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A EDUCAÇÃO E SUA DIMENSÃO POLÍTICA A PARTIR DE ALGUNS ESCRITOS DE ANTONIO GRAMSCI

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A EDUCAÇÃO E SUA DIMENSÃO POLÍTICA A PARTIR DE ALGUNS

ESCRITOS DE ANTONIO GRAMSCI

AREND, Catia Alire Rodrigues – UTP

catiarend@yahoo.com.br

Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo

O pensamento de Antônio Gramsci e a sua concepção de educação permitem apresentar importantes elementos para uma reflexão sobre um modelo que contraria a experiência de educação vivida nos tempos atuais, um processo pensado por ele numa perspectiva de uma determinada estrutura de sociedade: o socialismo. Tais contribuições se alicerçam na sua atuação no movimento político italiano, mas pode apresentar-se aos nossos dias como uma grande experiência ao pensar a educação e de como ela pode ser estendida a outras instâncias da sociedade civil, dentre elas, a escola. Esse artigo tem como propósito apresentar como tema a concepção de educação e sua dimensão política, levantando referências teóricas e históricas presentes nos escritos de Gramsci com o objetivo de refletir sobre a dimensão política da educação na sociedade contemporânea e salientar as possibilidades de se pensar numa nova educação que pode ser construída a partir dessa dimensão, bem como, da leitura do pensamento gramsciano no âmbito da educação. As reflexões de Gramsci mostram-se como questões ainda atuais, pois por serem abertas apresentam condições de serem discutidas nos dias de hoje, ainda que tenham sido escritas em outro contexto histórico e sob influência que caracterizaram o período vivido pelo pensador italiano e homem político Antônio Gramsci durante sua prisão da década de 1920 a 1930, isolado da prática e do debate político sob as restrições do cárcere. A vida e o pensamento de Gramsci se fazem em um horizonte revolucionário que ilumina inúmeras questões, dentre elas a concepção de educação e cultura.

Palavras-chave: Educação. Política. Gramsci. Cultura. Introdução

Antônio Gramsci demonstra em seus escritos uma preocupação com a educação, mas a partir de uma análise mais profunda da política, filosofia e história para a educação e de como a escola pode ser vista como um aparelho disseminador de uma nova cultura, um espaço de construção para uma consciência política crítica. Nova cultura, nesse sentido, significa um ato político, ou seja, uma nova forma de pensar, um comprometimento coletivo em se analisar a

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contexto atual e pensar uma nova realidade. Gramsci enfatiza a importância da cultura para compreender melhor a política e, ser capaz de combater a ideologia da classe dominante.

Seria por intermédio da cultura que se colocaria em prática o espírito popular criador, isto é, um conhecimento que pode ser universalizado, não havendo um privilégio para uma minoria que já se mostra beneficiada de diferentes maneiras, ao contrário, universaliza-se um conhecimento para a classe dominada, mas mobilizada a analisar as contradições existentes na sua realidade.

Nesse sentido, o papel da escola é fundamental, pois sendo ela uma construção social dentro de um sistema caracterizado pelas desigualdades sociais e pelas contradições, características essas, inatas da sociedade capitalista; a escola assume esse papel fundamental no que diz respeito à formação de sujeitos com consciência e participação política, passando a representar um espaço de democratização e socialização do conhecimento sistematizado a todos, permitindo que o sujeito apresente condições de intervir na realidade em que vive, manifestando interesses, opiniões, reivindicações e demonstrando uma mobilização, ou seja, desenvolvendo sua consciência social.

Os escritos de Gramsci, a concepção de educação e sua dimensão política

Gramsci em suas produções no cárcere demonstra uma preocupação com a educação, por meio de uma análise da política, da filosofia e da história na educação, bem como, de que maneira a escola pode vir a ser provedora de cultura e como um espaço de desenvolvimento da consciência política crítica.

A escola nessa nova perspectiva deve sustentar-se sobre dois eixos elementares: um eixo constituído pelos fins da educação, que definem a finalidade da escola e, o segundo determinado pelo contexto social em que a escola está inserida; pois ela não pode representar os interesses de outro contexto social que não seja aquele do qual faz parte, tampouco deve aceitar o papel de conformar-se com as problemáticas vividas no seu ambiente, ao contrário, abrir possibilidades para a educação que propicie a manifestação do ser humano na construção de um saber socialmente e historicamente construído.

Para Saviani (1996) a educação mostra-se como uma atividade mediadora na prática social, “uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação.” (Saviani, 1996, p.83)

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É nessa mediação, o conhecimento como ideal de transformação que permite que o sujeito se mobilize para a mudança da desigualdade para a igualdade e, isso é possível numa escola que apresente uma prática educativa com uma missão de democratização da sociedade como sendo “à natureza própria do trabalho pedagógico”. (Saviani, 1996, 88)

Mas há que se pensar no conceito de educação e como Gramsci atribuía à educação papel fundamental na formação de um “novo homem, o homem coletivo” (Schlesener, 2009, 86) homem esse, fruto das suas relações e de relações historicamente construídas. À medida que interage, influencia-se e tem a oportunidade de alterar no contexto em que atua, podendo atuar na formação de uma nova ordem social de forma ativa e coletiva e, não de maneira singular como complementa Schlesener “ocorre como formação da individualidade enquanto responsabilidade crítica e autônoma no processo de interação social” (id. ibid.)

Para Gramsci, a escola é um meio de formação vinculada a um projeto de sociedade e para que a participação política de todos seja efetivada faz-se necessário o envolvimento coletivo dos indivíduos através de uma renovação da estrutura política e da escola num modelo democrático. Mas para isso, a escola deveria ser reorganizada em novos moldes e padrões. Entretanto, Gramsci não vê apenas a escola como meio de disseminar conhecimento, atribui também a outros setores a incumbência de construir esse conhecimento e consciência política, contribuições vinda do partido, da igreja, dos movimentos, das associações, etc.

Por isso, a ideia constantemente reforçada por Gramsci, a de que o homem não pode ser percebido isoladamente, mas a sua formação deve ser baseada na aliança indivíduo e ambiente, para uma nova compreensão da sua relação com a sociedade e a natureza.

Nessa perspectiva, a escola integra-se como um conjunto, assim como outras instituições que desempenham, para as classes trabalhadoras, a função de elaborar uma nova cultura, como os partidos políticos, as associações de cultura, os jornais e também a escola por correspondência, caracterizando um processo de uma época específica na década de 1920 desenhada por Gramsci.

Nos escritos de Gramsci fica evidente a impossibilidade de dissociar educação e política, uma vez que a primeira é elemento essencial na formação política do indivíduo e, a segunda, noção necessária para o sujeito compreender os conflitos existentes na sociedade capitalista. Segundo Schlesener (2009, p. 107) “a dimensão política da educação se expressa no reconhecimento dos conflitos de classes que constituem a base da sociedade moderna e da necessidade de as classes trabalhadoras criarem a sua identidade e a sua cultura no processo

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de construção da hegemonia.” Reconhecer e propor uma nova ordem social e política é associar educação e política com o propósito de criar uma nova sociedade, como diz Schlesener (2009) “política e educação se entrelaçam.” (p. 61)

A educação como ferramenta para a emancipação humana, capaz de questionar os antagonismos na sociedade desigual, onde a classe trabalhadora tenha condições para lutar em busca do que denomina Guerratana apud Schlesener (2009) em busca da “hegemonia alternativa” (p. 62), mas que para Gramsci denomina-se como “hegemonia ativa” para atuar contra a hegemonia da classe dominante.

A emancipação humana, a capacidade de analisar criticamente a sociedade e participar do movimento de mudança não se dá de forma isolada e instantânea; ocorre com o desenvolvimento da dialética, ou seja, pela filosofia da práxis, como é definida a dialética por Gramsci, uma evolução na capacidade humana em compreender a história em seu movimento contínuo e em suas contradições o que Schlesener denominava a dialética como sendo uma “análise conjuntural sempre renovada.” (id. p. 65)

A filosofia da práxis como definida por Gramsci tem o objetivo de “conduzi-los (simplórios) a uma concepção de vida superior.” (GRAMSCI apud SAVIANI, 2007, p. 8) permitir que os mais desfavorecidos economicamente e socialmente tenham a oportunidade de politicamente atuar forma consciente. Mas como os fenômenos sempre mostram a aparência e, que por de trás, há outras verdades nem sempre evidentes, a escola como aparelho da hegemonia também se reveste de um papel que pode atender as exigências de um determinado grupo ou pode propiciar oportunidades de superar por meio da crítica em busca romper uma hegemonia imposta, como missão da escola numa perspectiva da classe operária. Nesse sentido, o Estado numa sociedade capitalista, assume o papel de educador quando concebe uma educação que reforça as desigualdades, quando para Gramsci ele deveria ser “educador” ao criar “um novo tipo ou nível de socialização.” (GRAMSCI apud SCHLESENER, 2009, p.73) num modelo de socialismo. Na perspectiva do processo de produção, a educação assume uma noção de política que separa dirigentes de dirigidos, reforçando a hierarquia, onde o homem deve se adaptar ao sistema e suas exigências na crescente produção de lucro e, num segundo modelo, Gramsci vê a dimensão política da educação como uma via de assegurar a formação de um homem integral levando em consideração as suas relações numa formação coletiva.

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A concepção de educação e Estado para Gramsci é assim descrita por Schlesener (2009, p. 77)

Educar é, portanto, formar para a vida em sociedade, é realizar uma ideia de civilização. Se essa função cabe ao Estado, é necessário explicitar a sua estrutura e conhecer os mecanismos dos quais lança mão para criar e manter um certo tipo de civilização, ou seja, é preciso o papel de instituições como, por exemplo, o direito e a escola (ao lado de outras instituições sociais), no sentido de gerar e consolidar uma determinada forma de convivência social e de relações individuais.

Antes de Gramsci ser preso, em seus escritos políticos, ele já descrevia essa dimensão política da educação como forma de os trabalhadores, no contexto italiano, de compreenderem melhor suas atividades práticas por meio do pensamento e análise, o “dever de educar-se” para “aprofundar a consciência crítica” uma forma de disseminar conhecimentos e experiência sem se deixar levar por influência de intelectuais que não compreendem a realidade e necessidades do operariado.

Naquele contexto, Gramsci faz uma crítica à escola tradicional e expõe outros mecanismos de discussão e crítica das questões culturais como os jornais operários e conselhos de fábrica na intenção de se formar “uma nova ordem social e política.” Surge então, a partir daí críticas ao ensino mecânico, a escola unitária com vistas à conquista da classe trabalhadora, um conceito amplo, uma educação para a autonomia, a educação vista como uma manifestação natural do homem, construída socialmente no decorre de toda a sua vida.

Saviani (2007) argumenta sobre a importância da educação na formação da consciência política do indivíduo.

Entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista - o proletário (...) destaca-se aqui a importância fundamental da educação. (SAVIANI, 2007, p. 3-4)

A educação na formação do conhecimento e no engajamento pela luta política coletiva que a escola no modelo do socialismo se baseia. Assim, o conhecimento é definido por Sabóia (1990, p. 41) inspirada nas contribuições de Gramsci:

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O conhecimento na teoria gramsciana é luta política que se trava na "superestrutura" de um determinado "bloco histórico". É hegemonia. E hegemonia é filosofia; conhecimento, além de ação, por isso é a conquista de um novo nível de cultura. É a descoberta de coisas que não se conhecia e o esforço do desvendar, por dentro, a concepção de mundo de um determinado grupo social, de uma dada sociedade. (SABÓIA, 1990, p. 47-8)

Dessa forma, a educação se apresenta como interação com os outros, na compreensão dessas relações em determinado momento histórico e de suas transformações históricas, manifestando-se na formação de sujeitos capazes e ativos, prontos para organizar mudanças sociais realmente significativas. Educação que dê subsídios na formação de sujeitos que desenvolvam uma nova consciência crítica, com uma nova forma de entender os conflitos de classe, conscientizados politicamente, capazes de superar o conformismo e o senso-comum. Mas, quando essas relações inexistem ou atuam de maneira fragmentada, a educação tende a manter e reforçar a hegemonia da classe dominante, nesse sentido a afirmação gramsciana que “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica.” (SCHLESENER, 2009, p. 79)

A questão pedagógica não apresenta um sentido acadêmico ou institucional, mas no sentido de educação, do conhecimento, da política. A educação como um “desdobramento da teoria política e não simples teoria pedagógica.” (id. ibid.) Significa que a educação como que para atender uma hegemonia necessita conhecer a organização cultural, as concepções de mundo existentes pela população e atividades das instituições culturais do local, isto considerando basicamente o período histórico da sociedade em questão. Não sendo possível fazer apenas uma análise da estrutura e superestrutura de maneira isolada, pois para Gramsci, a formação estrutural da sociedade compõe-se de estrutura (econômico e social) e superestrutura (político e ideológico).

Explicitar o conceito de educação implica em compreender a noção de Estado e a sua estrutura, referindo-se aqui ao estado burguês, bem como, entender as relações de forças existentes e seu percurso histórico, enfim, identificar o papel do Estado como “seu caráter educador” como diria Gramsci como “mantenedor de uma cultura e de relações de hegemonia.” (SCHLESENER, 2009, p. 80) Esse caráter “educador” não educa, mas inculca valores que são ditos sob a força de uma ideologia dominante por meio da coerção e consenso, onde a classe dominada se submete e aceita os valores como se fossem seus, é a

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submissão, o surgimento da minoria hegemônica, mas com grande potencial, a classe dominante com uma força de poder de neutralizar a classe dominada pelo domínio e direção. Sendo assim, pensar na escola significa necessariamente discutir a hegemonia, a cultura e o conhecimento, elementos necessários para se construir uma instituição amparada no anseio de formar uma nova cultura, que venha de encontro aos interesses burgueses e do pensamento liberal, mas venha ao encontro de um novo modelo de sociedade preocupada na formação de um sujeito preparado para o pleno exercício da “autonomia e da liberdade”. (id., p. 82)

Essa é a hegemonia que deve ser conquistada pela classe trabalhadora a partir da construção de novas relações sociais e políticas e o conhecimento da estrutura do Estado moderno, o que para Gramsci é a sociedade política e a sociedade civil, e não apenas a supremacia da primeira. Atuando de forma em que o não conformismo seja a energia para novas formas de agir e reagir diante das necessidades vividas pela grande maioria – o proletariado.

O Estado, ao desempenhar o seu papel de implementar um projeto econômico e político, consequentemente desenvolve uma função educativa de adequar os indivíduos às exigências da produção na sociedade capitalista, isto é, a política manifesta-se pela relação com a educação e a cultura e toda ação que vise concretizar um projeto político precisa considerar a questão da formação do homem. Por isso que, ao se pensar em educação necessariamente se busca na política os pontos de interesse que se almeja alcançar com essa educação.

Gramsci na sua crítica ao ensino formal mostra a relação hierárquica existente entre quem ensina e quem aprende, o cotidiano escolar caracterizado pela submissão de muitos e controle da minoria, com o objetivo que reforçar e enaltecer os interesses da sociedade capitalista, isso feito com a inculcação de valores que não beneficiam a massa trabalhadora, mas reforçam a ideologia, uma homogeneização na forma de pensar.

Diante do cenário caracterizado pelo jogo de interesses econômicos e políticos, reforçado por uma ideologia que concretiza ainda mais a hegemonia da classe dominante na sociedade capitalista é que se faz necessário se pensar numa nova forma de refletir sobre a educação num modelo diferente do vivido. Essas iniciativas pessoais e transferíveis, pois os interesses na perspectiva que contraria a exploração da força de trabalho e a distribuição desigual dos bens de produção, não devem ser interesses apenas na esfera individual, mas

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anseio de todo o grupo social que vive ludibriado pelo senso comum. Isso significa formar um novo homem, para uma nova civilização e como diz Schlesener (2009, p. 94):

Intensificar o processo de educação das massas significa aprofundar a sua consciência política, isto é, evidenciar a extensão e o trabalho pedagógico no conjunto da estrutura social. A questão da educação, para os trabalhadores, é um problema de construir as condições de liberdade para todos (...) redimensionar o saber na sua relação com a prática e na sua dinamicidade são objetivos comuns para as classes subalternas e poderiam dar um novo significado ao processo de formação escolar.

Uma educação que dinamize teoria e prática para uma nova consciência política e uma nova estrutura social, uma educação em uma instituição articulada com o projeto político para a transformação social. Para essa educação, é necessário se pensar que homem se desejar ter e qual o conceito de homem se tem. Mais necessário ainda, é ver o homem para essa nova civilização não como um homem singular ou um homem geral, mas sim, um homem concreto, este visto sob uma perspectiva histórica. E isso significa compreender o homem como fruto das suas relações, melhor ainda, como afirmava Gramsci “o homem é um processo, precisamente o processo de seus atos.” (GRAMSCI, 1978, p. 38)

Nesse aspecto o papel definitivo da educação e da política, pois cada modelo de sociedade forma um homem e falar em educação significa pensar em um processo contínuo ao longo da vida, como Gramsci afirmava “todo o indivíduo é não somente a síntese das relações existentes, mas também da história destas relações, isto é, o resumo de todo o passado.” (id. p. 40) Para ele, a escola não é o principal meio de educação para a classe trabalhadora, a educação é um processo de formação política.

Compreender o movimento histórico do Estado, as relações sociais da contemporaneidade e a necessidade de fomentar uma formação da consciência crítica dos indivíduos mostram-se como frutos do conhecimento, um compromisso da educação com a sociedade e da atuação do Estado diante da Instituição escolar. Assim, Schlesener (2007, p. 180) define a educação como sendo “um desdobramento da política e implica a compreensão dos projetos sociais que as classes sociais pretendem conservar ou instaurar.”

Posteriormente, a autora explana sobre educação como sendo um conhecimento produzido historicamente, mostrando que a história é elemento necessário para compreender o presente tomando por base de reflexão o que foi construído no passado pelas sociedades.

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À escola cabe mostrar que este homem concreto é fruto da história e isso é possível por meio de uma educação crítica. Pensar na educação implica entender que, nos escritos de Gramsci, esta questão apresenta-se como elemento do conjunto de sua teoria política no processo de formação do homem para um determinado modelo de sociedade, um homem integral.

Contrapondo-se ao pensamento gramsciano sobre educação, Estado e política e que por tal razão merece ser intensamente discutido, é de como a escola tem se mostrado nos dias atuais, de que forma ela enfrenta os conflitos inerentes a coletividade, enfim, como a escola que conhecemos hoje encara esses desafios e a que proposta ela se disponibiliza em atender. Na opinião de Schlesener (2007, p. 180) a escola é como o Estado: “Assim como o Estado, a escola é o espaço de concentração de múltiplos conflitos que permeiam a sociedade, e muitas vezes não consegue gerir tais problemas, perdendo a expectativa de seus próprios objetivos.”

Essa escola permeada por uma nova realidade social, econômica e política, repleta de conflitos também se mostra como um espaço que necessita assumir o compromisso social: formar para o trabalho e, principalmente dar acesso ao saber historicamente construído, assumindo o papel de formação cultural, na concepção de uma forma de pensar autônoma do sujeito. Sobre a importância da cultura Saviani expõe que a cultura é instrumento necessário para a participação política das camadas populares. Assim, “se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. (SAVIANI, 1996, p.66) Dessa forma, as classes populares estarão fortalecidas politicamente.

No projeto socialista o objetivo é criar uma vida coletiva, renovar a individualidade, oposto do praticado hoje na sociedade do consumo e acúmulo de capital. No contexto capitalista, a escola também é determinada socialmente, e cabe frisar que na sociedade baseada na produção capitalista e o conflito entre as classes sociais, o papel da cultura e da escola em especial, passa a ser o de assumir a responsabilidade vital que é a formação para a participação política. A instituição escolar passa a se constituir como um espaço para democratização de valores comuns a todos.

Para Schlesener (2009) a educação no pensamento gramsciano consistiria no “processo de formação de uma concepção crítica e histórica da realidade, que se caracterizaria pela formação de uma identidade de classe que traduziria em uma nova individualidade

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consciente e participativa.” É o desejo de conceber um novo homem para uma nova sociedade.

Considerações Finais

A concepção de educação, em Gramsci, refere-se a um contexto mais amplo de instituição da política e de consolidação de um modelo de civilização que atenda aos interesses de uma determinada política em uma determinada sociedade. Sendo assim, qualquer Estado tem uma função educadora, ao passo que orienta e convence os indivíduos a uma determinada estrutura social e cultural.

Mesmo que Gramsci faça uso de suas experiências históricas da sociedade capitalista da década de 1920, contexto em que os operários necessitavam se mobilizar e formar uma consciência crítica a partir de sua realidade rumo ao socialismo, suas reflexões continuam atuais, pois evidenciam as deficiências da sociedade atual no que diz respeito a educação a serviço do capitalismo.

O pensamento gramsciano constitui-se num novo modelo de sociedade, um novo Estado, educação e homem, ao fazer uma análise crítica à política italiana propõe construção por novas relações coletivas e de consciência crítica, com o objetivo de permitir a efetiva liberdade de cada um no conjunto da vida coletiva. Seu pensamento e seus escritos apresentam-se hoje como uma contribuição inovadora para a compreensão da estrutura do Estado e da educação.

A concepção de educação em Gramsci permite analisar o papel da educação hoje, da escola como esta se apresenta, uma instituição que precariamente consegue dar conta de alfabetizar e, em alguns momentos proporciona condições mínimas de formação para o emprego e praticamente nenhum acesso a cultura, com exceção à cultura tradicional, representatividade que a classe dominante delega às escolas com a divulgação de uma cultura que vem dar ainda mais consistência a hegemonia burguesa.

A escola, para massa trabalhadora, necessita contribuir para a formação da individualidade desenvolvendo não só as capacidades necessárias para desempenhar uma função no modo de produção capitalista, mas para a participação política em ações eficientes para a vida coletiva.

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Nesse contexto, exige-se uma escola com uma significativa reformulação de métodos e conteúdos, no intuito de torná-la um prolongamento da vida comunitária, ou seja, trata-se de lutar por uma escola que responda aos mínimos objetivos sociais e que discuta problemas concretos, mantendo uma relação viva com a vida social e política, não separando os interesses da sociedade civil da sociedade política.

REFERÊNCIAS

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_____. Os intelectuais e organização da cultura. 2ª ed. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 2ª ed. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

JESUS, Antônio Tavares de. O pensamento e a prática escolar de Gramsci. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 2005.

SABÓIA, Beatriz. A Filosofia Gramsciana e a Educação. Revista Em Aberto, Brasilia, nº 45, ano 9, p. 46-56, jan-mar 1990.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 17ª ed. Campinas: Autores Associados, 2007.

_____. Escola e Democracia: polêmicas do nosso tempo. 30ª ed. Campinas: Autores Associados, 1996.

SCHLESENER, Anita Helena. A Escola de Leonardo – política e educação nos escritos de Gramsci. Brasília: Liber Livro, 2009.

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