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O sentido do sintoma na psicose : uma leitura psicanalítica

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Academic year: 2017

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JOSÉ CARLOS CASTELO BRANCO FILHO

O SENTIDO DO SINTOMA NA PSICOSE:

UMA LEITURA PSICANALÍTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Drª Deise Matos do Amparo

Co-orientador: Dr. Roberto Menezes de Oliveira.

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B816s Branco Filho, José Carlos Castelo.

O sentido do sintoma na psicose: uma leitura psicanalítica / José Carlos Castelo Branco Filho. - 2007.

17Tr. ;

Disseliação (mestrado) - Universidade Católica de Brasília, 2007. Orientação: Deise Matos do Amparo

Co-orientação: Roberto Menezes de Oliveira

I. Psicanálise.2. Psicose - sintomas. I.Amparo, Deise Matos do, oriento .11.Oliveira, Robelio Menezes de, co-orient. 111.Título.

CDU 616.895

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que não mediram esforços para a concretização deste mestrado e pela força que me deram a cada dificuldade que aparecia durante o percurso trilhado.

Aos meus irmãos Ana Fabíola, Karla Cristina e Carlos Henrique, por acreditarem na realização deste sonho e por me ampararem sempre.

A professora Deise Matos do Amparo, por abraçar a proposta desta dissertação e pelas orientações realizadas nesses dois anos.

Ao professor Roberto Menezes de Oliveira pelas leituras realizadas.

Aos professores do programa de Mestrado da Universidade Católica de Brasília, pela dedicação dispensada às matérias ministradas durante o curso.

Aos professores Sandra Francesca C. de Almeida e Ileno Izídio da Costa, pela participação no exame de qualificação e pelos importantes direcionamentos sugeridos.

A professora Tania Inessa Martins de Resende, que me apresentou o mundo da psicopatologia de forma tão humana e apaixonante. Pela orientação do trabalho monográfico na graduação, germe deste, e no estágio em Saúde Mental, no Instituto de Saúde Mental do Distrito Federal, responsável pelo direcionamento profissional assumido. Aos psiquiatras do Hospital de Base do Distrito Federal, que ajudaram no recrutamento dos sujeitos da pesquisa.

A Amanda, Carla, João e Luciana, que abriram as portas de suas vidas – sem reservas – e com grande disponibilidade me contaram suas histórias nas entrevistas clínicas.

Ao amigo Roni Ivan, pela companhia e pela ajuda em vários momentos, principalmente nas viagens a São Paulo e Rio de Janeiro para realização de pesquisa bibliográfica.

Aos amigos Fabrício Santos e Marco Antônio pelas leituras e revisões de texto e a amiga Andréia Trigueiro pelo auxílio e presteza na tradução do resumo.

A amiga Simone Delgado pelas ilustrações para a defesa.

Aos colegas do Núcleo de Psicologia do Hospital de Base pelo apoio e incentivo durante esses dois anos.

Aos amigos que estiveram perto e me apoiaram e os que souberam entender a distância durante este tempo.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar, a partir de uma leitura psicanalítica, a relação da produção de sintomas, com a tentativa de organização psíquica de sujeitos com diagnóstico de psicose. Contrariando a idéia psiquiátrica de que o delírio é um juízo patologicamente falseado e a alucinação uma alteração da percepção, toma-se como base a proposição freudiana de que o delírio é uma tentativa de reconstrução e restabelecimento e a alucinação pode ser compreendida como retorno do que foi abolido no real, implicando uma satisfação alucinatória de desejo. Além disso, nos casos em que a alucinação e o delírio são apresentados concomitantemente, a alucinação tem a função de prover a construção de uma nova realidade de percepções, a fim de fundamentar e sustentar o processo delirante. Para analisar essas produções sintomáticas, em particular o delírio e a alucinação, colocou-se em questão a dimensão corporal, a problemática do narcisismo e a relação com a realidade. Este estudo configurou-se como uma pesquisa clínico-qualitativa de quatro sujeitos com diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia e transtorno delirante. Utilizou-se como instrumento entrevistas clínicas. Com a finalidade de qualificar e sistematizar as falas colhidas nas entrevistas, realizou-se a análise de conteúdo e hermenêutica das falas dos indivíduos, buscando uma interpretação psicanalítica. Observou-se que na psicose o sintoma também tem o objetivo de amenizar ou eliminar o que causa desequilíbrio e, dessa forma, o delírio e a alucinação são fenômenos importantes no processo de reconstrução da realidade, restabelecimento do vínculo com os objetos – pessoas e coisas – anteriormente investidos e remodelamento de sua imagem corporal e do eu. Além disso, percebe-se que o delírio traz a tona questões relacionadas com a história de vida do sujeito e trata-se de uma tentativa de encontrar um lugar para si no mundo onde possa voltar a existir. Assim, fica evidente a importância de devolver a fala ao sujeito psicótico e ouvi-lo no que lhe é mais pessoal. Em síntese, este trabalho pretendeu refletir sobre a redução desses fenômenos a produtos apenas patológicos e buscou lhes atribuir a devida importância para o entendimento do sujeito psicótico e do processo que se desenrola na psicose. Nesse sentido, qualificar a fala desses sujeitos é fundamental na atuação do profissional que se relaciona com eles como interlocutor deste processo.

Palavras-chave: Delírio, Alucinação, Corpo, Narcisismo, Realidade.

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ABSTRACT

The present work has as objective to investigate, starting from a reading psychoanalytic the relationship of the production of symptoms, with the attempt of psychic organization of subject with psychosis diagnosis. Thwarting the psychiatric idea that the delirium is a judgment distorted pathological and the hallucination an alteration of the perception, it is taken as base the Freudian’s proposition that the delirium is a reconstruction attempt and re-establishment and the hallucination can be understood as return than it was abolished in the Real, implying a hallucinatory satisfaction of desire. Besides, in the cases in that the hallucination and the delirium are presented concomitant, the hallucination has the function of providing the construction of a new reality of perceptions, in order to base and to sustain the delirious process. To analyze those symptomatic productions, in particular the delirium and the hallucination were placed in subject the corporal dimension, the problem of the narcissism and the relationship with the reality. This study was configured as a clinical-qualitative research of four subjects with psychiatric diagnosis of schizophrenia and delirious upset. It was used as instrument clinical interviews. With the purpose of to qualify and to systematize the speeches picked in the interviews, he/she took place the content analysis and hermeneutic of the individuals' speeches, looking for an interpretation psychoanalytic. It was observed that in the psychosis the symptom also has the objective of to liven up or to eliminate what it causes unbalance and, of that form, the delirium and the hallucination they are important phenomena in the process of reconstruction of the reality, re-establishment of the entail with the objects - people and things - previously invested and remaking of its corporal image and of the me. Besides, it is noticed that the delirium brings the subjects related with the history of life of the subject and it is an attempt of finding a place for itself in the world where exists again. Thus, it is evident the importance of to return the speech to the psychotic subject and to hear it in what it is it more personal. In synthesis, this work just intended to contemplate about the reduction of those phenomena to products pathological and it looked for them to attribute the due importance for the psychotic subject's understanding and of the process that is uncoiled in the psychosis. In that sense, to qualify the speech of those subjects is fundamental in the professional's performance that links with them as speaker of this process.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ... 04

RESUMO ... 06

ABSTRACT ... 07

INTRODUÇÃO ... 09

CAPÍTULO 1 PSICOSE E SINTOMA NA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA ... 24

1.1 – Psicose: mecanismo de defesa, relação com a realidade e narcisismo ... 24

1.2 – Esquizofrenia e paranóia: formação de sintoma e pontos de fixação ... 41

1.3 – A estrutura do delírio de Schreber ... 59

1.4 – Psicose e sintoma: uma questão a ser explorada ... 71

CAPÍTULO 2 NATUREZA DO PROBLEMA E MÉTODO ... 76

2.1. Participantes ... 77

2.2. Instrumento ... 79

2.3. Procedimento para coleta de dados ... 79

2.4. Procedimento para análise dos dados ... 80

2.5. Aspectos éticos ... 82

CAPÍTULO 3 O SENTIDO DO SINTOMA NA PSICOSE: A RELAÇÃO COM O CORPO, O NARCISISMO E A REALIDADE ... 84

3.1. Apresentação dos casos clínicos ... 85

3.2. A questão do corpo ... 107

3.3. A problemática do narcisismo ... 130

3.4. A relação com a realidade ... 144

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 162

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 171

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INTRODUÇÃO

Propor um trabalho sobre a função do sintoma na psicose não é um caminho fácil. Para trabalhar com este tema, é necessário que se desprenda de uma “força de gravidade” psíquica que remete o sujeito a uma imagem padronizada de racionalidade (Bodei, 2003). Tal procedimento se torna indispensável, uma vez que, ao se deparar com a fala do psicótico, que, embora pareça absurda e distorcida, pode-se fazer vislumbrar um mundo não totalmente incompatível com o mundo partilhado pela maioria das pessoas.

Para que seja possível entrar nesse universo delirante e alucinatório, deve-se deixar de ver tais experiências como algo homogêneo espacial ou temporalmente. Além disso, é necessário realizar um salto de um mundo vital a um outro mundo, onde todos possuem uma nebulosa possibilidade de habitar. Por exemplo, delírio e razão não são pólos opostos; dessa forma, não se deve pensar que o delírio represente a completa irracionalidade ou a falta de sentido, ou seja, considerando-se as variáveis individuais, é possível demonstrar certa lógica no fenômeno delirante (Bodei, 2003).

É esse salto, tratado por Bodei (2003), de um mundo ao “outro mundo”, que este trabalho pretende fazer. Visitar este universo do sujeito psicótico para tentar compreendê-lo um pouco mais.

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A palavra delírio é derivada da metáfora camponesa de exceder a lira (leira), ou seja, de de-lirar; de estar no canteiro entre dois sulcos (Bodei, 2003). No entanto, a definição de delírio não pode se resumir a “loucura evidente”, “juízos falsos” ou “convicções estranhas“, uma vez que o patológico no delírio não é propriamente o conteúdo, mas, sim, a posição que ele toma na vivência do indivíduo, a sua referência ao eu. Dessa forma, o que constitui a doença não são os objetos da imaginação e da percepção, mas, sua significação na vida do sujeito. Tal posicionamento já era explicitado nas definições antigas do delírio: “referência doentia do eu, perda da referência sem motivo, crença errônea doentia referida ao eu, consciência anormal da significação” (Schulte & Tölle, 1972, p. 158).

Em sentido oposto, a perspectiva psiquiátrica defende que as idéias delirantes ou o delírio são juízos patologicamente falseados. Assim, para a psiquiatria, ao tentar entender melhor o fenômeno do delírio, é preciso levar em consideração três características essenciais: i) o indivíduo delirante apresenta uma convicção irrefutável, não sendo possível se colocar em dúvida a veracidade do seu delírio; ii) o delírio é irremovível, não cabendo qualquer forma de modificação pela experiência objetiva e iii) o conteúdo do delírio é de caráter impossível (Jaspers, 2000).

Alguns autores, entre eles Dalgalarrondo (2000), acrescentam, nessa perspectiva, a idéia de que o delírio também é uma produção associal; ou seja, ele precisa ser a convicção de uma só pessoa, não podendo ser “repartido” com outros indivíduos. Para estes autores, ao delirar, o indivíduo deixa o seu universo social e passa a produzir e utilizar símbolos individuais, contrariando o seu grupo social.

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sujeito, e é mantida com extraordinária convicção e certeza subjetiva. Apesar disso, do ponto de vista fenomenológico, o delírio é indistinguível de uma crença verdadeira (Sims, 2001).

Em um sentido semelhante, Scharfetter (1997) o define como uma convicção particular e privativa, determinante da vida sobre si e sobre o mundo. Em contrapartida, para ele, assim como para outros autores, no delírio, o patológico não é o conteúdo, mas, sim, a relação alienada com os outros e com o mundo. Para este autor, a realidade delirante é a realidade de cada ser humano isolado. E conjuntamente consigo, do seu mundo, separando-o da comunidade.

Entretanto, contrariando a posição psiquiátrica que restringe o delírio a juízo falso e produção associal, Freud (1911/1996) já defendia, e será a idéia defendida neste trabalho, que a formação delirante, produto presumidamente patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento do vínculo com os objetos e pessoas anteriormente investidos e um processo de reconstrução, ou seja, de construção de uma nova realidade no sentido de reparar a perda da realidade que foi repudiada.

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Por outro lado, a alucinação é definida na psiquiatria como uma percepção de um objeto sem que este esteja presente, ou seja, sem o estímulo sensorial concernente (Dalgalarrondo, 2000).

Assim como acontece com o delírio, a psiquiatria trata a alucinação como signo de doença por designá-la como uma alteração da representação, ou melhor, uma falsa percepção. De certa forma, esta visão da psiquiatria acerca do fenômeno alucinatório não é plenamente compartilhada pela psicanálise. Para esta segunda abordagem, a alucinação é entendida como um remendo sobreposto à fenda que se abre em decorrência do conflito entre o eu e o mundo externo (Freud, 1924[1923]/1996). Esse remendo realizado pela alucinação diz respeito à substituição do fragmento de realidade que foi abolido. Além disso, ela é o retorno do que foi rejeitado e trata-se também da realização do desejo almejado pelo isso1: germe do conflito que deu origem à psicose por meio de uma conciliação entre as partes envolvidas.

Assim, visto que se coloca como formação de compromisso, a alucinação traz consigo algo da ordem do desejo, e, ao mesmo tempo, da ordem da defesa (Alonso, 2006). “O sintoma é figuração da fantasia inconsciente sexual, e surge como conseqüência do recalque e do seu fracasso” (p. 156).

Freud (1900/1996) aponta a alucinação como o primeiro mecanismo psíquico que o ser humano faz uso na tentativa de eliminar o desprazer causado por uma necessidade interna. Explica este fato retomando a vida de uma criança na mais tenra idade, que ao sentir fome chora ou emite outros comportamentos sugestivos dessa necessidade, mas a situação não se altera, pois é necessária a satisfação do estímulo interno de alguma maneira. No entanto, após um período em que a satisfação ocorre, a

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percepção específica relacionada com esta satisfação, no caso do bebê a nutrição, associa-se com um traço de memória da excitação produzida pela necessidade. Da próxima vez que a necessidade aparecer, o próprio psiquismo começará a representar ao retomar a percepção associada à satisfação no sentido de restabelecer a situação da satisfação original.

É justamente o reaparecimento da percepção que Freud define como a satisfação do desejo. Segundo ele, “o caminho mais curto para essa realização é a via que conduz diretamente da excitação produzida pelo desejo para uma completa catexia da percepção” (Freud, 1900/1996, p. 595). O investimento dessa percepção é a forma encontrada para a realização do desejo, mesmo que o objeto causador da satisfação não esteja presente. Caminho este que transforma o desejo em alucinação.

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Juntamente com essas possibilidades para este fenômeno, nos casos em que o sujeito apresenta o delírio e a alucinação concomitantes, essa segunda é o meio pelo qual se iniciará toda a construção delirante, já que o delírio necessita de percepções que estejam de acordo com a nova realidade que será construída para “justificar”, ou melhor, para sustentar e fundamentar a construção dessa nova realidade. Para que o delírio consiga realizar o seu objetivo de remodelamento da relação do eu com a realidade, o ponto de partida é justamente a alucinação, por trazer consigo algo que tem relação, de alguma forma, com o próprio sujeito. A alucinação realiza o papel de remendo dos fragmentos de realidade e, assim, do eu com a realidade (Freud, 1924/1996).

Na esquizofrenia, o conteúdo e o afeto da idéia incompatível são totalmente recusados e mantidos longe do eu por meio do desligamento parcial do mundo externo. Neste momento, as alucinações fazem a vontade do eu e o apóiam na defesa com relação à idéia originalmente incompatível. Na paranóia, tanto o afeto quanto o conteúdo da idéia incompatível são mantidos, porém são projetados para o exterior. Neste caso, as alucinações, quando presentes, são percebidas de forma hostil ao eu, por meio da perseguição que é alvo, mesmo assim exercem o papel de apoiar a defesa inerente à psicose, como na esquizofrenia. Mas nem sempre elas são hostis ao eu, no caso dos delírios de grandeza, as alucinações de fundo megalomaníaco são percebidas de forma agradável, não necessitando serem rejeitadas (Freud, 1950[1892-1899]/1996).

Freud (1911/1996) demonstra como acontece todo esse processo de construção delirante, com a participação da alucinação, por meio do estudo do livro Memória de

um doente dos nervos, que embasou a publicação do Caso Schreber. Neste texto fica

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Schreber, pela via delirante, no sentido de lidar com a idéia intolerada que um dia lhe ocorreu em semi-vigília: de que deveria ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato de cópula. No momento em que passarmos a desenvolver as idéias de Freud acerca da paranóia, detalharemos melhor as contribuições deste caso ao desenvolvimento da teoria da paranóia e da psicose.

Como demonstramos, em sua obra Freud defende que a psicose é uma “doença” da defesa, ou seja, “é a expressão mórbida da tentativa desesperada que o eu faz para se preservar, para se livrar de uma representação inassimilável que, à maneira de um corpo estranho, ameaça sua integridade” (Zolty, 2001, p. 36). Percebe-se, portanto, o movimento de Freud no sentido de restabelecer a função da doença para a reorganização psíquica do sujeito.

Nesta mesma direção, defende-se que a função do sintoma é fazer desaparecer, na maioria das vezes, o elemento que está causando a perturbação, o desequilíbrio (Dahlke & Dethlefsen, 2002). Dessa forma, o que importa não é tanto o comportamento apresentado, mas a posição do sujeito diante desse sintoma (Cromberg, 2000).

É justamente a posição subjetiva do indivíduo na presença do sintoma que caracteriza o diagnóstico psicanalítico e não apenas a sua conduta (Cromberg, 2000). Na perspectiva psicanalítica, o sintoma possui duas funções básicas: sugere uma dificuldade, ao passo que também é uma tentativa de enfrentá-la (Bell, 2005).

Sobre esse aspecto, temos a seguinte explicação de Scharfetter (1997):

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Esta posição de Scharfetter também corrobora a crítica acerca da idéia defendida por Dalgalarrondo, que o delírio seria uma produção associal, fazendo com que o indivíduo se distanciasse de seu grupo social. O delírio de perseguição seria a forma encontrada para se relacionar com outra pessoa, mesmo que este seja percebido como seu perseguidor. Da mesma forma, o delírio de redenção e de cura faz com que o sujeito delirante demonstre a sua “preocupação” com outros indivíduos.

É preciso levar em consideração que o sujeito delirante não consegue realizar “contato” com algumas pessoas ou situações da maneira que a maioria das pessoas o fazem. Nestes casos, a forma que encontra para estabelecer esse “contato” é por meio de seu delírio, como defende Freud, onde o sujeito empreende uma tentativa de restabelecer o vínculo com pessoas e objetos e um processo de construção de uma nova realidade que possa ser habitada por ele.

Paralelamente a isso, os aspectos criativos do delírio exercem sua função comunicativa em uma dialética, onde, por um lado, fica a vontade de comunicar e por outro, a vontade, ou até a necessidade, de esconder. Essa dialética pode ser justificada por meio do duplo movimento exercido pelo processo de defesa, onde por um lado procura diminuir a consciência a respeito dos conteúdos que causam desprazer e, por outro, pressiona para que esses conteúdos se manifestem (Bodei, 2003). Sobre este aspecto, pode-se afirmar que “o delírio é uma fala necessária que faz sofrer” (Coriat & Pisani, 2001, p. 59).

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seja, “quando a vida se torna invivível, deve-se inventar uma vida nova” (Bodei, 2003, p. 11).

Alguns sujeitos ajudam a entender o delírio como apresentado nessa passagem. Como por exemplo, um deles disse a Storch (1965), citado por Scharfetter (1997, p. 245): “Eu construo o meu próprio mundo, a fim de superar tudo o que é lamentável”. Outro dizia a Kretschmer (1963) também citado por Scharfetter (1997, p. 245): “Você pode dizer o que quiser da realidade, eu acho-a horrível”. Nesses fragmentos percebe-se que, em muitos casos, a realidade que se impõe ao sujeito é tomada como intolerável, exigindo a construção de uma nova realidade, pela via delirante, onde encontre um espaço para si.

Com efeito, o sujeito delirante não deseja simplesmente abandonar uma realidade hostil, negando, com tenacidade, o que contradiz seu delírio. Para evitar o sofrimento – na expectativa de uma catástrofe preste a acontecer ou intuída como iminente – reconstrói o mundo em que viveu até aquele momento, lançando mão dos materiais disponíveis (Bodei, 2003, p. 45).

Assim, não é difícil perceber que a psicose desdobra e desenvolve uma razão lógica em que o delírio aparece sob a forma de uma lógica sim, mas de uma outra lógica particular (Fillizola, 1994, p. 19). O que pode ser traduzido na afirmativa de que as lógicas que o delírio traz não são dotadas de uma lógica racional cartesiana, necessitando ser avaliadas a partir de casos individuais. Essa lógica própria e individual exige uma grande sabedoria por parte do protagonista e do terapeuta (Bodei, 2003).

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Em consonância com estas idéias, o delírio e a alucinação podem ser entendidos como uma manifestação do inconsciente do indivíduo, que se mostram menos disfarçados proporcionalmente ao se tratar de uma psicose mais regressiva. Além disso, esses fenômenos tratam da realização do desejo. O delírio é também, em sua essência, uma tentativa de restauração do mundo, ou seja, uma possibilidade de reconstrução do cenário onde os objetos e outros indivíduos possam reaparecer e serem novamente investidos, isso de forma fantasiosa. “Assim, longe de o delírio ser a marca da doença, ele já é o caminho para a cura e seu esboço. [...] Entrementes, o homem enfermo reconquista uma relação com as pessoas e as coisas deste mundo [...]” (De Waelhens, 1990, p. 74). Além de ser uma tentativa de restauração da realidade negada, o delírio é também a satisfação do inconsciente. Ainda, as alucinações são originadas em traços de memória, antigas representações e julgamentos que retornam sem que sejam assimiladas como percepções do sujeito (Freud, 1924/1996). Elas aparecem como algo que veio de fora e buscam substituir o fragmento de realidade abolido, ao mesmo tempo em que são as satisfações alucinatórias do desejo.

Nesta mesma direção, com o intuito de responder a respeito da significação da construção delirante, Herrmann (2004) afirma que a significação para o psicótico deposita-se no plano da compreensão, mesmo se o que é compreendido não pode ser articulado, nomeado e implantado pelo indivíduo em um contexto que possa explicar essa compreensão. “É no próprio delírio do sujeito psicótico que se encontra algo sobre a sua verdade pessoal” (p. 287).

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A produção delirante e a linguagem desse indivíduo trazem informações e conteúdos importantes sobre ele. Neste sentido, é necessário que o psicótico vivencie a sua psicose, e ao profissional (analista, psicólogo, psiquiatra, etc.) resta acompanhá-lo e decifrar essas informações. Ou seja, acompanhar a angústia, o sofrimento, a criatividade e o discurso peculiar que a situação de sofrimento torna possível e decifrar a organização psíquica que se formou frente a essa situação (Filizzola, 1994; Katz, 1991).

Diante do que foi exposto, é interessante observar, como já demonstramos, a diferença na forma de entender os sintomas e os quadros psicopatológicos entre a psicanálise e a psiquiatria. As classificações sugeridas por Freud tomam como base a etiologia – conflito psíquico – e não apenas a sintomatologia, como a psiquiatria. Dessa forma, percebe-se uma diferença essencial entre estas duas perspectivas. A psiquiatria qualifica os sinais e sintomas como signos de adoecimento mental e indicadores de disfunções psíquicas. Por outro lado, a psicanálise qualifica o sujeito e o sentido da sua fala buscando identificar sistemas lógicos subjacentes e dinâmicas psíquicas específicas. Nesse sentido, busca estabelecer, na psicose, conexões com a questão corporal, o narcisismo e a relação com a realidade.

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Diante de todas essas possibilidades de entendimento e interpretação para o processo delirante e alucinatório, a presente pesquisa pretende restabelecer a voz ao sujeito psicótico, como propõe a psicanálise, no intuito de alargar os conhecimentos sobre estes fenômenos ainda nebulosos e compreender como se articulam as questões referentes ao corpo, a problemática narcísica e a relação com a realidade na psicose. Assim, por meio de metodologia qualitativa com o uso de extratos clínicos de entrevistas com indivíduos diagnosticados com esquizofrenia ou transtorno delirante, pretendeu-se investigar a posição que o sujeito toma diante das alucinações a qual apresenta e do delírio que procura organizar o cenário psíquico desse sujeito. Com isso buscamos identificar o que esses sintomas dizem do sujeito em questão articulando com a análise da relação estabelecida com o corpo, o narcisismo e a realidade.

O estudo objetivará o entendimento do conteúdo e do lugar que o sintoma psicótico assume na construção simbólica do sujeito, e para isso, propõe enxergar o delírio da forma que Freud (1911/1996) sugere: como um processo de construção de uma nova realidade e uma tentativa de restabelecimento do vínculo com pessoas e coisas anteriormente investidos. Neste sentido, a construção delirante será analisada seguindo a idéia de que é a saída encontrada pelo sujeito, no sentido de lidar com a desorganização psíquica vivenciada por ele.

Buscar-se-á, também, refletir a respeito da redução do delírio e da alucinação à idéia de doença, ou apenas sintoma como acontece na perspectiva psiquiátrica, com o propósito de abrir as portas para se refletir sobre a intervenção terapêutica em saúde mental.

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tem o delírio como sintoma predominante. Outra patologia em que a alucinação é um dos sintomas mais evidente, juntamente com os delírios, em alguns casos, é a esquizofrenia. Neste sentido, no presente trabalho, a escolha desses quadros clínicos decorre do fato de o delírio e a alucinação serem manifestações importantes nas duas, onde na primeira, o delírio é mais sistematizado e “puro” e, na segunda, já existem outros sintomas e questões que podem influenciar no curso do delírio, além da esquizofrenia ser considerada a psicose típica. É importante ressaltar que nem todo quadro de esquizofrenia e paranóia comportam o delírio e a alucinação concomitantes.

Observa-se ainda que apesar da divergência na nomenclatura entre a psiquiatria e a psicanálise para o quadro da paranóia, esta será a denominação adotada durante o trabalho, por ser a forma com que a psicanálise, posição teórica adotada, ainda a denomina. No entanto, é importante salientar que os sujeitos que farão parte da pesquisa receberam o diagnóstico médico-psiquiátrico de transtorno delirante com base no CID-10. Quando nos referirmos ao diagnóstico, a nomenclatura pertinente será transtorno delirante.

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que propomos uma investigação acerca da construção delirante e o processo alucinatório com indivíduos acometidos por esquizofrenia e paranóia.

Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa foi investigar a relação do sintoma psicótico com a organização psíquica do sujeito com diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno delirante. Especificamente pretende-se analisar na fala do psicótico a relação da produção do delírio e da alucinação com a tentativa de restabelecimento da relação com a realidade, o reinvestimento no corpo e a busca de reorganização narcísica; buscar-se-á analisar, também, a função do delírio no restabelecimento da organização psíquica do sujeito psicótico e, as implicações do sujeito no processo de construção do processo alucinatório e delirante.

No primeiro capítulo serão apresentados os fundamentos teóricos da perspectiva psicanalítica no sentido de trazer alguns pontos conceituais dessa abordagem ao fenômeno psicótico. Para isso, o presente trabalho trará uma revisão de literatura sobre a psicose, de forma particular da esquizofrenia e da paranóia, bem como do papel do delírio e da alucinação, quando presentes, em ambas.

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Já o terceiro capítulo, refere-se aos resultados e discussões dos extratos clínicos selecionados e divididos nos eixos temáticos que nortearam o estudo. São eles: a questão do corpo, a problemática do narcisismo, a relação com a realidade e os objetos na psicose.

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CAPÍTULO I

PSICOSE E SINTOMA NA PERPECTIVA PSICANALÍTICA

1.1 – Psicose: mecanismo de defesa, relação com a realidade e narcisismo

Em toda a obra freudiana é possível verificar a grande dedicação que Freud demonstrou ao estudo das neuroses. Realizou importantes descobertas com relação às “doenças mentais” por meio de estudos realizados principalmente com suas pacientes histéricas. Como por exemplo, a descoberta de que o principal fenômeno psíquico que está na gênese da histeria é o recalcamento. Este processo seria um mecanismo de defesa do eu e sua função seria manter inconscientes as representações (pensamentos, imagens, recordações) que poderiam provocar desprazer se fossem mantidas na consciência. No entanto, mesmo no inconsciente, esse material recalcado, isto é, que foi levado para o inconsciente, poderia provocar sintomas por meio de uma formação de compromisso entre as forças das representações recalcadas e as forças que ocasionaram o recalcamento (Sterian, 2001).

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Percebe-se que Freud dá início a uma nova forma de ver a doença mental e começa a se interessar por novos dados que até então não eram considerados no campo da psicopatologia.

No artigo As neuropsicoses de defesa, Freud (1894/1996) se propõe a explicar os sintomas da histeria e das obsessões e acaba por chegar ao campo das psicoses. Teoriza que, nas duas primeiras, a defesa contra a representação incompatível ocorreria por meio de sua separação do afeto, o que faz com que ela fique enfraquecida. Entretanto, mesmo que enfraquecida e isolada, a representação continua na consciência e acaba por formar sintomas como soluções de compromisso, conforme explicado acima.

Em contrapartida, a psicose apresenta uma forma de defesa mais poderosa, onde o eu rejeita a representação incompatível e seu afeto, comportando-se como se esta nunca tivesse acontecido. No momento em que esta defesa ocorre, o indivíduo fica submetido por uma “confusão alucinatória”. Em outras palavras, Freud (1894/1996) diz que o eu afastou-se da representação incompatível por meio da estruturação de uma psicose.

Neste momento, inicia-se um grande caminho percorrido por Freud no sentido de entender esta outra forma possível do eu defender-se de uma representação incompatível, que se desenrola de forma peculiar, diferenciando-se do campo da neurose.

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foi repudiada, pela via delirante e/ou alucinatória. Soma-se a estas, a problemática do narcisismo, que se configura de forma particular nas psicoses.

Na psicanálise, a psicose é entendida como um desfecho de um conflito entre o eu e o mundo externo, onde a serviço do isso, o eu se afasta de um fragmento de realidade. Percebe-se que na psicose trata-se de uma rebelião por parte do isso contra o mundo externo, em que fica evidente a sua incapacidade de adaptar-se às exigências da realidade (Freud, 1924[1923]/1996).

De forma genérica, para haver o conflito é necessário que exista uma pressão que procura uma descarga e outra que empreenda uma força contrária no sentido de evitá-la. Assim, a “guerra” acontece entre essas duas instâncias que exercem as pressões contrárias (Kusnetzoff, 1982). Na verdade, podemos dizer que este conflito acontece entre o eu e a realidade externa, onde o eu retrai-se, ou nega a realidade, e passa a obedecer aos impulsos do isso.

Este conflito, bem como o retraimento ou negação da realidade, podem ser explicados pelo fato de que o mundo externo governa o eu basicamente de duas formas: por meio de percepções atuais e presentes, que são sempre renováveis, e por outro lado, por intermédio do armazenamento de lembranças de percepções passadas, que formam um “mundo interno” exercendo certa posse sobre o eu, ao mesmo tempo em que se tornam uma parte dele. Dessa forma, o aparecimento da psicose se daria na ocasião em que uma dessas representações é encarada pelo eu como insuportável. Neste momento, o eu defende-se dessa representação incompatível rejeitando-a juntamente com o seu afeto e agindo como se esta jamais lhe tivesse ocorrido (Freud, 1924[1923]/1996).

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psicose. Na neurose este processo ocorre por meio do recalcamento e na psicose essa defesa se dá de forma mais radical, uma vez que rejeita não só o afeto, como acontece na neurose, mas também a própria representação incompatível. A defesa na psicose evita que o eu volte a entrar em contato com essa representação insuportável por intermédio de sua extinção, mas tal feito trará conseqüências marcantes que podem ser observadas nos sintomas característicos desta estrutura.

No entanto, neste momento conflitual o eu deixa-se derrotar pelo isso, e, por conseqüência, ser arrancado da realidade. As representações armazenadas ficam ligadas a um fragmento de realidade, ao passo que ao rejeitar a representação incompatível à parcela da realidade que estava ligada a ela também é rejeitada. Assim, o eu desliga-se não só do que antes era incompatível, mas também total ou parcialmente da realidade. De tal sorte, na psicose, encontramos necessariamente a perda da realidade, em menor ou maior grau, mas ela ocorrerá. O primeiro passo da psicose é justamente este, afastar o eu da realidade por causa de sua incapacidade de adaptar-se a ela.

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Neste momento em que o eu nega a realidade, ele passa a obedecer aos impulsos do isso, para quem só existe as leis do princípio do prazer (Quiles, 1995) e que contêm os representantes psíquicos das pulsões. Estes representantes, por um lado, têm sua origem em questões inatas e hereditárias, e, por outro, questões recalcadas e adquiridas (Laplanche & Pontalis, 2001). É importante salientar que este afastamento do eu da realidade e a adoção de um funcionamento pautado pelo princípio de prazer serão condições necessárias para o aparecimento da alucinação, juntamente com a regressão.

Outra forma de explicar este processo de negação da realidade é justamente entendê-lo como uma impossibilidade de incorporação simbólica de um fato ou acontecimento (Sterian, 2001). Este fato que não pode ser simbolizado está no campo da castração. Segundo Freud (1918 [1914]/1996), na rejeição encontra-se algo onde não é possível identificar o registro da castração, onde o traumático não pode ser registrado.

Penot (1992) sugere que:

a rejeição da realidade, em suas diversas modalidades clínicas, parece ter suas raízes na herança de uma dificuldade em dar sentido, que se conjugaria ao passado anterior, em ‘anterioridade’ a toda história individual. De sorte que o real não seria apreensível por cada um, e não poderia representar alguma coisa, senão através das primeiras figuras parentais, e do ‘discurso’ do qual estas são o suporte originário (p. 9).

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Retornando à idéia de que a negação da realidade estaria relacionada com a não incorporação simbólica de um fato ou acontecimento (Sterian, 2001), para Lacan (1955-1956/2002), ao falar em psicose, o termo mais adequado para este mecanismo de recusa da realidade é foraclusão, que consiste na “rejeição de um significante primordial em trevas exteriores, significante que faltará desde então nesse nível” (p. 174). Ou seja, é um processo de exclusão de um primeiro corpo de significante relacionado com a castração, onde, segundo o autor, o sujeito nada sabe a respeito, por isso ocorreria essa rejeição primordial do significante fundamental para fora de seu universo simbólico.

A foraclusão, que para Lacan seria o mecanismo de defesa do eu específico da psicose ─ que ocorre de forma especial na esquizofrenia ─ consiste na rejeição da representação e seu afeto do psiquismo do sujeito, que se comporta como se ela nunca tivesse acontecido. Essa é uma das importantes diferenças dos mecanismos de

foraclusão e recalque. Outra diferença está no fato de que na foraclusão, os

significantes foracluídos não retornam “do interior”, mas no seio do real (Laplanche & Pontalis, 2001). Este retorno no real, ou pelo real, acontece na forma de alucinação, como já apontamos.

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Esta idéia de significante do Nome-do-pai relaciona-se com a idéia do complexo de Édipo, com principal objetivo de desvelar a proibição do incesto, onde o pai precisa interditar a mãe. Na teoria lacaniana, esta função será exercida pelo pai enquanto significante, ou seja, enquanto aquele que representa essa proibição (Coelho, 2003).

Entretanto, existem duas possibilidades nesse momento, que este significante se inscreva ou não. “Há, portanto, na origem, Bejahung, isto é, afirmação do que é, ou

Verwerfung” (Mendonça, 1996, p. 61). Ou seja, primordialmente o significante

Nome-do-pai é inscrito, marcado, na cadeia simbólica de significantes do sujeito, mas pode acontecer que este seja rejeitado e não possa inscrever-se, reaparecendo no real. Quando acontece esta rejeição em relação a esse significante que inscreve a lei relacionada com a castração e a interdição do incesto, tem-se o ponto central que determinará o estabelecimento da psicose. Como vimos, o mais correto na teoria lacaniana é dizer que este significante foi foracluído, não realizando a sua marca no campo simbólico do psiquismo do sujeito.

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Dessa forma, a ausência da função paterna ou, caso prefira, ausência do significante Nome-do-pai, será o eixo central para caracterizar a psicose na teoria lacaniana (Mendonça, 1996, p. 61). Mas este significante além de ser o mecanismo que distingue a psicose, também será a sua origem. O que caracteriza a psicose para Lacan é a regressão tópica: esta não compartilha a idéia freudiana de regressão a um momento determinado do desenvolvimento, como veremos, mas uma forma diferente do funcionamento imaginário, sem o poder e a proteção do significante Nome-do-pai.

Nesse ponto é necessário lembrar que não se trata do pai enquanto pessoa, enquanto um ser material, e sim um significante, como o operador de uma metáfora que necessita ser sustentado por uma fala, neste caso a fala da mãe. Para Lacan (1957-1958/1999), é a mãe quem irá indicar, por meio de sua fala, o significante Nome-do-pai. Este, por sua vez, pode estar presente ou ausente, porquanto é a fala da mãe que o sustentará como lei e não a sua presença ou ausência física.

Lacan traça seus conceitos ancorados nessa idéia de um significante, em termos de uma função simbólica, visto que, para ele, o próprio inconsciente é organizado na forma de uma linguagem. Assim, a função simbólica será o princípio pelo qual o inconsciente será organizado (Mendonça, 1996). Para ele, qualquer coisa que se relacione com o humano deve ser submetida às leis da fala. “A simbolização, a lei, desempenha um papel primordial no pensamento lacaniano” (p. 14). Diferentemente de Freud que entende a psicose por meio de uma economia da libido, Lacan o fará por uma economia do discurso.

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especial, uma densidade que se manifesta algumas vezes na própria forma do significante, dando a elas um caráter neológico (Mendonça, 1996).

Ainda, esta falha na inscrição significante pode ser observada por meio das frases interrompidas, maneirismos na disposição da escrita, reiteração de letras, palavras e símbolos, além dos neologismos, como apontado. “Na psicose, palavra e coisa se confundem; as palavras ganham substância, textura, tornam-se coisas que afetam, invadem o corpo” (Lacet, 2004, p. 248).

Adotar a palavra no lugar da coisa nos aponta o caminho de que o sujeito perdeu a função de símbolo, o sentido. Perdeu também o limite onde deveria ter ocorrido a marca da significação fálica, que separa corpo e linguagem; ruído e voz; palavra e coisa. “Na psicose, essa fronteira não se estabelece, vozes e palavras invadem o corpo” (Lacet, 2004, p. 249).

Voltaremos a falar sobre esta questão do psicótico com a linguagem um pouco mais adiante, quando passarmos a tratar mais especificamente de cada uma das psicoses: paranóia e esquizofrenia.

Concomitante a isto, a afirmação de que no psicótico existe uma falha na simbolização sustenta também a idéia que na psicose “o inconsciente está a céu aberto”. Faltando a simbolização primitiva que fundará e organizará o inconsciente, este fica como se estivesse sem um contorno, sem uma delimitação, sem uma lei que possa orientá-lo e organizá-lo.

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“realidade” fenomênica, que não é possível de ser representada, também se relaciona com as representações que foram excluídas do registro simbólico, ou seja, que foram rejeitadas (Herrmann, 2004). É precisamente o tema da castração que não foi simbolizado.

Este registro do simbólico “condiz com um sistema de representações calcado na linguagem, por meio de signos e significações possíveis que determinam o sujeito do inconsciente e a faculdade de simbolização” (Herrmann, 2004, p. 281). Por último, o registro do imaginário é utilizado no sentido de “definir um lugar ao eu, com os seus fenômenos de ilusão, captação e engodo” (p. 281).

A proposição “reaparecer no real” também torna possível tocarmos em uma questão importante para a psicose – a projeção. Na psicose, entende-se por projeção “o mecanismo que faz voltar de fora o que está preso na Verwerfung, ou seja, o que foi posto fora da simbolização geral que estrutura o sujeito” (Lacan, 1955-1956/2002, p. 58).

Esta questão da não incorporação simbólica presente na psicose nos remete à idéia de que o humano se realiza apenas no simbólico, uma vez que a libido seria apreendida apenas na esfera das representações, o que acaba por determinar uma “despersonalização” presente na maioria das psicoses (Katz, 1991).

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Esses fatores estariam relacionados ao fato de que na psicose não ocorreria simbolização de alguns fatos, causando rejeição da realidade e um prejuízo na vivência do sujeito de estar no mundo e de habitar o próprio corpo (De Waelhens, 1990).

No momento julgamos suficientes as informações prestadas acerca da teoria lacaniana da psicose. Quando necessário, retomaremos as idéias desta teoria, bem como lançaremos mão de outros conceitos ainda não abordados aqui, se necessário, no sentido de nos ajudar no entendimento do fenômeno psicótico.

Retornando à teoria freudiana da psicose, um segundo momento do distúrbio entre o eu e o mundo externo, que se relaciona com o aparecimento da psicose, é dedicado a reparar a perda da realidade que foi repudiada, não por meio de sua restituição, mas pela elaboração de uma nova, que não traz mais as mesmas questões que ocasionaram a rejeição da antiga. Na psicose, esta fase é entendida por Freud como um processo de cura, onde o eu busca conciliar-se com o isso.

Neste segundo momento, é o delírio que realiza esta função de constituição de uma nova realidade que não seja insuportável para o sujeito e que passará a substituir a realidade que foi negada. Esta nova realidade, ou melhor, o novo mundo que se formará, será construído de acordo com os impulsos do isso (Freud, 1924/1996). “[...] O delírio se encontra aplicado como um remendo no lugar em que originalmente uma fenda apareceu na relação do eu com o mundo externo” (Freud, 1924[1923]/1996, p. 169). Nesse sentido, percebe-se que o delírio é a forma encontrada pelo psiquismo do sujeito para reparar o dano causado e restaurar as relações desse sujeito com a realidade. Ou seja, o delírio é a possibilidade que o sujeito encontra para simbolizar.

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meio dos quais a realidade foi representada na mente. Deste ponto, pode-se presumir que o delírio, ao constituir a nova realidade que o sujeito habitará, traz à tona questões de sua vida que estavam esquecidas ou guardadas em seu psiquismo. Nesse sentido, a psicose também tem a tarefa de conseguir para si, por meio da alucinação, percepções de um tipo que corresponda a essa nova realidade (Freud, 1924/1996). Quando presente, essa é uma das funções desempenhadas pela alucinação, além de ser o retorno no real do que foi abolido e a satisfação do desejo por meio da conciliação entre o eu e o isso.

Nos casos em que está presente apenas a alucinação, é esta quem realiza a “construção” da nova realidade por meio das percepções que traz para o sujeito, mas na forma de uma colcha de retalhos sem as costuras, função exercida pelo delírio.

No entanto, as alucinações e os delírios são percebidos pelo sujeito de forma bastante aflitiva e provocam uma grande ansiedade por serem sinal de que o procedimento de reconstrução e remodelamento acontece na contramão de forças opostas rigidamente a este processo (Freud, 1924/1996).

Nesta mesma direção, Freud (1924/1996) termina o seu artigo sobre a perda da

realidade na neurose e na psicose dizendo que o novo e imaginário mundo externo

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Mas fica uma indagação, que Freud (1914a/1996) também se fez: o que acontece à libido no momento em que o eu nega a realidade e a desinveste libidinalmente? Com o propósito de responder a essa questão, Freud lança mão de um conceito que passará a ser fundamental para o entendimento da psicose.

Para chegar a este conceito seguiu o caminho deixado pela megalomania apresentada por estes sujeitos. Para ele, a megalomania tem sua origem a custo da libido objetal afastada dos objetos, no momento em que o eu nega a realidade. O movimento se daria então por um desligamento da libido dos objetos, e coisas deixando o mundo externo para trás e dirigindo-se para o próprio eu. Neste momento, origina-se uma atitude que Freud (1914a/1996) chamou de narcisismo. Como resultado deste processo ocorreria a perda da realidade, como já tratamos.

O percurso seria o seguinte: sob a determinação do isso, o psicótico desinveste a realidade e investe em si mesmo, e, assim, de certa forma, recalca a realidade – ou melhor, a representação que o sujeito tem da realidade. “A defesa consiste então em desinvestir esse real, restituindo ao eu as cargas libidinais ligadas a ele. Esse primeiro movimento é seguido por uma segunda providência: a que procura reencontrar e reinvestir o real, mas de modo delirante ou alucinatório” (De Waelhens, 1990, p. 82). Assim, o sintoma psicótico seria o retorno do resultado desse conflito sem que antes pudesse ter sido elaborado (Sterian, 2001).

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O narcisismo consiste no processo em que um indivíduo toma o seu próprio corpo da mesma forma que o trataria de um objeto sexual. Em outras palavras, o que acontece na psicose é o afastamento da libido do mundo externo e o conseqüente redirecionamento dessa energia para o próprio eu do sujeito (Freud, 1914a/1996).

No entanto, essa forma de narcisismo apresentado na psicose seria um narcisismo secundário, uma vez que esse fenômeno estaria presente no curso regular do desenvolvimento sexual humano, denominado, neste momento, como narcisismo primário. Ou seja, no início existiria uma catexia libidinal original do eu e posteriormente, parte desta energia, seria conduzida a outros objetos, mas que basicamente persistiria e relacionar-se-ia com as catexias objetais (Freud, 1914a/1996). O narcisismo é um estádio no desenvolvimento libidinal localizado entre o auto-erotismo e a libido objetal. Ele diferencia-se do auto-auto-erotismo porque seus impulsos libidinais não se encontram dispersos, mas sim reunidos em um único objeto, o próprio eu do sujeito.

Um ponto de grande relevância no curso do desenvolvimento normal diz respeito a essa necessidade de ultrapassar os limites do narcisismo, conduzindo a libido a outros objetos. O completo desenvolvimento do eu incide num afastamento do narcisismo primário e dá margem a uma forte tentativa de recuperação desse estado. “Esse afastamento é ocasionado pelo deslocamento da libido em direção a um ideal do eu imposto de fora, sendo a satisfação provocada pela realização desse ideal” (Freud, 1914a/1996, p. 106).

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Nesta direção, o eu pode ser concebido como um grande reservatório da libido, de onde ela parte para ser enviada para os objetos, mas está sempre pronta e disponível a fim de receber a libido que volta deles (Mendonça, 1996).

Mas este desligamento da libido dos objetos e coisas não caracteriza por si o fator patogênico da psicose. Freud (1914a/1996) já ressaltava esse comportamento de não interesse pelo mundo externo e o conseqüente represamento dessa libido no eu como algo natural em qualquer processo de adoecimento, dor ou mal-estar, na medida em que essas coisas externas não fazem parte do seu sofrimento. Assim, “o homem enfermo retira suas catexias libidinais de volta para seu próprio ego [eu], e as põe para fora novamente quando se recupera” (p. 89, observação nossa). Ele também ressalta que, nesse momento, a libido e o interesse do eu partilham do mesmo destino e são, mais uma vez, indistinguíveis entre si. Além disso, refere essa alteração na distribuição da libido às modificações sofridas pelo eu durante qualquer processo de enfermidade.

O que caracterizará o efeito patogênico é o enérgico processo que força a retirada da libido dos objetos e que não permite que esta retorne a eles. Ou seja, o efeito patogênico se instala na quebra da mobilidade da libido, causando o seu represamento no eu, como demonstramos acima. Mas em vários casos, um segundo momento é empreendido possibilitando o reinvestimento nos objetos e na realidade.

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atribuindo-lhe um estatuto de cura e de recuperação. “O delírio é, assim, a luta da libido por encontrar seu caminho de volta” (Mendonça, 1996, p. 35).

De Waelhens (1990) também chama a atenção para essa idéia de que, na psicose, o narcisismo deve ser entendido secundariamente, uma vez que tem origem no narcisismo primário que foi ofuscado por várias influências. Em outras palavras:

[...] a psicose, ao menos de certo modo, pode ser descrita não tanto como um acidente, mas como o restabelecimento intensivo ou mesmo exclusivo de um regime que deixou por completo de vigorar. Existem, pois, pulsões do eu voltadas para ele mesmo, que dele se desviam em algum momento, mas não inteiramente, e que podem retornar (p. 77).

Essa idéia acerca do narcisismo é amparada e sustentada por uma antítese entre a libido do eu e a libido objetal, ou seja, a libido conduzida por um lado ao próprio eu e por outro aos objetos. Assim, quanto mais uma é empregada, mais a outra se esvazia. Dessa forma, a megalomania que pode ser encontrada nas psicoses é acarretada justamente em conseqüência desse alto desinvestimento libidinal dos objetos, depositando essa libido no eu (Freud, 1914a/1996). Nesse sentido, o narcisismo pode ser entendido como um acúmulo da libido no eu que acaba limitando, ou privando, o contato do psicótico com o mundo (Coriat & Pisani, 2001).

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Por fixação entende-se o processo em que determinada parcela da pulsão passa a não acompanhar os outros durante o caminho considerado normal, previsto no curso do desenvolvimento. Em decorrência deste fato, este componente pulsional é deixado para trás e fica em um estágio infantil.

É importante salientar que, para a psicanálise, as fixações são tidas como as bases necessárias para o desencadeamento das enfermidades que podem ser manifestadas pelo sujeito, predizendo, dessa forma, o resultado que se pode esperar da repressão, ou da rejeição, no caso da psicose; ou seja, que tipo de enfermidade o sujeito apresentará. Os possíveis pontos de fixação correspondem aos estágios no desenvolvimento da libido (Freud, 1911/1996).

Na psicose, a regressão acontece de forma profunda, voltando aos estágios mais primitivos do desenvolvimento, no momento em que o eu ainda não estava diferenciado do não-eu – a realidade externa – e as relações com os objetos libidinais também não haviam sido estabelecidas ainda de forma favorável. Essa dificuldade do sujeito psicótico de manter relações afetivas com as pessoas soma-se à fraqueza do eu, e está relacionada com a incapacidade de lidar com a realidade externa, uma vez que os “outros” representam sempre uma “ponte” com esta realidade. No entanto, na psicose essa ponte está rompida. Em outros momentos, as relações com as pessoas, quando ocorrem, podem ficar impregnadas com a ambivalência de sentimentos opostos, como amor e ódio (Quiles, 1995).

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não havia se estabelecido. “Não havia diferenciação eu/não-eu e a linguagem não existia” (Quiles, 1995, p. 9).

Na paranóia, a regressão acontece até o narcisismo, fase do desenvolvimento psicossexual intermediária entre o auto-erotismo e o amor objetal e no caso da esquizofrenia a regressão é ainda mais atrás, até o auto-erotismo.

Esse processo de regressão que consiste no desligamento da libido das pessoas e coisas que eram amadas e o conseqüente retorno desta para o ponto de fixação é igual em todas as psicoses, diferenciando-se apenas o ponto de fixação. Em contrapartida, o processo de restabelecimento, ou conforme denomina Freud, o mecanismo de defesa, que desfaz o trabalho da regressão e permite que a libido seja investida novamente para os objetos que havia deixado, é diferente em cada uma das psicoses. No caso da esquizofrenia, esse processo é realizado, na maioria das vezes, por intermédio da alucinação e, na paranóia, é a projeção, pela via delirante, que assume essa função (Sterian, 2001). Tais processos serão melhores explorados à frente, quando o alvo passará a ser algumas especificidades de cada uma das duas patologias que analisaremos: a esquizofrenia e a paranóia.

1.2 – Esquizofrenia e paranóia: formação de sintoma e pontos de fixação

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entanto, possuíam um ponto disposicional diferente e faziam uso de mecanismos específicos para a formação de sintomas.

Freud (1914a/1996) destaca o afastamento do mundo externo e a decorrente megalomania como características centrais da esquizofrenia. Defende que esses sujeitos retiram a libido das pessoas e coisas do mundo externo sem que passem a investir em outras na fantasia. Por outro lado, quando realmente conseguem substituí-las, este processo faz parte de uma tentativa de recuperação que busca conduzir a libido novamente aos objetos.

A megalomania indica o caminho que a libido faz quando esta não consegue ser substituída ou reconduzida aos objetos. Ela surge como resultado desse investimento da libido, que antes estava dirigida aos objetos, de volta para o eu. Este movimento de reinvestimento no eu tem o nome de narcisismo, como vimos. Dessa forma, o desinteresse pelo mundo externo gera, também, um interesse pelo corpo próprio.

Se prestarmos a devida atenção, percebemos que estas duas características relacionam-se e possuem como questão central a libido do eu. Seguindo esta observação Freud conclui que a esquizofrenia coloca-se na dependência da libido do eu, dando a idéia de um represamento dessa energia que caracteriza os fenômenos encontrados nesta patologia.

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Para Freud todas as formas patológicas seriam o resultado do processo psíquico da defesa inconsciente, no sentido de se proteger contra uma representação percebida como intolerável pelo inconsciente e que se apresenta com árdua oposição ao eu. Na esquizofrenia, “a defesa enérgica e eficaz consiste na recusa do eu da representação intolerável, conjuntamente com seu afeto, na qual ele se conduz como se a representação não houvesse jamais chagado a ele” (Cromberg, 2000, p. 49).

Ainda com relação a este assunto, um dos pontos que fica evidente na obra de Freud (1911/1996) diz respeito ao afastamento que a libido sofre do mundo externo, o que faz pensar que a rejeição da idéia intolerada exercida neste quadro aconteça por meio deste desligamento da libido dos objetos externos. Como conseqüência, tem-se um desligamento parcial ou total da realidade, tanto da realidade psíquica quanto a realidade externa, fazendo com que o sujeito se afaste da representação intolerada.

Conforme já explicado, a psicose é resultado de conflito entre as exigências dos impulsos do isso e a proibição por parte do princípio de realidade que está arraigado no eu. Como resultado destes conflitos o eu acaba sendo alvo de uma fenda, uma vez que as duas reações contrárias do conflito persistem como ponto central de uma divisão do eu. Esta divisão está no cerne de todo processo de defesa, já que o eu deixa-se vencer pelos instintos do isso, mas continua preso à realidade.

Em outro momento Freud (1940[1938]/1996) afirma que

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44 uma só – uma delas, a normal, que leva em conta a realidade, e outra

que, sob a influência dos instintos, desliga o ego da realidade. As duas coexistem lado a lado. O resultado depende da sua força relativa. Se a segunda é ou se torna a mais forte, a pré-condição necessária para uma psicose acha-se presente. Se a relação é invertida, há então uma cura aparente do distúrbio delirante (p. 215).

Na psicose estariam presentes essas duas atitudes e não apenas uma. Essa presença parece refletir a bipartição do eu que é acompanhada pela imagem do corpo próprio como dividido (Dias, 2001).

Por outro lado, nas patologias de cunho paranóide a rejeição acontece geralmente de forma parcial, tendo como alvo, algumas vezes, um só objeto. Como exemplo disso, podemos citar os delírios de ciúmes e erotomaníacos.

Neste momento, as alucinações, juntamente com o delírio, em alguns casos, travam uma luta contra esta rejeição, que é seguida pela conseqüente regressão às fixações que aconteceram durante a vida do sujeito, no sentido de restabelecer a ligação da libido aos objetos.

É preciso demarcar que ao se falar de esquizofrenia, a tentativa de restabelecimento faz uso majoritariamente de um mecanismo alucinatório e não delirante como na paranóia, que faz uso da projeção para este fim.

Paralelamente a isso, a variação nos pontos de fixação disposicionais entre a esquizofrenia e a paranóia é um importante diferencial entre estes dois quadros, definindo inclusive a forma que eles assumem e o curso que seguirão, como afirmamos acima, diferenciando-se no mecanismo empregado para o reinvestimento libidinal.

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física. Nesta fase, “sua percepção do próprio corpo é construída por sensações desintegradas, geradas por estímulos dos diferentes órgãos ou partes do organismo, que ele não percebe como um todo” (Sterian, 2001, p. 79). O eu ainda não está formado, sendo percebido como algo fragmentado. O surgimento de um eu integrado se dá apenas no momento em que se avança do auto-erotismo ao amor objetal, passando pelo narcisismo. Assim, a regressão ao auto-erotismo, na esquizofrenia, presentifica esta forma de perceber e lidar com o próprio corpo como algo fragmentado, não estruturado. Essa ausência de organização da imagem do corpo produz na clínica do sujeito esquizofrênico, sintomas característicos de hipocondria delirante e de estranheza corporal.

Esta é a imagem que a psicose refletirá do corpo próprio: algo que perdeu a unidade e, portanto, a função. A esse respeito, De Waelhens (1990/1996) diz que o esquizofrênico sempre se refere a uma imagem do corpo próprio como despedaçado. Segundo este autor, em muitos casos esse despedaçamento se manifesta com bastante clareza por meio do discurso do sujeito e dos delírios interpretativos relativos ao corpo.

Além dessa questão corporal, estes sujeitos também possuem outras características inerentes ao quadro esquizofrênico, que mesmo não sendo encontradas em todos os casos, são uma fonte importante para a realização da identificação mais precisa do possível diagnóstico. São elas: o pensamento, a linguagem, o afeto e a relação com a realidade.

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normas internalizadas do próprio sujeito, dos seus pais, da sociedade ou da cultura em que está inserido (Sterian, 2001).

Os indivíduos que possuem esses sintomas queixam-se de que os seus pensamentos são conhecidos por outras pessoas e suas ações, da mesma forma, são vigiadas e supervisionadas. Essas queixas são legítimas uma vez que essa instância – o supereu – que exerce um poder de vigilância, descobre e repreende todas as intenções do indivíduo, existe em todas as pessoas (Freud, 1914a/1996).

Os delírios de estar sendo vigiado apresentam esse poder numa forma regressiva, revelando assim sua gênese e a razão por que o paciente fica revoltado contra ele, pois o que induziu o indivíduo a formar um ideal de ego, em nome do qual sua consciência atua como vigia, surgiu da influência crítica de seus pais (transmitida a ele por intermédio da voz), aos quais vieram juntar-se, à medida que o tempo passou, aqueles que o educaram e lhe ensinaram, a inumerável e indefinível corte de todas as outras pessoas de seu ambiente - seus semelhantes - e a opinião pública (p. 102).

Esses delírios de serem vigiados são marcantes nas patologias de cunho paranóide. As informações acerca dessa vigilância chegam por meio de vozes que caracteristicamente falam em terceira pessoa.

No que se refere aos distúrbios da linguagem, a grande quantidade de alterações que a fala do esquizofrênico sofre merece uma atenção especial. A construção de frases do esquizofrênico demonstra uma desorganização característica, que faz com que os outros indivíduos não consigam compreendê-la. As palavras sofreriam processos semelhantes aos pensamentos e imagens no sonho: deslocamento e condensação, que acabam por transferir a libido de algumas representações a outras, no intuito de não parecerem compreensíveis pelo inconsciente (Freud, 1915/1996).

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caso do sujeito esquizofrênico, podemos encontrar a produção de um idioma para seu uso pessoal e a presença de palavras que se relacionam ao corpo. Esta segunda característica é chamada por Freud (1915/1996) de linguagem de órgãos. “Estas duas características são expressões de uma tese mais geral, aquela que diz que o sintoma psicótico implica em tomar as palavras como as coisas” (Martins, 1996, p. 3, grifo do

autor). E complementa:

Uma primeira vertente diz que a linguagem é narcísica, é desobediente das regras compartilhadas pelo grupo. [...] Suas línguas e linguagens serão sempre as melhores para eles mesmo que ninguém venha a compartilhar esse ideal. Neste hora as palavras se tornam a verdade. Elas constroem a realidade afetiva. Tornam-se coisas. A outra vertente qualifica algo também narcísico por excelência: o corpo próprio, vemos na psicose a construção de palavras e até de línguas completas a partir da experiência do corpo próprio sentido, imaginado e simbolizado (p. 3–4).

Soma-se a estas características uma terceira, o automatismo mental; compreendido como uma perturbação entre o enunciado e a enunciação. Este fenômeno pode ser percebido como imposições de pensamento vindo do exterior.

Com relação à questão da simbolização, Freud (1915/1996) defende que o sujeito só consegue pensar ou falar de alguma coisa, quando esta pode ser simbolizada por ele, ou seja, quando esta coisa pode ser representada por uma palavra na consciência do indivíduo. Dessa forma, a palavra passa a simbolizar a coisa.

No entanto, no caso do psicótico, de forma especial o esquizofrênico, o seu pensamento se contenta em ser um jogo dele dirigido a ele mesmo. Essa é uma das características mais evidentes na linguagem esquizofrênica, onde tudo possui referência imediata e direta ao corpo e as sensações que se originam dele (Caropreso & Simanke, 2006).

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48 Na esquizofrenia, quando as palavras passam a se referir diretamente ao

corporal, elas estão, na verdade, resgatando o sentido originário das palavras. E isso ocorre justamente devido à retirada do investimento das representações de coisa. Na ausência do elo intermediário entre as palavras e as sensações corporais – isto é, das representações de coisa – o vínculo entre as palavras e o corporal torna-se direto. As palavras passam a denotar diretamente as sensações corporais e, desta forma, o sentido originário das palavras volta a transparecer (Caropreso & Simanke, 2006, p. 117).

Para Benze (citado por De Waelhens, 1990), esse distúrbio da linguagem diz respeito a uma desordem do estágio atual do pensamento. Nesta mesma direção, pode-se afirmar que, ao pode-se falar de um esquizofrênico, nada que acontece hoje pode pode-ser garantia que ocorrerá amanhã.

Nesses sujeitos, o que ocorre é a dificuldade de simbolização, fazendo com que as palavras não se remetam ao símbolo de alguma coisa, passando a ser as próprias coisas. Dessa forma, o prejuízo está no campo da simbolização, se não impossibilidade, da ligação das representações de coisa de alguns objetos da realidade do sujeito a palavras. Essa dificuldade parece estar relacionada com o “desligamento de certos pedaços da realidade da cadeia associativa” que provoca efrações no tecido psíquico (Sterian, 2001).

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psicótico é a capacidade que ele tem de dirigir sentimentos contrários à mesma pessoa, por exemplo, amor e ódio, como já explicitado.

Por fim, como conseqüência deste desinvestimento da libido dos objetos e o posterior investimento no próprio eu, e para evitar uma ruptura deste mesmo eu devido ao conflito com o mundo externo a que o psicótico está submetido, o sujeito se desliga do mundo externo pelo mecanismo de rejeição da realidade (Freud, 1924/1996).

Concomitante a esse processo de rejeição da realidade, os distúrbios da sensopercepção são explicados com o fato de que, na psicose, a transformação da realidade é realizada por meio dos restos de realidade existentes, ou seja, de lembranças, idéias e julgamentos que vinham da realidade, e por intermédio dos quais a realidade era representada na mente do sujeito. Vale lembrar que o psicótico também precisa obter percepções que correspondam à realidade que está sendo criada. Essas percepções são conseguidas, de forma radical, pelas alucinações. No entanto, é necessário ressaltar que a rejeição da realidade nunca acontece de forma total, uma vez que a realidade tem representações no psiquismo do sujeito em estado esquizofrênico. Na verdade, o desligamento de certas representações cria fendas que as alucinações vêm remendar, ou melhor, têm o objetivo de substituir o pedaço da realidade que foi rejeitado. As características das alucinações indicam a sua origem e apontam para o fragmento de realidade rejeitado, e que veio substituir (Freud, 1924[1923]/1996).

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impresso não corresponda à continuidade da imagem que as outras peças formam” (Sterian, 2001, p. 113).

Juntamente com a alucinação, em certos casos, o delírio tem a função de reparar a perda ou rejeição da realidade por meio da elaboração de uma nova realidade diferente da que foi repudiada e que não seja insuportável para o sujeito. Na esquizofrenia, o delírio tem a função de reparar o dano que a rejeição da realidade causou e restabelecer as relações do indivíduo com ela. O papel do delírio seria justamente o de reconstruir a realidade de forma que os pedaços do “quebra-cabeça” que a alucinação traz, possam se juntar e formar essa nova realidade.

No entanto, nem toda esquizofrenia comporta a agitação alucinatória ou mesmo o delírio. Nesse sentido, para esses, o prognóstico é mais complicado uma vez que a retração narcísica não é combatida, não existe nem um ensaio de reinvestimento objetal, e o “recalcamento”, ou melhor, a rejeição toma conta do psiquismo do sujeito (De Waelhens, 1990).

No que se refere à paranóia, Freud (1896/1996), em seu artigo Observações

adicionais sobre as neuropsicoses de defesa passa a considerar esse quadro também

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