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O DINAMISMO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DA ESCOLA ITINERANTE DO MST E O ENSINO DE GEOGRAFIA 1

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O DINAMISMO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DA ESCOLA ITINERANTE DO MST E

O ENSINO DE GEOGRAFIA1

THE PEDAGÓGICA DYNAMISM IN PRACTICE OF SCHOOL ITINERANTE THE TEACHING OF GEOGRAPHY AND MST

Luciele Alves Fagundes2

Ana Júlian Faccio3

Cesar De David4

Resumo

No ano de 1984 é fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o qual incorporou sua preocupação com a educação à luta pela reforma agrária. Nesse âmbito o MST empreende ações, como a identificação das necessidades educacionais e a elaboração de materiais didáticos. Tais ações são realizadas por meio da Escola Itinerante, oficializada em 1996 com amparo legal do Conselho Estadual de Educação e respaldada na Pedagogia do MST. Funciona como escola pública, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, contribuindo para uma educação voltada aos interesses de determinada população rural. A Escola acompanha os educandos onde eles estiverem, inclusive nas marchas, que são uma realidade da dinâmica do movimento. Essa articulação dos instrumentos de luta e o funcionamento da escola favorece consideravelmente o ensino de geografia.

Palavras – Chave: Escola Itinerante, Marcha pela Terra e Ensino de Geografia.

1

Este artigo foi construído a partir das reflexões e atividades desenvolvidas no “Projeto Integrado de Trabalho com Professores e Alunos da Escola Itinerante do MST – Edição 2007”.

2

Autora – Acadêmica do Curso de Geografia – Lic. Plena da Universidade Federal de Santa Maria – lualfa_ceu@yahoo.com.br 3 Co-autor (a) – Acadêmica do Curso de Geografia – Lic. Plena da Universidade Federal de Santa Maria – anajulian@ibest.com.br 4

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Abstract

In the year of 1984 is founded the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), which incorporated his concern with education to fight for agrarian reform. In this context the MST undertakes actions such as identification of needs and the development of educational materials. Such actions are carried out through the School Itinerant, formalised in 1996 with legal refuge of the Council of State Education and supported the teaching of the MST. Like public schools, according to the Law of Guidelines and databases, contributing to an education geared to the interests of certain rural population. The School accompanying the students where they are, including in marches, which are a reality of the dynamics of the movement, the link the instruments to fight and operation of the school greatly favors the teaching of geography.

Key words: Itinerant School, March by the Earth and Teaching of Geography. .

Introdução

O movimento social é visto por Fernandes (1996) como uma forma de organização da classe trabalhadora, tomando por base os grupos populares, ou as camadas populares, ou ainda, os setores populares. Para Souza (2006), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ultrapassa os limites do tradicional conceito de movimento social, possui conduta de movimento reivindicativo, político e antagonista, pois carrega características de sujeitos coletivos que estão na esfera do Terceiro Setor. É um sujeito coletivo político com origens organizacionais em matrizes sindicais, marxistas e religiosas, que geraram a autonomia do movimento social.

Na segunda metade dos anos 80 diversas ocupações foram realizadas, por agricultores sem-terra e moradores da cidade que expulsos do campo, migraram para a cidade, mas continuaram trabalhando no campo, cortando cana, colhendo laranja, etc. Em 1984, é fundado o MST em Cascavel/PR, resultado de duas ocupações das fazendas Macali e Brilhante, em Ronda Alta/RS.

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Com a atuação do movimento surgem algumas indagações que irão motivar a criação do Setor de Educação do MST, em 1985:

1 O que fazer com as crianças acampadas?

2 Como garantir escolas nos assentamentos que estavam surgindo?

A partir daí o MST incorpora a educação à luta pela reforma agrária, através da luta pela educação nos assentamentos e na elaboração de uma política pública de educação do campo.

As ações do MST questionam a distância entre os conteúdos da escola, da educação, da política educacional e os saberes originários das trajetórias humanas e na prática social.

De acordo com Souza (2006) a Educação do Campo muitas vezes é deixada à margem nas escolas urbanas e na academia pouco se fala, a didática, prática de ensino e os estágios curriculares são disciplinas orientadas para a realidade urbano-industrial. Em função disso, surge a necessidade de lutar por um profissional que tivesse conhecimento ou vontade de aprender as características dessa realidade (reforma agrária, assentamento). Com isso várias ações são empreendidas pelo movimento em prol da educação, organizam-se cursos de magistério e de formação de educadores, a produção de materiais pedagógicos e a parceria com instituições da sociedade civil e com as Universidades. Em 2004, há a criação de secretarias no governo para tratar da Escola do Campo.

Cabe ressaltar, que nesta trajetória de lutas ocorreu a transição da Educação Rural à Educação do Campo. A Educação Rural tinha como princípio ações que visavam superar o “atraso” entre os trabalhadores e moradores do espaço rural, provindas do Estado.

Aqui podemos destacar que a educação rural começa a constar nas preocupações do governo, como política pública concomitantemente ao início da industrialização. Ou seja, porque havia a necessidade de preparar a mão-de-obra para as indústrias, isso nos leva ao fato de que as escolas não foram implementadas de acordo com a necessidade da comunidade, e sim impostas. Porém, a partir dos anos noventa tivemos uma expressiva diminuição dessas escolas. Assim, apesar de não

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serem do campo e, apenas estarem no campo, as escolas tinham sua relevância na educação das comunidades rurais.

Já a Educação do Campo é a ação dos movimentos sociais e as parcerias oriundas da dinâmica social do campo no final do séc. XX e prevê a valorização do trabalhador que atua no campo.

A luta do MST pela construção de uma escola que seja adequada a realidade da vida rural é um tensionamento para fazer valer a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em seu artigo 28, a LDB prevê a "oferta de educação básica para a população rural" com "adaptações necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região". O texto da lei define como "adaptações necessárias", entre outros itens, a elaboração de “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural”.

Na prática, conforme Brandão (2005), "os conteúdos desse art. 28 da LDB (...) não estão sendo efetivamente aplicados na realidade educacional brasileira", segundo o autor, por dois motivos. Um dos motivos seria o êxodo rural e o outro seria o transporte de grande parte dos alunos da zona rural para escolas na zona urbana.

A luta do MST, além da própria reivindicação por Reforma Agrária, que viria a contribuir para a reversão do processo de êxodo rural, também na educação contribui no sentido de ampliar o alcance real do art. 28 da LDB. A materialização de conquistas concretas como a aprovação de escolas itinerantes em vários estados, além das escolas de assentamento e as experiências de educação superior que vem sendo levadas adiante pelo movimento, tem sido um esforço real no sentido da revitalização desse pressuposto previsto na "Constituição do Ensino", que se refere a construção de "conteúdos e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses doa alunos da zona rural".

O MST insere-se nas discussões, demandas e proposições que abarcam a construção democrática no país, explicitando que a reforma agrária não é uma luta pontual, mas é a busca pela construção de uma outra sociedade, iniciando pela conquista de políticas públicas para a Educação do Campo.

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O MST e a Reforma Agrária

A perspectiva de reforma agrária para o MST compreende a modificação da estrutura da propriedade da terra, e sua subordinação à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos da sociedade. Garantindo a segurança alimentar, o combate à fome e desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores. Ou seja, o programa de reforma agrária do MST não se pauta apenas na distribuição de terras.

De acordo com Göergen (2004, p. 37), o MST e a Via Campesina elegem o latifúndio e o modelo agrícola como os principais focos de suas ações e propõe um novo modelo agrícola para o país baseado em seis grandes pilares:

a) distribuição das grandes propriedades, através da desapropriação e da fixação de um módulo máximo para as propriedades rurais, construindo as bases para a produção agropecuária brasileira em áreas de pequeno e médio porte;

b) mudança do modelo tecnológico da agricultura brasileira, substituindo os insumos externos controlados por transnacionais e adotando tecnologias de base ecológica em substituição ao modelo baseado nos agrovenenos;

c) políticas públicas ousadas para defender e alavancar a agricultura nacional de pequeno e médio portes – crédito, preços, seguro agrícola, pesquisas públicas, mecanização popular, habitação, educação, etc;

d) organização econômica e política dos agricultores, através de movimentos sociais realmente representativos, cooperativas de produção, industrialização, crédito, prestação de serviços;

e) soberania alimentar do povo brasileiro, com política de estoques reguladores e estratégicos e produção voltada a acabar com a fome do povo, garantindo a produção para o auto-abastecimento do mercado interno;

f) mudança do modelo energético, diversificando as fontes de energia elétrica e mecânica, diminuindo a dependência e substituindo as grandes barragens e os combustíveis fósseis por fontes alternativas e disponíveis na rica natureza brasileira.

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Tal proposta implica uma mudança profunda nas relações de poder no campo e na economia brasileira, visto que a atual configuração territorial do mesmo está caracterizada pela concentração da terra e dos recursos, características do modo de produção capitalista, o que traz como conseqüência a luta entre classes.

Pedagogia do Movimento Sem-Terra

A Pedagogia do MST é a maneira pela qual o movimento vem historicamente formando o sujeito Sem Terra e que no dia a dia educa as pessoas que dele fazem parte. O princípio educativo desta pedagogia é o próprio movimento. O Sem Terra é um nome próprio, uma identidade, uma referência política e cultural construída na história da luta pela terra.

Entre as ações empreendidas pelo MST na esfera da educação podemos destacar a identificação das necessidades educacionais das crianças, jovens e adolescentes dos acampamentos e assentamentos, a elaboração de materiais didáticos e o desenvolvimento de parcerias objetivando a formação na modalidade de ensino médio (magistério e ensino técnico), educação de jovens e adultos e educação superior.

Além disso, o MST também busca o fortalecimento da educação básica no campo e a intensificação das parcerias com sindicatos e universidade e outras entidades para ampliar a luta e discussão da educação na sociedade.

De acordo com Branford & Rocha (2004), até 2001, cerca de 150 mil crianças estavam matriculadas em 1.200 escolas primárias e secundaras, nos assentamentos e acampamentos. As escolas empregavam 3.800 professores, muitos dos quais treinados pelo movimento. Foram proporcionados treinamentos a 1.200 educadores que deram cursos para 25 mil jovens e adultos. O MST estava conduzindo cursos de treinamento para professores de escolas primárias na maioria dos Estados e estabelecera parcerias com agências internacionais como a UNESCO e o UNICEF, bem como a Igreja Católica. Fizeram acordo com 7 institutos de educação superior, em diferentes regiões, a fim de proporcionar cursos de graduação em pedagogia para professores do movimento.Tomaram essas iniciativas não só porque o governo

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brasileiro requeria maior qualificação para professores especialmente de escolas secundárias, mas também porque os próprios professores desejavam melhor formação.

A proposta de educação do campo do MST prevê a dialogicidade e problematização na elaboração dos princípios pedagógicos, filosóficos e materiais pedagógicos, a base do conteúdo é a prática social dos sujeitos, o fortalecimento da identidade sem-terra e a sistematização das informações difundidas e discutidas no coletivo de educação.

A Escola Itinerante nos acampamentos está organizada em etapas, que correspondem ao ensino fundamental da pré-escola a 5ª séries, com objetivos e conteúdos próprios a cada etapa (algumas já oferecem o EJA). Estes conteúdos são construídos no decorrer do processo pedagógico, considerando e respeitando os conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade, contextualizando-os e dando prioridade àqueles considerados socialmente úteis e com sentido concreto para as vidas dos educandos.

As etapas previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante caracterizam- se por flexibilização pela integração. A organização curricular prevista para cada etapa possibilita a apreensão e a sistematização de conhecimentos conforme o processo de cada educando.

No momento em que a criança construir as referências correspondentes a cada etapa, ela passará para a seguinte, ficando claro que o ingresso ou a passagem das etapas poderá acontecer em qualquer época do ano letivo, a partir de avaliação realizada pelos educadores.

Sendo esta uma Proposta Pedagógica específica e diferenciada, não segue as determinações do período previsto na LDB, que prevê 200 dias letivos. No entanto, respeita o tempo de cada aluno na construção do seu conhecimento. A freqüência e o horário são fixados a partir do compromisso assumido entre educadores, educandos, comunidade do acampamento, Secretaria de Educação e MST.

Para Fogaça (2006), o MST, na defesa pela Reforma Agrária com justiça, constrói muitas lutas. Uma delas é passar aos educandos e educadores o espírito da

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conquista por uma terra que liberte das prisões do capital financeiro e de quem o controla.

Para Caldart (2001) os sem terra se educam, quer dizer, se humanizam e se formam como sujeitos sociais no próprio movimento da luta que diretamente desencadeiam. Estão sendo chamados hoje de lutadores do povo e sua atuação acaba projetando uma identidade que é sua, mesmo que não esteja como consciência e como prática em cada um dos sem terra do MST. E nesta perspectiva, podemos dizer que a herança que o MST deixará para seus descendentes será bem maior do que a quantidade de terra que conseguir libertar da tirania do latifúndio; será um jeito de ser humano e de tomar posição diante das questões de seu tempo; serão os valores que fortalecem e dão identidade aos lutadores do povo de todos os tempos, de todos os lugares.

Uma das formas de lutar e reivindicar o direito à terra são as marchas. Tais ações aliadas ao funcionamento da Escola Itinerante proporcionam aos educandos uma experiência única de aprendizado, principalmente no que tange à geografia.

A Escola Itinerante em Marcha

A Escola Itinerante foi legalmente aprovada no Rio Grande do Sul em 19 de novembro de 1996, pelo Conselho Estadual de Educação, sendo esta aprovação um ponto de partida para a aprovação de escolas itinerantes em outros estados da federação, constituindo escolas públicas que na prática atendem a demandas reais da comunidade a qual pertencem, no caso, os acampados do Movimento Sem-Terra. A Escola Base da Itinerante do Rio Grande do Sul funciona no Assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita/RS, ou seja, todos os alunos que estudam embaixo da lona ou nos outros lugares por onde o movimento passa, estão matriculados nesta escola.

A escola organiza-se por princípios filosóficos e pedagógicos vinculados a Pedagogia do Movimento Sem-Terra e aos princípios e Diretrizes da Educação Pública Estadual, buscando desenvolver uma educação como processo permanente de formação e transformação, voltada para as várias dimensões do ser humano, abrangendo o conhecimento científico, com conteúdos socialmente úteis e voltados

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para o campo, e a construção da memória e dos valores humanistas de forma participativa e igualitária.

De acordo com Fernandes (2000), as marchas se caracterizam como uma necessidade de expandir as possibilidades de negociação, para gerar novos fatos. Em seus ensinamentos, por meio de suas experiências, os sem-terra tiveram diversas referências históricas, na mística do movimento: a caminhada do Povo Hebreu rumo à terra prometida e as marchas das revoluções mexicana e chinesa. Dessa forma, os sem-terra ocupam a terra, espaços de prédios públicos, espaços diversos para denunciar os significados da exploração e da expropriação, lutando para mudar suas realidades.

Dessa forma, como um movimento reivindicatório que é, se utilizam das marchas como forma de pressionar o poder público, porém a Escola Itinerante não pode parar. Com isso, em meio às demonstrações de luta do movimento, temos a participação dos educandos, que assistem às aulas durante o percurso da marcha.

Durante uma marcha, a sala de aula pode ser em locais diferentes e improváveis como: o meio da rua, quadras de futebol, debaixo de árvores, pátios de escolas convencionais, entre outros. Enfim, as dificuldades enfrentadas são muitas, mas a vontade de aprender das crianças é maior, e prevalece.

Em muitas ocasiões o movimento é recebido com hostilidade pela população, porém no momento que têm a oportunidade de conscientizar as pessoas a respeito dos motivos da marcha já se pode perceber o apoio de parte da população, assim a marcha se caracteriza também por um instrumento de pedagogização. Isso acontece muitas vezes, quando permitido, com a visitação das escolas convencionais das cidades visitadas.

Nessas ocasiões os educandos têm a oportunidade de aprender na prática, a realidade em que estamos inseridos. O MST entende a realidade, como o meio em que vivemos. Como tudo aquilo que fazemos, pensamos, dizemos e sentimos. O jeito de trabalhar e de se organizar. É a natureza que nos cerca. São as pessoas e o que acontece com elas. Mas, é também, a realidade mais ampla que a local, e a relação que existe entre elas, ou seja, são os problemas do nosso dia-a-dia e os problemas

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que perpassam a nossa sociedade.

As crianças que participam de uma marcha são incitadas a saber o porquê da marcha, quais os objetivos, o que é a reforma agrária, e assim aprendem que estão caminhando porque querem ter um lugar para viver, uma terra para plantar, uma vida melhor, e assim tornam-se sujeitos de sua própria história.

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Nesse ponto, temos o papel dos educadores das Escolas Itinerantes, ou seja, o professor militante, aquele que tem identificação com os interesses e objetivos da luta do MST. Aquele que tem consciência de classe, que se identifique como trabalhador. Freire (1996) nos coloca que nossa prática pedagógica não pode ser neutra, exige de nós uma definição, uma tomada de posição. Esse deve ser o professor da Escola Itinerante, aquele que luta contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.

No mês de outubro de 2007, a Marcha Pela Terra, organizada pelo MST, chega ao município de Santa Maria/RS, e com isso tivemos a oportunidade de vivenciar o dia-a-dia da marcha. O objetivo da marcha na cidade seria informar a população acerca dos motivos da caminhada. O destino final seria a Fazenda Guerra, situada no município de Coqueiros do Sul/RS.

Entre as atividades realizadas pelos integrantes da marcha, uma delas foi um debate realizado pelos educadores da Escola Itinerante, o qual era direcionado aos acadêmicos dos cursos de licenciatura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Na exposição dos educadores, foi possível perceber algumas dificuldades enfrentadas pela escola, em relação ao repasse de verbas. Além disso, relataram a dificuldade em manter os professores nos acampamentos e também em conseguir professores com formação para ministrar as aulas, pois a maioria não tem formação, ou apenas o magistério. Mas o que ficou mais explícito foi a demonstração de que o movimento sem-terra e seus educadores estão realmente engajados na luta pela educação, mas uma educação de qualidade que forme pessoas críticas e que dêem continuidade à luta pela reforma agrária no Brasil.

Outra momento foi a troca de saberes entre os acadêmicos da UFSM e os educandos e educadores da Escola Itinerante do MST, que confeccionaram faixas para serem expostas no centro da cidade, com o objetivo de demonstrar as reivindicações da escola (Figuras 1 e 2).

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Figura 1: Confeccionando os cartazes.

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Figura 2: Escola Itinerante na Marcha Pela Terra. Fonte: Trabalho de Campo – 03/10/07 – Vinícius Luge.

Tais atividades foram muito significativas, pois nos proporcionaram a oportunidade de conhecer melhor a dinâmica do MST através de um dos seus instrumentos de luta, a marcha, que é um dos meios utilizados para pressionar o poder público, além de buscar o apoio da população, informando-a sobre as questões que envolvem a terra, como a estrutura fundiária, entre outros temas.

Além disso, também foi possível perceber o papel da educação para o movimento, pois apesar de estarem em marcha, a escola estava em funcionamento, demonstrando sua itinerância.

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A Geografia na Marcha pela Terra

A Educação do Campo

Gilvan Santos

A educação do campo Do povo agricultor Precisa de uma enxada De um lápis, de um trator

Precisa educador Pra tocar conhecimento

O maior ensinamento É a vida e seu valor

Dessa história Nós somos os sujeitos

Lutamos pela vida Pelo que é de direito

As nossas marcas Se espalham pelo chão

A nossa escola Ela vem do coração

Se a humanidade Produziu tanto saber

O rádio e a ciência E a “cartilha do ABC” Mas falta empreender

A solidariedade “soletrar” essa verdade Está faltando acontecer

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Essa música é cantada pelo sem-terrinhas na Marcha pela Terra e mostra de maneira excepcional o significado da luta pela terra e a importância da educação para o MST. Ou seja, traz a temática da educação voltada para o povo agricultor, além da questão da ciência que muitas vezes não tem compromisso com a sociedade, não lhes dando nenhum retorno.

Em função disso, as marchas do MST, quando acompanhadas pela Escola Itinerante, se colocam como um importante instrumento de ensino-aprendizagem, e neste contexto podemos destacar o ensino de geografia.

Para o MST, o grande objetivo da geografia é que o aluno compreenda o processo de produção do espaço e que se localize neste processo, sendo que o eixo básico dessa produção é o trabalho. Através dele, a sociedade se apropria da natureza e, nas mais diversas formas de relações, transforma o espaço geográfico, o que vai de encontro com as reflexões acerca da ciência geográfica, ao entender que o espaço é resultado da ação do homem nas diferentes épocas em Kaercher et al (2000, p.85):

A geografia ao falar das coisas do mundo da vida, fala dos espaços construídos pelos homens, que em sua trajetória marcaram os lugares com os resultados da luta pela sobrevivência. A tarefa da geografia na análise da sociedade é exatamente debruçar-se sobre a realidade com o olhar espacial.

Muitos pesquisadores afirmam que a realidade do educando, ou seja, o seu cotidiano é o ponto de partida para se chegar à explicação dos fenômenos, como no caso de Pontuschka (1999, p.133):

...as condições de existência dos próprios alunos e seus familiares são ponto de partida e de sustentação que podem garantir a compreensão do espaço geográfico, dentro de um processo que vai do particular ao geral e retorna enriquecido ao particular.

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Durante a marcha, os educandos têm a oportunidade de compreender o espaço geográfico e seu processo de produção, além de outros temas como: orientação espacial, percepção (auditiva, visual, tátil), orientação (pontos cardeais), zona rural e zona urbana, relevo, cidadania, hidrografia, os quais estão previstos no Plano de Estudos da Escola Nova Sociedade.

Em alguns casos a marcha atravessa o estado do Rio Grande do Sul e com isso as crianças conseguem perceber a nítida diferença entre as regiões do estado, e no que implicam tais diferenças, o que não é tão facilmente percebido por alunos que não ultrapassam os limites do seu município.

Na obra de Branford e Rocha (2004, p. 164), temos um relato de uma educadora sobre a participação da Escola Itinerante na Marcha pela Terra:

Nossas carteiras e bancos eram o chão duro e frio e o quadro negro eu pedaço de papel colado à parede, ao corrimão, às árvores, ou seguro, simplesmente, nas mãos do professor. Aprendemos vendo, vivendo e fazendo. A gente calculava os quilômetros, metros, centímetros da estrada a ser trilhada, o número de dias necessários para a chegada à capital, o que era produzido nas cidades pelas quais passávamos. [...] Víamos carros, cavalos, carroças, trens, aviões, um helicóptero, barcos, navios e, dessa forma, estudávamos os meios de transporte.

Nesse relato observamos a dimensão e a riqueza dos momentos que os educandos podem ter em uma marcha, com a ênfase na geografia do cotidiano.

Para Heidrich & Rego (2006), a itinerância faz da memória geográfica um importante instrumento. A explicação se faz através de representações e o mapa é uma representação de categorias geográficas (espaço, território, paisagem, ambiente, lugares e regiões). Assim, qualquer pessoa pode representar a explicação do mundo

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em que vive. A partir dessa explicação, da memória geográfica de cada um, podemos intermediar a construção de uma explicação coletiva e auxiliada pelos conceitos e noções científicas.

Morigi (2003) nos coloca que um dos maiores desafios para a educação sempre foi a relação teoria e prática, com a percepção, cada vez maior, da necessidade da articulação entre uma e outra. No MST, a defesa desse princípio como fundamental na proposta de educação busca criar a capacidade de relacionar todas as demais situações da vida, superando aquela visão de que a escola é lugar de conhecimentos teóricos para depois, fora dela, serem aplicados na prática.

Buth (2006) acredita que os sem-terra, em acampamentos do MST, possuem uma trajetória de vida que possibilita o desenvolvimento da consciência social e sua compreensão como atores sociais. Aí entra o papel da geografia, comprometida com a formação dos cidadãos, auxiliando-os a entender as desigualdades e contradições da sociedade.

A geografia no âmbito da educação popular tem sua expressão na Escola Itinerante do MST e neste contexto também se dá a relação com os movimentos sociais.

Considerações Finais

Desde 1985, no início de sua formação, o MST já demonstra sua preocupação com a educação, uma reivindicação que foi incorporada à luta pela reforma agrária. Com isso, é importante destacar que a criação do Setor de Educação foi feita de acordo com a necessidade dos acampados, ou seja, uma ação com o intuito de sanar demandas da própria comunidade, o que caracteriza a Educação do Campo, pretendida pelo MST.

Tal educação é voltada aos anseios do trabalhador do campo, ou seja, está fundamentada na Pedagogia do Movimento Sem-Terra. Em vista disso, a legalização de exeriências pedagógicas como a escola itinerante contribui para ampliar o sentido real de pressupostos previstos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB -

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9.394/96), quando fala no art. 28 que a oferta de educação básica para a população rural deve conter “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural”.

A Escola Itinerante se caracteriza como educação popular, ou seja, o aprendizado é constante e toda forma de relação é entendida como um aprendizado. Todo indivíduo tem o que ensinar e tem o que aprender, portanto todos aprendem e ensinam no seu fazer diário. A educação popular é utilizada pelas classes populares como forma de resistência ao sistema vigente.

Outra característica marcante do MST é a coletividade, ou seja, todos aprendem que o coletivo é o grande sujeito da luta pela terra. As ocupações, as marchas, os assentamentos, os acampamentos, são obras coletivas e é fazendo parte do coletivo e das obras coletivas que as pessoas se educam, preservando sua memória e projetando o futuro.

O MST também se preocupa com a questão dos valores humanos como a solidariedade, a lealdade, o espírito de sacrifício pelo bem estar do coletivo, o companheirismo, a sobriedade, a disciplina, a indignação diante das injustiças, a valorização da própria identidade sem terra, a humildade, nesta sociedade que dia a dia se degenera por meio do individualismo, do consumismo, da apatia social, mas acredita que assumindo a tarefa de educar e reeducar as pessoas em seus valores, pode ajudar a realizar o que projeta em sua história.

A Escola Itinerante acompanha seus educandos onde estiverem, visto que as atividades do MST ocorrem em diferentes locais. Essa condição de itinerância da escola lhe confere inúmeras possibilidades de ensino/aprendizagem, visto que as crianças têm acesso às inúmeras especificidades de cada local.

Um dos principais objetivos das marchas MST é a pedagogização, não só da população das cidades visitadas, mas também dos próprios integrantes do movimento, que ao participarem da marcha reafirmam sua militância na luta pela reforma agrária. Os educandos da escola também assumem um papel na dinâmica do movimento ao participarem das marchas, ou seja, eles não estão ali apenas acompanhando seus pais. Estão reivindicando seus direitos à educação, saúde, moradia, enfim exercendo sua cidadania.

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O ensino de geografia ganha destaque em uma Marcha pela Terra do MST, os deslocamentos por vários lugares facilitam o ensino de vários temas, aliando a teoria à prática, educando para a ação transformadora.

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Referências

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