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POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE INDIANISTAS; EXPERIÊNCIA NO MÉDIO SOLIMÕES E AFLUENTES

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SABER ACADÊMICO - n º 07 - Jun. 2009/ ISSN 1980-5950

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE INDIANISTAS;

EXPERIÊNCIA NO MÉDIO SOLIMÕES E AFLUENTES

DUSILEK, Alessandra1

INTRODUÇÃO:

Este relato de experiência é fruto de participação de um projeto de oferta de atendimento e imunização em comunidades indígenas na selva amazônica, no médio curso do rio Solimões. E tem como objetivo mostrar impressões culturais e críticas para possíveis futuras reflexões sobre o tema.

O TRABALHO E O LUGAR

Em um país democrático, pressupõem-se que a política diz respeito a todos os cidadãos. Neste sentido, concordamos com as idéias de dois grandes cidadãos, e porque não políticos: a alemã Hannah Arendt e Paulo Freire. As idéias da política e pensadora Hannah Arendt eram que o sentido da política é a liberdade, e a de Freire, de que a liberdade pode ser conquistada por meio da educação. É por isso, que acreditamos que a formação de qualquer universitário (neste caso destaco os enfermeiros) é relevante na revisão de valores e das relações éticas no contexto da profissão, na reflexão acerca das questões de poder/autonomia e no fortalecimento da identidade profissional; na expressão política do conhecimento, pelas articulações dos profissionais, pela organização das entidades de classe e pela sua inserção nos diferentes movimentos da sociedade civil e, em particular na comunidade científica.

A reflexão exposta acima, somente teve sentido quando eu participei em um trabalho de uma ONG, chamada União das Nações Indígenas de Tefé (Unitefé) na floresta amazônica. Esta prestava serviços para a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA em um projeto de atendimento básico de saúde para povos indígenas no interior da floresta. Hoje, esta ONG não existe mais.

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SABER ACADÊMICO - n º 07 - Jun. 2009/ ISSN 1980-5950

A região em que atuei é denominada de Médio Solimões e seus Afluentes, mas grande parte das minha atividades estavam concentradas no rio Juruá. Podemos observar a localização desta região no mapa abaixo:

MAPA 1 – Localização do Médio Solimões e seus Afluentes.

Como podemos observar o rio Juruá (destaque em amarelo) e com mais quatro afluentes do Solimões (os riosTefé, Jutaí, Uruai e Coari) formam a região do Médio Solimões.

A minha base operacional e administrativa era na cidade de Tefé – AM. Neste mesmo local, funcionava a Casa de Saúde Indígena. Era um estabelecimento que alojava os índios que precisavam de ficar hospitalizados ou mesmo aqueles que já tinham alta, aguardavam o transporte para retornar a suas aldeias.

A grande parte dos índios que atendia era o povo Madijá. Este povo também é conhecido regionalmente como Kulina. Eles pertencem à família linguística Aruak e tem características semi-nômades, habitando cinco diferentes terras indígenas ao longo dos rios Juruá e Purus, nos limites dos municípios de Santa Rosa, Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá, todos na divisa do Acre com a Amazonas. Um ponto importante que merece

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atenção é o que permitia o desenvolvimento das ações do projeto era a possibilidade de que, pelo menos, os homens deste povo sabiam falar a língua portuguesa.

Tive a oportunidade de ver um ritual festivo onde havia uma dança chamada

Arriê. Era uma festa muito longa. Lembro que eles ofereciam uma bebida fermentada

durante as festividades. Uma coisa me marcou, no dia em que fui nesta festividade, todos avançaram a madrugada dançando e cantando. Eu mesma não pude recusar em parar de dançar, pois segundo o guia do meu grupo, isso seria uma ofensa terrível.

Diante das peculiaridades climáticas da região amazônica, quando o rio Juruá se encontra na época de vazante, ou seja, seca, os índios saem da floresta e se instalam na beira das lagoas, igarapé e nas várzeas dos rios maiores da região.

Já nos períodos de cheia, os índios retornavam para as aldeias no interior da floresta.As aldeias que eu atendia tinham em média de 25 famílias, sendo a maioria crianças. Os nomes das aldeias Pau Pixuna, Boca do Pau Pixuna, Kumarú, Arapiranga, e Ipiranga. Estas eram as aldeias que eu tomava conta.

Houve momentos que eu atendia outra etnia, a Deni. Estes vinham da parte baixa do Solimões, já no Acre. O motivo do deslocamento era a visita aos “parentes” que vivam na região do Médio Solimões, assim, aproveitavam para receber o atendimento.

Este projeto estava estruturado da seguinte maneira, a equipe de trabalho era um enfermeiro, um técnico de laboratório, dois auxiliares de enfermagem e um auxiliar de serviços gerais. Também havia um guia e piloto de embarcação.

No meu caso, o guia e piloto que trabalhava comigo se chamava Sorupanã, mas como ele mesmo havia me dito, a dificuldade das pessoas brancas e estrangeiros em não conseguir falar corretamente o nome, ele mesmo mudou para Sorivan. Ele era um senhor mestiço, filho de pai branco e mãe índia da etnia Madijá.

No decorrer do projeto eu me deparei com algumas coisas instigantes. Em quase todas as aldeias que abrangiam o projeto tinha uma agente indígena de saúde, AIS. Geralmente era o cacique (Tuchaua) que desempenhava esta função. O que me ocorria era como este cacique conseguia lidar com esta estrutura do homem branco e ao mesmo tempo ele convivia com o pajé. Pois muitas vezes, no atendimento o agente e o pajé iam junto ao local do enfermo. Devo ressaltar que ele (o pajé), mais atrapalhava do que

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ajudava, mas em momento algum, o agente questionava esta interação ou mesmo sobreposições de mundos.

Muitas aldeias tinham muito contanto com o homem branco, assim o índice de doenças como DST (Doença Sexualmente Transmissíveis), desidratação desnutrição nas crianças era o quadro geral da realidade da vida deste povo que atendia.

Na minha área , eu não cheguei a notificar nenhum aumento depois do inicio das atividades, mas em outra áreas, surgiram epidemias com casos de morte por sarampo, sífilis e até catapora em adultos.

Acidentes com animais peçonhentos eram comuns. O que eu chamava atenção eram os acidentes, envolvendo mordidas de jacaré. Por isso não podia faltar alguns instrumentos e remédios como fios para sutura, alguns antibióticos, antiinflamatório, soros antiofídicos e soros fisiológicos.

A equipe possuía dois barcos, um equipado com um motor 25 e outro de 45 HP. Estes barcos tinham que atender as imunizações e as possíveis transferências de pacientes até a cidade mais próxima, no caso Tefé, caso alguma enfermidade não desse para ser tratada no polo indígena de saúde (era a base em cada aldeia).

A estrutura que era oferecida para a minha eram duas casas, em um ponto central das 5 aldeias que administrava. Uma casa era flutuante, onde dormia toda a equipe. A outra era a casa para o atendimento, era fixada no barranco. Tínhamos um rádio para comunicar com a nossa central em Tefé, mas este instrumento vivia quebrado, o que reforçava as nossas peregrinações constantes pelo rio até a base, em busca de informações.

MINHAS IMPRESSÕES: CULTURA E POLÍTICA INDIANISTA

Alguns aspectos culturais e políticos deste tipo de trabalho ao longo desta minha experiência foram tomando forma e crítica, sobretudo como a sociedade do centro-sul não tem nada de vestígios da tradição indígena e como somos formados a valores culturais que não representam em nada os valores primazes de nossa gente. Relato isto, através de duas experiências.

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A primeira experiência foi que ao longo do trabalho, percebi a relação e papel que o homem tem em relação a mulher. Um exemplo é o processo de gestação. Além de participar de todo o processo, no caso das minhas aldeias e etnia, o homem fica de resguardo como a mulher. Durante os meses que antecedem o parto, o homem fica na oca em resguardo também. No dia do parto, ele está ao lado da mulher, alem dele ter o papel de segurar o cordão umbilical e cortar com os dentes. Eram raros os casos de usar tesoura, mesmo assim, tive que tomar muito cuidado para o uso deste instrumento. Lembro-me de um caso de uma outra equipe, onde a enfermeira não perguntou ao pai e nem ao pajé para o uso da tesoura. Fui horrível, a tribo achou aquilo uma ofensa, e queriam mata-la. Houve intervenção da Funai e Polícia Federal para a retirada da colega, pois a tribo inteira já tinha cercado o posto de atendimento.

Esta distância da cultura do homem branco para os indígenas que me chamou a atenção. Ainda existe um enorme fosse entre estes dois mundos. Não há como negarmos. E pior, nós contratados pela para a prestação do serviço alem da busca por uma boa remuneração não temos e não tivemos a menor preparação para este mundo que iria viver.

Era assim que eu comecei a ver todo o projeto, e ai que começa a segunda experiência. Sem preparo, apesar de estar cheio de recursos. Morrer de sarampo nos dias de hoje, aqui no centro-sul parece surreal, mas lá não. Ainda acontece. A pobreza era tanto para os povos ribeirinhos quanto para os índios, que por muitas vezes iam buscar atendimento no posto também.

A desarticulação da ONG com a própria Funai, levou ao fechamento, incrivelmente por falta de recursos, esta era a alegação da administração da ONG. Mas este discurso, poderia se chamar de falta de competência para administrar uma política tão importante como esta.

Muitas vezes fiquei sem contato, ou mesmo, sinal com a sede por mais de 3 semanas. Tive que trabalhar por mais de três meses seguidos por não ter com quem trocar a escala de trabalho. Diziam que era falta de enfermeiro no mercado que queriam enfrentar os desafios e fantasias que a Amazônia impunha. Uma vez, um funcionário administrativo me disse que parte dos cargos que estavam em Tefé eram políticos e não técnicos. Não tive dúvidas, comprovei isto na prática.

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No cenário do trabalho em saúde no Brasil, mais especificamente, no caso das políticas públicas para as nações indígenas, implica também olhar a partir de uma perspectiva ético-filosófica, o exercício de uma prática profissional e as inerentes situações que aí se apresentam.

Entendo que existem determinantes do trabalho em saúde que conformam o trabalho da enfermagem definindo as relações profissionais e institucionais, de dominação e subordinação. Entretanto, isto não é debate ao longo da formação em enfermagem. Uma pena! Tive que aprender no exercício da profissão. Se tivesse esta preocupação, anteriormente, fico me questionando, será que enfrentaria tudo isto de novo? Não sei. O desrespeito com a população indígena é fato. E pouca coisa tem sido feito para melhorar.

Quando meu contrato acabou, tive a sensação de deve cumprido. Ao ler que a ONG para quem trabalhei, fechou e ainda envolvida em alguns supostos escândalos, de certa forma, confirmam minhas evidencia colidas em campo.

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Graduada em enfermagem pela Unoeste. E-mail: aduslek@hotmail.com.

Relato de Experiência Recebido em 17 de maio de 2009

Aprovado em 05 de junho de 2009.

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