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IDEIAS CRUZADAS: OS ESTADOS UNIDOS E O PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO ( )

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IDEIAS CRUZADAS: OS ESTADOS UNIDOS

E O PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO (1945-1964)

K

ellen

B

ammann

Dda. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS kbammann@gmail.com

Resumo

O presente artigo procura refletir sobre o caminho percorrido pelo pesquisador afim de problematizar a hipótese de trabalho que esta sendo desenvolvida no doutorado. Desta forma, este artigo tem como objetivo problematizar as percepções dos intelectuais brasileiros em relação a influência dos Estados Unidos no cenário brasileiro entre 1945-1964, momento no qual se dá uma virada interpretativa em relação a produção intelectual que se debruça sobre a influência dos Estados Unidos na trajetória nacional.

Palavras-chave: Brasil – Intelectuais Brasileiros – Estados Unidos.

O Brasil tem sua trajetória vinculada ao continente americano. Ao longo do século XX, o intercâmbio de ideais entre as nações do continente foi uma constante. Desse modo, as referencias aos Estados Unidos são uma constante nas obras dos intérpretes brasileiros.

Desde o início do século passado, os intelectuais observaram a escalada dos Estados Unidos ao posto de potência hemisférica e, nos anos do pós-Segunda Guerra Mundial, à global. Conforme os Estados Unidos galgavam notoriedade no âmbito das decisões políticas, econômicas e na cena cultural a sua atuação dividiu a produção brasileira entre admiradores e críticos de suas ações. O Barão de Rio Branco escreveria que “Washington despertava tanto manifestações de apreço e amizade, quanto de censura e repúdio” (RIO BRANCO, 2002: 131).

De acordo com tal produção, a significação contínua da influência americana se fez presente, de forma recorrente, na trajetória do pensamento social. Assim sendo, despertou por aqui tomadas de posição ora pró, ora antiamericanas pelos intelectuais.

Assim sendo, tem-se como hipótese de trabalho que uma dicotomia se revelou com a chegada dos anos do segundo pós-guerra, momento no qual os admiradores dos Estados Unidos perdem espaço. O vizinho do norte passa a ser percebido predominantemente como entrave ao desenvolvimento nacional e o responsável pelo atraso estrutural brasileiro.

A parir desta perspectiva pretende-se problematizar as percepções dos intelectuais em relação a influência dos Estados Unidos no cenário brasileiro entre 1945-1964, momento no qual se dá a virada interpretativa referente a produção intelectual brasileira que se debruça sobre a influência dos Estados Unidos na trajetória do nosso país.

Na transição do Império para a República, de um lado, intelectuais brasileiros acusaram os Estados Unidos de influência negativa, de transportar seu modelo de república e de interferir, segundo seus interesses, no desenvolvimento nacional.

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americanos no país surgiu com a Inconfidência Mineira em 1789, e com a chegada da República e a Constituição de 1891 tais ideais ganharam força (OLIVEIRA, 2000).

De acordo com esta perspectiva, Eduardo Prado escreve A Ilusão Americana (1893). A obra de Prado é considerada, atualmente, como um dos grandes momentos da campanha restauradora. Seu texto enaltece o artificialismo da implementação do regime republicano no Brasil, ao mesmo tempo em que procura despertar a nação brasileira para o ensaio da supremacia americana no hemisfério que se coloca em oposição à hegemonia inglesa, esta última defendida pelo autor.

Em sua obra, argumenta que os dois países, Brasil e Estados Unidos, nada tem em comum e se acham separados “não só pela grande distância, como pela raça, pela religião, pela índole, pela língua, pela história e pelas tradições do povo” (PRADO, 2001:31). Ao mesmo tempo em que atesta que as fórmulas americanas não são adequadas a realidade nacional, acusa os Estados Unidos de serem egoístas e, outras vezes, submissos segundo os interesses da ocasião (2001:92). Questiona os supostos privilégios comerciais oferecidos ao nosso país, procurando os motivos da “gratidão sentimental” que os “homens de estado” e a “imprensa brasileira” cultivam ao defenderem os Estados Unidos como nosso “protetor nato”, “fazendo do Rio de Janeiro o vassalo e de Washington o suserano” (2001:122).

Para Lúcia Lipp de Oliveira e Aldo Rebelo a obra de Eduardo Prado foi a ata inaugural de uma corrente histórica que defende a espoliação do Brasil pelos Estados Unidos.

Na mesma linha argumentativa, Joaquim Nabuco, crítico feroz à intervenção estrangeira, publica em 1894 uma reunião de artigos sob o título A intervenção estrangeira durante a Revolta de 1893. Ao longo dos artigos acusa a incipiente República de facilitar a “intervenção da força e da diplomacia estrangeira em benefício não só dos nacionais, mas também e principalmente dos estrangeiros” (NABUCO,1949:128). Para Ângela Alonso, a obra de Joaquim Nabuco procurou execrar o estilo de vida dos novos-ricos republicanos, o seu americanismo, o seu militarismo (ALONSO, 2009:65).

Por sua vez, de outro lado, intelectuais brasileiros defenderam os Estados Unidos como modelo de organização política, centro irradiador de saber e parceiro comercial às aspirações nacionais. Nesse sentido, Manuel de Oliveira Lima escreveu Nos estados Unidos (1899). Obra que destaca a especial amizade que os Estados Unidos guardam em relação ao Brasil (LIMA,1899). O autor, deslumbrado com o modelo republicano, com suas instituições democráticas e com seu crescimento econômico, procura estreitar a aliança entre os dois países. O alinhamento aos Estados Unidos seria, assim, uma fórmula capaz de promover a prosperidade nacional.

Oliveira Viana e Azevedo Amaral, intelectuais que se debruçaram sobre os problemas dos anos iniciais da República, estão, também, entre os que apreciaram aspectos específicos da vida americana, sua organização política e sua prosperidade econômica.

Já Monteiro Lobato, fascinado com o pragmatismo americano, escreveu América (1932) (LOBATO,1966). De acordo com Moniz Bandeira e Lúcia Lipp de Oliveira, nas obras de Monteiro Lobato, Gilberto Amado e Anísio Teixeira, a vida americana apareceu como sendo capaz de tirar o Brasil da apatia em que se encontrava (BANDEIRA,1973:209).

Conclui-se que, no período de transição do Império para a República, a produção brasileira se dividiu entre os intelectuais que se afinavam e os que não se afinavam com os Estados Unidos como modelo à jovem República. A influência dos Estados Unidos apareceu vinculada ao debate de consolidação da República. O debate se deu em torno das questões relacionadas ao contexto interno, a procura de soluções pelos intelectuais às mazelas da nação. Bernardo Ricupero esclarece que desde a independência a questão fundamental para o Brasil era afirmar sua individualidade enquanto nação, nesse caminho acabou por subestimar a importância da relação do país com o resto do mundo (RICUPERO,2009).

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tintas. Em oposição as produções anteriores, os intelectuais passaram a se preocupar tanto com as características internas constitutivas da nossa sociedade, quanto com a inserção do país no cenário mundial. A obra de Caio Prado Júnior, Evolução política do Brasil (1942), inaugura uma virada interpretativa que associa as mazelas da nação ao seu lugar na arena internacional.

Tal virada é fruto de um cenário no qual os Estados Unidos passam a ser reconhecidos como potência hegemônica global e único credor do cenário do pós-Segunda Guerra Mundial. Soma-se a nova ordem internacional do pós-guerra orquestrada pelos Estados Unidos, a grande aceitação da obra marxista de Caio Prado Júnior e a crescente circulação das recém lançadas teses da CEPAL (Comissão econômica para a América Latina e o Caribe).

Esse novo contexto é o responsável por alavancar a virada interpretativa, que passa a estudar o desenvolvimento do Brasil vinculado ao seu lugar na cena internacional. Essa é, portanto, a soma responsável por alterar a perspectiva de análise da influência americana no Brasil nos anos do segundo pós-guerra. Como sustenta Ricupero, com Evolução política do Brasil e as demais obras de Caio Prado Júnior, então, associadas aos estudos da CEPAL e as teses da teoria da dependência sustentaram um novo clima de opinião. Muda, portanto, a perspectiva de análise, já que não se pode mais subestimar a importância da relação do país com o resto do mundo (2009: 237).

Esse novo panorama de produção conduz os intelectuais a identificar em suas obras cada vez mais os Estados Unidos como responsáveis pelo atraso estrutural do Brasil.

De acordo com a teoria da dependência, o sistema centro-periferia se referia à forma particular pela qual os países em desenvolvimento, o Brasil, se vinculava economicamente aos desenvolvidos, os Estados Unidos. Neste sistema, caberia ao Brasil, enquanto parte da periferia, o papel específico de produzir alimentos e matérias-primas para o grande centro industrial. De acordo com essa interpretação, a divisão internacional do trabalho provocava, desde os primeiros estágios do capitalismo industrial, a disparidade crescente entre países ricos e pobres, isto é, entre centro e periferia.

Desta forma, como argumenta Luís Fernando Ayerbe, o subdesenvolvimento dos países latino-americanos foi atribuído pelos seus intelectuais à exploração dos países capitalistas avançados, especialmente os Estados Unidos, cuja política do pós-guerra era a de consolidar um sistema global que pudesse garantir tanto seu acesso aos mercados produtores de matérias-primas, quanto aos interesses da economia privada em mercados consumidores para os produtos americanos (AYERBE, 2012). Nesse sentido, a intervenção dos Estados Unidos teria sido impulsionada pela meta de assegurar uma região atrasada para as economias capitalistas de estados que o país esperava reconstruir na Europa Ocidental e no Japão.

A perspectiva dos Estados Unidos como entrave ao desenvolvimento brasileiro, largamente aceita no meio intelectual brasileiro, possui fundamentos em modelos socioeconômicos que relacionaram a dependência estrutural do Brasil aos Estados Unidos. Desse modo, o desenvolvimento do Brasil passa a ser amplamente analisado em relação à própria trajetória histórica da região, reservando especial atenção para a hegemonia do vizinho do norte.

A perspectiva de análise dos intelectuais brasileiros se altera, portanto, nos anos do segundo pós-guerra. A virada é fruto de um novo cenário de produção de saber, que associa diretamente o desenvolvimento do país a construção da nova ordem mundial dirigida pelos Estados Unidos.

De acordo com Antônio Pedro Tota, os estudos sobre a influência dos Estados Unidos, nos anos do pós-guerra, passam a ser associados diretamente ao atraso estrutural do país. O gigante do norte é visto como o grande perigo destruidor da nossa cultura e o responsável por atravancar nosso desenvolvimento (TOTA, 2000).

O autor corrobora a tese de que a grande maioria das análises interpretativas sobre a conduta do país nos anos do pós-guerra aparece como reflexo dos acontecimentos da arena

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internacional. As discussões enfatizam, sobretudo, o viés econômico das relações entre o país e seu principal mercado consumidor, os Estados Unidos. Desse modo, as práticas da política externa brasileira são associadas ao alinhamento sistemático à política externa americana.

Como afirma Antônio Pedro Tota, os estudos sobre a americanização no país, em sua maioria, são associados à modernização do mesmo e se dividem em duas correntes. Ora o fenômeno é interpretado como um grande perigo destruidor da nossa cultura, influenciando-a negativamente; ora, de forma oposta, é visto como uma força capaz de tirar o país de uma letargia cultural e econômica, modernizando a sociedade brasileira.

Segundo o autor referido, os expoentes da corrente que interpreta a americanização como responsável por destruir nossa cultura possui um arsenal teórico herdado do marxismo. Seus argumentos são fundamentados em modelos socioeconômicos que relacionam, quase sempre, a dependência cultural à economia. Para esses autores, os laços entre cultura e dependência econômica são bastante evidentes nas análises. Em inferior aceitação, circulam obras de autores que se “apaixonaram” pela via americana como saída para o nosso atraso.

A obra de Pedro Tota intitulada O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra determina, ainda, o início do processo de americanização da sociedade brasileira em meados de 1942. Em seu estudo, evidencia o uso pedagógico dos meios de comunicação sob o comando da Office of Coordinator of Inter-American Affairs no processo de americanização no Brasil. Afirma a existência de ações deliberadas e planejadas visando a um objetivo: americanizar o Brasil durante o período da Segunda Guerra. Nas palavras do autor, “a americanização do Brasil foi obra de um Estados Unidos mais interessado em manter o continente como parte de seu mercado”(2000:42).

O autor dialoga com as interpretações de Noam Chomsky sobre o interesse dos Estados Unidos na América Latina e, em especial, no Brasil. Para Chomsky, a política do pós-guerra foi consolidar um sistema global que pudesse servir aos Estados Unidos, garantindo tanto seu acesso aos mercados produtores de matérias-primas, quanto aos interesses da economia privada em mercados consumidores para os produtos estadunidenses. Nesse sentido, a intervenção dos Estados Unidos no terceiro mundo foi impulsionada pela meta de assegurar uma região atrasada para as economias capitalistas de estados que o país esperava reconstruir na Europa Ocidental e no Japão.

Acompanhando o estudo de Tota é possível inserir a obra de Nelson Werneck Sodré na matriz teórica marxista, verificando, assim, os laços entre dependência econômica e cultural dos Estados Unidos. Ou seja, em seus trabalhos, Sodré sustenta o estabelecimento da relação de dependência entre produção da cultura de massa no Brasil e desenvolvimento das relações capitalistas no país.

Desta forma, para o autor, a imprensa organizada em grandes corporações guarda “estranha vulnerabilidade” por estar associada ao desenvolvimento das relações socioeconômicas obedecendo a interesses de empresas internacionais. Desse modo, o desenvolvimento das relações capitalistas apresenta deformações e cria servidões, no domínio da cultura, onde os meios de comunicação são meros instrumentos; não são geradores das estruturas, mas resultado delas, servidores delas.

Em seu estudo, Sodré alega que por trás dos conglomerados de imprensa se articulam interesses econômicos de empresas internacionais, alheios aos interesses nacionais. Nesse sentido, defende que a investigação histórica deve preocupar-se em verificar a que servem tais instrumentos, colocando em primeiro plano o estudo da estrutura socioeconômica da sociedade brasileira.

De acordo com esta interpretação, a obra intitulada A hegemonia dos Estados Unidos e o subdesenvolvimento da América Latina (1969) de Celso Furtado analisa o papel hegemônico dos Estados Unidos na condução do desenvolvimento do Brasil e dos países da América Latina (FURTADO,1975). De acordo com o Furtado, a localização e a trajetória história da região demonstra que “os países da América Latina ocupam uma situação particular, em razão

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da peculiaridade de suas relações com os Estados Unidos” (1975:21). Sendo à área latino-americana “o círculo mais interno da zona de influência dos Estados Unidos, é natural que a ação tutelar deste país se exerça de forma exemplar” (1975:38).

Para Celso Furtado a divisão do mundo em esferas no pós-guerra deve ser interpretada “como sistemas de dominação econômica, os quais reduzem a liberdade desses países para adaptar as próprias estruturas às exigências de uma política de desenvolvimento” (1975:84). Em consequência, a busca da autodeterminação foi prejudicada, na medida em que os Estados Unidos exigiram crescente alienação da soberania por parte dos governos nacionais. Para o autor a hegemonia dos Estados Unidos na América Latina constituiu-se, portanto, sério obstáculo ao desenvolvimento da maioria dos países da região.

Seguindo esta argumentação, em Imperialismo na América Latina (1968) Octavio Ianni advoga que o Brasil se insere em relação de dependência aos Estados Unidos. O autor procura expor os vínculos entre imperialismo americano, dependência nacional e a massificação da nossa cultura (IANNI,1979:13).

Para Ianni a política imperialista é parte integrante e fundamental “da doutrina da diplomacia total dos Estados Unidos”(1979:39), desde que estes passaram a assumir ampla hegemonia sobre o mundo capitalista no século XX. A política do imperialismo cultural americano aparece “relacionada com a necessidade de preservar e aperfeiçoar a compreensão da solidariedade dos interesses econômicos, políticos e militares dos Estados Unidos e países latino-americanos”(1979:55).

No mesmo sentido, Moniz Bandeira em Presença dos Estados Unidos no Brasil (1973) evidencia o laço entre dependência econômica e cultural. O autor afirma a submissão do Brasil à hegemonia dos Estados Unidos através das relações econômicas entre os dois países. Sustenta que, no Brasil, a “penetração econômica e militar atingiu a superestrutura da sociedade, modificou hábitos e costumes, padrões de comportamento, consciência e linguagem” (1973:309). Para Bandeira a imposição do Americam way of life foi defendida nas políticas de governo que acompanharam a ascensão da burguesia no país.

Gerson Moura em Tio Sam: a penetração cultural americana (1984) desenvolve as teses do imperialismo elaboradas por Octavio Ianni e sustentadas por Moniz Bandeira. Moura argumenta que a difusão da cultura americana no país “obedeceu a um planejamento cuidadoso de penetração ideológica e conquista de mercado” (MOURA,1988:11). A penetração, portanto, fazia parte de uma estratégia que procurava assegurar o alinhamento político e a exploração dos mercados brasileiros pelos Estados Unidos.

A análise de Moura evidencia a penetração americana entre os anos 1941 e 1946, anos de duração do Birô Interamericano (Office for the Coordination of Inter American Affairs) em que o Brasil foi vítima da “invasão de missões de boa vontade” (1988:74). Para o autor a hegemonia praticada pelos Estados Unidos demarcou os passos do nosso desenvolvimento em nome da modernidade.

Em A invasão cultural norte-americana (1988) Júlia Falivene Alves corrobora a interpretação de Gerson Moura. Para a autora, ao mesmo tempo em que a penetração americana funcionou como um perigo destruidor fechando “amplos espaços para a criatividade e produção cultural mais ligada à nossa brasilidade”(ALVES,1988), também foi fruto de um “planejamento cuidadosamente elaborado pelo governo dos Estados Unidos”(1988:23), nos anos em que se perpetuaram os Birôs de cooperação entre os dois países.

A autora citada, em sua obra ratifica a posição imperialista que os Estados Unidos exercem sobre o país, embasa sua tese na teoria da dependência Cepalina, para a qual o Brasil exerce o papel de exportador de matérias-primas e importador de manufaturados, tecnologia e capitais do país dominador, os Estados Unidos. Reafirma, assim, que os Estados Unidos “vão se tornando, a partir da Doutrina Monroe, uma república imperialista” (1988:36).

Portanto, nas décadas de 1970 a 1980, as produções que sustentam a influência dos Estados Unidos como nefasta se tornaram predominantes. De acordo com Jurandir Malerba,

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o viés de resistência ao imperialismo norte-americano não estava necessariamente presente nas primeiras formulações da teoria da dependência, mas estas serviram para impulsionar tal posicionamento nas décadas seguintes.

Assim, ao analisar a trajetória da historiografia latino-americana nas décadas de 1970 até finais de 1980, Malerba esclarece que toda a rica história social e econômica praticada foi alicerçada, em maior ou menor escala, nos suportes teóricos metodológicos da tradição marxista (MALERBA,2009:41).

A partir da perspectiva através da qual as sucessivas interpretações de intelectuais brasileiros puderam ser formuladas em dados momentos da história em consonância ou contraste com o passado, é possível identificar a existência de uma acentuada dicotomia que permeia a história da história dos Estados Unidos no Brasil. Tal dicotomia esteve presente ao longo da trajetória nacional.

No momento da transição do Império para a República a produção brasileira se dividiu entre os partidários dos Estados Unidos como modelo à jovem República e os defensores da restauração monárquica. Como sustenta Teresa Maria Malatian, a aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos foi uma constante desde o reconhecimento da República, ora no sentido de um entendimento que garantisse as instituições republicanas e a garantia de mercados para as agroexportações brasileiras, ora como um perigo para a autonomia nacional (MALATIAN, 2008:499).

Com a chegada do segundo pós-guerra, nos anos de 1945-1964, foi possível identificar, até altura da pesquisa, a ocorrência de uma virada interpretativa, na qual as visões antiamericanas se tornam predominantes, como destaca Aldo Rebelo (REBELO,2000).

Essa virada interpretativa foi provocada por uma proposição conjetural, que reúne ao estudo das mazelas nacionais a posição do Brasil no cenário mundial. Essa interpretação é fruto de um novo cenário de produção de saber, que associa diretamente a construção da nova ordem mundial a produção de teorias explicativas orgânicas brasileiros (interpretações marxistas ancoradas nas obras de Caio Prado Júnior; e da larga aceitação das teses Cepalinas, da teoria da dependência).

Nesse momento, os Estados Unidos passam a ser percebidos, cada vez mais, como entrave ao desenvolvimento nacional. Como o grande responsável pelo atraso estrutural brasileiro.

Assim sendo, nas décadas de 1970 e 1980, a corrente que acusa os Estados Unidos de imperialismo econômico e cultural encontrou terreno fértil para prosperar e dominou as produções acadêmicas com grande margem de vantagem.

REFERÊNCIAS:

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