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Abusos e violênias na região da Beira Interior durante o reinado de D. Afonso V. URI:

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Academic year: 2021

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Abusos e violênias na região da Beira Interior durante o reinado de D. Afonso V

Autor(es):

Moreno, Humberto Baquero

Publicado por:

Imprensa da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/43819

DOI:

DOI:https://doi.org/10.14195/2183-8925_6_4

Accessed :

8-May-2021 20:46:18

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H U M B E R T O B A Q U E R O M O R E N O *

ABUSOS E VIOLÊNCIAS

NA REGIÃO DA BEIRA INTERIOR

DURANTE O REINADO DE D. AFONSO V

Apresenta-se a região da Beira Interior como urna das áreas territoriais onde a pressão da nobreza e do alto clero, a par dos abusos cometidos pelos representantes do poder cen­ tral, se mostra como um dos factores dominantes do clima de perturbação vivido pelas populações locais, fácil presa de actos violentos e prepotentes praticados por aqueles sectores da sociedade a quem cumpriria precisamente zelar pela sua defesa.

O tema em abordagem não é novo na medida em que já mereceu ao arguto e penetrante historiador que foi Costa Lobo algumas páginas incisivas na sua Historia da Sociedade

em Portugal no Século XV 0 ). Sucede porém que a pers­

pectiva apresentada por este autor situa-se noutro ângulo. Pretendeu sobretudo focar o estado de desenvolvimento social em que se encontrava o país, aflorando aqui e acolá aspectos conflituais que geravam fortes antagonismos entre os diversos estratos populacionais. Ao historiador do nosso tempo, pró­ ximo do finalizar do século XX, interessa sobremaneira esta­ belecer a tipologia caracterizadora das tensões e conflitos so­ ciais que provocaram estados de clivagem no seio da socie­ dade portuguesa do período de transição da época medieval para a idade moderna. Por isso mesmo urge realizar um es­ forço convergente que aponte para as grandes metas através das quais seja possível realizar um estudo de conjunto sobre movimentos sociais no período em apreço.

Penso que não será prematuro poder afirmar-se que uma das razões essenciais a que deverá atribuir-se o clima de in- *

* Faculdade de Letras da Universidade do Porto. (') Edição da Imprensa Nacional, Lisboa, 1903.

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tranquilidade que se viveu no interior do país, com particular acuidade nas regiões da Beira e de Trás-os-Montes, explica-se pelo facto do carácter periférico em que se inseriam geogra­ ficamente essas áreas territoriais do nosso país. Locais rara­ mente percorridos pelos monarcas, cujo triângulo de desloca­ ções não ia normalmente além de Lisboa, Coimbra e Évora, é muito natural que esse afastamento originasse um clima de maior lassidão e à vontade por parte dos poderosos, que actuavam dentro de um comportamento relacional que assen­ tava na prática do abuso, da opressão e da violência.

Teremos de colocar em diversos níveis o tipo de rela­ ções entre as populações concelhias e as forças sociais. Antes porém de analisarmos o comportamento social a nível estrita­ mente local, convém em primeira mão auscultar o relaciona­ mento havido entre os naturais da Beira Interior e o próprio aparelho do estado. De imediato cumpre-nos destacar um ele­ mento importante gerador de mal-estar. Refiro-me às reacções havidas face ao sistema em que assentava a estrutura finan­ ceira do poder central. Para além da cobrança normal de im­ postos, que incidia no recebimento de fintas, talhas, sisas, portagens, etc., a cargo dos representantes da administração do reino, temos ainda o lançamento de impostos extraordi­ nários que constituia um factor desencadeante de angústias e receios entre os contribuintes.

Insere-se no conjunto desses impostos a sucessiva con­ cessão de subsídios extraordinários que se fez sentir ao longo do reinado de D. Afonso V. Durante a regência foram outor­ gados seis pedidos públicos, a que se deverão acrescentar mais oito no período que se segue ao afastamento do Infante D. Pedro (2). Foi precisamente nas cortes de Lisboa de 1456 que se votaram três pedidos a solicitação do monarca, que preparava então uma expedição militar contra os turcos. A cobrança desse imposto extraordinário na cidade de Viseu veio aumentar a intranquilidade vinda do ano anterior, em que se cobrara o pedido e meio e a dizima e meia para custear as despesas do casamento da Infanta Dona Joana, rainha de Castela, filha de D. Duarte e Dona Leonor, com o rei Hen­ rique IV (3). Queixavam-se amargamente contra o contador por os obrigar a pagar «por muytas pessoas que ha çim- quoemta, LX, LXXX e cemto annos e mays que som mortos e sseus beens gastados e nom ha hi delles memoria algüa» (4).

(2) Iria Gonçalves, Pedidos e Empréstimos Públicos em Portugal

durante a Idade Média, Lisboa, 1964, pp. 208-209.

(3) Idem, Ibidem, p. 209.

(4) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fl. 44 v.

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Abusos e violências na região da Beira

Mas se havia lamentações por causa de problemas de natureza fiscal, sempre tão penosos para as populações, que colocavam os concelhos em conflito com o poder central, através dos seus representantes, apareciam, ainda, outras re­ clamações que significavam um afrontamento entre municí­ pios e o estado. Neste caso situa-se Lamego que se agravava ao rei nas cortes de Lisboa de 1459 pelo facto da coroa lhe impor um juiz de fora, contrariamente ao critério usado até aqui, «auendo na dita cidade muitos boos escudeiros pera o serem». Pedido ao qual aliás D. Afonso V atendeu (5).

Outro factor de inquietação residia na circunstância dos concelhos fronteiriços se encontrarem constantemente amea­ çados pelo perigo permanente oriundo do exterior. A lingua­ gem da vila de Monsanto, nas cortes de Lisboa de 1439, apre­ senta-se expressiva a propósito da necessidade imperiosa de os seus habitantes encontrarem refugio dentro da cerca. No memorando dirigido ao rei diziam «que como se mouem al- guuas guerras per que se a çerqua aia de uellar, o comçelho teue sempre a chaue da porta primçipal daluacara e o alcayde tem suas chaues de menagem». Acrescentavam que «esto se costumou sempre porque se alguu cajom vier ao reuallde que as j em tes se possam colher aa çerqua, ca doutra guissa numca seriamos seguros dos alcaydes nem nos poderíamos defemder a nossos jmiguos». Sucede agora que «o alcayde que estaa no dito castello quer teer todallas chaues o que he pouco vosso seruiço e grande impidimento a toda a villa». Assim re­ queriam ao rei «que tall emnouamento se nom faça e que nos seia emtregue a dita chaue como sempre teuemos ca sem­ pre o comçelho foy mais leall que os alcaydes e fazernoes em ello merçee» (6).

Por seu turno Penamacor manifestava, nas cortes de Torres Vedras de 1441, que outrora o rei D. João I outorgara ao concelho para « soportamento das despesas» todos os «ma- ninhados» que existiam no termo da vila, bem como os bens que tinham sido confiscados aos «çismaticos» que se haviam exilado em Castela na sequência da revolução de 1383. Entre­ tanto os castelhanos penetraram nesta terra e roubaram todos os haveres. Como constasse agora que Pero Lourenço

Fer-(°) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fl. 221.

C) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira,

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reira (7) queria pedir ao rei esses «maninhados», advertiam que tal concessão a ser feita seria altamente lesiva para a terra e provocaria uma aceleração no seu processo de des- povoamento, devido à sua localização na proximidade da fronteira com Castela (8).

O peso das acusações incidia contudo em relação às si­ tuações de abuso que se praticavam a nível local. Numa so­ ciedade em que todos pretendiam ser privilegiados poucos eram aqueles a quem pertenciam as tarefas mais pesadas. As situações de assimetria social eram de natureza a que os mais desfavorecidos se revoltassem contra tanta injustiça.

Oiçamos de seguida as reclamações apresentadas por alguns concelhos. Comecemos pela Guarda, da qual Costa Lobo nos diz que no século XV dentro de «fortes muralhas habi­ tavam 379 famílias, e exteriormente trinta, [que esquecendo] de todo as antigas tradições de solidariedade, o que ahi se encontra são animosidades entre todas as classes» (9). Com efeito, manifestavam os procuradores da cidade, nas cortes de Torres Vedras de 1441, que o concelho tem uma renda (anual?) de 4.000 reais brancos e uma despesa que orça entre 18.000 a 20.000 reais brancos. Constatava-se que além de te­ rem o número escasso de «poboradores», a maior parte es­ cusava-se ao pagamento de fintas, as quais eram aplicadas às pessoas de acordo com a «sua fazemda». Acostavam-se aos fi­ dalgos, de quem diziam ser criados, fazendo-o tanto em rela­ ção aos naturais como a aqueles que se deslocavam por esses sítios. D. Duarte de Meneses (10), Diogo Lopes de Sousa (u ), Pero Lourenço Ferreira (12) e Diogo Soares de Albergaria (13) figuram entre os principais protectores desses apaniguados. Ao eximirem-se ao cumprimento das suas obrigações criavam- -se as condições para que todos aqueles que não fossem pro­ tegidos pelos fidalgos tivessem de abandonar a cidade, que deste modo ficaria praticamente «despoboada». Tudo isto não (•)

(T) Acerca deste cavaleiro e criado na casa de D. João I, que era alcaide do castelo de Pinhel, veja-se o nosso livro A Batalha de

Alfarrobeira. Antecedentes e Significado Histórico, Lourenço Mar­

ques, 1973, pp. 809-811.

(®) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fl. 104.

(•) Ob. cit, p. 226.

(,0) Acerca deste fidalgo vejam-se as notas biográficas que apresentámos no nosso citado livro a pp. 874-881.

(u) A respeito deste fidalgo vejam-se as notas biográficas que apresentámos no nosso livro a pp. 118-119.

(12) Veja-se a nota n.° 7.

(” ) Relativamente a este fidalgo veja-se a biografia existente em o nosso livro a pp. 687-689.

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Abusos e violencias na região da Beira

obstante o regente replicar que apenas ficariam isentos aqueles que tivessem cartas regias de privilégio, não devendo possuir qualquer validade aquelas que fossem concedidas pelos fidal­ gos, o que por certo não deixaria de passar de letra morta ( 14).

O mesmo concelho reclamava nas cortes de Évora de 1442, através dos seus procuradores Gonçalo Anes, almoxarife da Guarda e João Afonso, da Vela, contra o facto de existi­ rem na cidade e na comarca muitos «homeens mancebos», que para se livrarem dos encargos concelhios e de não terem de ser «acontiados em cauallos ou em armas ou em beesta de garrucha» se tomam frades da ordem terceira de S. Francisco. Esta situação resultava aberrante na medida em que esses homens «tem bem de comer e ssam boons offiçiaes». O re­ gente D. Pedro em resposta determinava que «seruam em to- dollos encarregos como os outros casados» (14a).

Semelhante à situação anterior é a que se nos depara em Viseu. Segundo Costa Lobo esta cidade «continha 459 mo­ radores, rudes e safaros como os fraguedos do seu districto». Acrescentando que «o termo da cidade era muito vasto; n’elle viviam uns 2881 moradores em aldeias espaçadas por intra­ táveis desvios e penhascos» (1B).

Nas cortes de Torres Novas de 1438 manifestava este concelho ter o rei D. João I concedido uma carta a esta cidade para «que todollos moradores e do termo paguem na fimta que se lamça pera quamdo se fazem as cortes e que nenhüus nam sejam escusos por preuillegios que teuessem saluo os fidalgos». Verificou-se entretanto «que algûus fidalguos nam querem em ello comsemtir que os seus caseiros e outros a elles cheguados que paguem e que fose sua merçê que lhe mandasse guardar», ao que a regência do reino, em nome do monarca, anuia dando instruções que os corregedores e juízes fizessem cumprir esta carta (1Ba). Exprimiam os procuradores às cortes de 1441 que «esta çidade he posta em gram deuisom assy he pellos moradores della sseerem acostados aos fidal­ gos que em ella comarcam», de que resultava furtarem-se aos serviços ordenados pelos juizes em benefício da cidade. As acusações recaiam em fidalgos como Diogo Gomes da

Sil-(“ ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D.

Afonso V, livro 2, fis. 88v-89.

(“*) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D.

Afonso V, livro 23, fl. 13v.

(” ) Ob. cit., pp. 220 e 225.

(“•) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 99.

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va (16), Diogo Soares [de Albergaria?], (17) Fernão Soares (1S), D. Duarte de Bragança, D. Duarte de Meneses (19) e D. Luis Coutinho (20). De novo tomava o regente a insistir que se cumprisse a ordenação conjunta de D. João I e D. Duarte sobre esta matéria a qual determinava que os juízes pode­ riam obrigá-los à prestação de encargos, com ressalva para as cartas de privilégios concedidas pelo rei e pelo Infante D. Henrique (21 ).

A cidade de Lamego na estimativa de Costa Lobo «cons­ tava de 472 vizinhos distribuídos por três bairros; de um lado o arrabalde da Seara, vivenda do povo miudo e traba­ lhador, do outro o bairro aristocrático da Sé, morada do bispo, conegos, beneficiados e pessoas nobres; no meio, em um teso, a alçaçova com seu castelo e torre, dentro de cujo recinto, em 1441, residiam trinta familias [...] O termo, em que viviam umas mil familias, estendia-se em roda da cidade no raio medio duma legoa» (22). Nas mencionadas cortes de 1441 afirmavam os procuradores concelhios, em ligeira disso­ nância com a cifra atrás apontada, que a cidade possuia seis­ centos habitantes, dos quais duzentos eram isentos pelo ma­ rechal Vasco Femandes Coutinho (23), pelo bispo D. João Vicente e ainda por outros fidalgos, pelo «que os outros que ficam ssam tam poucos que nom podem soportar os emear- regos da dita çidade». (24). Mais precisos, no entanto, se mos- tavam noutro capítulo em que diziam que o bispo D. João Vicente e o cabido isentavam cinquenta lavradores e caseiros das fintas, talhas e encargos do concelho. A este número jun­ tavam-se os duzentos homens que Vasco Fernandes Coutinho isentava e ainda uns quarenta a cinquenta homens protegidos pelos vassalos, pelo que somente restavam uns escassos trinta (*)

(16) Cavaleiro - fidalgo da casa do Infante D. Henrique (Monu­

menta Henricina, vol. Vil, Coimbra, I960, doc. 299, pp. 41-42).

(1T) Vejam-se dados biográficos a seu respeito na nossa citada obra a pp. 687-689.

(18) Cavaleiro - fidalgo da casa do rei (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, livro 37, fl. 39).

(ie) Veja-se a nota n.° 10.

(*) A respeito deste bispo de Viseu vejam-se dados biográficos

no nosso citado livro a pp. 789-791.

(21) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D.

Afonso V, livro 2, fl. 22v.

(22) Ob. cit., p. 208.

(23) Vejam-se a seu respeito dados biográficos no nosso citado livro a pp. 792-795.

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

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Abusos e violências na região da Beira

homens a quem pertenciam todos os encargos do muni­ cípio (25).

Por seu turno a vila de Pinhel nas mencionadas cortes de 1441, manifestava que outrora tinha 1.500 a 2.000 homens, mas devido às guerras e às epidemias estava agora reduzida apenas a 700 homens (20). Entre as suas queixas os procura­ dores exprimiam que o concelho tem um lugar na metade do seu termo a que chamam Colmeal Lamegal, cuja pertença era de Gonçalo Pereira (27) por doação do rei D. Duarte. Su­ cede desde que o referido fidalgo tomou o seu senhorio «numca quis nem quer comsentir que seruam nos carregos speçiaaes assy como pontes, fontes, muros, calçadas, vellas e roldas» do que resultava agravo aos moradores do lugar (28 ).

Semelhante comportamento ao de Gonçalo Pereira era o de João de Gouveia (29), alcaide de Castelo Rodrigo, de quem o concelho de Pinhel nas mesmas cortes se queixava ao dizer que no termo da vila há uma aldeia chamada Colmeal, onde residem certos caseiros desse fidalgo, os quais recebem «a proli comunall e cousas neçesarias da dita villa e quamdo som constrangidos pera soportarem algüus emcarregos do comçelho o dito Joham de Gouuea defemde os ditos seus ca­ seiros que nom seruam». Concluíam a sua reclamação, expri­ mindo dum modo assaz curioso, «que quem sente o proueito deue sentir o trabalho» (30).

As sucessivas reclamações formuladas nas cortes de Torres Vedras de 1441 tomaram a ser reeditadas nas cortes de Évora de 1442. Viseu voltava à carga ao manifestar-se con­ tra aqueles que «sse achegam aos fidallgos por os scusarem de pagarem em taaes despesas». Efectivamente, queixavam-se de que «os fidallgos nom querem comsentir que os seus ca- seyros e os outros a elle chegados que paguem para as taaes despesas e em tamto que breuemente nom podemos aver di­ nheiros pera taaes despesas» (31).

(25) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 256-256v. Cf. Costa Lobo, ob. cit., pp. 209-210.

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 255v.

(” ) Em relação a este fidalgo vejam-se alguns dados biográ­ ficos no nosso citado livro a pp. 917-920.

(:8) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 254v.

(a) Sobre este fidalgo vejam-se alguns dados biográficos no nosso livro atrás referido a pp. 825-827.

(30) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 254v.

(31) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 99V-100.

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Ainda nas cortes de Évora de 1442 os procuradores do concelho de Lamego reclamavam junto do regente D. Pedro contra os privilégios concedidos pelo rei Duarte ao bispo de Lamego D. João Vicente, para que deteminados homens da cidade e do termo ficassem isentos de «seruirem em nehüus emcarregos do comçelho nem pagarem em fimtas nem em talhas» ( 32).

Anos mais tarde, nas cortes de Évora de 1460, o con­ celho de Pinhel afirmava que havia tantos homens protegidos pelo Infante D. Fernando, irmão do rei, pelo Condestável D. Pedro, primo do monarca e por outros fidalgos «que se nom podem achar nhüus homeens pera nosso seruiço nem pera caregos do conçelho» ( 33).

A cidade de Viseu tornava-se a agravar nas cortes da Guarda de 1465. Lembravam os procuradores a determinação régia para «que nenhüu nom seia escuso de paguar em pomtes nem fomtes nem calçadas», cabendo ainda nesta decisão a disposição que estatuía «que os clérigos comtribuam em esto e seiam pera esto comstramgidos». Apesar do superiormente es­ tabelecido sucedia haver algumas pessoas portadoras de es­ pecial privilégio régio que as eximia de pagar ou de ter de servir. Por seu lado o bispo da cidade D. João Gomes de Abreu não permitia que os clérigos e leigos residentes no seu couto fossem constrangidos a tais obrigações, a não ser por sua autorização ( 84).

Relativamente a Viseu o mal-estar contra a igreja, já vinha de trás. Assim nas cortes de Évora de 1460 represen­ tava-se «que esse comçelho padeçe per os muy tos priuille- gios que hi ha, de guisa que esses poucos que os nom tem nom podem per fymta e talha paguar quamto abaste aos carregos neçessarios». Acrescentavam «que pera desto algüus escaparem, posto que sseus beens proprios tenham vaamsse fazer foreyros a Samta Cruz de Coymbra poemdo de foro em parte de sseus beens hüua gallinha ou outra pouca penssam e chamamsse do dito moesteyro e nom querem paguar nos ditos carregos». Solicitavam a D. Afonso V que não autorizasse o mosteiro de Santa Cruz a que «emcabeçe sseus cassaes e her­ dades em caseyros» (38).

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fl. 102.

(” ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 240.

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

fis. 25-25V.

(“ ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 41V-42.

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Abusos e violências na região da Beira

O conjunto de dados acima referenciados mostra-nos que a fuga às obrigações por parte dos que alcançavam pri­ vilégios era uma constante que provocava ansiedade e mal- -estar em relação a aqueles sobre os quais recaía o peso dos serviços e encargos da comunidade. Uma sociedade em dese­ quilíbrio teria de criar forçosamente algumas tensões que aca­ bariam por polarizar os sintomas de descontentamento e des­ peito pela prática de tão gravosas injustiças.

Um dos sintomas mais preocupantes assentava precisa­ mente na carência de justiça. Neste aspecto as cortes de Torres Vedras de 1441 traduzem um profundo mal-estar. Nelas o concelho de Lamego exprimia que toda a região da Beira se encontra «muito faleçida de justiça» conforme o que tinha sido dito «ao corregedor da uossa corte quamdo ora o senhor regente em esta çidade esteue». O Infante D. Pedro procurava tranquilizá-los ao responder que tinham sido dadas instru­ ções ao corregedor para que a justiça fosse executada de ma­ neira a que todos possam «seer guouemados e viuer segu­ ramente» (S6).

Mas a prova mais concludente de que a justiça não era praticada residia na própria queixa do concelho lamecense contra Rui Dias de Sousa, cavaleiro fidalgo (3T), pelos muitos actos violentos que praticava na cidade e no seu termo «dor- miindo com as moças e molheres casadas e por casar e tomando aos homens o que tem e segandolhe seus pãaes, comendolhe seus gaados e galinhas, sem elle pagar nehüua cousa» (3S).

Também a passagem da hoste do Infante D. Pedro pela cidade de Lamego, quando da campanha contra o conde de Barcelos, não deixou boas recordações aos seus moradores. Ë o que no-lo testemunham os agravamentos apresentados pelo município às cortes em apreço. Num dos capítulos dizia- -se expressamente que «se fezeram muitos danjficamentos e

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira,

fl. 255V-256.

(") Aparece-nos este fidalgo referido no documento em apreço como irmão de D. Maria de Sousa, mulher do marechal do reino D. Vasco Fernandes Coutinho e filha de D. Lopo Dias de Sousa, Mestre da Ordem de Cristo e de Dona Maria Ribeira (Livro de Linhagens do

Século XVI, Lisboa, 1956, p. 38). Algumas dúvidas subsistem em rela­

ção a esta filiação. A consulta do Livro de Linhagens do Século XVI revela-nos a existência de um Rui Dias de Sousa, capitão de Alcacer, filho de um Lopo de Sousa, homónimo do anterior (ob. cit., p. 42). Não se tratará, porém, de um outro Rui Dias de Sousa?

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira,

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malfeitorias aas perssoas (sic) da dita çidade e termos delia». Logo a seguir à partida do exército do regente coube ao In­ fante D. Henrique a tarefa de encarregar ao tabelião Gil Gon­ çalves o registo dos males causados aos seus moradores. Os procuradores pediam agora ao poder central para «pagar as ditas malfeitorias que asy per bem da uinda do dito senhor regente foram feitas» o que dava ao Infante D. Pedro fazer a promessa de escrever a seu irmão D. Henrique para que fossem «pagas estas malfeitorias dos dinheiros do seruiço que nos foy outorgado naquella comarca e que nom as auerndo hij que nollo faça saber pera sobre ello prouermos domde logo sejam pagas» (l5Sa).

Outra das reclamações relacionadas com a vinda do exército do regente a Lamego consistia na declaração de que «foram tomados pera sua despesa e daquelles que em sua hoste vieram muitos mantimentos os quaaes per elle foy man­ dado que se pagassem per os preços que sua merçee foy e hora nos he dito que nos querem demandar sissa dos ditos mantimentos que assy pera o dito senhor foram tomados». Também neste ponto o regente lhes dava razão ao isentá-los de sisa para o que deveriam requerer um despacho do vedor da fazenda (38b).

Outros exemplos de violência podem ser apresentados bastando para isso atentar na queixa que o concelho de Pinhel apresentou nas mencionadas cortes de Torres Vedras de 1441. Vale a pena relatar o caso. Gonçalo Vasques Coutinho (3n), que foi o primeiro marechal do reino, obtivera da coroa a aldeia de Érvilhão, no termo de Pinhel, na qual viviam uns quinze a vinte homens. Sucedia que os moradores desta aldeia opunham-se a que aquele fidalgo fosse seu vizinho, do que resultou, uma demanda que motivou a sentença em que se proclamava que ele não gozasse do estatuto de vizinho. A referida sentença irritou de tal modo a Gonçalo Vasques Cou­ tinho que este tomou a vida impossível aos de Pinhel e de Érvilhão. Reza o documento que tal comportamento provo­ cou o total despovoamento da aldeia, que ficou «herma» e para tal «meteoa toda em coutada lamçando em ella egoas e vacas». Ao mesmo tempo aquele fidalgo ordenava aos seus

(38a) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beiray fl. 256v.

(38b) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 256v.

(3e) Relativamente a este fidalgo veja-se Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, ed. da Imprensa Nacional, Lisboa, 1973, pp. 54-56.

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Abusos e violências na região da Beira

homens que se algum morador de Pinhel fosse achado na­ quele couto apascentando os seus rebanhos incorreria na multa de 6.000 soldos. Expunham os procuradores do con­ celho que «por a dita aldeea seer asy emuestida demtro em o termo nom se pode escussar que algüuas vezes nom errem e ajmda he pior que as eguoas e vacas sam tamtas que hüu mes se nom podem manter em a dita coutada e saaem delia e vãao a estragar os pãaes e fruitos dos moradores da dita villa». Argumentam receberem estes agravos com receio a represá­ lias por parte de Gonçalo Vasques Coutinho e de seu filho Vasco Fernandes Coutinho (40). Cansados de tanto sofrimento requeriam ao rei o direito a indemnização no caso dos seus pães e frutos serem danificados pelas vacas e éguas perten­ centes aos dois fidalgos. Pediam ainda o levantamento da cou­ tada, de maneira a que os pinhelenses houvessem «seruidam e logramento da dita aldea como antigamente ouueram». O In­ fante D. Pedro prudentemente respondia que era necessário obter informação do corregedor na Beira e que no caso de sé comprovar que Gonçalo Vasques Coutinho não possuia carta de D. João I por que pudesse fazer coutada, bem como as confirmações de D. Duarte e de D. Afonso V, então que se procedesse ao seu descoutamento (41).

A acrescentar aos problemas que afectavam os outros concelhos também Penamacor nas mesmas cortes de 1441 representava contra Pero Lourenço Ferreira (42), em virtude deste fidalgo trazer «ameaçados os moradores desta villa». Argumentavam que muitos homens aí residentes têm neces­ sidade de se deslocarem às feiras de Trancoso e da Guarda para fazerem face às suas necessidades materiais. Receavam encontrar no percurso a Pero Lourenço Ferreira, que reside na Guarda, o qual «pode topar com elles» e fazer-lhes «o que nom deue». Devido ao receio colectivo impetravam da coroa carta de segurança que os protegesse dele, de seus parentes, criados e apaniguados (43).

As relações entre o concelho de Penamacor e Pero Lou­ renço Ferreira eram de facto más, conforme se comprova por outro capítulo apresentado às mencionadas cortes. Nele se declarava que a população tirara a alcaidaria do castelo a esse fidalgo, o qual tomara a ser investido no mesmo sem

(40) Veja-se a nota 23.

(41) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl 254-254v.

C2) Veja-se a nota 7.

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 103v-104.

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que a gente de Penamacor consentisse em tal entrega. Desta oposição resultou que Pero Lourenço Ferreira «ficou muyto noso jmijgo por esto assy fazermos contra ele [...] e somos delle mujto ameaçados que nos fara maas obras em todo o que elle poder». Para evitar um grave conflito de que se pode «rrecreçer gramde perda e dampno» pediam ao rei que os direitos concelhios não fossem recebidos por ele mas sim pelo almoxarife da Guarda (44).

O concelho da Covilhã invocava nas mesmas cortes de 1441 que no seu foral antigo «se conthem que todollos mora­ dores desta villa e seu termo nom paguem portagem em todo nosso senhorio». Acontecia que os fidalgos Femão Varela, Alvaro Peixoto e Pero Peixoto (43) «Vãao comtr# o dito pri- uillesio e nollo nom querem guardar e nos leuam as ditas portajeens comtra dereito» (46).

Ainda, por último, nas aludidas cortes queixava-se o con­ celho de Viseu contra os fidalgos que permaneciam na cidade por espaço de longos meses que iam a um e a dois anos. Fa­ ziam-no «nom temdo em ella nehüuas remdas. danando com suas bestas os pãaes, vinhas e ortas que dam frutos, filhando os seus a carne e pescado comtra vomtade dos almotacees». Assim requeriam ao rei para que determinasse «que os fidal­ gos esteem em suas terras homde tem suas rendas e leixem a cidade aos poboradores delia sob certa pena que lhe pera ello ponhaaes». Atente-se na dinlomática resposta do regente D. Pedro, ao mesmo tempo definidora duma mentalidade se­ nhorial ao dizer que «os fidalgos virem aa çidade he homrra e nobreza delia» evidentemente desde que «nom fazendo mal ou danos» que os obrigaria a recorrer aos juízes e ao corre­ gedor e em última instância ao próprio rei (47).

Libelo tremendo foi representado pelo município de Pe­ namacor nas cortes de Évora de 1447. Os fidalgos visados eram Alvaro Peixoto, Pero Peixoto (48 ), Diogo Alvares da Cunha, D. Duarte de Meneses (49), Rui Fernandes Homem,

(“ ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

fl. 103v.

(") Veja-se a respeito deste fidalgo da casa do Infante D. Henrique o nosso mencionado livro a pp. 911-912.

(“ ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 253v.

O7) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 258.

(“ ) Veja-se a nota n.° 45. (49) Veja-se a nota n.° 10.

(15)

Abusos e violências na região da Beira

Pero Vaz de Castelo Branco (50) e o bispo da Guarda D. Luis da Guerra. Diziam que os referidos membros da nobreza e do alto clero possuem «algõuas terras e propriedades, assy suas como demprazamentos do bispo e cabijdo e moesteiros em o termo desta villa. E per bem desto assy teerem elles como homeens poderosos que ssom, lamçam per toda a terra que esta darredor déliés dizemdo que todo he seu. Tomamdo a muj tos homeens as terras e herdades que lhe ficarom de seus padres e madres e de suas heramças. Tomamdo todo ao com- çelho seus herdamentos e maninhos que lhe a vossa merçee deu. E pero que lhe rrequeyram que os nom forçem do seu e elles o nom querem leixar de o fazer, amte ameaçam os que lhe esto rrequerem dizendo que lhe daram pamcadas e faram taaes jogos que elles o semtiram bem» (5l).

Dois anos após a trágica morte do Infante D. Pedro em Alfarrobeira, precisamente nas cortes de Santarém de 1451, os procuradores de Lamego, Rui Lopes, escudeiro e Pero Vaz, vassalo, expunham ao rei que «em a dita çidade ha releguo no mes dagosto ho quail ora de nos tem o comde de Marialua e em elle ha de uemder o vinho do aprestemo do aro e outro nhuu nom segumdo se comthem no forall». Sucede que o re­ ferido conde D. Gonçalo Vaz Coutinho (32) recusava-se termi­ nantemente a respeitar as normas contidas no mencionado foral, o que levava o rei a sentenciar no sentido das autori­ dades lamecenses recorrerem ao corregedor da comarca para reposição da legalidade (**).

Mas as queixas contra o conde de Marialva prevaleciam, conforme se testemunha através duma sentença régia expe­ dida em 5 de Julho de 1454, a favor do concelho de Caria. Numa carta enviada por esse município a D. Afonso V quei­ xavam-se os autarcas que D. Gonçalo Coutinho tinha o péssi­ mo hábito de lhes «filhar suas rroupas de cama» e as levar para o seu couto de Leomil, temendo agora que o mesmo

(**) Supomos tratar-se do filho do almirante Nuno Vaz de Castelo Branco, alcaide mor de Moura, e de Beatriz de Ataíde. D. Pedro de Castelo Branco foi casado com uma filha de Rui Casco, de Évora, de quem teve dois filhos (Livro de Linhagens do Século XVI, pp. 278-280).

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

Ils. 125-125V.

(“ ) Vejam-se dados biográficos a seu respeito no nosso referido livro a pp. 784-788.

(") Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira, fl. 174v.

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agravo lhes fosse feito pelo seu filho primogénito D. João Coutinho (34).

A violência de D. Gonçalo Coutinho não conhecia limi­ tes. Acompanhado de seus homens e dos de Vasco Martins de Resende (55), que também se associou no empreendimento, vieram em assuada à cidade de Lamego e «acuytellarom» a João Lourenço de Seabra (3G). Como entretanto haviam sido detidos os culpados pelo homicídio, o conde e o seu colega da proeza passavam o tempo a ameaçar os lamecenses. D. Afon­ so V a pedido dos ameaçados concedia-lhes em 27 de Março de 1455 uma carta de segurança colectiva que os preservasse das más intenções desses fidalgos (57).

Os crimes praticados pelo segundo conde de Marialva foram de tal natureza que D. Afonso V o mandou prender, privando-o do castelo de Sabugal, que foi entregue a Pero Peixoto (3S). Também lhe foi tirada a alcaidaria do castelo de Lamego que viria a ser concedida a Vasco Martins da Cunha (59). Por intercessão da rainha D. Maria de Aragão (60) e de D. Isabel, irmã de D. Afonso V (01), acabou por alcançar o perdão régio. Assim obteve a devolução do castelo de Sabugal por carta régia de 13 de Abril de 1455 (62) e a jurisdição das suas terras por carta de 3 de Maio desse ano, sem que con­ tudo tornasse a reaver a alcaidaria do castelo de Lamego (G3).

A martirizada cidade de Lamego manifestou-se nas cor­ tes dc Lisboa dc 1459 contra o bispo da cidade D. João da Costa pelo facto de trazer muita gente que «quer apropriar o dito arrauallde a si e apoussemtar os seus nas casas dos leiguos

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 29V-30.

(C5) Vejam-se a respeito deste fidalgo alguns dados biográficos no nosso citado livro a pp. 931-933.

(5Ä) Este residente em Lamego desempenhava as funções de recebedor dos pedidos lançados pela coroa (Monumenta Henricina, vol. VII, Coimbra, 1965, doc. 213, pp. 306-308).

(57) Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, Collecção

de Cortes, vol. V, p. 254.

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D.

Afonso V, livro 15, fl. 34v.

(°9) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D.

Afonso V, livro 15, fl. 83.

(M) Archivo de la Corona de Aragon, Cancilleria Real, Registro 3217, fis. 5-5v.

(61) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, livro 15, fl. 6v.

(°2) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de

D. Afonso V, livro 15, fl. 34v.

(83) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria dc

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Abusos e violências na região da Beira

moradores no dicto arrauallde. E lhes britam as portas e tomam as roupas e que asi mamda tomar aos lauradores as palhas e heruas, carneiros, cabritos e gualinhas sem auctori- dade de uossa iustiça. E que os seus homeens fazem muitas trauessuras em dormirem com as molheres cassadas e ferir e acutellar, sem corregedor nem iuizes a isso tornarem. Delles por serem seus e outros por nom ousarem» (04).

O ressentimento dos naturais de Lamego contra os Cou- tinhos era de tal ordem que nas cortes de Lisboa de 1459 lem­ bravam que no tempo em que era vivo o primeiro conde de Marialva, Vasco Femandes Coutinho, fez tão «maa vizinhança a muitos dos moradores delia que elles se sairom e foram viuer aos arraualldes e a outros luguares alheos e que o dito comde mandou derribar e poer foguo das casas da dieta cerca». Com efeito os estragos computavam-se em valores su­ periores a cem mil reais brancos resultantes de destruições provocadas no castelo, na ponte, na cerca, nos paços do con­ celho, objecto das mais violentas depredações (05).

Nessas mesmas cortes observavam os representantes la- mecenses haver o «costume nas cidades e uillas homde ha alcaides moores poeremsse os allcaides pequenos de tres em tres annos e esto per comsijmtimento dos hornees boons». Que acontecia agora? Fazia-se precisamente o contrário na medida em que o conde de Marialva nomeava quem lhe ape­ tecia, sem que alguém se atrevesse a contraditá-lo. Aqueles que ele nomeava «som taaes pessoas que nom querem prem­ ie r os homeens que lhes os iuizes mamdam e que nom querem guardar a çidade de noute». Os que eram detidos estavam tão mal guardados que logo acabavam por fugir aos seus capto­ res (66). Uma estimativa desta incapacidade aparece denun­ ciada nas cortes de Santarém de 1468 em que se afirma que dos quarenta a cinquenta presos detidos no castelo, no período de cinco anos, todos se haviam evadido (67).

O desempenho das funções de coudel revestia uma ex­ trema importância junto das populações locais. Sendo o cou­ del um comandante de cavalaria a quem pertencia proceder à mobilização e revista dos corpos militares concelhios, o seu comportamento era considerado essencial num bom relacio­

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 220-220V. Cf. Costa Lobo, ob. cit., pp. 257-258.

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 22ÛV-221. Cf. Costa Lobo, ob. cit., p. 102.

(M) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

fl. 231.

(fl7) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira,

(18)

namento com os acontiados. Interessante se apresenta o capí­ tulo exposto pelo concelho da Guarda nas cortes de Torres Vedras de 1441, em que se dizia que quem tivesse 24 marcos de prata seria acontiado em cavalo e quem possuisse 12 em «beesta de garrucha». Pediam ao rei que se cumprisse a orde­ nação aplicada à Estremadura para esta «terra nom seer danificada nem asayada per os coudees», ao que o regente replicava que a regra devia ser a mesma que se usava em La- mego e no seu termo (®7a). O que sucedia contudo em Lamego a respeito deste assunto, que transparece nas cortes de Évora de 1442, significa a sensibilidade de tais atribuições. Aqui os autarcas referiam que enquanto as funções de coudel da ci­ dade estiveram a cargo de Lopo Dias, morador em Alvelos, era colocada «cada hüua pessoa naquellas armas que cada huua mereçia. E ajmda que nos em ello fazia algúu tamto da- grauo porque emtemdiamos que uossos rregnos nom erom em boa comcordia fomos contentes de teermos por vosso seruiço aquellas armas que nos por elle forom deytadas». Diziam de imediato que o novo coudel Rodrigo Anes, escudeiro ao conde de Marialva, parece «querer ora nouamente bullir comnosco e nos acomtiar outra vez de nouo por aver algüu proueyto de seu offiçio e por seer em elle conheçido. E por- quamto senhor nos todos geerallmente somos prestes a todo vosso seruiço e mandado com os corpos e armas e averes e com todallas cousas que nos Deus deu». Acerca desta maté­ ria o regente D. Pedro estabelecia doutrina. Assim os que são acontiados e entretanto não obtiveram mais bens ou ofícios não deveriam tornar a sê-lo; por seu tumo aqueles que rece­ beram heranças ou ofícios poderiam tom ar a ser acontiados pelo coudel (°8).

Os procuradores de Lamego manifestavam nas cortes de Lisboa de 1456 que havia sido acordado entre o rei e os concelhos nas cortes realizadas na mesma cidade no ano an­ terior que os ofícios de coudeis fossem dados aos moradores das cidades e vilas de todo o reino. Evitar-se-ia deste modo que os fidalgos e «poderosos» continuassem a perpetrar toda a casta de «males» e de «rroubos». Que sucedia em relação ao desempenho do cargo de coudel em Lamego? O conde de Marialva sem possuir a referida cidade e a sua jurisdição

(*’a) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 1 da Beira,

fl. 259.

(“ ) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 98V-99.

(19)

Abusos e violências na região da Beira

«se trabalhou dauer de nos a dicta coudelaria» o que repre­ sentava um forte agravo para os seus naturais (69).

O concelho de Caria, através do seu procurador João Martins notificava o rei acerca duma demanda travada entre o município e D. Gonçalo Coutinho, conde de Marialva, relati­ vamente à posse da coudelaria da terra. Argumentavam que as funções de coudel deviam ser desempenhadas por um na­ tural do concelho conforme o estabelecido nas cortes do reino. D. Afonso V por sentença de 12 de Agosto de 1456 concedia- -lhes esse direito ao dar-lhes toda a razão (70).

Dentro da mesma temática o município de Almeida re­ presentava nas cortes de Lisboa de 1459 que o conde de Ma­ rialva pretendia apoderar-se da coudelaria sem respeitar o costume da terra de «ser dado o ofiçio da coudellaria a huum homem boo morador na villa e naturall de hi». No fundo o que pretendia D. Gonçalo Coutinho era «sojugar a terra» de acordo com os seus temíveis desígnios. D. Afonso V concor­ dava com a pretensão concelhia (71).

Nessas mesmas cortes o concelho de Castelo Branco, através do seu procurador João Fernandes de Goios insur- gia-se contra D. Afonso V por haver dado a coudelaria per­ pétua da vila ao cavaleiro da sua casa Diogo de Sequeira. A atitude régia colidia com a determinação assumida nas cortes em que se estabelecia a doutrina da concessão do cargo não poder ir além de cinco anos para assim «se escusarem grandes saioarias e sojeiçooes dos poboos». Insistiam no sentido do nomeado apenas o ser no período estipulado, o que aliás obteve a anuência da coroa (72).

O concelho da Guarda representava nas cortes de San­ tarém de 1468 contra o facto dos coudeis e dos escrivães das coudelarias terminados os três anos estabelecidos pelos capí­ tulos e ordenações, impetrarem cartas por mais um período de três anos, resultando daqui que «numca saem de coudees e escripuaaes». D. Afonso V concordava ao determinar que as cartas outorgadas em antinomia com os capítulos e ordena­ ções deveriam ser revogadas (73). (*•)

(*•) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de

D. Afonso V, livro 13, fl. 104.

(T0) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fis. 43V-44.

(n) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de

D. Afonso V, livro 36, fl. 163v.

(T2) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, livro 36, fl. 173v.

(73) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Livro 2 da Beira, fl. 201.

(20)

Temos que no seu conjunto a região beirã foi atormen­ tada durante o reinado de D. Afonso V pelos atropelos e vio­ lências cometidas pelos fidalgos contra as suas populações, o que provocava a sua revolta frente aos poderosos. Destacam- -se em particular os Coutinhos, que pretenderam impor a sua regra como senhores feudais em toda a região. Uma cidade contudo sofreu as suas constantes investidas: trata-se de La- mego, que bem pode ser considerada, ela e o seu termo, como uma das localidades mais martirizadas de todo o século XV.

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