Fls. Processo: 0015395-36.2010.8.19.0209
Classe/Assunto: Procedimento Ordinário - Pagamento Indevido - Repetição de Indébito; Rescisão do Contrato E/ou Devolução do Dinheiro / Responsabilidade do Fornecedor; Dano Moral - Outros/ Indenização Por Dano Moral
Autor: LUCIANA FUJII PONTELLO Autor: GUSTAVO NORONHA SILVA Réu: RICARDO JOSÉ AZEVEDO FARIA
Réu: ANA MARIA VALVERDE TAVEIRA FARIA
___________________________________________________________ Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz
Arthur Eduardo Magalhaes Ferreira Em 01/07/2013
Sentença
LUCIANA FUJII PONTELLO e GUSTAVO NORONHA SILVA, devidamente qualificados na inicial, propõem ação pelo rito ordinário em face de RICARDO JOSÉ AZEVEDO FARIA e ANA MARIA VALVERDE TAVEIRA FARIA, igualmente qualificados, alegando, em resumo, que em 31 de maio de 2009 firmaram com os Réus instrumento contrato de promessa de compra e venda, tendo por objeto o imóvel situado na Rua Alfredo Ceschiatti n° 150, 210, Bloco 1, pelo valor total de R$ 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais). Aduzem que efetuaram o pagamento de sinal no importe de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais), tendo convencionado que o restante seria pago à promitente vendedora do bem, Carvalho Hosken S/A, mediante contratação de financiamento imobiliário; eventual diferença do preço reverteria em favor dos Réus. Salientam que o negócio foi celebrado em virtude de os Réus asseverarem a inexistência de dívidas ou gravames sobre o bem, à exceção da hipoteca lavrada em favor da promitente vendedora. Aduzem a impossibilidade de obtenção do financiamento, de vez que o imóvel encontra-se
penhorado em ações que visam o recebimento de cotas condominiais em atraso e que, em razão da total insegurança do negócio, os Réus foram notificados para solução da questão, tendo permanecido inertes.
Requerem, portanto, a rescisão do contrato e consequente devolução do valor pago, em dobro, devidamente corrigido e acrescido de juros, além de indenização por danos morais em valor a ser estipulado pelo Juízo e respectivos ônus da sucumbência.
Juntam os documentos de fls. 17/33.
Citados os Réus, o primeiro pessoalmente (fls. 58/59) e a segunda por hora certa (fls. 58/61), transcorreu in albis o prazo para apresentação de defesa (fls. 63).
Contestação da 2ª Ré apresentada pela Curadoria Especial às fls. 65/69, com preliminar de nulidade da citação ficta, no mérito afirmando, em síntese, que não restou comprovada a culpa dos Réus pela não concretização do negócio, razão pela qual não há que se falar na devolução das arras em dobro. Salienta que os Autores tinham conhecimento do saldo em favor da construtora, tendo assumido o risco da contratação. Por fim, impugna os termos da inicial por negativa geral.
"Réplica" às fls. 71/74.
Instadas as partes a se manifestarem em provas, pelos Autores foi requerido o julgamento da lide (fls. 76), ao passo que a 2ª Ré pugnou pelo depoimento pessoal dos Autores (fls. 76 v.).
Ata de audiência para oitiva dos Autores em carta precatória às fls. 104/106. Com manifestações das partes às fls. 108/110 e 110 v., os autos vieram conclusos para sentença em 1°.7.2013.
É o relatório. Passo a decidir.
Rejeita-se a preliminar de nulidade da citação por hora certa, na medida em que as certidões lançadas às fls. 39 e 60 bem ilustram o exaurimento dos meios de citação pessoal da 2ª Ré. Basta ver que, em ambas as oportunidades, o 1º Réu, seu marido, foi encontrado e regularmente citado, em nenhum momento tendo informado eventual mudança de residência da 2ª Ré ou afastamento, ainda que temporário, do lar conjugal. Em lugar disso, limitou-se o 1º Réu a sustentar não
saber em que dias e horários a esposa estaria em casa, o que, convenhamos, extrapola qualquer limite do razoável.
No mais, devidamente citado, o 1º Réu não apresentou defesa, deixando fluir in albis o prazo para resposta, caracterizando, destarte, sua revelia, cujos efeitos, contudo, não se operam (CPC, artigo 320, inciso I).
A análise da prova documental colhida nos autos revela que os Réus são promissários compradores do imóvel objeto da lide (fls. 26 e 27), tendo cedido seus direitos à aquisição do bem aos Autores por meio do instrumento particular de promessa de compra e venda trazido às fls. 21/23.
Nesse contrato, os Réus anuem com o pagamento do preço convencionado mediante entrega de sinal no valor de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) e a assunção, pelos Autores, do saldo apurado junto a Carvalho Hosken S/A Engenharia e Construções, o qual, por sua vez, seria quitado por meio da contratação de financiamento imobiliário. Essa a razão de as partes estabelecerem, na Cláusula 3, que "o imóvel no início descrito e caracterizado se encontra livre e desembaraçado de todos e quaisquer ônus reais, judiciais ou extrajudiciais (...) estando o mesmo hipotecado junto a CARVALHO HOSKEN S/A ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES, cujo saldo devedor será quitado pelos outorgados com utilização de financiamento a ser pleiteado pelos mesmos junto a CEF."
A existência de dívidas sobre o imóvel, inclusive com a lavratura das penhoras determinadas nos processos n° 2006.209.008469-9 e 2005.209.008475-2, consoante informado na inicial, evidentemente frustra a contratação de financiamento imobiliário e, por conseguinte, a própria conclusão do negócio, por culpa dos Réus, que deliberadamente ocultaram essa circunstância na formulação do pré-contrato.
Sendo assim, nada obstante a tentativa da 2ª Ré de descaracterizar sua culpa pela inexecução do contrato, certo é que os Réus não poderiam, de boa-fé, avençar obrigação que sabiam ser de cumprimento impossível para os Autores.
Diante disso, tem incidência a previsão contida na Cláusula 4 do instrumento particular de promessa de compra e venda de fls. 21/23, de seguinte redação:
"SINAL - R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais), neste ato, através dos cheques (...) agência (...), dos quais os Outorgantes dão a mais ampla, total, rasa, irrevogável e irretratável quitação, ficando esta vinculada a regular compensação, se paga em cheque. Esta quantia é oferecida a título de sinal e princípio de pagamento e é gravada como arras penitenciais, na forma do artigo 420 do Código Civil, sendo
esta importância devolvida em sua totalidade aos Outorgados em caso de qualquer impedimento junto a CEF para quitação do saldo devedor junto a CARVALHO HOSKEN S/A ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES.".
Como se vê, as partes estabeleceram que o sinal de R$ 22.000,00, pago pelos Autores a título de sinal, se constituiria em arras, nos termos do artigo 420 do Código Civil, ou seja, na hipótese de arrependimento de um dos contratantes. Na hipótese vertente não se trata propriamente de arrependimento, mas de inadimplemento culposo imputável aos Réus. Todavia, o pedido formulado pelos Autores é exatamente de condenação dos Réus ao pagamento, em dobro, do que foi pago a título de arras (R$ 44.000,00), impondo-se seu acolhimento.
No que diz respeito ao pedido de indenização por danos morais, tem-se que o pedido não deve ser acolhido.
A Súmula 75 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro firmou orientação no sentido de que: "O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte".
Lembre-se da advertência do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho no sentido de que: "Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos." (Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., pág. 77/78) Destarte, não se vê nenhuma circunstância geradora de ofensa à honra ou à imagem dos Autores que tenha causado profundo desequilíbrio psicológico, eis que a conduta dos Réus configura, tão-somente, a prática de ilícito contratual.
Confira-se, a propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE AUTOR. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA EM REGRA. SITUAÇÃO
EXCEPCIONAL NÃO CARACTERIZADA. (...)
O inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade. Com efeito, a dificuldade financeira, ou a quebra da expectativa de receber valores contratados, não tomam a dimensão de constranger a honra ou a intimidade, ressalvadas situações excepcionais. (...)." (Recurso Especial n° 202.564-RJ, relator Ministro Sálvio de Figueiredo)
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido, para decretar a rescisão do contrato de fls. 21/23 e condenar os Réus a restituir, em dobro, o sinal de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais), corrigido monetariamente a partir de seu desembolso e acrescido de juros moratórios de 12% (doze por cento) ao ano, contados da citação. Considerando que os Réus decaíram da maior parte do pedido, arcarão eles com 2/3 (dois terços) das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Transitada em julgado e nada sendo requerido em cinco dias, dê-se baixa e arquive-se.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Rio de Janeiro, 22/07/2013.
Arthur Eduardo Magalhaes Ferreira - Juiz Titular
___________________________________________________________ Autos recebidos do MM. Dr. Juiz
Arthur Eduardo Magalhaes Ferreira Em ____/____/_____
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