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Título: The privatization of public higher education, attendance rates and the autonomy of the university in Portugal

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Academic year: 2021

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Autores:

Belmiro Gil Cabrito, b.cabrito@ie.ul.pt Luísa Cerdeira, lcerdeira@reitoria.ul.pt

José Tomás Patrocínio, patrocinio.tomas@gmail.com Maria de Lourdes Machado-Taylor, lmachado@cipes.up.pt

Título:

The privatization of public higher education, attendance rates and the autonomy of the “university” in Portugal

A privatização do ensino superior público, taxas de frequência e a autonomia universitária em Portugal

1. Introdução

Falar de ensino superior em Portugal obriga-nos a remontar aos tempos da ditadura do Estado Novo, que terminou com a Revolução Democrática de 25 de Abril de 1974. Até então, o país caracterizava-se por enormes desigualdades e injustiças sociais. Nem os direitos humanos mais elementares eram salvaguardados.

A educação portuguesa nos tempos da ditadura era altamente elitista (Mónica, 1978). Não existia escolaridade obrigatória. No início da década de 1970, o défice educativo era enorme. A generalidade dos jovens frequentava apenas os primeiros 4 anos de escolaridade que constituíam um primeiro ciclo de escolaridade designado de “instrução primária”. Depois, desses 4 anos de instrução, os jovens que prosseguiam estudos podiam optar entre duas vias: o ensino liceal, com uma duração de 7 anos cuja missão era preparar os estudantes para a universidade e que se destinava, basicamente, para os indivíduos oriundos dos estratos mais favorecidos, e o ensino técnico comercial e industrial, com uma duração de 5 anos, que preparava os jovens oriundos da classe operária, dos pequenos agricultores e comerciantes, para o mercado de trabalho. Obviamente, nas circunstâncias políticas e sociais da época, a tomada de decisão sobre que estudos seguir estava fortemente condicionada pela herança cultural, como refere Boudon (1973). Era uma oferta educativa selectiva e elitista que reproduzia as

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desigualdades sociais, num verdadeiro processo de reprodução social, no sentido que lhes é dado por sociólogos e economistas como Bourdieu & Passeron (1964; 1970), Bowles & Gintis (1974), Willis (1977), Boudon & Lagneau (1980), entre tantos outros. Á semelhança do afirmado por Althusser (1998), a escola em Portugal era um verdadeiro “aparelho ideológico de Estado”.

Neste quadro classista, nas vésperas da Revolução de 1974, a universidade era frequentada por uma minoria de jovens que seriam os futuros gestores do capital e do governo, sendo que mais de 95% desses jovens pertencia à classe dominante.

Com a Revolução de Abril de 1974 muitas foram as alterações registadas no país, nomeadamente no campo educativo, em todos os níveis: ensino básico, ensino secundário e ensino superior.

Assim, desde logo no ano lectivo de 1974/1975 foi estabelecida a escolaridade obrigatória com uma duração de 6 anos. Este número elevou-se para 9 anos a partir de 1986, com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo e, para 12 anos, desde meados da última década.

Para além disso, no que respeita o ensino básico e secundário, operou-se a unificação das anteriores vias liceal e técnica. Finda a escolaridade básica, a todos os jovens que quisessem prosseguir estudos era disponibilizada uma única via de ensino, próxima da anterior via liceal.

Quadro 1 – Taxa real de escolarização em 1971, 1981 e 2011 (%)

Educação pré-escolar (5

anos de idade)

Ensino Básico Ensino

Secundário (16 a 18 anos de idade) 1.º ciclo (6 a 10 anos de idade) 2.º ciclo (11-12 anos de idade) 3.º ciclo (13 a15 anos de idade) 1961 0,9 80,4 7,5 6,1 1,3 1971 2,8 83,7 22,0 14,7 1,3 1981 17,8 100,0 41,1 26,2 12,4 2011 85,7 99,1 95,4 92,1 72,5

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Entretanto, a população portuguesa, mesmo a mais humilde, percebeu as vantagens da educação no momento de entrada no mercado de trabalho. Esta população apercebeu-se de que, em democracia, os seus filhos poderiam obter os mesmos títulos académicos que obtinham os jovens mais ricos, e ocupar, também, cargos de responsabilidade social, económica e política. E, nesse sentido, assistiu-se a uma procura explosiva de educação, desde o ensino básico até ao superior.

Quadro 2 – Alunos matriculados por subsistema de ensino

Pré-escolar Básico (9 anos) Secundário (3 anos) Total não superior Superior Total 1961 6528 1066471 13116 1086115 24149 1110264 1970 15153 1316279 27028 1358460 49461 1407921 1981 100178 1574568 176084 1850830 83754 1934584 2011 276125 1206716 440895 1923736 396268 2320004

Fonte: Elaborador a partir de PORDATA; a partir de dados da DGEEC/MEC; INE.; nos anos 1960 a 1981, in A situação Social em Portugal, 1960-1995, A. Barreto (org.).

A educação foi eleita, literalmente, como o mais importante instrumento de desenvolvimento e de ascensão social. Assim, e apesar das dificuldades económicas que as famílias iriam conhecer, assistiu-se ao crescimento explosivo do número de jovens matriculados no ensino secundário e, em continuação, no ensino superior. Ter um filho no ensino superior transformou-se no objectivo de muitas famílias que lutavam por uma melhor situação económica e social para os descendentes. Deste modo, veio a ocorrer uma procura explosiva de educação superior logo no ano lectivo de 1975/1976. Dos cerca de 25000 estudantes deste nível de ensino anteriores à Revolução de Abril chegamos aos mais de 70000 em 1975. E essa procura social de educação superior continuou por dezenas de anos. Observe-se o Quadro 3.

Quadro 3 – Evolução do número de estudantes do Ensino Superior (universitário e politécnico, público e privado)

Ano lectivo N.º de estudantes Ano lectivo N.º de estudantes 1960/61* 24 149 2001/02 396601 1965/66* 33 972 2002/03 395478

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1970/71* 49 461 2003/04 388724 1975/76* 70 912 2004/05 380937 1980/81 82 428 2005/06 367312 1986/87 116 291 2006/07 366729 1990/91 186 780 2008-09 373002 1995/96 313795 2009-10 383627 1999/00 373745 2010-11 396268 2000/01 373745 2011/12 390273

Fonte: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Superior GPEARI-OCES – Direcção de Serviços de Estatísticas e Indicadores e PORDATA. * A. Barreto (org.), A Situação Social em Portugal, 1960-1995

Os valores do quadro testemunham bem o processo de procura social de educação superior que só nos anos mais recentes conheceu uma ligeira quebra como resultado, fundamentalmente, de dois processos que caminham em sentidos iguais: o demográfico, em virtude da forte diminuição do número de nascimentos e consequente processo de envelhecimento da população portuguesa; o socioeconómico, em virtude de uma conjuntura económica que, desde finais da década de 1990, tem conduzido ao desemprego dos diplomados e, como tal, influenciando negativamente a procura deste nível educativo.

Naturalmente, uma tamanha intensidade na procura de educação exigiu a entrada no sistema de vultuosos capitais, seja para a construção de edifícios, a aquisição de equipamentos ou a formação e contratação de professores. Em consequência, à semelhança da tendência a nível mundial (Johnstone,1986, 1998, 2004), Johnstone & Marucci (2007), OCDE (2006, 2007, 2008), Estermann.& Pruvot (2011), a questão do financiamento do ensino superior ganhou relevo em Portugal (Cabrito, 2002, 2004; Cerdeira, 2009; Cerdeira et alii, 2012; Machado-Taylor & Cerdeira, 2013) sobretudo a partir dos anos de 1980, fruto da pressão orçamental resultante da expansão do acesso e do aumento significativo da frequência do ensino superior.

Nesta comunicação descreve-se sumariamente o processo de privatização do ensino superior em Portugal, concluindo-se que depois da abertura do ensino superior ao capital privado se assiste a um processo de privatização do ensino público em resultado

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de três medidas fundamentais: a desresponsabilização do governo no financiamento do ensino superior público; a introdução de taxas de frequência no ensino superior público; e, o novo Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).

2. Abertura do ensino superior ao capital privado

Em primeiro lugar, registe-se que o ensino superior em Portugal, no tempo da ditadura, era exclusivamente público (exceptuava-se a Universidade Católica, detentora de um regime especial acordado com a Santa Sé) e era oferecido, apenas, por 4 universidades e um instituto universitário (Universidade de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Universidade de Coimbra, Universidade do Porto e Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa).

A procura explosiva de ensino superior exigiu respostas adequadas por parte dos Governos pós-1974, no sentido de normalizarem e regularem essa procura em função das necessidades e capacidades do mercado. De entre as inúmeras medidas de política educativa, destaca-se desde logo, ainda na década de 1970, o aumento do número de vagas disponíveis, quer em resultado do aumento da oferta por parte das universidades existentes, quer pela criação de novas universidades e institutos superiores politécnicos. Assim, nos finais da década de 1970 já existiam em Portugal 11 universidades, um instituo universitário e 15 institutos superiores politécnicos.

Para além do crescimento do número de vagas disponibilizadas pelas instituições públicas de ensino superior (IES), sucessivos governos responderam à procura agravando as condições de acesso, nomeadamente através da fixação de um numerus clausus para cada curso e instituição, do estabelecimento de exames nacionais de acesso, da criação de um ano propedêutico e, finalmente, do aumento do número de anos de escolaridade constituintes do ensino básico e secundário, de 11 para 12 anos e cuja conclusão é indispensável para o acesso ao ensino superior.

Aquelas medidas de regulação tomadas por sucessivos governos não foram, ainda assim, suficientes para normalizarem a procura de educação superior. Basta dizer que em 1986/1987, o número de candidatos ao ensino superior na 1ª fase de concurso foi de 31973, tendo sido admitidos, apenas, 15266. Quer dizer, ficaram “de fora” 16707 candidatos, um número superior ao número de candidatos que conseguiram ingressar

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nas vagas disponíveis, verificando-se uma situação semelhante em todos os anos. Este número, todavia, deverá ser menor uma vez que são 3 as fases do concurso de acesso ao ensino superior público, pelo que terão ingressado neste subsistema de ensino mais candidatos. Todavia, nas duas últimas fases, que são situações de recurso, é sempre muito pequeno o número de vagas ainda disponíveis pelo que ficam sempre por ingressar um número significativo de estudantes. Veja-se a situação de meados da década de 1980 à de 1990, no Quadro 4:

Quadro 4: Procura de ensino superior e resposta do sistema público - 1ª Fase do processo de acesso

Ano lectivo Número de candidatos ao ensino superior Número de candidatos que entrou no ensino superior público Número de candidatos que não

entrou no ensino superior público (*) 1986/87 31 973 15 266 16707 1987/88 31 065 17 184 13881 1988/89 37 625 19 233 18392 1989/90 51 779 21 023 30756 1990/91 58 867 24 446 34421 1991/92 55 342 27 250 28092 1992/93 59 166 28 571 30595 1993/94 58 431 30 476 27955 1994/95 66 871 31 891 34980 1995/96 80 576 33 473 47103 1996/97 68 798 32 873 35925 1997/98 54 950 35 452 19498

* Após a 1ª fase de concurso

Fonte: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Superior

Nestas circunstâncias, outras medidas de política educativa se tornavam necessárias para responder às expectativas dos milhares de candidatos que, anualmente, ficavam de fora das universidades e institutos politécnicos. Estas novas medidas viriam a ser tomadas já num contexto político diferente do iniciado em Abril de 1974, uma vez que

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já ocorrera o designado período de “normalização” dos “excessos” revolucionários e que ao longo da década de 1980 muitas das medidas de natureza socialista nascidas imediatamente após a Revolução de 1974, tinham já sido revogadas e substituídas por outras mais liberais, mais “ajustadas” à realidade europeia tal como aconselhavam organizações internacionais como a OCDE, o FMI ou o Banco Mundial.

Assim, pela mão de um governo centro-direita assistiu-se, em 1986 à primeira medida estruturante de privatização do ensino superior em Portugal, que foi a sua abertura ao capital privado e cooperativo. Deste modo, a uma oferta de ensino superior exclusivamente pública sucedeu, após 1986, uma oferta simultaneamente pública e privada.

Naturalmente, esta medida de política veio beneficiar fortemente o capital privado que viu no ensino superior uma fantástica oportunidade de negócio: o investimento privado nesta área não sofria de qualquer risco, pois existia uma clientela segura constituída por aqueles que não entravam no ensino superior público. Esta oportunidade de negócio lucrativo era potenciada ainda pelo facto de oferta privada se fazer, fundamentalmente, em cursos extraordinariamente baratos, os chamados cursos de “papel e lápis” que não exigiam grande investimento em equipamento laboratorial para funcionar.

Nestas circunstâncias, não se estranha que as universidades e institutos superiores privados tenham tido grande êxito e que nos finais da década de 1990 já fossem frequentados por cerca de um terço dos estudantes do ensino superior, percentagem que diminuiu, no entanto, nos últimos anos.

Quadro 5 – Total de alunos inscritos no ensino superior público e privado, em %

Anos lectivo/alunos 1960/61 1970/71 1980/81 2000/01 2009/10 2010/11 2011/12 Ensino Superior Público 90,8 93,4 90,5 70,3 75,7 77,7 79,8 Ensino Superior Privado 9,2 6,6 9,5 27,5 24,3 22,3 20,2 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Superior e PORDATA

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Barreto (org.), A Situação Social em Portugal, 1960-1995, para os anos de 1960/61, 1970/71 e 1980/81.

Naturalmente, face a uma oferta pública de educação superior praticamente gratuita, a oferta dos estabelecimentos de ensino superior privado que cobravam mensalmente elevados montantes, destinava-se, fundamentalmente, a quem a pudesse pagar (Cabrito, 2002). Esta procura condicionada pelo preço encerra uma tensão compreensível entre instituições, estudantes e famílias que decorre de uma agressiva situação de injustiça social. Na verdade, se os jovens oriundos dos estratos sociais mais pobres procuravam, preferencialmente, as universidades e institutos politécnicos públicos cuja frequência ascendia a 6€/ano, os jovens que não ingressavam no ensino público, independentemente da sua situação económica e social, podiam ingressar numa instituição privada onde a única exigência real que lhes era imposta era a capacidade de pagar uma mensalidade que atingia, em média, na década de 1980, cerca de 150€/mês.

Dada a importância que a população portuguesa atribuía ao ensino superior, as instituições privadas não eram frequentadas, apenas, por jovens oriundos dos estratos sociais mais favorecidos. De facto, deparamo-nos nestas instituições com jovens oriundos dos estratos sociais mais pobres, apesar de minoritários, que não tinham conseguido ingressar nas instituições públicas mas cujo futuro faziam depender do diploma de ensino superior. Veja-se a evolução da composição social dos estudantes das instituições públicas e privadas em função do rendimento do agregado familiar, determinada a partir dos dados obtidos através da aplicação presencial de três questionários a uma amostra representativa dos estudantes do ensino superior público e privado (Cabrito, 2002) e público e privado, universitário e polítécnico (Cerdeira, 2009; Cerdeira et alii, 2012).

Quadro 6 – Distribuição, por classe de rendimento, dos estudantes do ensino superior,

Rendimento (*) 1994/1995 2004/2005 2010/2011 (**) Ensino Público Ensino Privado Ensino Público Ensino Privado Ensino Público Ensino Privado Alto/Médio alto 14,4 26,4 16,2 21,2 41,2 51,3 Médio 71,8 64,3 75,5 69,0 40,3 49,1 Baixo 13,8 9,3 8,2 8,5 18,6 7,7 (*)Escalões: Rendimento: alto/médio alto >1500€; Médio 870 a 1500€; Baixo <870€

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(**) as mudanças significativas observadas relacionam-se, em grande parte, com a crise financeira que o país vive.

Fonte: Cabrito, 2002, para 1994/1995; Cerdeira, 2009, para 2004/2005; Cerdeira, Cabrito, Patrocínio, Machado & Brites, 2012, para 2010/2011

A análise dos valores do Quadros 5 e 6 mostra, desde logo, duas situações que caracterizam bem o ensino superior em Portugal: por um lado, a existência de jovens oriundos dos estratos mais pobres, mesmo nas instituições privadas de ensino superior; por outro lado, a frequência minoritária dos jovens oriundos dos estratos menos favorecidos, quer nas instituições públicas quer nas privadas, testemunhando um sistema de ensino ainda fortemente elitista, apesar da Revolução de Abril.

3. O fim da gratuitidade do ensino superior público e a diminuição do orçamento do estado para o Ensino Superior público

As medidas estruturantes de privatização da educação superior tiveram, entretanto, novos caminhos. Aconselhado pelo Banco de Mundial através do seu Relatório sobre o Ensino Superior em Portugal (1989), um novo governo centro-direita veio aumentar o nível de privatização do ensino superior, no país, ao estabelecer taxas de frequência no ensino superior público.

Em 1992, o governo estabeleceu uma taxa de frequência do ensino superior público no valor de 220 euros correspondente à actualização financeira dos 6 euros que os estudantes pagavam, valor estabelecido em 1941. Até 1992, e depois de 1974, aqueles 6€ constituíam, em função dos elevados aumentos salariais ocorridos, a um pagamento absolutamente simbólico. Mas, as sucessivas actualizações e leis de financiamento do ensino superior (já são 3 essas leis, desde 1992) explicam que em 2013 os estudantes do ensino superior público paguem já cerca de 1050€ pela frequência do 1.º ciclo de graduação (registe-se que o valor a pagar nas pós-graduações, mestrados e doutoramentos é livre, pelo que atinge montantes muito superiores).

Quadro 7 - Evolução do valor da taxa de frequência anual, em euros, no ensino superior público

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lectivo 2003/04 Valor em euros por ano 6 220 320 420 Igual a um salário mínimo

Variável, fixado pelas instituições de ensino superior, entre 1.3 salários mínimos e o valor actualizado dos 6€ fixados em 1941. Em 2012/13 esse valor ronda os 1050€/ano

Entretanto, a crescente participação dos estudantes no orçamento das IES foi acompanhada da diminuição da participação do Estado no financiamento destas instituições. De facto, se Estado contribuía com cerca de 95% do financiamento IES em 1990, esse valor situa-se, hoje, nos 60%.

Quadro 8. Origem das receitas das IES públicas (em %)

1990 (*) 1993(*) 2000 (**) 2005 (**) 2008 (***) Orçamento do Estado 95.0 92,0 72.5 68.1 62,1 Receitas Próprias 5.0 18,0 27.5 31.9 37,9

Fonte: (*) Direção Geral do Ensino Superior; Gabinete de Gestão Financeira do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; (**) Education at a Glance: OECD Indicators, 2008; (***)Education at a Glance: OECD Indicators, 2012

Privatizar é, deste modo, a palavra de ordem no ensino superior público, em Portugal. O Estado tem vindo a desresponsabilizar-se continuamente do financiamento da educação superior (2010), bem como da investigação (Cabrito, 2009), à semelhança do que está a acontecer em muitos outros países que adoptaram políticas de natureza liberal (Duclert et al., 2003; Hortale & Mora, 2004). Simultaneamente, os estudantes são chamados a pagar cada vez mais e as instituições procuram novos financiamentos, nomeadamente no mercado, através da prestação de serviços, da investigação aplicada, de patrocínios ou de outras formas de parceria com os agentes do mercado (Cerdeira, 2009).

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Desde finais da década de 1990, tem-se assistido a um movimento de reformas e de reestruturação dos sistemas educativos de nível superior, com o objectivo de os adaptar melhor às necessidades das sociedades e de formação superior. Este movimento de reforma tem ocorrido à escala mundial. Estas reformas, têm exigido grandes mudanças nas IES que têm de mostrar a sua capacidade de serem eficientes na administração de recursos financeiros cada vez menores que lhes são afectos pelos governos. Em Portugal, como foi indicado na secção anterior, a comparticipação financeira do Estado para o orçamento do ensino superior público diminuiu drasticamente desde meados da década de 1990. Universidades e institutos superiores politécnicos públicos têm convivido com uma procura crescente de educação e uma contribuição financeira decrescente por parte do Orçamento do Estado. Perante este défice de financiamento, estas instituições têm procurado novas fontes de financiamento. A primeira grande fonte de financiamento externo que iniciou este processo de privatização da educação superior pública, foi o estudante e respectiva família.

Todavia, uma vez que as taxas de frequência não podem crescer indefinidamente, por incapacidade de pagamento por parte dos estudantes, as IES procuram novas fontes externas, nomeadamente através da prestação de serviços à sociedade, de contratos de investigação aplicada, de mecenato prosseguindo uma política que se desenvolve também a nível mundial, a da diversificação das fontes de financiamento e de partilha de custos (Johnstone, 1998, 2004). Obviamente, esta procura de financiamento externo pode colocar e risco a autonomia e liberdade destas instituições. De facto, dependentes do financiamento externo, é possível que as decisões por parte dos órgãos de governo das IES sejam condicionadas pelas vontades e necessidades dos seus financiadores, colocando em risco a autonomia das instituições de ensino superior, em particular as universidades (Charle, Buono, Gaubert & Soulié, 2004).

É neste quadro que se vem assistindo nas universidades, mormente as europeias, a uma alteração do tradicional modelo de governação que assentava na comunidade académica para um reforço de poder dos órgãos executivos e de supervisão compostos por elementos da comunidade académica e, também, por elementos externos à instituição, indivíduos provenientes dos diversos sectores da comunidade e que terão por objectivo a aproximação das instituições à sociedade e ao mercado. Nestas circunstâncias, a tomada de decisão passa pelos objectivos daqueles membros externos que,

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representando os diversos sectores da sociedade, podem colocar em risco a autonomia da universidade que se encontra cada vez mais dependentes do mercado.

Ora, em Portugal, em 2007, foi publicado o novo Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) que pode contribuir para a perca de autonomia destas instituições de ensino. A autonomia universitária é uma das características do sistema de ensino superior português garantida pela Constituição da República Portuguesa, 1.ª Revisão (1982), ao estabelecer no seu artigo 76.º: “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira”. Mais tarde, a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 48/86, de 14 de Outubro) e a Lei de Autonomia das Universidades (Lei n.º 108/88, de 24 de Outubro) criaram as bases para um governo democrático e colegial das universidades, reforçando a autonomia de que gozam. De igual forma, os institutos superiores politécnicos gozam de autonomia estabelecida por legislação específica (Lei n.º 54/90 de 5 de Setembro – dedicada ao estatuto, autonomia, organização, administração e gestão). Todavia, esta autonomia pode ser posta em causa com a Lei n.º 62/2007, de 10/9, o RJIES. Este diploma legal estabelece então o novo regime jurídico IES e define, no seu capítulo IV, o governo e a gestão das IES. Assim, o governo das universidades e dos institutos universitários é, conforme o art.º 77 exercido pelo: “a) Conselho Geral; b) Reitor; c) Conselho de Gestão (…)”. No que respeita aos Institutos Politécnicos (art. 78.º) o governo destas instituições é exercido pelos: “a) Conselho Geral, b) Presidente e c) Conselho de Gestão. (…)”. Com a fixação destes órgãos de governo das IES, o RJIES concretiza a entrada da sociedade civil nestas instituições, através do seu Conselho Geral. Observe-se a composição e competências principais do Conselho Geral das IES, no Quadro 9.

Quadro 9 – Composição e principais competências do CG

Composição do CG Principais competências do CG

De acordo com o art.º 81 do diploma, este Conselho é composto por 15 a 35 membros (art. 81º), dependendo da dimensão de cada instituição, e é constituído por: a) representantes dos professores e investigadores, Art.82.º: “(…)

d) organizar as eleições e eleger o reitor ou presidente; e) apreciar os actos do reitor ou presidente e do conselho de gestão; f) propor iniciativas que considere necessárias ao bom funcionamento da instituição (…) e, sob proposta do reitor ou presidente, compete-lhe ainda:

“a) a aprovação dos planos estratégicos de médio prazo e para o tempo do mandato (requer apreciação de parecer a elaborar e

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eleitos pelo conjunto de professores e investigadores da instituição, devendo constituir mais de metade do conselho;

b) representantes dos estudantes, eleitos pelos pares da instituição e devem representar 15% da

totalidade deste órgão e

c) personalidades externas de reconhecido mérito, que não pertencem à instituição mas cujos conhecimentos e experiência são relevantes para esta, são eleitos pelos professores, investigadores e estudantes e devem

representar 30% deste órgão

aprovar pelas personalidades externas);

b) a aprovação das linhas gerais de orientação da instituição no plano científico, pedagógico, financeiro e patrimonial (requer apreciação de parecer a elaborar e aprovar pelas personalidades externas);

c) a criação, transformação ou extinção de unidades orgânicas;

d) a aprovação dos planos anuais de actividades e a apreciação do relatório anual da instituição;

e) aprovação da proposta de orçamento;

f) aprovação das contas anuais consolidadas, acompanhadas do parecer do fiscal único (requer apreciação de parecer a elaborar e aprovar pelas personalidades externas);

g) fixação das propinas aos estudantes;

h) propor ou autorizar, conforme a lei, a aquisição ou alienação de património imobiliário da instituição, assim como operações de crédito e

i) pronunciar-se sobre os restantes assuntos apresentados pelo reitor ou presidente”

Fonte: RJIES

Da análise do Quadro 9 conclui-se acerca do papel importante que o Conselho Geral desempenha nas IES e, portanto, o papel dos membros não pertencentes à Academia no desenho da missão, dos objectivos e das questões de financiamento das IES. Com este diploma, foram oficialmente abertas as IES à influência externa, sendo expectável o incremento da dependência das IES ao mercado.

Em Portugal, o mercado encontra-se, assim, de forma definitiva, na governança das IES, com todos os perigos que daí podem advir. Pelo facto de o RJIES ser um diploma recente e pela ainda inexistência de investigação sobre a influência dos membros externos do Conselho Geral na governação das IES, não é possível afirmar até que ponto o RJIES irá operar a privatização das IES; todavia, é um facto que este diploma abre a porta àquela a este novo processo de privatização do ensino superior público.

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Reflexões finais

O sistema de ensino superior, em Portugal, foi objecto de inúmeras alterações, que concretizam o seu alargamento como resposta a uma procura social de educação superior absolutamente explosiva nos primeiros anos posteriores à Revolução de 1974.

Podemos concluir, também, que a partir de 1986 o processo de privatização do ensino superior entrou numa fase decisiva, quer porque esta “área de negócio” foi aberta à iniciativa do capital financeiro, quer porque os estudantes, após 1992, foram obrigados a pagar pela frequência no ensino superior público, complementando, deste modo, a cada vez menor participação do Estado no orçamento das instituições públicas de ensino superior.

Finalmente, com a publicação do novo Regime Jurídico das Instituições públicas de Ensino Superior é legítimo perguntar se as IES não se poderão tornar em meras executoras da vontade do mercado ao invés de cumprirem a sua função fundadora que é a da produção de conhecimento e desenvolvimento integral dos cidadãos.

Não detendo respostas definitivas, é possível, no entanto, afirmar que neste tempo global de capitalismo financeiro, a Academia conhece perigos que arriscam a sua função de contribuir para o desenvolvimento pessoal dos cidadãos e o desenvolvimento global harmonioso e solidário das sociedades.

Referências Bibliográficas

Althusser, L. (1998). Aparelhos Ideológicos do Estado, 7.ª Edição. Rio de Janeiro: Graal. Barreto, A. (org.), (1996). A Situação Social em Portugal 1960-1995. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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Referências

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