

disponíveis.

Profissionais

que estão na

Atenção Básica

sendo recrutados

para cuidados

intensivos, não

habitual à nossa

rotina.”

(9)

Por outro lado, 86,8% dos(as) respondentes alegaram que já receberam pelo menos a primeira dose da vacina - o que sinaliza um horizonte de esperança no combate à crise e garantia de proteção dos(as) profissionais do SUS. O percentual de profissionais vacinados(as) por profissão também segue uma tendência de alta, com ACS/ACE (89%), profissionais de enfermagem (88,9%) e médicos(as) (86,9%) próximos dos 90%, enquanto profissionais inseridos na categoria “outros” apresentam parcela ligeiramente menor, chegando a 79,5%.

A alta exposição à doença na linha de frente é um dos aspectos centrais para pensar estratégias de proteção e apoio aos(às) profissionais de saúde (ADAM e WALLS, 2020). No contexto atual, a maioria dos(as) respondentes (69,9%) disseram se sentir despreparados(as) para lidar com a crise. Ao segmentar este dado pela região de atuação do(a) participante da pesquisa é possível observar maiores índices de sensação de despreparo no Nordeste e Norte (76% e 75,6%, respectivamente) se comparado às demais (Centro Oeste: 69,7%; Sul: 70,2%; Sudeste: 60,6%). O Gráfico 04 expõe os resultados desagregados por profissão. Destaca-se que os(as) ACS/ACE são aqueles que, proporcionalmente, mais declararam se sentir despreparados(as) (78,9%) em relação aos(às) médicos(as) (56,6%), profissionais da Enfermagem (59,4%) e outras categorias (63%)

gráfico 04 - sensação de preparo - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Profissional de enfermagem Outros(as)

Não se sente preparado(a) sim, se sente preparado(a) Médico(a) 56,6% 43,4% 59,4% 40,6% 63,1% acs/ace 79,0% 21,0% 36,9% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Quando indagamos sobre os motivos que contribuem para que o(a) profissional se sinta despreparado(a), foram 1529 relatos que fazem menção, principalmente, a: (i) situação política e má condução da pandemia pelo Governo Federal, além do negacionismo disseminado entre a população (presente em 307 relatos de despreparado, ou seja 20% do total de 1529); (ii) medo e insegurança por ser profissional da linha de frente e estar exposto(a) ao vírus e/ou contaminar a família (em 305 relatos, 19,9%); (iii) falta de apoio dos superiores e gestão municipal, que não oferecem treinamento e orientações (em 219 relatos, ou seja, 14,3%); (iv) falta de EPIs, vacinas e testagem (em 204 relatos, 13,4%); (v) falta de informações consolidadas sobre a doença e incertezas (em 194 relatos, em 12,6%); (vi) aumento do número de casos e óbitos (em 128 relatos, isto é, 8,3%) e sistema de saúde colapsando (em 110 relatos, ou seja, 7,2% dos relatos).

(10)

Já aqueles(as) que se sentem preparados(as), as principais tendências encontradas entre as 586 narrativas compartilhadas foram: (i) conhecimento científico e manter-se informado(a) (presente em 200 relatos, que corresponde a 34,1% do total de narrativas positivas sobre preparo); (ii) profissionalismo e experiência na linha de frente (em 114 relatos, 19,45%); (iii) fé (em Deus) e resiliência (em 87 relatos, 14,8%); (iv) cuidados pessoais (em 71 relatos, 12,1%); (v) uso de EPIs (43 relatos, 7,3%), vacina (37 relatos, 6,3%) e treinamento (19 relatos, 3,2%). Outras pesquisas argumentam que existe uma associação entre sentimentos de medo, despreparo e insegurança e as condições de proteção e de trabalho desses(as) profissionais da saúde (SANT’ANNA et al., 2020; NOGUEIRA et al., 2020). A escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs) é uma preocupação constante na linha de frente (MEDEIROS, 2020), sendo os protocolos adequados de biossegurança a principal forma de se proteger do vírus (OMS, 2020). Na presente pesquisa, 49,4% dos(as) respondentes disseram que têm recebido EPIs de forma contínua, 44,4% alegaram ter recebido uma ou poucas vezes e 6,2% informaram que não receberam em nenhum momento durante o último ano de pandemia no país. Em termos regionais, 13,3% dos(as) respondentes localizados na região Norte disseram que não receberam EPIs em nenhum momento - se diferenciando, portanto, da média geral de 6,2% (seguida pelas demais regiões). O Gráfico 05 expõe que mais de 60% dos(as) médicos(as), profissionais da Enfermagem e outras categorias receberam EPIs de forma contínua - contra 34% dos(as) respondentes ACS/ACE.

gráfico 05 - distribuição de equipamentos de proteção (ePi) - por profissão (%)

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Não recebeu em nenhum momento

Recebeu uma ou poucas vezes durante a crise Recebeu de forma contínua durante a crise acs/ace 6,2% 59,7% 34,1% Médico(a) 5,1% 30,8% 64,1% Profissionais de enfermagem 1,6% 28,9% 69,5% Outros(as) 10,5% 26,2% 63,3% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

“Tive vários contatos com pessoas

infectadas. Apesar de estar com

máscara e com devidos cuidados

eu não tenho medo de enfrentar a

pandemia e lutar por vidas. Graças

a Deus sou uma ACS há 20 anos

e nunca me desanimei diante das

situações difíceis. Estou pronta

para ajudar. Não tenho medo de

atender pessoas contaminadas,

mas eu tomo os devidos

(11)

A cobertura das condições materiais de trabalho durante a pandemia envolve também o treinamento específico para o enfrentamento à crise, uma vez que o cenário de incertezas, conflitos políticos, alta vulnerabilidade e condições extremas exigem mais atenção à capacitação dos(as) profissionais de saúde. Apesar disso, os dados mostram que apenas 27,4% dos(as) respondentes alegaram ter recebido treinamento sobre os protocolos para enfrentar a pandemia. Os(As) respondentes do Nordeste são aqueles(as) que declararam, proporcionalmente, ter recebido menos treinamento (18,7%) - comparado a 21,1% do

Norte, 28,4% do Centro Oeste, 39,7% do Sudeste e 30,6% do Sul. Nos

resultados expostos no Gráfico 06, mais uma vez os(as) ACS/ACE (majoritariamente atuantes no Nordeste) encontram-se em desvantagens em relação às demais categorias (apenas 14,5% receberam treinamento).

gráfico 06 - treinamento - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Profissional de enfermagem Outros(as)

sim, recebeu treinamento Não recebeu treinamento Médico(a) 46,0% 54,0% 44,8% 55,2% 35,6% acs/ace 14,5% 85,5% 64,4% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Em um cenário de incertezas e potencial subnotificação dos casos (sobretudo os assintomáticos), os testes tipo PCR9 são materiais indispensáveis para garantir o monitoramento e gestão da pandemia. Mais do que

isso, pesquisadores(as) indicam que a testagem em massa é uma das principais estratégias de contenção do vírus (MAGNO et al., 2020; PETO, 2020). No Brasil, essa estratégia não foi priorizada ((MAGNO et al., 2020) e a presente pesquisa aponta para a mesma direção: 38,3% disseram que não receberam materiais de testagem do serviço; 46,3% informaram que isso aconteceu uma ou poucas vezes e 15,4% receberam de forma contínua. Comparando profissões, o Gráfico 07 mostra que ACS/ACE se destacam pelo alto percentual de profissionais que não recebeu material de testagem em nenhum momento (43,3%) contra uma margem de 30% para as demais categorias.

9 Considerado o “padrão ouro” ou “padrão de referência”, o RT-PCR é o exame que identifica o vírus e confirma a Covid-19. Para isso, o teste busca detectar o RNA do vírus por meio de uma extração de amostra coletada na cavidade nasal do(a) paciente.

“Falta de treinamento, de

EPI, insegurança em relação à

assistência médica e hospitalar

não ter ainda um tratamento

realmente eficaz contra o vírus e

muito medo de contaminar meus

familiares, que têm pessoas com

comorbidade.”

(12)

gráfico 07 - testagem - por profissão (%)

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Não recebeu em nenhum momento

Recebeu uma ou poucas vezes durante a crise Recebeu de forma contínua durante a crise

acs/ace 43,3% 47,4% 9,3% Médico(a) 31,7% 41,6% 26,7% Profissionais de enfermagem 31,3% 43,9% 24,7% Outros(as) 34,8% 48,8% 16,4% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Os dados sobre as condições materiais de trabalho durante a pandemia de COVID-19 não apresentam padrão razoável capaz de proporcionar um ambiente adequado aos(às) trabalhadores(as) em um contexto crítico e de recrudescimento das contaminações e óbitos. Além disso, a diferença entre profissões (e consequentemente regional, tendo em vista maioria de ACS/ACE no Nordeste) é evidente em todos os aspectos analisados. O Gráfico 08 apresenta um resumo do panorama das condições materiais de trabalho. A perspectiva observada aqui parte, dessa vez, da segmentação por tipo de serviço em que os(as) respondentes trabalham - Atenção Básica, Atenção Especializada, Atenção Hospitalar e Gestão - e sugere que a Atenção Básica apresenta percentuais mais baixos em todas as variáveis de condições de trabalho consideradas.

(13)

gráfico 08 - Resumo das percepções positivas sobre preparo, equipamentos, treinamento e

testagem - por serviço (%)

24,0% 40,5% 46,5% 46,7% 34,3% 41,5% 62,1% 75,2% 53,3% 47,9% 19,0% 37,3% 53,1% 20,0% 34,3% 13,5% 15,7% 21,8% 33,3% 15,7% sente-se preparado(a) Recebeu ePi* Recebeu treinamento Recebeu testagem* 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%

atenção Básica atenção especializada atenção Hospitalar gestão Outro

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: *Consideramos aqui apenas a opção “Recebeu de forma contínua durante a crise’’ .

As condições institucionais foram analisadas como exposto no Gráfico 09 e Gráfico 10. Em geral, 47,8% dos(as) respondentes disseram que receberam suporte do superior direto - sem variação considerável entre regiões e profissões (embora os(as) ACS/ACE sejam aqueles que declararam perceber proporcionalmente menos esse apoio).

gráfico 09 - suporte de superiores - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Profissional de enfermagem Outros(as)

sim, tem recebido suporte do superior direto Não tem recebido suporte do superior direto Médico(a) 50,5% 49,5% 50,8% 49,2% 51,8% 48,2% acs/ace 44,8% 55,2% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

(14)

O contexto político mais amplo também é um aspecto importante no diagnóstico das condições institucionais do trabalho. Dessa forma, esta pesquisa se propôs a abordar a percepção dos(as) profissionais da saúde pública quanto à qualidade da ação das três esferas de governo na proteção dos(as) trabalhadores, cujas respostas indicaram que a percepção positiva sobre governos municipais (54%) é superior à de governos estaduais (50,4%) e, mais ainda, à do Governo Federal (24,8%). A descoordenação federativa e as dificuldades impostas pelo Governo Federal na condução da crise foram indicadas nos relatos dos(as) profissionais como agravantes para as sensações de medo, insegurança e despreparo (sendo identificado em 307 narrativas). A Tabela 02 apresenta os resultados por profissão e os(as) ACS/ ACE são os mais desacreditados da instância municipal, o que parece coerente, uma vez que eles são os(as) profissionais que mais se relacionam diretamente com as Secretarias Municipais e também os que mais relatam falta de apoio, treinamento, EPI e testagem.

gráfico 10 - Percepção sobre o apoio dos governos (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Não sim 54,0% 46,0% 50,4% 49,6% 75,2% 24,8%

Municipal estadual Federal

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

tabela 02 - Percepção positiva sobre apoio dos governos - por profissão (%)

governo Municipal governo estadual governo Federal acs/ace 40,3% 50,2% 28,7% Profissional de enfermagem 51,4% 48,3% 22,5% Médico(a) 51,5% 48,5% 22,2% Outros(as) 53,1% 49,9% 28,3% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.Nota: o 100% corresponde ao universo de respondentes de cada profissão e as porcentagens expressas na tabela dizem respeito às percepções positivas (Sim = 1)

(15)

tRaBalHO Na liNHa

de FReNte e tRaBalHO

dOMésticO

Ao longo do último ano, diversos relatos que se tornaram públicos pela mídia expuseram sobrecarga de trabalho dos(as) profissionais da linha de frente. Considerando principalmente o montante de mulheres na linha de frente e as dificuldades de conciliar as atividades produtivas e de cuidado com filhos(as) e casa (sobretudo em contexto de isolamento social e fechamento das escolas) (WENHAM, 2020; FARRE et al., 2020; CHAUHAN, 2020), a presente pesquisa mapeou a carga horária dos(as) profissionais na pandemia.

No que tange às horas trabalhadas por semana, observou-se a seguinte distribuição: 0 a 10 horas (15,3%); 10 a 20 horas (4,4%); 20 a 30 horas (8,1%); 30 a 40 horas (54,1%); mais de 40 horas (18,1%). Assim, a maioria (72,2%) trabalha semanalmente mais de 30 horas. Já em relação ao trabalho doméstico, os(as) respondentes informaram que gastam na semana: 0 a 7 horas (27,1%); 8 a 14 horas (24,5%); 15 a 21 horas (13,1%); 22 a 28 horas (11%); 29 a 49 horas (12,7%); 50 a 70 horas (7,4%); mais de 70 horas (4,2%). Além disso, 68,3% dizem que aumentou o número de horas em atividade doméstica durante a pandemia.

Nos relatos em que os(as) respondentes compartilham suas rotinas domésticas, encontramos as seguintes tendências: (i) exaustão e cansaço por ter que combinar a dupla jornada de trabalho (como profissional de saúde e “dona de casa”); (ii) o exacerbamento da preocupação com higienização; (iii) cuidado com filhos(as), principalmente nas tarefas escolares à distância; (iv) isolamento social, mais tempo em casa, o que leva a maior preocupação com o ambiente; (v) mais estresse e dificuldade de manter “as coisas em ordem”.

diNâMicas de tRaBalHO e iNteRaçãO cOM O usuáRiO

A literatura de profissionais de linha de frente considera que o alto nível de interação entre os(as) trabalhadores(as) com os(as) usuários das políticas é a sua principal característica (LIPSKY, 2019). Nesse sentido, buscamos mapear a percepção dos(as) profissionais da saúde sobre as alterações de suas relações com os(as) usuários(as) dos serviços e dos seus procedimentos e dinâmicas de trabalho. Em relação ao primeiro ponto, 91,2% dos(as) respondentes afirmaram ter havido mudanças na

interação com os usuários, enquanto 92,4% também declararam alterações nos procedimentos de trabalho.

No caso de reconhecimento de alteração na interação com o(a) usuário(a), os relatos dos(as) profissionais sinalizam os seguintes motivos: (i) nova forma de abordagem, com maior distanciamento

“Antes meus filhos iam à escola,

a empregada doméstica podia

transitar mais em transporte público,

atualmente, meus filhos ficam o

dia todo em casa e a secretária tem

períodos que não vem por conta

do risco de contágio no transporte

público. Então antes eu não gastava

muitas horas, era em torno 30,

cuidando das crianças, teletrabalho

(além do trabalho do hospital)

limpeza da casa, ajudando os filhos

nas aulas on-line. A rotina está

muito mais cansativa.”

“Mudou, o dia-a-dia é

sempre com receio de

perder um paciente,

por isso, tento não

(16)

e evitando tocar no paciente (em 62% dos casos); (ii) visitas domiciliares suspensas ou reconfiguradas no portão das casas (em 13,7% dos casos); (iii) necessidade de uso de EPI constantemente, paramentação e outros protocolos de biossegurança (em 13,2% dos casos); (iv) medo e ansiedade por risco de contaminar-se, tanto dos(as) profissionais como dos(as) usuários(as) (5,4% dos casos); (v) mais empatia, proximidade e paciência com os(as) usuários(as) (em 4,3% dos casos). Já entre as mudanças nos procedimentos de trabalho, observamos as seguintes tendências nas narrativas: (i) nova forma de atender e abordar os pacientes (aparece em 45,3% dos relatos); (ii) paramentação, uso de EPI e mais cuidado com higienização (presente em 22% dos relatos); (iii) novos fluxos e protocolos internos (em 14% dos relatos); (iv) rotina , sem especificar (em 8,6%) (v) exaustão mental e física (em 6,4%); (vi) procedimentos suspensos (como cirurgias, atendimentos coletivos, consultas,

etc.) (em 4,5%); entre outros.

A discricionariedade é outra característica dos(as) profissionais de linha de frente salientada por Lipsky (2019) e corresponde à capacidade de tomada de decisão, necessária em trabalhos altamente complexos, marcados pela escassez de recursos e ambiguidades (LOTTA, 2019). Nesse sentido, foi perguntado aos(às) respondentes sobre a disposição de passar por cima das regras (Gráfico 11) e se isso mudou no contexto da pandemia (Gráfico 12). Ao observar o Gráfico 11 é possível perceber que 36,3% dos(as) profissionais de saúde se dispõem a passar por cima das regras em

benefício do paciente e que 31,1% deles(as) têm essa disposição em passar por cima

das regras em benefício do trabalho. De acordo com o Gráfico 12, a maior parte dos entrevistados afirma que sua disposição em passar por cima das regras em benefício do paciente (52,43%) ou do processo de trabalho (55,71%) se manteve constante em comparação com o período pré-pandemia.

gráfico 11 - disposição para passar por cima de regras (%)

disposição para passar por cima de

regras em benefício do paciente disposição para passar por cima de regras em benefício do processo de trabalho 23,9% 26,9% 10,1% 5,7% 26,2% 25,4% 21,2% 23,8% 18,7% 18,3% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

Muito provável Provável Nem provável, nem improvável improvável Muito improvável

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: o

“Agora eu passo álcool em

tudo, me nego a ficar no

mesmo local com colegas

sem máscara, tenho

dificuldade de me alimentar

e tomar água, estresse

e preocupação a cada

segundo”

hospital em que trabalho.

Mudança de setores,

paramentações, cuidados

com o paciente, itinerário,

muitas horas extras...”

(17)

gráfico 12 - Mudança na disposição em passar por cima de regras (%)

Mudança na disposição para passar por cima de

regras em benefício do paciente Mudança na disposição para passar por cima de regras em benefício do processo de trabalho

52,5% 55,7% 17,8% 17,9% 29,7% 26,4% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

sim, diminuiu em relação ao pré-pandemia sim, aumento em relação ao pré-pandemia Não, pois permaneceu igual

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.Nota: o total de respondentes a essas perguntas é n = 1199.

eMOções e saúde MeNtal dOs(as)

PROFissiONais de saúde

Além dos aspectos institucionais e da percepção dos(as) profissionais da linha de frente em relação a esses elementos, a carga emocional e psicológica trazida pelo contexto pandêmico aos(às) profissionais da saúde tem aparecido como uma preocupação central nesse momento (The Lancet, 2020; PARTHASARATHY et al., 2021; SCHMIDT et al., 2020). No Brasil, isso se reforça diante do prolongamento do descontrole sobre a crise, que, entre outras questões, exacerba a sensação de exaustão e de sofrimento destes trabalhadores diante do contexto precário em que têm atuado. Diversos estudos têm demonstrado as consequências da pandemia na saúde mental dos(as) profissionais de saúde, com aumento dos quadros de estresse, síndrome de burnout, depressão, ansiedade etc (TEXEIRA et al., 2020; ORNELL et al., 2020).

Dessa forma, mais uma vez, procuramos identificar também quais os impactos desta crise na saúde mental e nas emoções desses(as) trabalhadores(as), assim como quais os suportes com os quais contam para lidar com esse impacto. Neste momento, 80,2% dos(as) respondentes indicaram que sua saúde mental foi afetada negativamente pela pandemia. Por região, as respostas afirmativas encontradas mostram um cenário ligeiramente mais crítico nas regiões Sul (89,8%), Centro-Oeste (85,3%) e Sudeste (83,8%), em comparação com o Nordeste (74,5%) e o Norte (73,3%). Cumpre salientar que os resultados para o Nordeste são influenciados pelos(as) ACS/ACE, maioria dos(as) respondentes da região. O Gráfico 13 descreve a percepção sobre os impactos na saúde mental por profissionais, e aponta distribuições similares entre as categorias profissionais analisadas, com exceção dos(as) ACE/ACS que percebem esse impacto em escala comparativamente menor, provavelmente dada sua dinâmica de atuação.

(18)

gráfico 13 - Percepção sobre impactos na saúde mental - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

acs e ace Outros(as)

Não teve a saúde mental afetada sim, teve a saúde mental afetada

24,9% 75,1% Médico(a) 14,6% 85,4% 13,7% 86,3% Profissional de enfermagem 14,9% 85,1% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Em que pese o impacto relevante na saúde mental dos(as) profissionais da saúde, somente 19,1% dos(as) respondentes afirmaram contar com algum apoio para cuidar de sua saúde mental neste momento, número que sofreu uma queda importante (mais de 9%) em relação à rodada de outubro da pesquisa, retornando ao patamar obtido pela segunda rodada da pesquisa, realizada em julho. Por região, as respostas afirmativas encontradas na amostra seguem da seguinte forma: Centro-Oeste (26,6%); Sudeste (22,3%); Sul (21,5%); Norte (18,9%); Nordeste (14,9%). O Gráfico 14 a seguir apresenta essa distribuição por profissão, e aponta uma disparidade na percepção dos(as) ACE/ACS quanto ao apoio recebido para cuidar da saúde mental em comparação às demais categorias.

“Espero que tudo esteja próximo de se

normalizar. Acredito que o dano mental às

equipes de saúde é irreparável, principalmente

àqueles que não tiveram apoio psicológico. Mas

nós somos fortes e passaremos por essa crise, como

já passamos por inúmeras outras. Espero que cada um

de nós receba apoio para que não aumentem os índices de

depressão, pois infelizmente a enfermagem que já estava

doente antes da pandemia, pós ela pode piorar muito.”

(19)

gráfico 14 - Percepção sobre apoio para cuidar da saúde mental - por profissão (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

acs e ace Outros(as)

Não teve apoio sim, teve apoio

87,1% 12,9% Médico(a) 71,2% 28,8% 73,3% 26,7% Profissional de enfermagem 77,5% 22,5% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Entre os que indicaram receber apoio para cuidar da saúde mental, questionamos quais tipos de apoio recebem e 61% dos(as) desses(as) respondentes indicaram receber apoio de psicólogos e 10,6% citaram o apoio de psiquiatras. Ainda, a indicação de recebimento de apoio foi de 10% em relação a amigos e familiares e de 3,7% em relação à religião ou espiritualidade.

Além do questionamento sobre quais tipos de apoio recebem, pedimos que os(as) respondentes indicassem a quem recorrem para cuidar da saúde mental. 42% dos profissionais indicou recorrer à família, 37,8% a profissionais da área da saúde mental (psicólogos e psiquiatras), 26,4% a amigos, 19,5% a colegas de trabalho, e 13,8% a um guia religioso. Ainda, 15,4% indicaram não recorrer a ninguém. Perguntamos também quais foram as principais emoções que os(as) profissionais têm sentido durante o trabalho na pandemia, tanto em relação às suas emoções pessoais, quanto na interação com os usuários. O Gráfico 15 apresenta o percentual das respostas a cada uma das emoções listadas, sendo

que os profissionais podiam escolher mais de uma emoção. Os(as) respondentes

experimentaram majoritariamente sentimentos negativos durante o trabalho, o que sugere um cenário crítico de atuação, com destaque para o estresse/ansiedade (67,8%), medo (58,8%), cansaço (57,7%) e tristeza (50,6%). Sentimentos positivos apareceram com menor frequência, e se concentraram, principalmente, em esperança (54,1%) e empatia (29,5%).

“Temos que trabalhar sempre

com medo de contrair a

doença, fazer as visitas

distante das pessoas, evitar

entrar nas residências pra

proteger o usuário e nos

proteger. Vejo colegas toda

hora se infectando, é um

pesadelo, afeta o psicológico

da gente, temos família,

queremos também nos

proteger. Linha de frente e

um risco constante”

(20)

gráfico 15 - emoções pessoais dos(das) profissionais de saúde (%)

estresse/ansiedade Medo cansaço esperança tristeza empatia solidão desesperança distanciamento/frieza Raiva Reconhecimento indiferença outro 67,8% 58,8% 57,7% 54,1% 50,6% 29,5% 26,8% 26,2% 21,8% 21,6% 12,5% 9,0% 0,2% 0,0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Além das emoções pessoais impostas pela pandemia e pelas condições de trabalho, questionamos também sobre as emoções sentidas no contato direto com o cidadão, pergunta em que também podiam indicar mais de um sentimento. Como respostas mais predominantes obtivemos: empatia (48,9%), medo (45,8%), afeto/carinho (43,8%), distanciamento/frieza (22,5%), pena (20,3%), desconfiança (20%), raiva (12%) e indiferença (8,3%). Como percebemos, são sentimentos muitas vezes conflituosos e que acabam por impactar na forma como estes profissionais interagem com os usuários.

Também perguntamos sobre a ocorrência de assédio moral durante a pandemia. No geral, 33,5% dos(as) profissionais afirmam ter sofrido assédio moral no trabalho em decorrência da crise: 6,4% dizem ter iniciado com o novo contexto, 18,6% dizem ter aumentado com o mesmo e 8,6% disseram que se manteve igual ao que era antes. O Gráfico 16 mostra a ocorrência de assédio por categoria profissional.

“Estava amamentando quando começou a pandemia

e trabalhava numa área insalubre, solicitei

transferência para uma área não insalubre, o chefe

não queria atender e ainda por cima perguntou até

quando eu iria amamentar”

(21)

gráfico 16 - Ocorrência de assédio moral aos profissionais de saúde durante a pandemia -

por profissão (%)

Outros(as) acs e ace

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Não sim, e aumentou no contexto da pandemia

sim, e se iniciou com a pandemia sim, mas continua igual ao que era antes

7,6% 7,6% 68,2% 4,0%7,5% 68,4% 20,2% Profissionais de enfermagem 57,8% 24,4% 3,8% 14,0% Médico(a) 68,2% 17,2% 8,1% 6,6% 16,3% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Nesta rodada, decidimos avançar na questão do assédio sofrido durante a pandemia em relação às rodadas anteriores, questionando também quem teria sido o agente assediador. Ao perguntar “Quem te assediou?” aos(às) respondentes que indicaram haver sofrido assédio, identificamos que 45,5% foram assediados por usuários(as) do serviço, 44,7% pela chefia, 20,1% por colegas e 18,8% por pessoas nas ruas, e 17,3% por governantes.

PeRcePçãO sOBRe ciêNcia e

ReaBeRtuRa das atiVidades

Ao longo da pandemia da COVID-19, a divulgação em massa de informações controversas

sobre temas antes já consensuais no debate científico vem sendo um dos problemas centrais no enfrentamento à crise. Embora esse fenômeno ocorra ao redor do mundo, a particularidade do caso brasileiro reside no fato de que a desinformação parte institucionalmente do Governo Federal, à medida que a inversão de prioridades se concretiza em atrasos na compra de vacinas e em gastos com medicamentos cuja eficácia no tratamento da COVID-19 não é comprovada cientificamente (SHALDERS, 2021).

Tendo em vista esse cenário, elaboramos três perguntas, expostas na Tabela 03, com o objetivo de captar a percepção dos(as) profissionais da linha de frente da saúde sobre os assuntos concernentes ao combate ao vírus.

“Minha chefe chegou a dizer que

eu estava usando minha gravidez

para não trabalhar. Que não

podia fazer nada para o grupo

de risco, a menos que eu

tivesse banco de horas, e me

cobrava atendimento em

quantidade.”

(22)

tabela 03 - Percepções sobre temas científicos (%)

um(a) paciente diagnosticado(a) com cOVid19 solicita um tratamento que não é consensual na ciência, mas muito falado na internet. Na sua opinião, nessa situação, os(as) profissionais:

Devem dar acesso ao tratamento. O(A) usuário(a) tem o direito de escolha. 34,4% Não devem dar acesso ao tratamento. A palavra final deve ser dos(as) profissionais

de saúde 65,6%

Na pandemia, têm se recorrido a medicamentos desenvolvidos para outras doenças, já que ainda não há tratamento específico para cOVid-19. Você acha que essa estratégia:

Deve ser utilizada mesmo que não haja comprovação da eficácia desses

medicamentos já que devemos fazer tudo o que é possível pelo(a) usuário(a) 33,7% Só devem ser usados medicamentos com comprovação de eficácia 66,3%

Você acredita que a vacinação é:

Um pacto coletivo. Portanto, todos(as) devem ser persuadidos ou obrigados a tomar

a vacina. 67,6%

Uma escolha individual. Nesse sentido, toma vacina quem quiser. 32,4%

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Embora não haja algo próximo a um consenso entre os(as) respondentes, é possível notar que há uma predominância de respostas alinhadas ao que autoridades nacionais e internacionais da área da saúde vêm reforçando, como, por exemplo, a importância da vacina como um pacto coletivo e como instrumento mais efetivo no combate ao vírus. Ainda, os(as) profissionais responderam, em maior proporção, em favor de não se utilizarem medicamentos sem comprovação científica, ainda que solicitados pelo(a) paciente. Ao segmentarmos os dados por profissão, notamos que médicos(as) e profissionais inseridos na categoria “Outros” tendem a convergir com maior percentual de profissionais que entendem que a palavra final sobre um tratamento deve ser dos(as) profissionais de saúde, que só devem ser usados medicamentos cuja eficácia é comprovada cientificamente e que vacinação é um pacto coletivo e, portanto, todos(as) devem ser persuadidos(as) ou obrigados(as) a aderir. Por outro lado, ACS/ACE, embora também apresentem uma maioria de profissionais cuja perspectiva é semelhante à de médicos(as) e outros(as) profissionais, o percentual observado é consideravelmente menor, assim como entre profissionais de enfermagem (estes, porém, em um patamar intermediário entre médicos(as)/outros(as) e ACS/ACE). A Tabela 04 detalha esse cenário:

(23)

tabela 04 - Percepções sobre temas científicos - por profissão (%)

um(a) paciente diagnosticado(a) com cOVid19 solicita um tratamento que não é consensual na ciência, mas muito falado na internet. Na sua opinião, nessa situação, os(as) profissionais:

acs/ace Profissional de enfermagem Médico(a) Outros(as)

Devem dar acesso ao tratamento. O(A) usuário(a) tem o

direito de escolha. 39,4% 38,4% 27,3% 22,4% Não devem dar acesso ao tratamento. A palavra final deve

ser dos(as) profissionais de saúde 60,6% 61,6% 72,7% 77,6%

Na pandemia, têm se recorrido a medicamentos desenvolvidos para outras doenças, já que ainda não há tratamento específico para cOVid-19. Você acha que essa estratégia:

acs/ace Profissional de enfermagem Médico(a) Outros(as)

Deve ser utilizada mesmo que não haja comprovação da eficácia desses medicamentos já que devemos fazer tudo

o que é possível pelo(a) usuário(a) 40,2% 34,3% 22,2% 22,6% Só devem ser usados medicamentos com comprovação de

eficácia 59,8% 65,7% 77,8% 77,4%

Você acredita que a vacinação é: acs/ace Profissional de enfermagem Médico(a) Outros(as)

Um pacto coletivo. Portanto, todos(as) devem ser

persuadidos ou obrigados a tomar a vacina. 57,2% 72,7% 81,8% 82,2% Uma escolha individual. Nesse sentido, toma vacina quem

quiser. 42,8% 27,3% 18,2% 17,8%

Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021.

Reabertura

Considerando o recente cenário de agravamento profundo da pandemia da COVID-19 com o número de mortes ultrapassando os 300 mil e constantes recordes na média móvel semanal10, e os debates acerca das medidas restritivas

à circulação da população na tentativa de conter o avanço da contaminação, buscamos entender a opinião dos(as) profissionais sobre a reabertura das atividades. Em termos gerais, temos que 32% dos(as) respondentes se colocam contrários à reabertura, outros 45,3% são favoráveis a uma reabertura apenas de serviços essenciais e com uso de máscara de proteção, 22,1% afirmam ser favoráveis a uma reabertura total com uso de máscaras de proteção e 0,6% favoráveis a uma reabertura total sem obrigatoriedade de uso de máscara. O Gráfico 17 traz um panorama das respostas a partir da distribuição por profissões, em que chama atenção o fato de quase 40% dos(as) trabalhadores inseridos na categoria “Outros” serem contrários à reabertura - muito acima dos cerca de 30% observados nas demais subdivisões profissionais.

10 G1. “Brasil passa de 328 mil mortos por Covid; média fica acima dos 3 mil pelo segundo dia seguido”. 02. de abril de 2021. Disponível em <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/04/02/brasil-passa-de-328-mil-mortos-por-covid-media-fica-acima-dos-3-mil-pelo-segundo-dia-seguido.ghtml>. Acesso em 02 de abr. de 2021

“Acredito que os casos

voltarão a aumentar devido

ao processo de reabertura

que não está sendo feito

de forma adequada e

devido à falta de inspeção

dos estabelecimentos

sobre a questão de

cuidados relacionados

à diminuição da

(24)

gráfico 17 - Percepções dos(as) profissionais de saúde sobre a reabertura dos serviços -

por profissão (%)

0,5% 1,0% 0,6% 0,5% 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

sou contrário à reabertura

sou favorável a uma reabertura apenas de serviços essenciais e com uso de máscara de proteção sou favorável a uma reabertura total com uso de máscaras de proteção

sou favorável a uma reabertura total sem obrigatoriedade de uso de máscara

acs/ace 30,6% 47,6% 21,3% Médico(a) 29,3% 42,9% 26,8% Profissionais de enfermagem 29,2% 47,9% 22,2% Outros(as) 39,6% 38,3% 21,6% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Cada 100% corresponde ao universo de profissionais das respectivas categorias: ACS/ACE, Médico(a), Profissional de Enfermagem e Outros

desigualdade Na liNHa de FReNte

O acúmulo histórico a partir de experiências com pandemias e a vivência do cenário atual da crise permitem observar que esse fenômeno atinge a sociedade de maneira desigual (AHMED et al., 2020). Os efeitos do aprofundamento de desigualdades têm sido notórios quando constatadas as condições precárias de moradia em que vive boa parte da população, a falta de acesso aos serviços de saúde, a informações centrais na prevenção à doença e à internet, que privam essa parcela da sociedade de enfrentarem a pandemia de forma segura (AHMED et al., 2020). Ainda, no Brasil, as dimensões continentais e o histórico de desigualdades estruturais que dividem regiões, territórios e grupos sociais impõem um desafio adicional ao enfrentamento dos efeitos da pandemia da COVID-19 sobre grupos historicamente vulnerabilizados (PIRES et al., 2020). Ao longo deste trabalho, foi possível observar, para além dos aspectos supracitados, a discrepância existente entre as diferentes categorias profissionais da área da saúde. Em termos gerais, enquanto ACS/ACE recebem menos equipamentos de proteção individual (EPI), menos treinamento para o enfrentamento adequado à pandemia, menos testagem e se sentem mais desamparados tanto por superiores(as) diretos quanto por governos; médicos(as) e, em alguns casos, profissionais de enfermagem enfrentam a pandemia em melhores condições de trabalho e com maior apoio institucional - ainda que, também no caso dessas profissões, as condições sejam ruins e o apoio seja baixo.

O desequilíbrio entre as categorias profissionais é atravessado, também, por desigualdades interseccionais de raça e gênero. Homens e mulheres negros(as) têm maior participação em ocupações informais e com

(25)

menor rendimento médio em comparação a trabalhadores(as) brancos(as) (SANTOS et al., 2020), o que os(as) torna mais sujeitos(as) aos efeitos de curto, médio e longo prazo da crise econômica e social ocasionada pela pandemia. Além disso, as profissões historicamente ligadas a atividades de cuidado, com alta participação de mulheres, sobretudo negras, são ainda mais demandadas em momentos de emergência (WENHAN, 2020), o que, se somado à intensificação da dupla ou tripla jornada dessas profissionais devido

ao fechamento de escolas e creches, se torna um mecanismo

potente de aprofundamento das já graves desigualdades (ONU Mulheres, 2020;

BEAMAN et al., 2020; Gênero e Número, 2020). O Gráfico 18 ilustra esse cenário a partir da informação sobre a quantidade de horas dedicadas às atividades domésticas por profissionais de acordo com o perfil interseccional de raça e gênero.

gráfico 18 - Horas por semana dedicadas às atividades domésticas - por raça e gênero (%)

40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

0 a 7 horas por semana 8 a 14 horas por semana 15 a 21 horas por semana 22 a 28 horas por semana 29 a 49 horas por semana 50 a 70 horas por semana Mais de 70 horas por semana

Mulheres negras Homens negros Mulheres brancas Homens brancos

26,8% 35,4% 22,0% 36,0% 10,5% 13,5% 15,6% 11,6% 11,2% 8,1% 11,8% 12,2% 13,9% 9,4% 13,7% 7,9% 7,4% 3,1% 9,1% 5,5% 25,9% 26,9% 22,9% 23,8% 4,3% 3,6% 4,9% 3,0% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: o 100% corresponde ao universo de profissionais de cada grupo social identificado: mulheres negras, homens negros, mulheres brancas, homens brancos.

Embora não seja possível fazer um recorte de classe, uma análise preliminar do cenário permite observar que, enquanto mulheres, especialmente negras (51,5%), se concentram na faixa superior a 30 horas de trabalho doméstico não remunerado por semana, os homens, especialmente brancos (59,8%), estão mais representados na faixa que vai de 0 a 28 horas. Cumpre salientar que as análises se baseiam unicamente no universo de respondentes desta pesquisa e as conclusões aqui expostas refletem o conjunto de dados da amostra, não podendo, portanto, ser expandidas para toda a sociedade.

“Com a minha filha em casa e meu marido

desempregado tenho o compartilhamento

das tarefas com ele, no entanto as

demandas ligadas a refeição, limpeza

de casa e lavagem de roupas

aumentou muito com a intensidade

da presença de todos em casa.”

(26)

Outros dados desagregados por gênero também expõem percepções desiguais entre os(as) participantes. 84% das mulheres informaram que a pandemia afetou a sua saúde mental contra 67% dos homens. Elas foram as que proporcionalmente mais declararam sentir tristeza (53% contra 42% dos homens), estresse (72% no caso das mulheres e 52% dos homens) e cansaço (62% versus 43%). Ademais, proporcionalmente, as mulheres são as que menos se sentem preparadas para enfrentar a crise (28% contra 39% no caso dos respondentes homens).

Tais resultados reforçam a importância de um olhar interseccional entre gênero e raça para compreender as complexidades da realidade experienciada pelos(as) profissionais da linha de frente durante a pandemia. As soluções e políticas públicas devem acompanhar este tipo de diagnóstico, considerando uma perspectiva de gênero e raça enquanto transversal às ações, diretrizes e planejamentos das políticas de saúde (LOTTA et al., 2021; WENHAM, MORGAN e SMITH, 2020; ONU Mulheres, 2020).

O que PaRece teR MudadO eNtRe as ROdadas

Embora não seja possível fazer uma relação exata sobre o antes e depois com os dados coletados entre as rodadas da pesquisa - já que os(as) respondentes não são necessariamente os(as) mesmos(as) - ainda assim é possível construir algumas hipóteses do que parece ter mudado entre os meses que separam as coletas de dados realizadas. Assim, traçamos algumas comparações iniciais sobre como as condições parecerem (ou não) ter se alterado entre abril de 2020 e março de 2021.

gráfico 19 - Percepção positiva sobre as condições materiais de trabalho nas quatro

rodadas da pesquisa (%)

100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Maio/20 (1ª rodada) Julho (2ª rodada) Outubro (3ª rodada) Março/21 (4ª rodada)

Medo despreparo ePi* treinamento testagem*

88,7% 65,1% 33,0% 21,9% 85,5% 69,3% 50,0% 35,2% 31,2% 79,9% 63,9% 48,0% 47,8% 29,2% 87,6% 69,9% 49,4% 27,4% 15,4% Fonte: Survey online “A pandemia de COVID-19 e os(as) profissionais da saúde pública no Brasil” (n = 1829). Fundação Getúlio Vargas, 2020/2021. Nota: *Consideramos aqui apenas a opção “Recebeu de forma contínua durante a crise’’ .

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