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A MEMÓRIA, A HISTÓRIA, O ESQUECIMENTO

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Academic year: 2021

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 1 Paul Ricoeur (França, 1913 – 2005) é reconhecido como um dos filósofos mais ilustres do século XX. Sua formação na Universidade de Sorbonne pauta-se no existencialismo, personalismo e fenomenologia. Porém, é a ideia de personalismo, estudos sobre a narrativa e história (temas que orientam sua produção bibliográfica) que o vislumbram enquanto um dos maiores pensadores do pós Segunda Guerra Mundial. O autor possui 34 publicações, dentre as quais podemos encontrar 4 traduzidas ao português: Na escola da

fenomenologia; Outramente; Hermenêutica e Ideologias e A memória, a história e o esquecimento, sendo esta última a que

nos debruçaremos nessa resenha.

A memória, a história e o esquecimento foi publicado em

francês no ano de 2000. Em português, a obra nos chega ao ano de 2007, sendo considerada uma ‘síntese’ de todas as suas obras. Dividida em três momentos, a reflexão na primeira parte sob o título Da memória e da reminiscência está relacionada à fenomenologia da memória. Para tanto, é realizado um retorno do fenômeno da memória por filósofos gregos como Platão e Aristóteles que contribuíram significativamente ao estado do debate fenomenológico atual. Os usos e abusos da memória e sua taxionomia também são temas abordados nesse capítulo. Por fim, o entorno da reflexão está na memória individual (olhar interior) e da memória coletiva (olhar exterior). Na RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução

Alain François et. al. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

A MEMÓRIA, A HISTÓRIA, O ESQUECIMENTO

Thais Helen do Nascimento Santos

Thais Helen do Nascimento Santos thaisnascimento.inf@gmail.com http://lattes.cnpq.br/9005952837 23507 Técnica em arquivo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestra pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharel em Arquivologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Submetido em: 01/05/2013 Publicado em: 22/06/2013

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 2 segunda parte História/ Epistemologia a ênfase está na operação historiográfica em suas três fases que a estruturam: fase documental, fase de explicação/ compreensão e fase de representação. Em A condição histórica, a explanação incide à hermenêutica do saber histórico que conta com duas vertentes: uma crítica e outra ontológica. O ápice do percurso construído por Ricoeur é alcançado nos dois últimos momentos de sua obra: o esquecimento e o perdão difícil, que encadeiam toda a discussão levantada.

O primeiro capítulo intitulado Da memória e da reminiscência é fragmentado em três seções: memória e imaginação, memória exercitada: uso e abuso e memória pessoal, memória coletiva. Para início de explanação, o autor percorre a afirmação que “a permanente ameaça da confusão entre rememoração e imaginação, que resulta desse tornar-se imagem da lembrança, afeta a ambição de fidelidade na qual se assume a função veritativa da memória. [...] E no entanto, nada temos de melhor que a memória para garantir que algo ocorreu antes de formarmos sua lembrança” (p. 26). Nesses termos é a representação do passado pela memória que o autor se ocupa. Nesses parâmetros urge o dualismo: memória e imaginação. Imbricadas por “natureza”, as discussões perpassam a distinção entre memória e imaginação, ou seja, discernir o espaço que cada uma ocupa no escopo da fenomenologia da memória.

Sobre a fenomenologia da memória, esta aborda o complexo mnemônico e sua taxionomia. Para tanto, o filósofo recorre aos estudiosos da memória como Henri Bergson, Edmund Husserl e Edgar Cayce para permenorizar os vértices memorialísticos na busca pela especificidade explicativa. Entretanto, é a relação entre a lembrança e a imagem que culmina os primeiros pressupostos erguidos por Ricoeur. A título de didatização, ele toma a seguinte questão como base: “[...] é a lembrança uma espécie de imagem, e, em caso afirmativo, qual?”. Para obter a

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 3 resposta, mais uma vez busca em Husserl os pressupostos teóricos. Dessa vez, na relação que este último faz acerca da lembrança e da imagem sob a Bild (representação pictórica: retratos, quadros, dentre outros) e a Phantasie (escopo ficcional: fadas, anjos, diabos, enfim, lendas). Cabe-nos pensar: se a imaginação parte de entidades fictícias que não representam o real, esta não estaria em uma estatura maior que a lembrança, em outro segmento, já que se incube não apenas do real, mas também do irreal? Vejamos o que Ricoeur afirma: “[...] enquanto passada, a coisa lembrada seria uma pura

Phantasie, mas, enquanto dada de novo, ela impõe a lembrança

como uma modificação sui generis aplicada à percepção; sob esse segundo aspecto, a Phantasie poria em ‘suspenso’ a lembrança, a qual seria, por causa disso, mais simples que o fictício. Teríamos, assim, a sequência: percepção, lembrança, ficção” (p. 65).

Além disso, a fenomenologia da memória em relação a capacidade do homem, ela é explorada como exercício. Sendo exercitada, corrobora com as concepções de uso e abuso: “[...] o exercício da memória é o seu uso; ora, o uso comporta a possibilidade do abuso. Entre uso e abuso insinua-se o espectro da “mimética” incorreta. É pelo viés do abuso que o alvo veritativo da memória está maciçamente ameaçado” (p. 72). Diante disso, a autor apresenta uma taxionomia aos abusos da memória. Sobre os abusos da memória artificial e as suas proezas da memorização é destacado a partir de três pontos: 1. memória mais ligada ao fundamental do que aos acontecimentos; 2. moralização e valorização da ars memoriae (memória como objeto de elogio, que necessita de cuidados especiais; “tesouro de todas as coisas”); 3. uma mudança repentina pela junção da mnemotécnica e do segredo hermético que pôs em risco o destino da memória artificial. No que tange aos abusos da memória natural, o autor as classifica em: 1. memória impedida: em analogia com um conflito, ao seu final

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 4 teremos um vencedor e um perdedor, humilhado. Dessa humilhação se constituem as cicatrizes simbólicas carentes da cura. Sem a cura, a memória se configura como impedida; 2. memória manipulada: caracterizada mediante fenômenos ideológicos, ou seja, os abusos que resultam de manipulação e do esquecimento por advindos daqueles que manipulam, de uma memória instrumentalizada; 3. memória obrigada: compreende o dever de memória. Em um viés de eminência imperativa, no dever de memória, frases que estão em constante uso: “Você se lembrará!”, “Você não esquecerá!”, transcorrem o bom uso e o abuso do exercício da memória.

De sua fenomenologia, aos usos e abusos, o filósofo finaliza seus ponderamentos sobre a memória na relação entre a memória pessoal e a memória coletiva. Para apreciação, ele se questiona: a quem é legítimo atribuir a busca da lembrança? Seguindo a sua dinâmica de interação com o leitor, Ricoeur deflui na tradição do olhar interior com Santo Agostinho, John Locke e Husserl. Do ponto de vista extremo através do olhar exterior, é Maurice Halbwachs que norteia suas exposições. Na polaridade do eu e do coletivo, o autor considera que “[...] o ponto de partida de toda análise não pode ser abolido por sua conclusão: é no ato pessoal da recordação que foi inicialmente procurada e encontrada a marca do social. Ora, esse ato de recordação é cada vez mais nosso. Acreditá-lo, atestá-lo não pode ser denunciado como uma ilusão radical” (p. 133). Desse modo, suas considerações confluem na ideia “de uma tríplice atribuição da memória: a si, aos próximos, aos outros” (p. 142).

O segundo capítulo da obra tem como título

História/Epistemologia. Seu foco está na epistemologia do

conhecimento histórico, em outros termos, na autonomia epistemológica da ciência histórica, mas também o da auto-suficiência de um saber de si para a própria história. Para essa exposição, o filósofo faz uso de “fases” que caracterizam os três

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 5 seguimentos da operação historiográfica e correspondem as seções do capítulo: fase documental; fase explicativa/compreensiva e a fase representativa. No que se refere a fase documental, sendo esta a que se aplica diretamente no campo da Arquivologia, a memória é enfatizada enquanto “plano formal”, como testemunho que em sua exteriorização se inscreve como documento (de arquivo), que projetará a “confiança” de historiadores, pesquisadores e cidadãos na constituição de sua história e memória. Na prerrogativa que o testemunho parte da ação, familiaridade com o acontecimento, este “[...] nos leva de um salto, das condições formais do conteúdo das “coisas do passado” [...], das condições de possibilidade ao processo efetivo da operação historiográfica. Com o testemunho inaugura-se um processo epistemológico que parte da memória declarada, passa pelo arquivo e pelos documentos e termina na prova documental” (p. 170). Nesse contexto, “[...] o arquivo apresenta-se assim como um lugar físico que abriga o destino dessa espécie de rastro que cuidadosamente distinguimos do rastro cerebral e do rastro afetivo, a saber, o rastro documental” (p. 177).

A fase explicativa/compreensiva, a segunda da operação historiográfica, orienta-se aos recursos de exploração para a pesquisa do historiador. A explicação/compreensão do fato/ação histórica se cristaliza a partir do momento em que o historiador assume um olhar direcionado, ou seja, explora um modelo (geografia, urbanismo, biologia), uma escala micro ou macro diante de suas variações. Além disso, a explicação/compreensão está diretamente imbricada com os materiais de análise que o pesquisador possui: testemunhos, documentos, objetos que marcaram/presenciaram o(s) acontecimento(s): a prova documental.

Findando as fases da historiografia, Ricoeur acredita que “[...] é em termos de representação que pode ser formulado o alvo da

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 6 memória enquanto é dita do passado” (p. 248). Dessa forma, representação em história consubstancia o presente de uma coisa ausente. A representância exprime o resultado do processo historiográfico, contemplando as expectativas em detrimento da busca, da compreensão, da interpretação e da exteriorização exploratória. Tornar algo abolido temporalmente em algo presente, é o que configura a epistemologia histórica em torno da memória, com a história enquanto ciência humana, da história enquanto suporte de ser e estar no mundo.

A Condição Histórica, terceiro e último capítulo, dedica-se aos modos de compreensão a partir da hermenêutica do saber histórico. Para tanto, parte de duas vertentes: crítica e ontológica. Contudo, tratando o esquecimento como “[...] emblemático da vulnerabilidade de toda a condição histórica” (p. 300), considera que é nesse momento da discussão que se encaixa tal fenômeno. Acerca da hermenêutica crítica esta “[...] não esgota seus recursos na denúncia das formas abertas ou dissimuladas da pretensão do saber de si da história à reflexão total. Ela está atenta às tensões, às dialéticas, graças às quais esse saber avalia de modo positivo sua limitação” (p. 310). Sendo assim, a compreensão crítica da história é analisada por dois eixos de compreensão: a extremidade negativa da crítica e as dialéticas internas e externas.

No que corresponde a vertente ontológica “[...] a hermenêutica dá-se como tarefa a exploração das pressuposições que podem ser ditas existenciais tanto do saber historiográfico efetivo quando do discurso crítico anterior” (p. 299). Todo o trajeto percorrido por Ricoeur nos capítulos anteriores tem seu apogeu sob o esquecimento e do perdão difícil (epílogo da obra que é apresentado no próximo parágrafo). Sobre o esquecimento, “[...] de um lado, o esquecimento nos amedronta. Não estamos condenados a esquecer tudo? De outro, saudamos como uma pequena felicidade o retorno de um fragmento do passado

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 7 arrancado, como se diz, ao esquecimento” (p. 427). Assim sendo, o filósofo explora o esquecimento como integrante do processo memorialístico diante de dois parâmetros: de um lado, uma ameaça à fenomenologia da memória e à epistemologia da história; de outro uma figura da “memória feliz”. Para tanto, retoma a discussão na articulação dos rastros escrito, psíquico e cerebral/cortical como práticas para evitar o esquecimento.

Por fim, o epílogo da obra com O Perdão Difícil aponta o perdão como ápice dos três conceitos que orientam a obra de Paul Ricoeur: a memória, a história, o esquecimento. Percorrendo a ideia que o enigma do perdão está na representação da coisa ausente, do passado, sua origem está na dessimetria que existe entre a falta e o perdão. Além de questionar a todo o momento a existência do perdão (que justifica do título do epílogo), o autor faz um retorno ao caminho percorrido desde o início para que possamos compreender o horizonte que o perdão se caracteriza nesse cenário. Contudo, mais do que respostas, o filósofo nos deixa mais inquietações no final da leitura: a prática do perdão é possível? A chave do perdão estaria no desligamento do sujeito com a sua ação, mas isso é possível? A compreensão que assumimos hoje sobre o perdão não estaria equivocada? Somos capazes de perdoar? Em que sentido? “[...] O perdão, se tem algum sentido e se existe, constitui o horizonte comum da memória, da história, do esquecimento” (p. 465).

Não apenas nos moldes da filosofia e da história, a obra resenhada apresenta suas contribuições. À Ciência da Informação, que se ocupa na reflexão e desenvolvimento de teorias e práticas informacionais, requer especial atenção nos preceitos sociais, logo, também memorialísticos. São as unidades de informação em suas práticas administrativas e sociais (como Ricoeur já cita o arquivo) que acondicionam e garantem a confiabilidade aos rastros dos fatos ocorridos no campo do real.

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RACIn, João Pessoa, v. 1, n. 1, p. 1-8, Jan.-Jun. 2013 8 O arquivo como local que testemunha através do rastro documental se configura como rica e segura fonte de informação para historiadores e pesquisadores afins. Não obstante, são esses rastros que viabilizarão o desvelamento das lembranças (individuais e/ou coletivas) e, consequentemente, à cristalização da memória. Nesses termos, são os arquivistas, assim como os bibliotecários e museólogos os profissionais que irão ensejar a evocação da memória, de uma “memória feliz”.

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