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ENTRE ESTRATÉGIAS E TÁTICAS: DISPUTAS POLÍTICAS E SOCIAIS EM PERNAMBUCO ( )

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Academic year: 2021

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Pablo Francisco de Andrade Porfírio – UFPE

pabloporfirio@hotmail.com / pabloporfirio@ig.com.br 1 – INTRODUÇÃO.

Este trabalho, em grande parte, é composto por novas questões, muitas ainda sem respostas, as quais são resultantes de novas abordagens em nossas pesquisas. Desde 2001 desenvolvemos estudos sobre a atuação de religiosos católicos junto a diversas organizações sociais rurais, as quais ganharam destaque em Pernambuco no final da década de 50 e início dos anos 60. Nossa pesquisa procurou observar como se estruturaram algumas dessas organizações, como por exemplo, as Ligas Camponesas e os Sindicatos Rurais, tentando entender a relação desses com setores da Igreja Católica.1

Em um segundo momento de nossas pesquisas, nos detivemos mais a década de 60, especificamente ao período pós-64, onde ocorreu uma significativa repressão àqueles movimentos. Procuramos analisar o comportamento adotado pela Igreja Católica, em especial os clérigos mais envolvidos com as reformas sociais, frente à situação de exceção instaurada pelos militares em 1964 e estudar as formas de relação entre setores do clero católico e do governo militar.2

Em nossas pesquisas atuais, cujos resultados parciais aqui apresentamos, estamos tentando analisar as disputas políticas e sociais sobretudo no meio rural em Pernambuco, entre 1960 e 1964, procurando recuperar os efeitos produzidos por essas lutas e as estratégias e táticas que concorreram para tornar esses conflitos uma ameaça àquela ordem social.

2 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS.

Na realização desse trabalho levamos sempre em consideração a análise do cotidiano, a micro-história e as relações de poder. Reduzir a escala de observação da história,

1 Esses aspectos foram trabalhados na nossa pesquisa de iniciação cientifica “Freiras e Bispos no Cotidiano da

Resistência”, desenvolvida no período de agosto/2001 a julho/2002, financiada pelo Pibic/CNPq.

2 Essas questões foram discutidas em nossa segunda pesquisa de iniciação científica intitulada “A atuação da

Igreja Católica no campo social e sua repercussão na imprensa no ano de 1966” e desenvolvida no período de agosto/2002 a julho/2003, com financiamento do Pibic/CNPq.

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nos observar os jogos de poder, os conflitos, as ambigüidades, os acordos e desacordos proporcionados pelas ações dos diversos atores sociais. Não se deve, entretanto, desassociar as ações micro das macro-dimensões. O particular pode nos fornecer elementos de análise não encontrados na observação do geral, porém aquela dimensão não está separada desta.

Nesse sentido as disputas sociais e políticas, ocorridas em Pernambuco, tinham suas particularidades, mas estavam ligadas aos vários outros conflitos ocorridos no país. “Não existe portanto, hiato, menos ainda oposição, entre história local e história global. O que a experiência de um indivíduo, de um grupo, de um espaço permite perceber é uma modulação particular da história global.”3

Em nossas pesquisas, os documentos utilizados não são entendidos como fonte para se descobrir uma verdade absoluta, eles são vistos como uma construção representativa do real. Dessa forma, a densidade dessa pesquisa consistirá nas perguntas que faremos aos documentos, pois “a história enquanto representação do real se refaz, se reformula, a partir de novas perguntas realizadas pelo historiador ou mesmo da descoberta de outros documentos ou fontes.”4

Ao estudar as disputas políticas e sociais, estamos observando também a tentativa de enquadrar os comportamentos, as falas e as atitudes de indivíduos em padrões, determinados por regras, ou seja, tenta-se normatizar os desejos, disciplinar os sonhos.

A construção e aplicação de uma regra é aspecto fundamental no jogo da história, pois este “será de quem se apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarça para perverte-las, utiliza-las ao inverso.”5 Quem controlar as regras poderá mais facilmente fazer valer seus discursos e suas práticas e assim tornar-se o grande vitorioso do jogo da história.

Nas fontes documentais com as quais trabalharemos, buscaremos observar as representações construídas em relação às disputas sobre o controle das regras. Os grupos de elite podiam utilizar setores da polícia e da imprensa como armas nesses conflitos, mas, como nos fala Certeau, o “homem comum”, as camadas populares utilizavam a “trampolinagem”. “Palavras que um jogo de palavras associa à acrobacia do saltimbanco e a sua arte de saltar no trampolim, e como trapaçaria, astúcia e esperteza no modo de utilizar ou de driblar os termos

3 REVEL, Jacques. Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000. p.28. 4 MONTENEGRO, Antônio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Ed.

Contexto, 1994. p.19.

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dos contratos sociais [...] Nesses estratagemas de combatentes existe uma arte dos golpes, dos lances, um prazer em alterar as regras de espaço opressor.”6

3 – AS DISPUTAS.

A medida que ampliamos nossas pesquisas acerca dos atores e das disputas sociais, na qual aqueles estavam envolvidos, no início da década de 60 em Pernambuco, novas questões são colocadas. Os religiosos católicos envolvidos nessas lutas não atuaram sozinhos no campo de luta pelas reformas. Eles agiram constituindo e consolidando redes, sejam estas de trabalhadores rurais e urbanos, jornalistas, intelectuais e parlamentares. Esses profissionais, mediante os conflitos, formavam suas redes de intercessores, ou seja, relacionavam-se com outros indivíduos, os quais validavam e proporcionavam um caráter de verdade as suas práticas e aos seus discursos.7

Esse trabalho não se propõe a estudar a estrutura e organização dos movimentos sociais atuantes naquele período. Tenta-se perceber as estratégias e as táticas utilizadas pelos setores da sociedade envolvidos nas disputas sociais no período de 1960 a 1964, observando quais as alianças que os mesmos formavam. Então, por exemplo, observa-se como os grandes proprietários de terras e os empresários estabeleceram suas alianças na Assembléia Legislativa, como também com uma parcela da população, utilizando-se principalmente da imprensa, a fim de produzir uma determinada verdade, cuja construção era realizada através de sofisticadas operações, as quais envolviam refinadas estratégias e táticas.

Percebemos um pouco do caráter belicoso da história do período quando, pesquisando nos anais da Assembléia Legislativa, encontramos em 22 de abril de 1963 uma intensa discussão sobre a existência de uma possível situação de intranqüilidade social em Pernambuco.

Naquele dia, o deputado Fábio Corrêa pediu a palavra para falar no plenário sobre uma movimentação de trabalhadores que ocorria na Usina Cachoeira Lisa, no município de Gameleira.

Este, em seu discurso, enfatizava que a greve organizada naquela usina estava sendo liderada por um “bando armado de criminosos, os quais impediam o trabalho dos homens do campo”8. Para o deputado, essa situação gerava uma intranqüilidade no Estado e o governador

6 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 1 Artes de fazer. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994. p.79. 7 DELEUZE, Gilles. Conversações. 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. pp.156-157.

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Miguel Arraes deveria tomar providências, pois toda a estrutura produtiva em Pernambuco estava ameaçada pela ação desses “bandos armados”.

No mesmo dia, o deputado Paulo Queiroz usou da palavra para responder aos questionamentos e se contrapor às afirmações feitas pelo deputado Fábio Corrêa. Aquilo que era considerado agitação e intranqüilidade, Paulo Queiroz classificou como uma greve para a solicitação de melhores salários, para se debater a situação de miséria, de desamparo e de desajustamento. O que o deputado Fábio Corrêa chamava de “bandos armados”, Paulo Queiroz dizia ser “apenas as pás, as estrovengas, instrumentos de milhares de trabalhadores, que pleiteavam elevação dos salários”9.

O deputado Paulo Queiroz ainda utilizou em seu discurso um artigo do padre Almery Bezerra, veiculado no jornal Última Hora de 21 de abril de 1963, intitulado “Pernambuco Intranqüilo”, o qual é lido pelo parlamentar no plenário da Assembléia Legislativa.

Nesse artigo, o padre Almery Bezerra afirma que existe sim intranqüilidade em Pernambuco. Contudo, a intranqüilidade sempre esteve presente apenas na vida dos operários e dos camponeses, os quais não têm certeza em relação ao seu emprego e a sua alimentação.

Desse modo, o clérigo afirma que enquanto a intranqüilidade atinge a milhares, cujo futuro é incerto, não seria justo alguns proprietários de terras e certos industriais viverem na tranqüilidade.

Dizia o padre Almery:

“Ora, nestas circunstâncias, não era bom que alguns vivessem tranqüilos. É melhor que também eles participem deste ‘sentimento comum’, porque serão eles que poderão ajudar muito a se criar condições para que todos possam viver um pouco tranqüilos.”10

O deputado Fábio Corrêa procurava construir com o seu discurso um Pernambuco tomado pelas agitações subversivas, lideradas principalmente por pessoas ligadas ao comunismo e que apresentava um governo complacente com essas mobilizações criminosas, as quais levariam o Estado ao caos com a quebra das leis e da ordem11.

Por outro lado, Paulo Queiroz estruturava para os seus pares um Pernambuco democrático, onde as leis eram aplicadas igualmente para todos e os direitos dos cidadãos garantidos, sejam esses grandes proprietários de terras ou camponeses.

Não estamos interessados em saber qual Pernambuco era o mais verdadeiro, o construído por Fábio Corrêa ou por Paulo Queiroz. Sendo, no início dos anos 60, o Estado de

9 Ibid. p. 380.

10 “Pernambuco Intranqüilo” IN jornal Última Hora. 21 / 04 / 1963. Segundo Caderno. p. 04. APE. 11 Anais da Assembléia Legislativa. Vol. 01. Março-Abril / 1963. p. 377.

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Pernambuco palco de uma intensa disputa entre os diversos atores sociais e os grupos por eles constituídos, os quais pretendiam tornar seus projetos hegemônicos na sociedade, o que nos interessa perceber é quais os efeitos produzidos por tais construções, principalmente, no sentido desses efeitos elaborarem processos de identificação, que são tomados como parâmetros para o desenvolvimento de manifestações sociais.12

Sobre os acontecimentos na Usina Cachoeira Lisa, o Diário de Pernambuco divulgou uma matéria, cujo título era “Ameaça de depredação em ‘Cachoeira Lisa’”. O jornal, ainda em seu texto, transcrevendo uma parte do telegrama que o administrador da usina enviou para o governador Miguel Arraes, assinalava:

“Informamos vossência acabamos telegrafar Secretário Segurança seguintes termos: Comunicamos vossência e aguardamos providências urgentes que trabalhadores Engenho Cachoeira Lisa desta empresa, liderados José Francisco da Silva, Amaro Francisco, Antônio José e Tal e outros, declararam greve nesta data e fortemente armados ameaçam depredações demais atos violência, impedindo trabalho outros engenhos circunvizinhos”.13

Mediante essa reportagem e os discursos dos deputados Fabio Corrêa e Paulo Queiroz, fica-nos a pergunta: quais os efeitos de uma matéria, veiculada por um jornal, que utiliza termos como fortemente armados, depredação e atos [de] violência para representar o que seria a ação de trabalhadores rurais? Segundo Certeau; “o discurso produz então efeitos.”14 Quais seriam, portanto, os efeitos produzidos nas disputas entre os grupos sociais?

Os conflitos encampados em Pernambuco, entre 1960 e 1964, envolviam atores sociais, os quais estavam inseridos em grupos, identificados como de esquerda ou de direita. Contudo, nem um, nem outro apresentavam uma homogeneidade em relação as suas ações.

Apesar de batalharem em diversos campos para tornar hegemônico os seus projetos, por vezes, esses grupos podiam fazer alianças e tolerar atitudes de seus adversários, num verdadeiro emaranhado de acordos e desacordos.

Com isso tentamos mudar o foco de análise sobre as disputas ocorridas em Pernambuco entre 1960 e 1964. Deixamos de fazer uma análise, onde observaríamos apenas o início e o fim do movimento. “Não se trata mais de partir nem de chegar. A questão era antes: o que se passa ‘entre’?”15. Não buscamos as origens, nem simplesmente os resultados, mas as

12 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer. Vol. 01. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994. p.

154

13 Diário de Pernambuco. 20 / 04 / 1963. Pág. 03. APE

14 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer. Vol. 01. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994. p.

154.

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estratégias pensadas e as táticas aplicadas, no meio dos conflitos entre os diversos atores sociais.

4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A grande maioria da historiografia, referente às disputas sociais e políticas na década de 60, trabalha com o conceito de luta de classes. Da nossa perspectiva teórica, as lutas existiram, mas não podemos perder de vista que as organizações em classes ocorreram em momentos pontuais, não devendo ser encaradas como uma prática natural. Tem-se de pensar que havia diversos projetos sociais em debate naquele período e várias foram as estratégias e táticas utilizadas para fazer um projeto vencedor, proporcionar um efeito de verdade16 ao mesmo e torná-lo hegemônico naquela sociedade.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AZEVEDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1982.

BANDEIRA, Luiz Aberto Moniz. O Governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil.

1961-1964. 7ª ed, revista e ampliada. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

CALLADO, Antônio. Tempo de Arraes: a revolução sem violência. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer. Vol. 01. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1994.

DELEUZE, Gilles. Conversações. 1972-1990. Tradução Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. Coleção Trans.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2002.

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JACCOUD, Luciana de Barros. Movimentos sociais e crise política em Pernambuco. 1955 /

1968. Recife. FUNDAJ, Ed. Massangana, 1990.

PAGE, Joseph A. A revolução que nunca houve: o Nordeste do Brasil. 1955 / 1964. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1972.

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