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EXPERIÊNCIA ESTÉTICA CONTEMPLATIVA, UM CAMINHO ALTERNATIVO PARA SE ATINGIR O SAGRADO

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Academic year: 2019

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Luiza de Toledo Souza Miranda Barbosa

EXPERIÊNCIA ESTÉTICA CONTEMPLATIVA, UM

CAMINHO ALTERNATIVO PARA SE ATINGIR O

SAGRADO

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo

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Luiza de Toledo Souza Miranda Barbosa

EXPERIÊNCIA ESTÉTICA CONTEMPLATIVA, UM

CAMINHO ALTERNATIVO PARA SE ATINGIR O

SAGRADO

Trabalho de conclusão de curso como

exigência parcial para graduação no curso

de Psicologia, sob orientação da Profa.

Elisa Maria de Ulhoa Cintra.

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo

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Agradecimentos:

Agradeço a todos que hoje fazem parte da minha vida, parte de mim, e por isso, estão contidos neste trabalho.

À minha família querida: Mãe, Pai, Chel, etc. por serem minha base. Especialmente ao meu afilhado Miguel, por me presentear com toda sua criancice.

Aos meus velhos amigos joseenses por proporcionarem momentos de re-conhecimento, especialmente às queridas e sempre presentes: Anita, Camila, Isabela e Tatiane; e os lindos Rodrigo e Sara, que me inspiram a sentir a poesia do dia-a-dia.

Também, aos novos amigos paulistanos por darem cor ao meu cotidiano (aqui sem nomes, por serem muitos).

À minha orientadora Elisa pela liberdade de criação.

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Área de conhecimento: 7.07.02.04-7 - Estados Subjetivos e Emoção

Título: Experiência estética contemplativa, um caminho alternativo para se atingir o sagrado.

Orientando: Luiza de Toledo Souza Miranda Barbosa Orientador: Profª. Elisa Maria de Ulhoa Cintra

Palavras-chave: Fenomenologia, experiência religiosa, experiência estética.

Resumo

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Sumário:

I. Introdução...6

II. Metodologia...12

III. Concepção de Homem utilizada...14

-Paul Tillich: O ser e o não-ser do Homem...14

-Martin Buber: Homem, um ser em relação...19

IV. O Sagrado e/ou a Experiência Religiosa...23

-O Sagrado e sua característica irracional – Rudolf Otto...23

-Manifestações do Sagrado: as hierofanias – Mircéa Eliade...26

-Relação entre concepção de homem (Paul Tillich e Martin Buber) e experiência religiosa (Rudolf Otto e Mircéa Eliade)...30

V. A Experiência Estética...32

-O que é estética e como conseguimos experiênciá-la...32

-A relação da arte com a beleza: contemplação...38

VI. Discussão e conclusão...42

-Texto: Estado de Graça, de Clarice Lispector...42

-Aproximação ao processo terapêutico...47

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I - Introdução:

Neste trabalho eu pretendo apresentar um estudo que diz respeito à dimensão do sagrado. Este tema foi escolhido já que desde criança está presente em minha vida e sempre me chamou atenção. Lembro que quando de visita em pequenas cidades do interior participava de festas religiosas, como quermesses, festas de santos padroeiros, etc. e com o passar do tempo, no participar destas comemorações, comecei a perceber que, durante seus principais rituais, as pessoas que os freqüentavam, pareciam entrar em estado de transe, em contato com algo que fugia da “normalidade”.

Posso citar como exemplo aqui as procissões católicas que presenciei, onde as rezas eram faladas, ou cantadas repetidamente por alguns e se misturavam ao zumbir das lamentações de outros; ao esforço físico, causado por andar longas distancias numa peregrinação debaixo de sol, às vezes de joelhos; geralmente com roupas fechadas; carregando imagens de santos, imagens estas que na maioria das vezes tinham um aspecto macabro com feições de sofrimento e súplica, etc. Me parecia que aquelas pessoas, durante todo o ritual, não funcionavam no seu modo de ser habitual, estavam nitidamente experienciando a religiosidade de forma muito profunda.

Todo aquele conjunto, que me vem à memória como algo ‘esfumaçado’, um tanto triste, mas nem por isso menos cativante, proporcionava um ambiente que parecia favorecer a ligação (ou re-ligação) com um universo que foge ao racional. Além disso, ao escutar suas conversas e preces reparava como a experiência religiosa ocupava um lugar de destaque em suas vidas: as pessoas apresentavam dedicação total à religião, tomando-a como motivação de vida e preenchimento completo do ser. Parecia-me que eles vivenciavam algo ‘sagrado’.

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experiência estética parecia ser o caminho mais utilizado. É importante deixar claro que quando me refiro à experiência estética não faço menção à experiência da criação de uma obra de arte, como pintar um quadro, escrever uma poesia, mas sim à experiência da contemplação da obra de arte, quando se lê a poesia e observa o quadro.

Intuí, então, que tanto a experiência religiosa quanto a experiência estética poderiam ser canais de ligação, igualmente eficazes, com o sagrado, e resolvi me aprofundar no tema para entender até que ponto esta intuição poderia ter fundamento.

Comecei a estudar o tema do sagrado com uma revisão bibliográfica de autores da área da fenomenologia que pareciam me dar pistas de que eu estava no caminho certo.

Tillich (1976) diz que o homem é um ser que tem que estar a todo o momento se auto-afirmando frente à possibilidade do não-ser, isso lhe causa muita ansiedade. O autor chega a nomear três tipos de ansiedade, em que o ser sente-se ameaçado pelo não-ser, são elas: a ansiedade da morte, na qual o que está sendo ameaçado é a condição material/biológica do ser; a ansiedade da insignificação, na qual tudo passa a ser visto como trivial, sem valor, inclusive o próprio sujeito; e a ansiedade da condenação, na qual o homem, sendo seu próprio juiz se culpa por não ter se envolvido com algo que lhe dizia respeito. Como são interligadas, quando o homem entra em contato com uma dessas ansiedades, as outras duas também são mobilizadas, o que lhe causa grande angústia.

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sofrimento, ele é impelido a buscar saídas que anulem os limites e saciem as necessidades. É nesse momento que o homem busca a religião como forma de entrar em contato com realidades de vida totalizadoras, transcendentais, sagradas. “O ser humano é, na realidade, ‘menos’ do que deseja ser; mas é sempre, no desejo, um ‘mais’ que não chega a se concretizar por inteiro” (Croatto, 2001, p. 44).

Eliade (2001) diz em sua obra que a religião, através de suas hierofanias (hieros-sagrado e fania-manifestação), tem a capacidade de retirar o homem da homogeneidade do cotidiano, ou seja: a religião faz com que o mundo do homem passe de uma realidade marcada pelo caos da relatividade, na qual nada possui valor absoluto a uma realidade absoluta, estruturada, na qual as coisas passam a ser ter algum sentido.

Voltando a Croatto (2001), o homem, então, parece atingir seu objetivo ao experienciar a religião, pois, através dela, suas necessidades são saciadas nas mais variadas realidades de ordem transcendente: fisicamente (por milagres de cura, comida ou bebida milagrosa, etc), psiquicamente (com a paz da ‘glória’, com o amor plenificante, etc) e socioculturalmente (com a irrupção de um mundo novo com leis que o regem). Além disso, nela as limitações são superadas, pois se permite a passagem do sentimento fragmentário ao totalizador, no qual tudo está dado, não havendo necessidade de busca. Também passa-se do finito ao eterno, ao pensar-se em idéias como glória eterna, vida eterna, reencarnação. A partir disso, muitas coisas, que antes desta vivência não tinham razão de ser, passam a fazer sentido.

Então, um ponto a ser investigado é se a arte tem a função de negar os limites e saciar as necessidades, trazendo totalidade, plenitude, numinosidade, podendo, assim, saciar as necessidades do homem física, psíquica e socioculturalmente. Já que, segundo relatos coletados por Paiva (2004) de pessoas intimamente relacionadas com arte, essa funciona como alimento básico, preenchimento completo da pessoa, dedicação total, etc.

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relação do tipo Eu-Tu com o mundo. Neste modo de relacionar-se, o homem dialoga com um outro entrando em contato com a ‘inteireza’ do “Tu”, assim, reconhecendo a existência do outro, é também reconhecido por ele. Porém, o autor deixa claro que podemos nos relacionar de forma Eu-Tu não somente com pessoas, mas com qualquer ser do mundo, dependendo da abertura do sujeito, sendo estes seres vivos ou não.

Paiva (2004), em sua pesquisa sobre como artistas plásticos entendiam a relação da experiência de criação da arte com a experiência religiosa, mostra uma visão semelhante à de Croatto (2001), mas inova ao acrescentar que várias outras áreas de interesse podem ter, para o homem, a mesma função que a da religião:

Entendida substantivamente, isto é, no sentido denotativo que lhe confere socialmente a linguagem, a religião tem como objeto o sobrenatural. Entendida funcionalmente, isto é, segundo as funções que se crêem por ela asseguradas na vida individual e social, a religião equivale à realidade fundamental que confere sentido às grandes interrogações da existência e pode identificar-se com a ciência, o empenho político, o prazer e o esporte. (Paiva, 2004, ¶37).

Bello (1997) parece concordar ao dizer que a vivência do sagrado é inerente ao ser humano, e que, por isso, qualquer atividade realizada com e como rito pode conduzir a ela. Juntando a essas considerações a idéia de ser o homem religioso aquele que em seu comportamento, vive a ação da força

transcendente, manifestada em objetos ou seres revestidos de poder (Croatto, 2001), pergunto se a experiência estética da contemplação não poderia exercer o papel da experiência religiosa, já que, segundo Paiva (2004) na experiência estética da criação, ou, expressão:

O artista tem em relação ao objeto de arte ‘reverência’ religiosa e ‘distanciamento’. O objeto de arte ‘é sacralizado’ porque tem valor como ‘portador de uma verdade religiosa e sagrada’ a verdade daquele artista. (Paiva, 2004, ¶24)

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em equilíbrio com a imaginação e o sentido”, agindo de forma transcendental. Ou seja, estas duas vivências passam pela abstração, abandonando o concreto imediato, podendo, quando intensas, envolver o individuo por inteiro, arrebatá-lo, colocá-lo em êxtase, mobilizando afetos, cognições, emoções, sentidos, segundo afirmação de Paiva (2004).

Langer (1980) diz que a arte se caracteriza por ser a criação de formas simbólicas do sentimento humano, e é exatamente por essa razão que a arte possui a capacidade de envolver o individuo por inteiro, fazendo-o transcender-se. Por ser símbolo, a obra de arte evoca sensações, fala sobre coisas que não conseguimos expressar muito bem com a linguagem cotidiana. Segundo May (1992), isso acontece porque o símbolo aparece aos espectadores como a ‘melhor forma’ de representar algo que estava obscuro, algo a que não tinham muito acesso até então. O contato com o inefável acaba, então, por arrebatar o homem.

Porém o contato com o transcendente da arte só ocorre quando o indivíduo entra realmente em contato com a obra. Segundo Bachelard (2005) quando vemos uma obra de arte de modo contemplativo, sem ansiedade e pré-concepções, abertos à sua ‘inteireza’ e dinamismo próprio, ela aparece a nós como uma novidade, desvelando algo que estava encoberto.

Por trazer à luz verdades que estavam encobertas, a arte possui um tom de mistério: “Eu disse da religião que ela começa onde o conhecimento factual se eleva em temor, confiança e louvor. O mesmo vale para a arte” (Arnheim, 1991, apud Paiva, 2004, ¶7). Nesta frase está presente a idéia de Otto (1992) dos três principais modos de vivenciar os momentos de contato com o numinoso: o mysterium, o tremendum e o fascinans. Respectivamente, estes

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o totalmente outro, que pode despertar espanto e terror, e/ou fascínio e felicidade.

É a partir destas idéias que minha pergunta se desenvolve: procuro entender o que há de semelhante entre estas duas experiências (religiosa e estética). Sendo a experiência religiosa um caminho habitualmente relacionado e utilizado na busca do sagrado, questiono se a experiência estética contemplativa pode ser um caminho alternativo à religião nesta procura do sagrado.

Quanto à abordagem fenomenológica, escolhi-a, porque esta se mostra muito adequada ao estudo do tema do sagrado, pois a partir dela visa-se chegar à essência dos fenômenos. Sendo essência entendida por Moreira (2002) como maneiras características do aparecer de qualquer fenômeno, sem as quais, o próprio fenômeno não pode ser pensado. Além disso, Moreira diz que para se ter acesso às essências o único ponto de partida seria a experiência comum de um dado fenômeno por indivíduos diversos, sem o auxílio de quaisquer teorias científicas.

Goto (2004) parece concordar com essa idéia ao afirmar que um estudo do sagrado a partir do método fenomenológico é importante, pois se limita em aprofundar no que é visto, iluminar ou compreender um fenômeno, eliminado a pretensão de julgá-lo. A tentativa de compreensão do sagrado através desta abordagem seria essencial, pois na verdade o que estamos estudando são os estados experienciados pelas pessoas quando o sagrado se manifesta. Ou seja, não estamos estudando o sagrado em si, mas “os estados de ânimo em que o homem se afina com o mundo da transcendentalidade” (Goto, 2004, p.88), a relação dos indivíduos com este mundo, ou neste caso, indivíduo com o além-mundo.

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II – Metodologia:

O presente trabalho teve como objetivo verificar se a experiência estética contemplativa pode ser aproximada à experiência religiosa, no sentido de proporcionar um contato com o sagrado. Para isso foi realizada uma revisão bibliográfica dos temas, dando-se preferência a autores de abordagem fenomenológica, a fim de chegar-se à essência destas experiências, e à posterior análise sobre suas proximidades. Como já dito anteriormente, essência se caracteriza como a maneira característica do aparecer de qualquer fenômeno, sem a qual o próprio fenômeno não pode ser pensado.

O trabalho foi realizado em quatro etapas:

Na primeira etapa é desenvolvida uma exposição sobre a concepção de homem utilizada neste estudo, para que o leitor possa ter uma compreensão prévia sobre o protagonista das experiências às quais nos referimos: através dos conceitos de Paul Tillich fala-se sobre o homem e seu eterno e angustiante contato com o não-ser, e através dos conceitos de Martin Buber fala-se do homem e sua condição relacional, de só ser reconhecido como existente quando em contato com os outros seres.

Na segunda etapa, a partir das idéias dos teólogos/fenomenólogos Rudolf Otto e Mircéa Eliade, desenvolve-se uma apresentação sobre a íntima relação entre a experiência religiosa e o sagrado: fala-se sobre a experiência religiosa como caminho habitualmente utilizado para se alcançar o sagrado, e a maneira como ele se manifesta nestas experiências.

A terceira etapa do trabalho começa com uma caracterização da experiência estética a partir dos conceitos da esteta Susane Langer, e, através de outros autores, como os fenomenólogos Gaston Bachelard e Rollo May, é explicitada a relação entre arte, beleza e contemplação.

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III - Concepção de Homem utilizada:

Para que os leitores entendam quem é este Homem ao qual me refiro, protagonista da experiência religiosa e da experiência estética, dedico este primeiro capítulo a explicação da concepção de Homem que utilizei.

Elegi, dois autores: Paul Tillich e Martin Buber por acreditar que suas obras falam de diferentes pontos cruciais que delimitam o Homem segundo um olhar fenomenológico.

De Paul Tillich utilizarei a idéia do homem como um ser para morte, acompanhado pelo eterno não-ser. Já de Martin Buber utilizarei a idéia do homem como um ser em relação, sendo a abertura, ou a intencionalidade do homem em questão, a definidora de como ocorre essa relação.

- Paul Tillich: O ser e o não-ser do Homem

Paul Tillich (1976) entende que o Homem nunca está pronto, acabado, ele está, na verdade, em incessante movimento, como um eterno vir a ser. Ele está a todo o momento mantendo contato com novas possibilidades de ser, e mais que isso, nestes momentos ele se da conta de que sendo de uma maneira, ele não é de todos os outros infinitos modos. Então, segundo o autor, o ser abarca dentro de si mesmo o não-ser, que esta sempre ali, tendo que ser superado. Por isso, o homem, por toda sua vida, não passa por apenas um segundo sequer em que pode dizer: -Eu sou isso, sempre fui isso e sempre serei isso.- A única afirmação possível seria então: –Eu sou!- Independente do predicado adotado na frase o homem está sempre sendo alguma coisa.

Logo o homem está, por toda sua existência, em um processo de continua auto-afirmação, tem que estar sempre se afirmando frente àquilo que o ameaça, frente ao seu não-ser. Para Tillich (1976), neste momento em que o indivíduo toma ciência do seu possível não-ser, sendo este não-ser uma parte constituinte de seu ser, ocorreria a ansiedade.

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levá-lo a sua negação. Então, a coragem uniria em si o ser e o não-ser. Isso acontece, pois a coragem é usualmente descrita como potência de enfrentar o medo, ou seja, ela somente se manifesta em momentos em que o não-ser ameaça o ser e este tem de se auto-afirmar.

Aí creio que faz-se necessário uma distinção entre ansiedade e medo. Para o autor, o medo possui um objeto definido, com o qual é possível interagir (atacar, analisar, etc.), e é próprio, porque cada pessoa possui o seu. Já na ansiedade não existe a definição de um objeto, ele é justamente a negação de tudo. A ansiedade provoca reações inadequadas, pois como não existe um centro que possa ser atacado e analisado o indivíduo perde totalmente a direção. O único objeto é o nada, a ameaça do absoluto não ser. Medo e ansiedade são coisas distintas, mas caminham juntas. Qualquer medo, pesquisado a fundo esconde uma ansiedade existencial. Porém se esforça em aparecer como medo, pois assim pode ser enfrentado pela coragem.

Para Tillich (1976), o não-ser é dependente do ser, ou seja, não existe a negação sem sua prévia afirmação. Por isso o não-ser subjuga a existência de um ser, pois mesmo quando se descreve um ente em termos de não-ser, pressupõe-se que há alguma coisa e não simplesmente a negação total, o nada. E, por causa disso, as qualidades do nada são dependentes deste ser, ele só as obtém porque mantém relação com o ser, ele é tudo que é negado ao ser.

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•A ansiedade do destino e da morte:

Esta ansiedade seria a mais básica e universal, já que diz respeito a uma ameaça ao ser como existência. Na ansiedade do destino e da morte a auto-afirmação ôntica (do grego, on=ser) é ameaçada pelo não-ser. Ela se revela inescapável, pois todos os homens têm consciência de sua finitude material e biológica. E, como pra fenomenologia o ser só se dá pela relação dual eu-mundo (eu me relacionando no mundo com os outros entes), quando o homem, em sua morte, fecha seus olhos para o mundo, o eu, necessariamente, também desaparece.

Segundo Tillich (1976), a ansiedade da morte abarca em si a ansiedade ‘destinamental’, pois se caracteriza como absoluta e irremediável (sabe-se que a morte é certa) frente à imprevisibilidade do destino (não se sabe como e quanto vai viver). As causas que determinam nossa existência já nos são dadas, estão ai em nossa frente, vindas do mundo (como um destino), sem a possibilidade de serem previstas e controladas. Elas não têm um propósito de acontecerem, e ficamos contingentes a elas. Esta “impenetrável escuridão do destino” causa ansiedade. A ameaça do não-ser frente às contingências do destino é relativa, mas só causa ansiedade porque nela esta contida a ameaça absoluta da morte, que é onipresente.

Para lidar com esta eterna presença da morte, tentamos transformar ansiedade em medo, pois o medo possui um objeto definido, dando a possibilidades de lutarmos corajosamente contra estes objetos corporificados. Mas, sabemos que no fundo o que causa a ansiedade não são determinados objetos e sim a situação humana.

•A ansiedade da vacuidade e insignificação:

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recebidas de modo passivo, mas transformadas de modo que faça sentido ao ser. Ou seja, quando ele transforma o seu mundo de modo criativo.

Nesse caso, a auto-afirmação espiritual é ameaçada pelo não-ser por duas formas de ataque: vacuidade e insignificação. A ameaça de insignificação esta para a ameaça da morte assim como a da vacuidade está para o destino. Ou seja, A ansiedade da insiginficação é absoluta e abarca nela a ansiedade da vacuidade.

Um exemplo do sentimento de ansiedade da vacuidade e insignificação é quando o homem passa por uma desilusão amorosa. Nela uma devoção que tinha se desvanece abruptamente por algum acontecimento externo ou processos interiores. O que antes fazia sentido passa a não significar mais nada. Frente a essa falta de sentido o homem se sente perdido, e pode tentar inconsequentemente achar algo que supra esse vazio temporário, porém, na verdade, não é possível forçar um centro de devoção espiritual, ele só acontece naturalmente.

Tillich (1976) afirma que a dúvida sobre as coisas é condição de nossa vida espiritual, estamos sempre nos questionando a cerca das coisas com as quais nos relacionamos, porém quando a dúvida deixa de ser um método pelo qual o homem conheçe as coisas e passa a ser duvida total, no caso de se questionar se a coisa realmente existe, ela nos transporta ao desespero existencial. Por isso os homens se apegam tanto a verdades raramente contestadas, como tradições e convicções. Não porque estas não possam ser questionadas, mas porque geralmente não são. A fim de não sofrer com a dúvida, o homem não pergunta. Ele renuncia da sua liberdade em favor da significação, como uma auto-agressividade fanática. Porém esta agressividade pode ser estendida a qualquer indivíduo que ameace sua certeza.

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sentido pelo qual viver, prefiro tirar a minha vida, e por outro lado, se vou morrer um dia, para que viver cri-ativamente.”

•A ansiedade da culpa e condenação:

Além de ameaçar a auto-afirmação ôntica e espiritual do homem, o não-ser pode ameaçar um terceiro modo de auto-afirmação: a moral.

Desde que é jogado no mundo, o homem se torna responsável por si mesmo e por suas ações, ele, enquanto vive sua vida, também é responsável por prestar contas a si mesmo. O homem é responsável por controlar seus atos para que consiga concretizar o que já é em sua potencialidade. Porém, por ser livre, de vez em quando o homem, frente suas infinitas possibilidades de ser, pode extraviar-se de si mesmo, contradizendo sua própria essência. A cada vez que escolhe um modo de ser elimina todos os outros. Quando isso acontece, após algum tempo ou após refletir sobre sua escolha estes outros modos deixados de lado lhe parecem que poderiam ter sido mais interessantes, no sentido que ‘combinariam’ mais com sua essência. Então, como o homem é seu próprio juiz, se cobra e se culpa por suas escolhas. A ansiedade da culpa levada ao extremo pode causar a auto-rejeição, por ter sido o culpado por ter perdido o próprio destino.

Para tentar fugir desta culpa o homem é capaz de inventar dês-culpas para se justificar, como a anomismo: “-Tinha que acontecer deste jeito, eu não tive intenção” - e o legalismo: “-Eu sou livre para escolher e por isso tinha que experimentar outras possibilidades.”

Como nos outros modos de ansiedade o não-ser moral pode ser distinguido, mas não separado do ôntico e espiritual. Quando um modo de auto-afirmação é abalado, todos se movimentam consequentemente.

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aceitando o que vem de fora. O homem precisa se conhecer bem, para saber distinguir o que lhe pertence ou não, o que faz sentido ou não.

Para isso ele não pode ‘comprar’ a verdade do outro como se fosse sua, não pode aceitar o mundo como uma imposição, uma coisas já pronta, um fim. Ele tem de entrar em contato com esse mundo, conhecendo a sua verdade na relação com as coisas. Verdade esta que não é fixa como um discurso que se repete, mas mutável como um diálogo que se constrói. Só conhecemos a nós mesmo através do diálogo, caso contrario ou eu ou o mundo são vistos como verdades imutáveis, prontas, como meros objetos, como um isso.

E nesse momento podemos inserir o segundo autor, Martin Buber.

-Martin Buber: Homem, um ser em relação

Buber (1979), apesar de não ser considerado de fato um fenomenólogo, adota a visão da fenomenologia existencial e entende o homem como um ser em relação, ou seja, o homem só existe enquanto se mantém em relação com o mundo e com os outros seres. Então, o autor se propõe a compreender o que há de essencial nesse relacionar entre homens, entre homem e mundo, e entre homens e Deus.

Para a realização desta ontologia da relação o autor adota as palavras-princípio (grundwort) Eu e Tu, pois as considera como portadoras do ser, ou seja, é na relação Eu-Tu que o homem se introduz na existência entendendo o mundo e sendo visto como homem pelo outro.

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Porém, às vezes um indivíduo pode relacionar-se com outro através de uma atitude cognoscitiva e objetivante do outro; o homem quer apenas se utilizar do outro como mero objeto. Neste caso o homem quer impor-se diante do outro, ordená-lo, estruturá-lo. O outro é visto como objeto descartável e acaba por perder sua totalidade, sendo visto como uma soma de características. Isso acontece nas relações Eu-Isso.

Logo, para o autor existe uma dupla possibilidade do homem se relacionar com o mundo, o tipo de relação vai depender da intencionalidade do Eu, da disposição do Eu quando se volta para o mundo. Além disso, a relação Eu-Isso é vista como posterior ao Eu-Tu. Ou seja, só se pode estabelecer uma relação reflexiva e cognoscitiva do outro a partir do momento que já reconheço o outro como existente. Primeiro há a contemplação e depois o conhecimento. Quando o homem se relaciona pelo modo Eu-Tu com o mundo, está agindo de modo contemplativo e aceita o outro como pessoa, e quando se relaciona pelo modo Eu-Isso, está agindo de modo cognoscitivo tratando o outro como objeto, o outro não é encontrado como outro em sua alteridade.

Contudo, o autor não condena o mundo do Isso. Para ele este mundo habitado por um ‘Eu’, ser egótico, e um objeto manipulável é extremamente importante para a existência humana, pois é nele que o ‘Eu’ se relaciona de modo a experienciar e utilizar o outro, podendo criar regras e estudar uns aos outros, fazendo “ciência”. Por isso não se pode considerar, só pelo fato de ser o diálogo o sentido mais profundo da existência, que a relação Eu-Isso seja inferior à Eu-Tu, pelo contrário, ela é humana e só por isso já se caracteriza como autêntica. Buber (1979) apenas acredita que este modo de relacionar-se não pode ser o sustentáculo ontológico do inter-humano.

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um Isso. E nesse caso o diálogo já não existe mais, pois como o outro possui características fixas não necessita mais de um Eu. Ou seja, quando eu dialogo

com alguma coisa, eu dependo da coisa e a coisa depende de mim para que a

relação exista, nesse momento eu estou me relacionando com um ‘Tu’. Porém, quando eu falo de alguma coisa, eu parto do pressuposto de que ela possui

características fixas, eu a objetifico, e por isso eu posso utilizá-la, consumi-la.

Também é interessante pensar que usualmente a palavra ‘Tu’ passa uma sensação de proximidade bem maior que a palavra ‘Isso’ que parece estar distante. Podemos questionar diretamente um ‘Tu’ que respeitamos, mas criamos pré-conceitos de um ‘Isso’ que rebaixamos.

Porém, para Buber (1979), exite ainda um modo de se relacionar que se assemelha ao modo Eu-Tu, mas que se dá quando o homem se relaciona com Deus. Sendo fiel a sua concepção do homem se constituir como um ser em relação, a primeira preocupação do autor foi reaproximar Homem e Deus, com a intenção de tornar possível a “conversa com Deus”, o diálogo entre eles. Porém esta reaproximação não está no âmbito de conhecer o que é Deus em si, saber exatamente o que ele é, pelo contrário, o autor diz que não precisamos saber nada sobre Ele para conseguirmos manter contato. Deus, ou o Tu-eterno, como Buber o chama, nunca vai poder ser conhecido, pois ele é o totalmente outro, não possui qualidades ou características fixas. Ele é o Tu-eterno, pois nunca vai poder ser transformado em um Isso, em um objeto de observação ou culto. Mais uma vez, o que importa não é a coisa em si, mas a relação. Buber (1979) diz que não podemos falar Dele, mas falar com Ele.

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IV – O Sagrado e/ou a Experiência Religiosa:

Pesquisei autores como Rudolf Otto e Mircéa Eliade a fim de entender melhor o meu objeto de estudo, o Sagrado. A princípio achei que seria possível estudar separadamente as essências do Sagrado, da experiência religiosa e da experiência estética, e por isso tinha como plano inicial escrever capítulos separados para estas essências. Porém a partir das minhas pesquisas pude perceber que a essência do sagrado e da experiência religiosa estão intimamente relacionadas, já que toda bibliografia por mim encontrada nessa área já ligava as duas, ou falava delas como se fossem uma só. Por isso, ao estudar a essência do Sagrado, já estava, automaticamente, estudando a essência da experiência religiosa. Então resolvi juntá-las em um único capítulo.

-O Sagrado e sua característica irracional: Rudolf Otto

Escolhi iniciar com Rudolf Otto, já que este lida com o tema abordando apenas um de seus aspectos: o seu lado não racional, pois acredita que o fenômeno do sagrado está apenas no âmbito do irracional e inefável.

Para Otto (1992) o sagrado é aquilo que está presente em todas as religiões, e sem ele, as religiões não seriam possíveis. Ele explica que com o passar do tempo o homem religioso foi desvirtuando o significado real do termo sagrado, e adquirindo o hábito de associá-lo a tudo aquilo que é perfeitamente bom e absolutamente moral. Nas religiões semíticas e bíblicas, por exemplo, a raiz SACER traz consigo a idéia de bem absoluto, como nos santos católicos. Mas ele discorda e diz que quando o elemento moral acompanha a experiência do sagrado não é de maneira nenhuma fundamental, ou seja, são elementos diferentes que podem caminhar juntos eventualmente.

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manifestar. Ele pode ocorrer em outros domínios, como em experiências que envolvam o ‘belo’. Segundo Otto (1992):

A alma encontra-se num estado qualitivamente diferente se experimenta um prazer, um contentamento, uma alegria, o prazer estético, a exaltação moral ou, finalmente, a beatitude religiosa do recolhimento. Estes estados têm entre si relações e analogias e é por isso que se podem incluir num conceito comum e formar uma mesma categoria de experiências psíquicas, em oposição a outras. (p. 26).

Por esta relação com o irreal, o autor diz que seu objeto de estudo, o numinoso, só pode ser compreendido através de sua vivência, ou seja, quando o individuo passa por uma experiência numinosa. Se evidencia, a partir daí, uma dificuldade do estudo do numinoso: exatamente pelo fato de não fazer parte do mundo real, cotidianamente vivido, somente se torna possível apreendê-lo através de comparações (relações ou oposições) com outros fenômenos que se apresentam em outros domínios da vida do sujeito no âmbito do real. Isso acontece pelo fato de que, nos momentos de contato com o numinoso, o individuo experiência um estado de recolhimento solene e de arrebatamneto, que assemelha-se a sentimentos encontrados em outros momentos da vida, como reconhecimento, confiança, amor, segurança, etc.

Após essa elucidação inicial, passo ao que seriam os elementos constituintes do numinoso e que seriam experimentados quando se está em relação com ele. Otto (1992) cita em sua obra as idéias de Schleiermcher, um filósofo que diz poder esclarecer o sentimento relacionado à experiência religiosa. Ele afirma que este sentimento poderia ser comparado a um sentimento de ‘dependência’. Segundo o filósofo esta dependência religiosa se diferencia dos outros tipos de dependência pelo seu caráter absoluto, frente a todas as outras que, para ele, se mostram relativas. Este caráter absoluto se dá através do ‘sentimento de criatura’.

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reconhecendo sua pequenez e conseqüente fragilidade perante a imensidão de Deus.

Então, Otto (1992) se utiliza desta idéia de Schleiermcher, mas afirma que o filósofo erra ao reduzir toda a experiência religiosa a um sentimento de dependência. Para o autor o sentimento de criatura seria apenas um dos momentos de apreensão do numinoso. Além disso, esse sentimento de criatura surgiria como efeito de um outro modo de experienciar o numinoso: o sentimento de ‘terror’. Como, por exemplo, em histórias de castigos divinos que causam o sentimento de medo frente à vontade de Deus e consequentemente um sentimento de impotência e pequenez frente a ele.

Porém, este medo sentido na relação com o numinoso supera em grande escala o medo sentido de qualquer objeto real. O individuo fica interditado frente àquilo que está acima de toda criatura e se recolhe. Além disso, o real objeto causador do medo permanece velado, não é concebido e não pode ser compreendido, por estar no âmbito do inefável. Otto (1992) denomina esta experiência de mysterium tremendum.

Para o autor o mysterium tremendum seria a primeira forma de interagir

com algo que não está no domínio do racional, se constituindo como uma experiência que diz respeito a uma capacidade de sentir totalmente fora do comum. O terror caracteriza-se, então, como um atributo do numem (divino) e

mesmo na fé mais pura ele está presente e a enobrece com sua presença. Como por exemplo, em vários momentos de escritos religiosos fica evidente a idéia de que tudo deve calar-se na presença de Deus, e curvar-se perante Ele.

Otto (1992) diz, então, que no sentimento de criatura, o indivíduo se relaciona com o elemento do terror e com o elemento do poder (preponderância absoluta de Deus). Elegendo o termo tremendum para

exprimir o primeiro elemento, e termo majestas para exprimir o segundo

elemento. Então, seria exatamente como a ‘tremenda majestas’ que o

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Além disso, o numinoso tem um outro modo de se manifestar que constitui junto com o tremendum uma união estranha de contrastes. Para o

autor o mysterium, mesmo possuindo um lado espantoso, também seduz por

produzir um prazer inebrienate. Este elemento, que põe o sujeito, maravilhado seria o fascinans. Para compreender este elemento poderíamos compará-lo ao

sentimento de benevolência, amor e compaixão sentidos na bem-aventurança religiosa, porém, eles só nos dão uma leve noção do que sente-se em contato com o fascinans. Segundo Otto (1992) é algo a mais do que isso, que

justamente por ser componente do numinoso é incomunicável, inexplicável.

Otto (1992) se utiliza de uma passagem do Apóstolo Paulo da bíblia para falar da inefabilidade desta experiência:

“Nesse instante, experimentei apenas uma grande alegria e um deleite inexprimíveis. É de todo impossível descrever a experiência. Era como o efeito de uma grande orquestra, quando todas as notas se fundem numa harmonia que, no ouvinte, apenas desperta a sensação de que a sua alma se eleva e quase estoura de arrebatamento.” (p. 57)

Por ser entendido como um componente do numinoso, transmissor de uma paz que ultrapassa toda a razão, seria, então, a ele que estaria relacionado o sentimento de ‘salvação’. Por detrás das expressões simbólicas obscuras e amedrontadoras, o homem religioso está certo de um bem maior, um bem que arrebata e salva.

Então Otto (1992) entende que o contato com o numinoso, através da religião, é marcado por estes dois momentos, o mysterium tremendum e o

mysterium fascinans. Estes trazem para o dia-a-dia do homem religioso,

comandado pela razão, a ligação com algo que vai além, algo irracional e maior que ele, que dá sentido às suas vidas.

-Manifestações do Sagrado: as hierofanias – Mircéa Eliade

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abordando o tema de maneira mais abrangente, ou seja, não se focando apenas no seu caráter irracional.

Para Eliade (2001) o sagrado pode ser identificado como algo de ordem totalmente diferente do que estamos acostumados no ‘mundo real’, no mundo cotidiano e profano. O sagrado teria, então, um modo diferente de se manifestar, para o qual o autor adotou o termo hierofania (do grego, hieros=sagrado e fania=manifestação), que quer dizer que alguma realidade sagrada está se manifestando em objetos que fazem parte deste mundo profano. Os exemplos vão desde os mais simples aos mais complexos: de um amuleto à encarnação de Deus em Jesus Cristo. Por isso, segundo Eliade (2001), para o homem religioso toda a natureza pode ser vivenciada como uma manifestação do sagrado.

Uma característica marcante de toda hierofania é que quando um objeto é visto como sagrado, ele se torna outra coisa (uma coisa divina), mas continua a ser ele mesmo (uma coisa profana), pois continua a participar do meio cósmico envolvente, ou seja, o objeto se torna um paradoxo. Ele se torna a união entre divino e profano, por ser divino e profano.

Segundo Eliade (2001), a principal função de uma hierofania é romper com a homogeneidade do espaço profano. No mundo profano, ou seja, cotidiano, a homogeneidade acontece quando os atos e acontecimentos do dia-a-dia se dão sem a possibilidade de se questionar sobre eles. Neste modo de agir não há a espaço para a reflexão, tudo é realizado mecanicamente de modo a reproduzir algo acontecido no passado. Justamente por causa da falta de reflexão, as coisas não são imbuídas de sentidos, elas apenas passam pela vida do sujeito. Este é o mundo profano, marcado pelo caos da relatividade, ou seja, nele nada possui valor absoluto, por si só. As coisas são apenas meios, instrumentos para uma finalidade que não está no agora, está sempre no futuro. Por isso, os pontos de referência aparecem e desaparecem segundo as contingências diárias.

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um sinal de Deus, que lhe de caminho, referencias, etc. Então as hierofanias se mostram como a revelação de uma realidade absoluta, estruturada e estável. A hierofania cosmifica o caos. Ou seja, para o homem religioso, a manifestação do sagrado funciona como um ponto de referencia e, por isso funda um mundo, um cosmos, pois acaba com a relatividade do caos.

Aqui percebemos a inversão de ponto de vista do qual estamos acostumados: o mundo real e eficiente (cosmos) passa a ser considerado como o mundo religioso e o mundo da relatividade e das experiências subjetivas (caos) como o mundo da cotidianidade.

Para melhor assimilar esta idéia é importante entender o que o autor considera como caos e cosmos. Para Eliade (2001), caos se relaciona com tudo aquilo que é desconhecido, inabitado e por isso, não é considerado participante do meu mundo ainda. Por oposição, cosmos seria tudo que eu habito, que me é familiar, que faz parte do ‘meu mundo’. Para transformar caos em cosmos é necessário que o homem se habitue, através da repetição intencional, ao que era desconhecido. Essa repetição, porém, nada tem a ver com a repetição passiva dos atos do cotidiano, ela é vivida de forma ativa, o sujeito esta ali totalmente presente e concentrado em seu ato. Nesse caso a repetição pode ser vista como uma cerimônia, faz-se a mesma ação diversas vezes até que se torne um ritual, adquirindo um novo sentido, se torna con-sagrado. Logo, tudo que faz parte do cosmos é de algum modo santificado.

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Em oposição ao simbólico encontra-se o diabólico (dia=dois), tudo aquilo que desune, dispersa. Para Almeida (2002), hoje em dia vivemos numa cultura da desintegração que privilegia o individual, no sentido de não compartilhado, em detrimento do totalizador. Neste momento de crise as pessoas vão em busca de algo que lhes tragam uma promessa de imediata melhora de vida. Isso denota uma desesperada tentativa de religação com algo que lhes traga um sentido de existir, por isso estas pessoas acabam por se entregar a fetiches e objetos de devoção transitórios que se diluem com o tempo. Tudo isso só aprofunda o desligamento inicial, causando uma angústia ainda maior, uma aproximação do caos.

Outro autor que aborda o tema do caos e cosmos é Martini (2002), para ele a capacidade de transcendência de caos a cosmos é entendida como inerente ao ser humano, e se caracteriza por integrar ao mundo em que vive tudo que lhe é desconhecido. Vemos, então novamente a idéia de Buber (1979), discutida no capítulo da condição do homem, de que toda pessoa possui esta capacidade de iluminação do que lhe era turvo, de desvelamento do oculto, de cosmificação do caos. E, segundo Martini (2002), o abandono dessa capacidade pode ser encarado como trágico, já que paralisa o indivíduo na mediocridade. Neste caso o sujeito não inaugura nada, recebe todas as coisas prontas e as repete, como maquina. Quando a transcendência acontece o ser humano articula em si os limites impostos pelas suas contingências com suas próprias necessidades. Assim ele se insere de forma criativa na coletividade, socializando-se. Neste sentido, o verdadeiro homem religioso, que se re-liga as coisas de modo a habitá-las, dá sentido ao seu caos. Através da religião o homem organiza o mundo, o cosmifica, o sacraliza. A religião faz com que o homem transcenda no plano simbólico.

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este não o é imposto, mas criado por ele através de sua vivência na forma mais intensa.

Este modo de existir aberto ao mundo faz com que o homem não possua apenas a dimensão humana, mas também uma dimensão trans-humana (a cósmica). Ele se mantém consciente de sua humanidade, mas sabe que também é cosmos. Assim, estando tão próximo à natureza, conhecendo-a tão de perto, o homem se conhece. Ocorre aí uma homologação (homo-mesmo logos-ordem, cosmos): um micro (homem) e um macro(natureza)-cosmos paralelos. E como todo cosmos só se faz cosmos porque foi sacralizado em algum momento, o homem neste momento é sagrado, está livre do mundo profano, está em comunicação com Deus, em estado de graça.

-Relação entre concepção de homem (Paul Tillich e Martin Buber) e

experiência religiosa (Rudolf Otto e Mircéa Eliade)

Fazendo um paralelo entre as idéias contidas no Capítulo II (de Tillich e Buber) e as idéias de Otto e Eliade, pode-se pensar algumas coisas. Em primeiro lugar pensando no mysterium tremendum de Otto (1992), em que o

autor diz que o homem fica interditado quando se depara com sua pequenez e fragilidade em relação ao mundo e a ‘majestosa’ vontade de Deus, acredito que este momento tem relação com um movimento do homem em direção a si mesmo. Ele passa de um modo de ser autômato do cotidiano, em que tudo é relativo, no qual as normas que regem sua vida dependem do que a sociedade impõe no momento, para um modo de ser em que ele se depara consigo mesmo, interrompe o fluxo do cotidiano para pensar em sua existência e em seus valores.

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misteriosas, que até então haviam passado despercebidas, pelo fato de estar sempre atarefado cumprindo ordens. Ele não as compreende estas existências misteriosas por serem totalmente outras: tem medo, tem vontade de controlá-las, dar nomes as estas ‘coisas’, para conseguir ordená-las.

Quando o homem consegue resistir ao impulso inicial de tudo controlar e prever – que transforma tudo ao seu redor e a si mesmo em instrumentos ou ‘Issos’ – e coloca-se aberto ao outro em sua diferença, reconhecendo-o em sua existência, poderá dirigir-se a ele perguntando: -Como TU te chamas? Quem és TU?. E poderá ficar surpreso ao ouvir o outro responder: -Eu sou o seu mundo, que você acaba de inaugurar, não te vês em mim?. E a partir daí começaria um diálogo que irá transforma o ‘Isso’ em ‘Tu’, algo de valor, algo sagrado.

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V – A Experiência Estética

Neste capítulo discorrerei sobre a experiência estética e para isso utilizarei alguns autores alternadamente de forma que um complemente a idéia do outro. Começarei o texto com as idéias da esteta Susane Langer pelo fato de ser dela as definições de estética, arte, etc. que usarei para desenvolver meu trabalho. E incluirei os outros autores no decorrer do texto.

- O que é estética e como conseguimos experiênciá-la

Segundo Langer (1980) ‘estética’ é um departamento especial da filosofia que pode ser definido de várias formas: “a ciência do belo”, “a teoria ou filosofia do gosto”, “a ciência das belas-artes”, ou “a ciência da expressão”. Por isso, para a autora, a estética apresenta-se como um campo um tanto confuso do conhecimento que aborda todas estas questões. Ainda fica difícil entender, no caso de um trabalho que se propõe a discutir estética, se ele irá falar sobre as belas-artes, ou sobre o belo, que é algo maior; sobre as formas de expressão, algo maior ainda; ou, sobre o gosto que se relaciona com o belo, porém está ligado também à moda e a cultura vigente, sendo mais subjetivo.

Todas estas definições já são suficientes para causar bastante confusão a quem lê um trabalho sobre estética, de modo desinformado. Visto que cada uma dessas definições discorre sobre temas gerais como: gosto, emoção, forma, representação, imediatidade e ilusão de forma pouco clara, e apesar de estarem relacionados, pelo menos indiretamente, às vezes se mostram de modo antinômico.

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à segunda perspectiva são: “O que significam as obras de arte em relação aos espectadores, o que é isso que sente-se em presença delas?”.

Já na introdução deste trabalho, ao apresentar a pergunta que fundamenta este estudo, tive a intenção de deixar claro que gostaria de abordar a experiência estética a partir da perspectiva contemplativa, ou seja, através da perspectiva do espectador. Logo, meu trabalho está relacionado ao segundo conjunto de perguntas de Langer (1980): sobre o significado da obra de arte e as vivências que este contato proporciona ao homem.

Além disso, aprofundando um pouco mais, e tentando encaixar este trabalho dentre as definições de estética oferecidas pela autora acima citada, acredito que este texto abordará a estética a partir da questão do belo, não a qualquer beleza, e sim a beleza das artes, não só das belas-artes, como pintura, poesia, etc., e sim de toda aquela arte que é arte acima de tudo. Ou seja, segundo Langer (1980), mesmo que possua uma função específica, a obra final é considerada obra de arte quando “é a criação de formas simbólicas do sentimento humano”. Por exemplo, um tecido ou um jarro, no dia-a-dia de alguns observados como utensílios, instrumentos, podem ser considerados tão arte quanto uma música ou uma pintura se vistos por outros como símbolos, como formas puras, como imagens.

Adotando a perspectiva de Langer (1980), creio que faz-se necessária agora uma explicação sobre a que me refiro quando falo de símbolos, formas ou imagens antes de nos aprofundarmos mais especificamente na beleza que estes símbolos, formas ou imagens podem carregar. Poderíamos começar, então, com a frase: A “Forma Significante” é a essência de toda arte.

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importante considerar, visto que o sinal nos remete a um objeto, uma situação, enquanto que o símbolo nos remete a uma idéia, um mundo.

Quando olhamos uma placa de transito entendemos seu significado imediatamente, porque ela nos remete a um objeto (um obstáculo) ou uma situação (pista escorregadia) imediata. Uma placa de transito é, portanto, um sinal. Entretanto, no momento que estamos contemplando uma obra de arte, todo um conjunto de idéias é evocado, um mundo novo vem a nós, repleto de sensações.

Porém, um símbolo não é algo que usamos apenas de modo sensual, para evocar sensações, mas é também um recurso do qual nos servimos para falar sobre coisas que não conseguimos expressar muito bem. Usamos o símbolo quando não temos domínio de como nos expressar sobre determinado fenômeno, quando entramos em contato com o inefável. Neste caso, para Langer (1980), diversas obras de arte podem ser usadas somente para evocar sensações, porem dessa forma não estariam exercendo a função ultima de arte, de ser símbolo. Neste caso também, se ainda continuam sendo obras de arte, mesmo só servindo para provocar sensações, então teríamos que considerar como artistas também os cozinheiros, perfumistas, etc.

Para que um símbolo funcione, ele tem de manter alguma forma lógica em comum entre a idéia evocada, e a ‘coisa’ simbolizadora (em seu livro a autora usa o termo ‘objeto’ ao invés de ‘coisa’, porém preferi utilizar o segundo termo por achar mais fácil de encaixar os variados tipos de imagens que podem constituir um símbolo). Então fica a pergunta, se possuem uma forma lógica congruente seria então a coisa que remete à idéia ou a idéia que remete à coisa? Para resolver esta questão adota-se como símbolo, como evocador, aquele que posso controlar: a coisa, a forma.

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mundo que elas inauguram já é outro e o sentimento despertado pode mudar ou desaparecer. Por isso falamos em ‘melhor forma’.

Rollo May (1992) parece concordar com Langer (1980), pois também afirma que a obra de arte está associada à ‘melhor forma’. Para May (1992), quando uma forma organiza o que antes permanecia ininteligível ela se torna a melhor forma. May (1992) se utiliza de uma idéia já discutida no capítulo da experiência religiosa, sobre a origem da palavra símbolo, que significa reunir, juntar, ordenar. Então a obra de arte teria essa capacidade de conseguir organizar, dar forma a algo que antes eu não conseguia compreender, que estava desorganizado, misturado ao caos. Resumindo, a obra de arte é um símbolo, o símbolo é uma forma, a melhor forma, a forma que organiza, que cosmifica, que faz com que eu consiga me apoderar do que antes não fazia sentido. Ela me aproxima do inefável e faz com que eu possa dialogar com ele. Ela me aproxima de mim mesmo, me livrando de minha confusão.

Também, Langer (1980) ressalta a diferença do simbolismo artístico de outros simbolismos, como a linguagem, por exemplo. Para a autora, tanto a obra de arte como a linguagem são simbolismos que possuem elementos articulados entre si constituindo um sentido. Um discurso é um símbolo complexo composto por palavras e cada palavra é, também, um símbolo associativo independente com uma referência fixada pela convenção. Um conjunto de palavras, evocadoras de idéias simples, cria um discurso que evoca uma idéia complexa, porém no discurso a mesma idéia evocada tem de ser compartilhada por todos os ouvintes. Isso acontece porque no caso da linguagem compartilhamos de um vocabulário ‘fixo’.

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(som, imagem, etc) desperta em um meio social dado que vai além do que esta expressão designa ‘normalmente’.

Novamente May (1992), no que parece concordar com Langer (1980), afirma que o símbolo artístico é múltiplo em significados, e atribui essa riqueza de conteúdo aos seus espectadores. São eles que, com sua abertura, seu modo único de se relacionar com as coisas, atribuem diferentes significados ao símbolo. A função do símbolo é de apenas despertar reações que estavam adormecidas, mas que já pertenciam ao indivíduo. Porém, para que a forma toque realmente o sujeito, de forma a simbolizar algo para ele, exige que o mesmo esteja inteiramente presente com a forma, sentindo-a de maneira diferente da que sente as ‘coisas’ do dia-a-dia.

É por isso que Langer (1980), no início deste texto, nos traz a idéia de que até um objeto, um utensílio do cotidiano, pode ser visto como obra de arte. A obra de arte para poder ser simbolizadora precisa passar uma impressão de alteridade, ou seja, ela tem que causar estranheza. Esta estranheza acontece justamente por ela despertar algo em nós, espectadores que até então não era de nosso domínio, algo que não tínhamos contato. Assim, mesmo quando a obra é uma imitação, uma reprodução ou uma representação de algo que já é conhecido por nós, como uma escultura, sentimos como se estivéssemos vendo aquela forma pela primeira vez. Não nos parece a coisa mesma, parece uma outra coisa. A obra de arte destaca-se então de seu cenário real e adquire um caráter virtual, ela é uma abstração.

Alias, Langer (1980) utiliza as idéias de Schiller em seu livro e afirma que toda obra de arte é abstrata. É o modo como ela nos aparece, sua ‘aparecência’, seu ‘schein’, que faz de um objeto uma obra de arte. Por olharmos para ela de forma desinteressada, sem ansiedade, sem finalidade, apenas contemplando a obra, é que conseguimos nos ater somente à sua aparência, à forma, à imagem que ela inaugura e deixar de lado o seu caráter de utensílio.

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como uma produção, e neste caso ela teria uma história, a história do artista que a criou. Vale lembrar, no entanto, que neste estudo estamos abordando a obra de arte a partir do olhar de seu espectador.

Segundo Bachelard (2005), quando o homem entra em contato com as coisas verdadeiramente, encontrando-as como elas se apresentam a ele, na sua ‘aparecência’, e não como o mundo diz que são; quando ele se relaciona de modo a contemplar as coisas ao invés de utilizá-las para um fim programado, ele pode devanear, pode imaginar, pode fazer poesia. Ao entrar em contato com a obra de arte, utilizando a alma, o homem habita as coisas, se familiariza a elas de um modo próprio, os pensamentos passam de autômatos a intencionais, e por esse fato as coisas fazem sentido. Como nos coloca o autor, o poema liberta o ser ao zombar das censuras, dos entendimentos pré-estabelecidos. Nesse momento o espectador já não está aprisionado, vitimado pelo cotidiano, ele é um homem feliz.

Por ser uma coisa totalmente nova, até então não conhecida, a imagem poética, ou a ‘Forma Significante’ (como estávamos nomeando até agora) tem um dinamismo próprio, possui um modo de ser próprio. Ela acaba de se desvelar e por isso não tem passado. Não interessa ao espectador da obra de arte o passado do artista, o artista não é a obra, e, por exemplo, todas as causas que levam um poeta a escrever a poesia não são o passado da poesia. Mais uma vez: a imagem poética não tem passado por ter acabado de nascer. Independente do drama que o artista venha ilustrar através da obra de arte, ela tem uma felicidade que lhe é própria. A partir do momento que o artista cria a obra, esta já não lhe pertence. E talvez essa seja a causa de nos sentirmos autorizados a nos envolver totalmente com a verdadeira arte, ela não tem dono.

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provoca um abalo em cada um de nós a ponto de provocar uma mudança. Sentimo-nos transcender, vivemos o não-vivido.

Aquela ‘melhor forma’ ressoa em nós trazendo recordações do passado e sentimentos relacionados a essas recordações, e nesse momento nosso espírito vibra. Porém, antes de ressoar, a poesia repercute em nós, nos invade, tocando a alma. Esse sentimento de inundação é anterior ao pensamento, à ordem, às associações. É nesse momento que sentimos que entramos em contato profundo conosco, nos conhecemos transcendendo nosso modo cotidiano de experimentar as coisas, chegando ao sentido próprio e original destas coisas.

- A relação da arte com a beleza: contemplação

Até aqui explicitado o que entendo por símbolo, forma e imagem, creio que posso entrar no tema da beleza que a obra de arte, símbolo do sentimento humano, forma significante ou imagem poética, podem ‘carregar’.

Duarte (1986) compreende a beleza como não sendo uma característica que os objetos possuem e nem um tipo de consciência que o homem tem. Ou seja, um objeto por si só não é belo nem feio, e também, não é o homem que deposita esta qualidade nos objetos. A beleza está no encontro de um determinado sujeito, que apresenta-se afetivamente disponível para encontrar o mundo, de forma a conseguir perceber modos de aparecer de um objeto, e isso o toca de alguma forma. Então, segundo o autor, para que a beleza seja vivenciada é necessário que haja uma afinação entre sujeito (eu) e objeto (outro). A experiência do belo pressupõe eu e outro em um encontro. Duarte parece ter se baseado nas idéias de Dufrene (1972) que afirma que o objeto estético é aquele que nos toma mais fortemente do que qualquer outro objeto, por ser a união do significante (relacionado aqui com o objeto) e do sensível (relacionado com o sujeito).

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uma alegria estimulante. Isso acontece, pois desde os gregos a beleza esta intimamente ligada com a harmonia, ou seja, uma coisa bela é uma coisa harmônica. Nela nada falta e nada sobra, tudo se encaixa perfeitamente. Ela é a unidade e tudo está explicitamente dado na ‘melhor forma’. E como já dito anteriormente por ser a ‘melhor forma’, sentimos que nada ali poderia ser mudado, pois corremos o risco de deixar de ser tocado por ela. A obra está pronta, acabada, e só nos toca por ser daquele modo.

Por possuir esta característica de ‘melhor forma’ a beleza está, segundo May (1992), intimamente relacionada com a verdade. Uma coisa bela é uma coisa verdadeira, e uma coisa verdadeira é uma coisa bela. Uma coisa falsa nunca poderá ter relação com beleza, já que se caracteriza, a priori, como uma falta. A beleza é plena.

May (1992) e Duarte (1991) afirmam que por vivenciarmos a sensação de plenitude ao experienciar a beleza, esta possui um caráter atemporal, pois durante a experiência não pensamos em passado ou futuro, estamos inteiramente no aqui e agora, apenas com ela, como afirma Bachelard (2005), ela não tem passado e, também, não se pode fazer projetos para o futuro se não já estamos modificando-a. Neste momento tudo em volta fica suspenso, nossa realidade cotidiana é deixada de lado e nos comportamos de forma diferente. Isto talvez se deva ao fato de a beleza, como já dito anteriormente e reforçado agora pelas idéias de May (1992), excitar ao mesmo tempo em que acalma o ser.

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May (1992) parece concordar com o que diz Langer (1980) ao afirmar que o paradoxo deve ser respeitado, porém para o autor, quando se trata da beleza, não devemos ter a pretensão de explicá-la a partir de nossa linguagem discursiva. Pois, além de se configurar como tarefa inviável por não possuirmos léxico suficiente para falar sobre o que é inefável, em geral corremos o risco de objetivá-lo em demasia, e como o belo se caracteriza justamente pelo diálogo em equilíbrio de um ‘eu’ e um ‘outro’ ele já não estará sendo contemplado por inteiro. Isso acontece porque quando discorremos sobre o belo o coisificamos, ele passa a ser um objeto sobre o qual se fala e não com que se fala. Ele não passa de formas sem vida, deixando o objeto de ser um paradoxo. Somente quando conseguimos devanear, unindo o fora objetivado (o outro, a forma) e o dentro subjetivado (o eu, a minha abertura) conseguimos entrar em contato com a beleza. Essa seria a causa de nos mantermos em silêncio quando diante de uma coisa bela, parece que conversamos conosco mesmos.

Por se caracterizar como um diálogo a obra de arte flui prazerosamente, ela não é algo que temos que aceitar, como um discurso, aliás, segundo Duarte (1991) uma das causas que faz com que certa obra de arte cause desprazer é quando ela se caracteriza como discurso político ou como denúncia, neste caso não conseguimos nos desligar do mundo para ligarmos conosco mesmo porque a obra tem um objetivo final que está intimamente ligado ao mundo cotidiano. Não é possível uma suspenção. Também, pode ocorrer o sentimento de desprazer quando o espectador se mistura totalmente com a obra, nesse caso não existe, espectador e obra, eu e tu, existe uma coisa só, impossibilitando o diálogo. Isso ocorre em casos de neuroses profundas, pré-psicoses ou pré-psicoses.

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VI – Discussão e conclusão:

Gostaria de iniciar a discussão deste trabalho com um texto de Clarice Lispector. Acredito que este texto possa nos ajudar a encontrar um caminho que nos guie até mais próximo da resposta à nossa questão inicial, que consiste em encontrar os pontos de aproximação entre a experiência religiosa e a experiência estética contemplativa, no que dizem respeito à busca pelo sagrado:

Estado de Graça,

Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro a inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece com os que lidam com arte.

O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que soubesse que realmente se existe. Neste estado, além da tranqüila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve. É uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não perguntem o quê, porque só posso responder do mesmo modo infantil: sem esforço, sabe-se.

E há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente.

No estado de graça vê-se às vezes a profunda beleza, antes inatingível, de outra pessoa. Tudo, aliás, ganha uma espécie de nimbo que não é imaginário: vem do esplendor da irradiação quase matemática das coisas e das pessoas. Passa-se a sentir que tudo que existe – pessoa ou coisa – respira e exala uma espécie de finíssimo resplendor de energia. A verdade do mundo é impalpável.

Não é nem de longe o que mal imagino deve ser o estado de graça dos santos. Esse estado jamais conheci e nem sequer consigo adivinhá-lo. É apenas o estado de graça de uma pessoa comum que de súbito se torna totalmente real porque é comum e humana e reconhecível.

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Depois, lentamente, se sai. Não como se estivesse estado em transe – não há nenhum transe – sai-se devagar, com um suspiro de quem teve o mundo como este é. Também já é um suspiro de saudade. Pois tendo experimentado ganhar um corpo e uma alma e a terra, quer-se mais e mais. Inútil querer: só vem quando quer e espontaneamente.

Não sei por quê, mas acho que os animais entram com mais freqüência na graça de existir do que os humanos. Só que eles não sabem, e os humanos percebem. Os humanos têm obstáculos que não dificultam a vida dos animais, como raciocínio, lógica, compreensão. Enquanto que os animais têm a esplendidez daquilo que é direto e se dirige direto.

Deus sabe o que faz: acho que está certo o estado de graça não nos ser dado frequentemente. Se fosse, talvez passássemos definitivamente para o outro lado da

vida, que também é real mas ninguém nos entenderia jamais. Perderíamos a linguagem em comum.

Também é bom que não venha tantas vezes quanto eu queria. Porque eu poderia me habituar à felicidade – esqueci de dizer que em estado de graça se é muito feliz. Habituar-se à felicidade seria um perigo. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o são, menos sensíveis a dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisam – tudo por termos na graça a compensação e o resumo da vida.

Não, mesmo se dependesse de mim, eu não quereria ter com muita freqüência o estado de graça. Seria como cair num vício, iria me atrair como um vício, eu me tornaria contemplativa como os fumadores de ópio. E se aparecesse mais a miúdo, tenho certeza que abusaria: passaria a querer viver permanentemente em graça. E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino simplesmente humano, que é feito de luta e sofrimento e perplexidades e alegrias menores.

Também é bom que o estado de graça demore pouco. Se durasse muito, bem sei, eu que conheço minhas ambições quase infantis, eu terminaria tentando entrar nos mistérios da Natureza. No que eu tentasse, aliás, tenho certeza de que a graça desapareceria. Pois ela é a dádiva, e se nada exige, desvaneceria se passássemos a exigir dela uma resposta. É preciso não esquecer que o estado de graça apenas uma pequena abertura para uma terra que é uma espécie de um calmo paraíso, mas não é a entrada nele, nem dá o direito de se comer dos frutos de seus pomares.

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limites dessa condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se revela na sua pobreza implorante, aprende-se a amar mais, a perdoar mais, a esperar mais. Passa-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis.

Há dias que são tão áridos e desérticos que eu daria anos de minha vida em troca de uns minutos de graça.

Neste texto, Clarice Lispesctor fala de um modo de estar no mundo que se assemelha muito ao que estávamos chamando, até aqui, de experienciar o sagrado, este modo se chama o ‘estado de graça’. Clarice afirma que o estado de alma ao qual se refere não deve ser igualado à inspiração dos artistas, nem ao estado de graça dos santos, é o ‘estado de graça’ de uma pessoa comum. Isso também acontece em meu trabalho, já que em nenhum momento falei sobre artistas ou santos. Discorri apenas sobre contempladores de obras de arte e homens religiosos, ou seja, pessoas comuns.

A autora parece estar discorrendo sobre o mesmo modo de estar no mundo dos contempladores e religiosos, o modo ‘Eu-Tu’, já que é apenas nesta maneira de abrir-se ao mundo, ao totalmente outro, que nos re-conhecemos. Buber (1979) diz que o homem é um ser que está sempre se relacionando com o mundo, porém pode fazê-lo de duas formas: através de uma atitude cognoscitiva, a qual trata o outro como objeto (um ‘Isso’) com características fixas, que servem de instrumento para se atingir uma finalidade; ou de modo dialógico, ou seja, reconhecendo o outro em sua alteridade como existente. Esse segundo modo de se relacionar com o mundo faz com que o outro não possua características fixas, sendo necessário que, a todo o momento, seja mantido um diálogo entre ‘Eu e Tu’. Este outro se apresenta, neste modo, como uma obra aberta a ser relida e refeita por aquele que contempla.

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mas ninguém nos entenderia jamais. Perderíamos a linguagem em comum” (Lispector, 1975, p.102).

No modo de se relacionar ‘Eu-Tu’ também produzimos conhecimento, porém neste caso ele é totalmente diferente do ‘cientifico/verificável’. Isso acontece porque apesar de produzirmos conhecimento através do diálogo com um outro desconhecido, esta produção é totalmente diferente da que estamos acostumados. Neste diálogo ao conhecer o outro (“Tu”) também tenho acesso a um auto conhecimento (“Eu”).

Este conhecimento produzido no diálogo, não tem uma finalidade. Como afirma Clarice: Apenas isto: sabe-se. Mas sabe-se de que? Sabe-se de si. O transcendente, neste caso, me leva a mim mesmo. Inverto a frase do texto: ganho a terra, uma alma e um corpo. Através do profundo contato com o mundo, como este se apresenta, experimento a dádiva indubitável de existir materialmente. É isso que acontece com os homens que entram em contato com o sagrado através dos símbolos da religião e da arte.

Os símbolos, por serem paradoxiais, podem ser entendidos como os melhores representantes do ‘totalmente outro’. Eles fazem parte do mundo, mas ao mesmo tempo estão apartados deste, estão suspensos. Por isso facilitam o contato com o transcendente. O símbolo não tem finalidade instrumental, ele possui uma dimensão de totalmente fora, totalmente estranho, totalmente outro, mas ainda sim está aqui-e-agora, e é por isso que mesmo estando quase desencarnado consigo me dirigir a ele. Posso estar totalmente com ele, formar uma unidade. O diálogo pressupõe dois em consonância, Eu e Outro – Outro e Eu. Habitando o mundo do outro, a sua verdade, conheço a minha verdade.

Referências

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