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Estilos musicais A mistura mineira do Clube da Esquina

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Academic year: 2021

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Estilos musicais

A mistura mineira do Clube da Esquina

udo começou em 1963, em Belo Horizonte. O cantor, compositor e instrumentista Milton Nascimento (na foto, primeiro à esquerda) tinha acabado de chegar de Três Pontas, onde tocava na banda W’s Boys com o pianista Wagner Tiso, e foi morar numa pensão no Edifício Levy, na cinzenta Avenida Amazonas, no centro da cidade. Lá, em outro apartamento, viviam os irmãos Borges – doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com o mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade também com Márcio (segundo) e com o pequeno Lô (quarto), de apenas dez anos de idade, que desceu certa vez as escadas do prédio para ver de quem era aquela voz e aquele violão que o encantavam.

Os encontros entre Milton e os dois irmãos eram sempre no quarto dos Borges, em noites regadas a batida de limão. Márcio tornou-se o letrista das primeiras composições de Milton, Novena, Gira Girou e

Crença, criadas em 1964. Enquanto isso, Lô

estudava harmonia com o guitarrista Toninho Horta (quinto) e devorava discos dos Beatles com outro menino, Beto Guedes, filho do

seresteiro Godofredo Guedes, que tinha vindo de Montes Claros. Juntos, os dois meninos que haviam se conhecido por causa de um patinete, montaram a banda The Beavers, inspirada no quarteto inglês. Assim surgia o embrião do Clube da Esquina. A troca de ideias avançou pelas noites no bar Saloom e nas sessões no Cineclube SEC.

Enquanto isso, Milton Nascimento, o grande aglutinador dessa cena, continuava cantando na noite e compondo. Em 1966, tirou o quarto lugar no Festival Nacional de Música Popular da TV Excelsior de São Paulo cantando Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire. No mesmo ano, Elis Regina gravou uma música de Milton, Canção do Sal. Em 1967, inscritas à sua revelia pelo cantor Agostinho dos Santos, três músicas suas acabaram vingando no II Festival Internacional da Canção: Travessia em segundo lugar, Morro Velho em sétimo e

Maria, Minha Fé, que ficou entre as 15

finalistas. Era o começo do estrelato para Milton Nascimento, que logo foi apresentado aos americanos com o disco Courage (1968), gravado por lá com arranjos de Eumir Deodato.

JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira Web: www.casadobrasil.com.uy | Mail: jornal@casadobrasil.com.uy |

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Enquanto isso, a turma de músicos mineiros reunida por Milton e os Borges não parava de crescer, com a chegada de Flávio Venturini, Vermelho e Tavinho Moura, que apresentou muitas das canções folclóricas mineiras que Milton gravaria em Gerais (1976). Eles se apresentavam em shows chamados Fio da

Navalha com Lô Borges, Beto Guedes e

Toninho Horta. Faltava apenas batizar essa reunião de músicos. Um dia, na esquina da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, no bucólico bairro de Santa Teresa, Milton e os irmãos Borges fundaram o Clube da Esquina, irmandade unida no interesse por música, política, amizade e uma cachacinha das boas. O nome foi ideia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão". Em comum entre os integrantes, a origem de classe média, o grande interesse por assuntos culturais e políticos e a disposição de privilegiar os temas sociais em detrimento do amor nas letras. Antes mesmo que se formalizasse um movimento (que, de acordo com seus integrantes, nunca se formalizou), Milton e Lô Borges entraram em 1972 nos estúdios da EMI para gravar o primeiro Clube da Esquina. Com uma capa que trazia apenas a foto de dois meninos, um preto e um branco, na beira de uma estrada em Nova Friburgo, o LP apresentou ao país a alquimia sonora gestada por aquele grupo de mineiros, ao qual se agregaram ainda o letrista Ronaldo Bastos (terceiro) e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso): bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo, tudo reunido numa música original, de apelo universal e grande força poética. Canções como O Trem Azul (de Lô e Ronaldo, regravada por ninguém menos que Tom Jobim em seu último disco, Antônio

Brasileiro), Tudo o que Você Poderia Ser (Lô e

Márcio), Nada Será Como Antes e Cais (ambas de Milton e Ronaldo) foram o marco zero para aquele que foi um movimento musical tão importante quanto a Tropicália. Logo, cada um dos sócios do Clube estaria seguindo o seu caminho, lançando seus próprios discos – Beto Guedes rachou um LP

com Novelli, Danilo Caymmi e Toninho Horta e em seguida fez A Página do Relâmpago

Elétrico e Amor de Índio. Lô Borges gravou os

elogiados Lô Borges e Via Láctea. Flávio Venturini foi para O Terço, banda que lançou discos mais voltados para o rock progressivo e depois daria origem ao pop 14 Bis (de Vermelho e Magrão). Wagner Tiso, por sua vez, partiu para a carreira solo instrumental e Tavito (que era do Som Imaginário) lançou-se como cantor e compositor (e teve os sucessos Casa no Campo, parceria com Zé Rodrix, e Rua Ramalhete). Em 1978, Milton Nascimento lançou o disco duplo Clube da

Esquina 2, reunindo a sua velha turma e

alguns novos integrantes. Entraram canções como Nascente (Flávio Venturini e Murilo Antunes), Maria, Maria (Milton e Brant), Tanto (Beto Guedes e Ronaldo Bastos), Pão e Água (os irmãos Borges e Roger Motta), Olho

d´Água (Paulo Jobim e Ronaldo Bastos) e Mistérios (Joyce e Maurício Maestro), Meu Menino (Danilo Caymmi e Ana Terra) e Toshiro (de Novelli). A essa altura, o som por

ele inspirado em Minas tinha dado outros frutos, como o Uakti, banda de experimentalismo radical, que inventou seus próprios instrumentos.

A partir da década de 80, em parte como reação à diluição das ideias do Clube da Esquina, Belo Horizonte viu nascer uma fornada de bandas de rock que em nada pareciam ter sido influenciadas por aqueles músicos: o Sepultura (que, com sua original solução para o heavy metal, tornou-se a banda brasileira de rock mais conhecida no exterior), o Skank, Pato Fu e Jota Quest. Caetano Veloso destacou o papel do movimento mineiro. ―Sem apresentar ruptura com as conquistas da bossa-nova, exibindo especialmente uma continuidade em relação ao samba-jazz carioca, Milton sugeriu uma fusão que – partindo de premissas muito outras e de uma perspectiva brasileira – confluía com a fusion inaugurada por Miles Davis. Essa fusão brasileira desconcertou e apaixonou os próprios seguidores da fusion americana‖, escreveu o baiano no prefácio do livro ―Os sonhos não envelhecem‖, de Márcio Borges.

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Ao pé da letra

Travessia

or volta de 1965, Milton Nascimento se mudou para São Paulo, determinado a seguir a carreira artística. Encontrava-se com Fernando Brant e Márcio Borges de 15 em 15 dias – todo mundo viajando de ônibus nos fins de semana. Milton havia composto Pai Grande e Morro Velho, que chamaram a atenção da cantora Elis Regina. Em 1967, Milton mostrou uma tristonha melodia a Brant. E pediu: ―Queria que você fizesse a letra pra ela‖. Em depoimento, o amigo revelou sua reação: ―Não mexo com isso, não sei, nunca fiz‖. Era coisa para o Marcinho Borges, alegou.

Famoso por sua obstinação, Bituca não desistiu. Propôs o tema: um caixeiro-viajante que passava por uma cidade, namorava por lá, mudava-se para outra e ia deixando amores em seu rastro. Fernando teve outra ideia: cantar o drama de alguém que parte e deixa o outro desesperado. Assim nasceu a primeira parceria entre ambos, Travessia, cujo título seria encontrado no texto do livro

Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa,

mas precisamente em sua última palavra. Esta canção excepcional mostra que Milton já começou fazendo música séria e não apenas música bonita, como analisaria o arranjador Eumir Deodato, em depoimento a Zuza Homem de Mello, em 1968: ―Até hoje não consegui descobrir o impulso rítmico que ele dá às suas músicas. É uma coisa totalmente nova, misteriosa, intrigante e desafiadora‖. Qualificada como ―toada que vem de Minas‖, acabou por se classificar em segundo lugar no II Festival Internacional da Canção (FIC), no Rio de Janeiro, em 1967, proporcionou o prêmio de melhor intérprete a Milton Nascimento e ainda se tornou um clássico. Quando você foi embora

fez-se noite em meu viver forte eu sou mas não tem jeito hoje eu tenho que chorar minha casa não é minha e nem é meu este lugar

estou só e não resisto muito tenho pra falar Solto a voz nas estradas já não quero parar meu caminho é de pedra como posso sonhar sonho feito de brisa vento vem terminar vou fechar o meu pranto vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você eu não quero mais a morte tenho muito que viver vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer já não sonho

hoje faço com meu braço o meu viver

Discos onde ouvir:

Milton Nascimento – (1967)

Agostinho dos Santos – Música Nossa (1967) Elis Regina – Elis (1974)

Luiz Eça & Victor Assis Brasil – No MAC (1993)

Flávio Venturini – Trem Azul (1998) Veja também:

https://youtu.be/kDe3qOhrJLo

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Telinhas e telonas

Império, a novela que vai brilhar

anal 12 estreou a telenovela produzida pela TV Globo, Império, que exibe de segunda a quinta, às 21:30 horas. Final dos anos 1980, bairro carioca de Santa Teresa. O pernambucano José Alfredo (Chay Suede), 22 anos, chegou há dois meses ao Rio de Janeiro ―para tentar a vida na grande cidade‖, mas ainda não arranjou trabalho. Hospedado na casa do irmão Evaldo (Thiago Martins), logo se vê completamente apaixonado pela mulher deste, Eliane (Vanessa Giácomo). A paixão é mútua. A irmã de Eliane, Cora (Marjorie Estiano), candidata a solteirona e ressentida, que vive com o casal, é a primeira a perceber o que está acontecendo. E, já prevendo o desastre, pressiona a irmã a ―acabar com aquela loucura‖. Mas José Alfredo e Eliane já planejam uma fuga para recomeçar uma nova vida juntos. No dia da fuga, Eliane descobre que está grávida, e num plano ardiloso de Cora, acaba abandonando José Alfredo, que decide ―sumir no mundo‖.

Sozinho, José Alfredo parte rumo ao desconhecido e acaba conhecendo o misterioso Sebastião (Reginaldo Faria), que

sugere que ele comece a trabalhar com a exploração de pedras preciosas. Depois de uma passagem pelo Monte Roraima, que culmina com a morte de Sebastião, José Alfredo parte para a Suíça, onde vai conhecer Maria Marta (Adriana Birolli), uma jovem brasileira proveniente de família tradicional decadente. O rapaz vê a possibilidade de ter o seu nome conhecido na alta sociedade e casa-se com ela. José Alfredo também vai conhecer a empresária portuguesa Maria Joaquina (Regina Duarte), que vai infiltrá-lo no mercado de contrabando de pedras preciosas, meio pelo qual o dinheiro aparece mais fácil e rapidamente do que o trabalho lento e honesto, na visão deles.

Anos depois, José Alfredo de Medeiros (Alexandre Nero) é um homem milionário, chamado de Comendador e já divorciado de Maria Marta (Lília Cabral), que dedica a sua vida a infernizar o ex-marido e ter participação ativa nos negócios da joalheria Império, o empreendimento que enriqueceu a família. Os três filhos do ex-casal são a designer de jóias Maria Clara (Andreia Horta), preferida do pai; o ambicioso José Pedro (Caio Blat), preferido da mãe, com

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quem vive armando para tirar o pai do poder; e João Lucas (Daniel Rocha Azevedo), o problemático caçula cujo apego ao pai não impede que este detecte nele todos os sinais de um caráter fraco, indolente e irresponsável. Enquanto isso, José Alfredo se dedica aos negócios e a se encontrar com a amante Maria Ísis (Marina Ruy Barbosa), uma ninfeta projetada pela mãe Magnólia (Zezé Polessa) e pelo pai Severo (Tato Gabus Mendes) a tirar dinheiro de José Alfredo. A queda do império de José Alfredo começa quando seu talismã, um poderoso diamante rosa da África do Sul, símbolo de status e poder, desaparece no Monte Roraima. Em sua visão mística, José Alfredo acredita que tudo vai por água abaixo caso ele não encontre a sua pedra preciosa favorita e se livre de um falso brilhante que ficou no lugar. E uma história do seu passado, que ele julgava morta e enterrada, ressurgirá em sua vida através de Cristina (Leandra Leal), a filha de Eliane (Malu Galli). Influenciada por Cora (Drica Moraes) após a morte dos pais, e para conseguir meios de tirar da cadeia o irmão, que foi responsabilizado por um incêndio no camelódromo onde trabalham, ela exigirá do Comendador um teste de paternidade graças ao qual se tornará o mais novo membro de sua família, para o desespero de Maria Marta e seus filhos.

A novela, que teve como título provisório

Falso Brilhante, foi escrita por Aguinaldo Silva

e teve direção geral de Rogério Gomes. ―A receita é drama, base do folhetim. Resolvi resgatar a origem clássica da novela‖, explica Aguinaldo. ―Tem ingredientes do melodrama e do folhetim que foram sucesso nas novelas.‖

Alexandre Nero, estreando como protagonista, viveu o Comendador José Alfredo de Medeiros, numa brilhante caracterização. Como apoio ao personagem de Nero, outra grande interpretação: Lília Cabral, como a arrogante e espirituosa Maria Marta, a ex-mulher do Comendador. Também merecem destaque os esforços de Leandra Leal, Drica Moraes, Marjorie Estiano, José Mayer, Suzy Rêgo, Zezé Polessa, Tato Gabus

Mendes, Caio Blat, Othon Bastos e Dani Barros. Paulo Betti, Paulo Vilhena e Aílton Graça dividiram opiniões. Muitos torceram o nariz para o histrionismo de Betti, como o jornalista fofoqueiro Téo Pereira; para os o exageros do pintor maluquinho Salvador (de Vilhena); e para a caracterização surreal de Aílton Graça, como a cross-dresser Xana. As primeiras chamadas da novela vendiam Cora, a personagem de Drica Moraes, como a grande vilã de Império. A expectativa também foi grande. Mas, infelizmente, Cora ficou na promessa e acabou se transformando numa vilã cômica, ―pé-de-chinelo‖, com direito a flatulência e fungada em cuecas de marmanjos. Para piorar a situação, Drica Moraes foi afastada da novela por motivos de saúde. Em seu lugar, o autor preferiu trazer de volta Marjorie Estiano, que vivera a personagem na primeira fase da trama, quando Cora era jovem. Aguinaldo Silva mandou a lógica pros ares e não apresentou nenhuma explicação plausível para o repentino rejuvenescimento de Cora – um verdadeiro golpe de realismo fantástico dentro da proposta realista de Império. Marjorie Estiano, por sua vez, apresentou uma Cora mais visceral, que, talvez, tivesse rendido bem mais se tivesse sido ela a intérprete desde o começo.

Além de locações em Petrópolis (no Rio de Janeiro), em Genebra (na Suíça) e Annecy (na França), a equipe de produção e alguns dos principais nomes do elenco gravaram as primeiras cenas no município de Carrancas, no interior de Minas Gerais, que representa na história o Monte Roraima. Ao todo foram três semanas de gravação, com a participação de 130 profissionais, em lugares como a Chapada do Abanador, Gruta da Ponte e Cachoeira do Turco. ―Carrancas tinha um lugar que se assemelhava muito ao Monte Roraima. É o lugar mais alto da serra, é uma floresta de pedra que nos remetia muito ao Monte. Se nós tivéssemos que ficar no Monte Roraima mesmo, seria sol e chuva o tempo todo, sem proteção e defesa. E em Carrancas os lugares conseguem nos dar estrutura para podermos trabalhar‖, explicou o diretor Pedro Vasconcellos.

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Tem fome de que

Todo mundo gosta de acarajé

entro de uma vasilha, a massa feita com feijão fradinho moído, cebola e sal é remexida até atingir o ponto certo. Em seguida, com a ajuda de uma colher especial, pequenas partes da mistura são mergulhadas no azeite de dendê quente. Visivelmente crocantes, os bolinhos são retirados da frigideira e recheados com uma camada de pimenta e generosas porções de vatapá, caruru, camarões fritos e salada de tomates verdes. De mãos habilidosas, nasce uma delícia da gastronomia afro-brasileira: o acarajé.

―O acarajé é um só. O que muda é o toque especial de cada baiana. Mas o grande diferencial é o carinho. Muita gente vem aqui e diz que vai embora mais feliz e curado das tristezas. Essa é a magia do típico acarajé‖, conta Nega Teresa, soteropolitana de 42 anos de idade, 28 deles passados nas ruas de Rio de Janeiro como baiana de acarajé. O ofício é considerado Patrimônio Imaterial Brasileiro pelo Iphan. Só no Estado do Rio, o instituto identificou, nos últimos cinco anos, 81 baianas (e baianos) de acarajé. Mas, esse número pode ser maior. Mônica da Costa, assessora de patrimônio imaterial do Iphan no Rio, diz que o próximo passo é fazer, com a ajuda das prefeituras, um mapeamento mais detalhado das baianas que atuam em todo o interior do estado. ―Sabemos que existem mais baianas de acarajé no Rio. Por isso, pretendemos encontrá-las e saber quais são as suas demandas e necessidades. Os

saberes do ofício são transmitidos por gerações, e precisamos fomentar políticas públicas de preservação‖, afirma Mônica. Como forma de resguardar a diversidade cultural, a Prefeitura do Rio regulamentou, em 2011, a venda do bolinho nas ruas. Hoje, é possível saborear um autêntico acarajé em 29 barracas espalhadas da Zona Norte à Sul. Para além de uma simples atividade comercial, a ocupação dos espaços públicos pelas baianas —vestidas com seus turbantes, panos e colares de conta— resgata os ritos das religiões afro e fortalece a cultura negra. ―Não é só o preparo de uma comida qualquer. É um ritual, no qual oferecemos o alimento aos orixás do candomblé. É importante que essa tradição saia dos guetos, seja incentivada e se mantenha viva‖, conta Dó, carioca que desempenha o ofício de baiano de acarajé há 25 anos.

O cardápio das baianas inclui outros quitutes como abará (bolinho de feijão), passarinha (baço bovino frito), mingaus, lelê, bolinho de estudante, cocadas e pé de moleque. Tudo elaborado artesanalmente. Nascida na Bahia e há 31 anos no Largo da Carioca, Cida Bahiana ressalta que o preparo da culinária da sua terra não é tão fácil como cozinhar feijão e arroz: ―O acarajé, o vatapá, o caruru e todas as receitas herdadas dos negros escravos são comidas dos deuses. São insubstituíveis. E dá trabalho para fazer. Eu acordo bem cedo, todos os dias, para preparar os alimentos. Quero que tudo seja vendido bem fresquinho‖.

Dó conta que, em Salvador, há um movimento de baianas que se converteram às religiões evangélicas e, para não perder o trabalho que desenvolvem há anos, passaram a vender o chamado acarajé de Jesus. ―É uma descaracterização cultural. No Rio, somos um grupo pequeno de baianas, mas nossa essência ainda está no candomblé‖, opina o baiano.

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Boca no trombone

A latino-americanização do Brasil

ara quem acompanhou a trajetória do Brasil desde os anos 1970, chama a atenção, hoje, um fenômeno que pode ser qualificado, em certa medida, como latino-americanização do país –entendida não apenas como o estabelecimento de nexos econômicos com os Estados da região, mas, sobretudo, como o surgimento de um discurso político que decididamente insere a identidade do Brasil na matriz latino-americana. A latino-americanização é igualmente visível no ambiente universitário brasileiro, onde é cada vez maior o número de professores que desenvolvem parcerias com pesquisadores da região ou que incorporam, na sua matriz empírica e comparativa, a experiência dos países hispano-americanos. Também é maior a aproximação dos estudantes à língua e à cultura dos países vizinhos, via convênios de intercâmbio, ou fazendo por conta própria uma viagem para culminar sua formação. Essas mudanças são fruto de longo processo que contempla variáveis de natureza socioeconômica, cultural, tecnológica e institucional. Mas para que não fique tudo em mãos da chamada globalização recente, propiciada, entre outras coisas, pela extraordinária revolução nos meios de comunicação, vale a pena mencionar brevemente alguns antecedentes. Primeiro, o papel que tiveram instituições-chave como a Cepal, que, nas décadas de 40 e 50, congregou hispano-americanos e brasileiros da estatura intelectual e moral de um Celso Furtado e de outros que, na elucidação das causas do subdesenvolvimento, consideraram a América Latina não só uma unidade analítica, mas uma união a ser construída politicamente pelos Estados. Em segundo lugar, eventos políticos dramáticos, como a revolução cubana que, nos anos 60, na esteira do pensamento de José Martí, suscitou o encontro e o estabelecimento de vínculos entre intelectuais brasileiros e hispano-americanos em torno da Casa das Américas e da revista Pensamiento Crítico.

Cabe lembrar também o chamado boom da literatura latino-americana que, na mesma década, trouxe Guimarães Rosa aos países hispânicos e levou para os leitores brasileiros uma safra de brilhantes escritores como García Márquez e Julio Cortázar, sem esquecer o trabalho silencioso e perseverante de intelectuais como Ángel Rama e Emir Rodriguez Monegal, dois nomes contrapostos ideologicamente que, junto com Antonio Candido e Haroldo de Campos respectivamente, construíram parcerias que redundaram na abertura de vias de comunicação e conhecimento mútuo entre hispano-americanos e brasileiros no contexto da cultura universitária. Outro fator refere-se à guinada da política externa brasileira efetivada, por motivos econômicos e políticos, na fase terminal do regime militar. A internacionalização da economia brasileira nas décadas de 60 e 70 explica, em parte, a orientação para o Sul, impulsionada pela busca de mercados regionais; mas houve outros fatores intervenientes, entre eles a ruptura, durante a presidência de Ernesto Geisel, do acordo de assistência militar com os Estados Unidos, em função das pressões do governo Carter sobre direitos humanos. Por outro lado, o regime autoritário reativou, sobretudo na sua fase mais truculenta, um dispositivo estrutural da política latino-americana até então, que veio a ter um impacto extraordinário sobre o tema aqui tratado: o exílio, que levou parte de uma geração de intelectuais brasileiros à convivência em países hispano-americanos ou europeus, onde desenvolveram um senso de identidade e vínculos de solidariedade continental que logo seriam reforçados politicamente por eles próprios, quando passaram a se constituir em governo ao longo da terceira onda democrática. E foi assim que o interesse pela América Latina acabou sedimentado no campo da economia, no discurso político e na cultura acadêmica brasileira.

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Navegar é preciso

Elis continua viva

este ano de 2015, a cantora Elis Regina completaria 70 anos de vida e 50 de carreira, e, por isso, já ganhou diversas homenagens.

Foi lançado o novo Site Oficial organizado pela família, que reúne todo o conteúdo da exposição ―Viva Elis‖ (que rodou o Brasil em 2013) e muitos outros materiais inéditos.

Em www.elisregina.com.br compila-se mais

de 500 fotos de Elis ao longo da carreira, vídeos desconhecidos do público, áudios exclusivos e o download gratuito do livro ―Viva Elis‖, uma biografia artística focada em sua carreira, de autoria de Allen Guimarães. ―Decidimos criar o site com o objetivo de alimentar a memória de Elis, a obra e a pessoa, através de seus discos, apresentações ao vivo, entrevistas, fotos, reportagens e depoimentos. Todos esses itens poderão ser vistos e ouvidos no site gratuitamente, tendo muito material inédito que será publicado ao longo do tempo‖, completa seu primogênito, João Marcello.

No ano passado teve a peça ―Elis, a Musical‖, estrelada pela atriz Laila Garin, que personificou a cantora e mostrou no palco várias passagens importantes de sua vida e carreira. Já neste ano, em fevereiro, um samba-enredo em homenagem a Elis Regina rendeu à escola de samba Vai-Vai o título de campeã do Carnaval paulistano. O desfile foi considerado impecável e raras vezes se viu no Sambódromo de São Paulo sambistas tão emocionados durante boa parte do desfile – entre eles, a cantora Maria Rita, que conduziu o espetáculo como mestre de cerimônia da comissão de frente.

Além do novo site, Elis Regina acaba de ganhar a biografia ―Nada Será Como Antes―, do jornalista Júlio Maria. E mais. O diretor Hugo Prata prepara, ainda sem previsão de lançamento, um filme sobre a história da cantora, com roteiro de Nelson Motta e Luis Bolognese. Isso tudo, além de uma minissérie sobre Elis e um relançamento do clássico álbum de 1972 ao lado de Cesar Camargo Mariano, Elis Regina.

Referências

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