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O direito na sociedade globalizada e a constituição de novos padrões normativos : as negociações coletivas transnacionais

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Academic year: 2017

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O DIREITO NA SOCIEDADE GOLBALIZADA E A

CONSTITUIÇÃO DE NOVOS PADRÕES NORMATIVOS: AS

NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS

Brasília - DF

2014

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O DIREITO NA SOCIEDADE GOLBALIZADA E A CONSTITUIÇÃO DE NOVOS PADRÕES NORMATIVOS: AS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção de título de Mestre no Programa de Mestrado em Direito Internacional Econômico

Orientador: Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida

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Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica de Brasília, 2014.

Orientação: Pro f. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida

1. Direito. 2. Globalização. 3. Estado. 4. Normas privadas. 5. Acordos globais. L Almeida, Wilson de Jesus Beserra de, orient. IL Título.

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Meus agradecimentos se dirigem aos meus pais, Valdeci e Rosângela, pelo apoio constante, e confiança inabalável, fundamentais para minha evolução pessoal e profissional.

Ao meu esposo, Delano, pela compreensão, incentivo e admiração, sem os quais tudo seria mais difícil e menos prazeroso, e pelo amor e companhia que tornam meus dias mais felizes.

Ao Denis, meu irmão e meu amigo, que esteve comigo durante toda a elaboração deste trabalho, com quem dividi os receios e conquistas dessa jornada.

Aos colegas de trabalho do escritório Valdeci Cavalcante Advocacia e Assessoria, que com o trabalho e dedicação às nossas causas e clientes, permitiram minhas ausências quando necessárias para o desenvolvimento desta dissertação.

Ao Prof. Dr. Antônio Moura Borges, a quem devo o convite para acesso ao programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, e com quem tive o prazer de desfrutar da enriquecedora convivência acadêmica e familiar.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Wilson de Jesus Beserra de Almeida, pelas lições, orientações e confiança, essenciais para a elaboração e conclusão desta pesquisa.

A minha querida tia Cibele, que tão bem me acolheu nos exaustivos dias de aula em Brasília, com disponibilidade e carinho pelos quais sempre serei grata.

Aos mestres, e amigos, da Universidade Católica de Brasília, pelos ensinamentos transmitidos e pelo agradável convívio durante todo o programa de mestrado.

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“Não se pode manter a paz pela força, mas sim pela concórdia”

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ROCHA, MAYA OLIVEIRA CAVALCANTE. O direito na sociedade globalizada e a constituição de novos padrões normativos: As negociações coletivas transnacionais. 2014. 92 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.

A globalização, com a respectiva transnacionalização das relações econômicas e sociais, gerou um forte impacto no sistema jurídico internacional, provocando uma crise no Direito Positivo que levou o Estado a redefinir seu papel na regulação da sociedade globalizada. Diante desta realidade, verificada a incapacidade do Estado de disciplinar as relações sociais de forma exclusiva, constatou-se a emergência de regimes regulatórios privados e de uma diversidade de fontes de direito, que caracterizam o atual pluralismo jurídico. Como relevante norma privada de regulação social, de âmbito global, constitui objeto desta pesquisa a negociação coletiva transnacional, com destaque para seu conceito, fundamentos, marcos jurídicos, e principais dificuldades para sua aplicação e efetividade. Com a mesma ênfase são discutidos os acordos globais, instrumentos concretos da negociação coletiva transnacional, celebrados no âmbito das corporações transnacionais, por força da sua atual relevância na promoção dos direitos sociais no campo internacional.

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Economic and social relations concerning transnacional movements within the greater globalization sphere, generated strong impact on positive law in the international legal system and thus triggered a crisis surrounding law in a globalized society;leading the State to redine its role within it.. The afore mentioned, and the demonstrated State‟s

proven inability to discipline, solely, social relations, allowed the emergence of private regulatory regimes and a diversity of law sources that describe the current legal pluralism. As a relevant standard private rule of social regulation in a global scope, the object of this study is transnational collective bargaining, highlighting the definition, reasoning, legal frameworks, and main difficulties for implementation and effectiveness. With the same emphasis, global agreements and concrete instruments of transnational collective bargaining are discussed and contextualized in the structure of transnational corporations and in accordance with its current significance in the promotion of social rights in the international area.

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AMI Acordos Marco Internacionais

CCSCS Coordenadoria das Centrais Sindicais do Cone Sul

CEEP Centro Europeu de Empresas Públicas

CES Confederação Europeia de Sindicatos

CIOSL Confederação Internacional de Organizações Sindicais

ECSA Associação dos Proprietários de Embarcação da Comunidade Europeia

EMN Empresas Multinacionais

ETN Empresas Transnaionais

FMI Fundo Monetário Internacional

FSI Federações Sindicais Internacionais

IUF International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering, Tobacco and Allied Workers' Association

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

RSC Responsabilidade Social Corporativa

UITA União Internacional dos Trabalhadores

UNICE União das Confederações das Indústria dos Empregados da Europa

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1. INTRODUÇÃO ... 1

2. A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO ... 5

2.1 A GLOBALIZAÇÃO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO ... 5

2.2 O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL . 13 2.3 A EMERGÊNCIA DOS REGIMES REGULATÓRIOS PRIVADOS ... 17

2.4 O PLURALISMO JURÍDICO ... 21

2.5 REFLEXOS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO ... 25

3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL ... 31

3.1. AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA ... 33

3.2 BREVE ESCORÇO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ... 36

3.3. MARCOS NORMATIVOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ... 39

3.4. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL: NORMAS PRIVADAS PARA EFETIVIDADE DA JUSTIÇA SOCIAL NO PLANO INTERNACIONAL ... 43

3.5. NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL NA UNIÃO EUROPEIA ... 48

3.6. NEGOCIAÇÕES COLETIVAS TRANSNACIONAIS NO MERCOSUL ... 50

4. ACORDOS GLOBAIS: INSTRUMENTOS CONCRETOS DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRANSNACIONAL ... 54

4.1 ACEPÇÃO E ASPECTOS GERAIS DOS ACORDOS GLOBAIS ... 55

4.2 EVOLUÇÃO QUANTITATIVA E ANÁLISE QUALITATIVA ... 62

4.3. DIMENSÃO LEGAL E AVALIAÇÃO DO IMPACTO DOS ACORDOS GLOBAIS . 68 5. CONCLUSÃO ... 75

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1. INTRODUÇÃO

A globalização, embora não seja um fenômeno novo, alcançou uma grande dimensão desde o final do século XX, transformando o conceito de fronteiras e as relações sociais. Integrou o mercado e a economia em nível supranacional, difundiu conhecimento, tecnologia, comportamentos, projetos e ideias, e gerou um forte impacto nas instituições já consolidadas na sociedade.

Na economia globalizada, o processo de produção deixa de ser em massa, tornando-se um processo unificado, organizado em escala planetária com o objetivo de aproveitar as vantagens comparativas de cada mercado local, regional ou nacional. Essa mudança, associada a uma subsequente ampliação das redes empresariais, comerciais e financeiras em escala mundial, que começam a atuar com certa independência dos controles políticos e jurídicos nacionais, deflagraram uma integração sistêmica da economia em nível supranacional (FARIA, 2004: 52).

Este contínuo e acelerado processo de transformações tem resultado na perda de centralidade e de exclusividade das instituições políticas e jurídicas estatais no controle social. Os mecanismos públicos do Estado nacional já não são suficientes para resolver conflitos de natureza transnacional, envolvendo sujeitos submetidos a diferentes jurisdições. O Estado passa a ter sua soberania e autonomia decisória limitadas, e os atores estatais são obrigados a partilhar o cenário e o poder global com corporações transnacionais e organismos internacionais, que buscam alternativas à gestão econômica e social supranacional, além de movimentos políticos e sociais transnacionais (BECK, 1999, p. 71).

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Nas relações de trabalho ocorreram profundas mudanças, como bem retrata o exemplo dos contratos de trabalho firmados por uma mesma corporação transnacional em diferentes lugares do mundo, com sistemas jurídicos diversos. Esta nova conjuntura trabalhista gera reflexos no ordenamento jurídico, na atuação sindical e na responsabilidade social corporativa, principalmente após o surgimento das corporações transnacionais, e a conseqüente transnacionalização das relações de trabalho. Estas transformações lançaram novos desafios ao Direito Internacional do Trabalho, tais quais a necessidade de internacionalização de normas do trabalho e a construção de uma governança social global das relações trabalhistas, considerando os novos atores sociais e as novas fontes de direito surgidas com o fenômeno da globalização (CRIVELLI, 2010, p. 9).

Com o seu poder de intervenção reduzido, uma vez que não possui capacidade para regular situações que vão além das fronteiras nacionais, e as consequentes limitações políticas e jurídicas para disciplinar uma sociedade globalizada, o Estado foi constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa normativa com diferentes atores, públicos e privados, cujas atuações transcendem o nível nacional, como os organismos internacionais, os blocos regionais, e as corporações transnacionais.

Na seara do Direito Internacional do Trabalho, os instrumentos privados elaborados pelas corporações transnacionais, de forma unilateral ou com a participação de outros atores sociais, em uma espécie de autorregulação de suas atividades, têm merecido grande destaque, pela sua crescente utilização e aplicabilidade. Dentre estas normas privadas de regulação das relações de trabalho, os acordos globais decorrentes de negociações coletivas transnacionais têm se mostrado um importante instrumento no âmbito da regulamentação trabalhista.

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Como instrumentos concretos da negociação coletiva transnacional, são celebrados os acordos globais, também chamados de acordos marco internacionais, de acordos quadros internacionais, ou, ainda, contratos coletivos globais, que, segundo definição da OIT, são instrumentos de negociação entre uma empresa transnacional e uma Federação de Sindicatos Internacionais, a fim de estabelecer uma relação contínua entre as partes e garantir que a empresa respeite os mesmos padrões sociais em todos os países onde atua (OIT, 2007).

Diante da ausência de um regime legal trabalhista internacional, a negociação coletiva transnacional pode ser considerada um relevante instrumento de regulação e de pacificação social nos ambientes de trabalho.

Entretanto, a utilização cada vez mais frequente e abrangente dessa norma privada trabalhista de caráter transnacional, tem suscitado questionamentos acerca de sua legitimidade e efetividade. Questiona-se ainda se essas normas asseguram, de fato, os direitos fundamentais dos trabalhadores, e se reforçam as políticas públicas nacionais, as enfraquece, ou, ainda, se podem ser conciliadas com as normas estatais.

Neste irreversível processo de transnacionalização e desregulação dos mercados, e diante da crescente utilização de regulações privadas para disciplinar as relações de trabalho, mostra-se de grande relevância a análise da negociação coletiva transnacional e sua efetividade.

Neste cenário, também se revela de extrema importância, a discussão acerca da crise paradigmática do Direito, e, especificamente, do Direito Internacional do Trabalho, fazendo-se mister também o estudo sobre a redefinição do papel regulador do Estado na sociedade globalizada, e, por conseguinte, no sistema jurídico internacional.

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privados e, ainda, o pluralismo jurídico, caracterizado pela diversidade de fontes de direito, diante da incapacidade do Estado de regular e disciplinar a sociedade em todos os seus variados aspectos e setores de forma exclusiva.

Em seguida será analisada a negociação coletiva transnacional, a partir do conceito e principais fundamentos da negociação coletiva, até seu estudo no âmbito internacional, analisando o marco jurídico do instituto, assim como as principais dificuldades para sua aplicação e efetividade. Nesse capítulo também será feita uma breve análise do alcance das normas trabalhistas coletivamente negociadas nos blocos regionais Mercosul e União Europeia.

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2. A GLOBALIZAÇÃO E A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

2.1 A GLOBALIZAÇÃO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DO ESTADO

A história jurídica moderna foi moldada pela política, e caracteriza-se, primordialmente, pela estatalidade do direito. A classe burguesa, tendo conquistado o poder no século XIX, concentrou o monopólio da lei nas mãos do Estado, fazendo dele o legítimo e único criador das normas jurídicas. A lei pública, sujeita à manifestação da vontade suprema do Estado, tornou-se superior às demais fontes de normatividade, constituindo-se em manifestação da autoridade e da soberania estatal. Dessa forma, a ordem jurídica moldada exclusivamente pelo Estado foi, aos poucos, dissociando-se dos fatos sociais e econômicos que se mantiveram em contínua transformação (GROSSI, 2009, p. 158).

Ainda no início do século XX começou a aflorar a insatisfação de diferentes grupos sociais (como sindicatos e grupos industriais)com o aparelho estatal e suas limitações. A soberania interna do Estado passou a ser questionada, discutindo-se, a partir de então, uma crise do Estado. Mais recentemente, com a criação de poderes públicos internacionais que, ainda que instituídos pelos Estados, passaram a lhes impor limitações – como os decorrentes da constituição da União Europeia – mais uma vez passou-se a discutir a questão. (Cassese, 2010, p. 13-14)

Atualmente continua-se a debater a crise estatal, mas sob um novo prisma, o da inadequação dos serviços estatais em relação às expectativas dos cidadãos e da sociedade. A atual situação tem ensejado um número cada vez maior de privatizações e concessões de atividades estatais a sujeitos privados, reduzindo, assim, o papel do Estado. (Cassese, 2010, p. 13-14)

Partindo da análise desses fatos, Sabino Cassese define a crise do Estado como

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adequada e eficiente aos anseios das categorias representadas. No âmbito externo, as contínuas transformações ocorridas na sociedade levaram à expansão de transações sociais e econômicas, que ultrapassaram as fronteiras nacionais, surgindo, a partir de então, a necessidade de ordenamentos públicos globais, que se mostrassem capazes de disciplinar as novas relações transfronteiriças.

Assim, os Estados passam a ter que lidar com uma nova realidade, remodelada a partir do momento que suas relações econômicas e sociais começam a transcender suas fronteiras físicas e suas imposições internas, tendo que conviver com novos sujeitos reguladores, que surgiram durante o processo de globalização. Tais fatos vêm afetando profundamente o papel do Estado, especialmente na sua função regulatória.

Para uma melhor compreensão desse processo de globalização, destaca-se a definição do fenômeno por José Eduardo Faria:

Integração sistêmica da economia em nível supranacional, deflagrada pela crescente diferenciação estrutural e funcional dos sistemas produtivos e pela subsequente ampliação das redes empresariais, comerciais e financeiras em escala (FARIA, 2004: 52).

Trata-se de um processo de integração econômica, comercial e financeira com alcance supranacional, que ultrapassa os limites de atuação do Estado, e que conta com a participação de corpos e movimentos públicos e privados, no qual o poder estatal de controle e gestão é reduzido e compartilhado com os novos atores privados que ganharam maior espaço e relevância na economia globalizada.

Sabino Cassese traz a mesma ideia, em termos mais específicos:

A globalização consiste em desenvolvimento de redes de produção internacionais, dispersão de unidades produtivas em diferentes países, fragmentação e flexibilidade do processo de produção, interpenetração de mercados, instantaneidade dos fluxos financeiros e informativos, modificação dos tipos de riqueza e trabalho e padronização universal dos meios de negociação (CASSESE, 2010: 25).

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A soberania, um dos pilares da moderna concepção do Estado-Nação, sofreu mudanças no seu conceito desde o século XV até o momento atual. No final do século XV, quando surgiu o atual conceito de Estado, mesma época em que ocorria a luta pela autonomia política do Estado moderno contra a ingerência da igreja nos assuntos de interesse público, a soberania se caracterizava pela unicidade e exclusividade do poder estatal na política, sem submissão a nenhum outro poder (Miranda, 2004: 87).

Ainda nesse período, Jean Bodin e Thomas Hobbes, os primeiros autores a estudarem os contornos da soberania, enfatizaram no seu conceito o monopólio do poder legislativo do Estado: poder de criar e revogar as leis; e o monopólio do uso da força ou coerção física: poder de impor comportamentos específicos aos membros da sociedade; na tentativa de conceber novos mecanismos para criar e manter a coesão política e social. (Miranda, 2004: 87).

Nesse mesmo sentido foi firmado o conceito de Hermann Heller, segundo o qual:

A soberania consiste na capacidade, tanto jurídica, quanto real, de decidir de maneira definitiva e eficaz todo conflito que altere a unidade da cooperação social territorial, inclusive contra o direito positivo, se necessário, além da capacidade de impor a decisão a todos, não só aos membros do Estado, mas, em princípio, a todos os habitantes do território. (HELLER, 1995 apud

MIRANDA, 2004, p. 87).

O conceito de Hobbes, de uma soberania absoluta, sem limitações, foi profundamente transformado durante os séculos seguintes, especialmente no século

XVIII, quando Rousseau definiu soberania como a “expressão da vontade geral do povo, e não mais como atributo exclusivo do Estado ou do soberano” (Rousseau, 1953 apud Miranda, 2004: 88), e quando, também, eram discutidas as propostas de constituição de um balanço no Poder Republicano - até então único e exclusivo - em torno dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Tendo prevalecido esta perspectiva, o Poder Legislativo tornou-se o mais importantes dos poderes políticos, por expressar a vontade geral do povo por meio da eleição de seus representantes no Parlamento, consolidando um novo conceito de soberania, com grande alcance na ordem interna (Miranda, 2004: 88).

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comprometer a capacidade de ação soberana do Estado. O primeiro seria a perda de capacidade de controle estatal, que, nas palavras do autor, significa:

“que o Estado isolado não é mais suficientemente capaz, com suas próprias forças, de defender seus cidadãos contra efeitos externos de decisões de outros atores ou contra os efeitos em cadeia de tais processos, que têm origem

fora de suas fronteiras” (HABERMAS, 1999).

Os outros dois processos apontados pelo autor como possível ameaça à

soberania do Estado são “os crescentes déficits de legitimação no processo decisório”,

uma vez que, com a interdependência e alianças interestatais, não mais há coincidência entre o círculo daqueles que tomam parte na decisão democrática com o

círculo daqueles que são afetados por essas decisões; e, ainda, “a progressiva

incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações de comando e de

organização”, decorrente da restrição da capacidade interventiva do Estado,

principalmente por força da desnecessidade da presença nacional do capital, que está sempre em busca de possibilidades de investimento e ganhos especulativos, e pode utilizar suas opções de retirada como uma ameaça ao Estado que priorize padrões sociais que possam onerar a manutenção dos recursos no território nacional, de forma

que, nos termos utilizados pelo filósofo, “os governos nacionais perdem, assim, a capacidade de esgotar os recursos tributários da economia interna, de estimular o

crescimento e, com isso, de assegurar bases fundamentais de sua legitimação”

(HABERMAS, 1999).

Os reflexos destes processos afetaram significativamente a relação entre economia e Estado, principalmente nos últimos vinte e cinco anos. O Estado, que antes detinha o controle da economia (cunhando moedas, controlando as importações, etc.) passa a submeter-se às imposições econômicas, às regras do mercado, adaptando-se à economia-mundo1, onde uma mesma empresa multinacional possui sede, estabelecimentos produtivos e clientes em diferentes nações. Se antes o Estado guiava a economia, agora ele deve adaptar-se a ela, corrigindo as tendências do mercado,

1

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exercendo apenas um poder relativo em relação à economia. (CASSESE, 2010, p. 45-47)

A velocidade com que ocorre a integração dos mercados na chamada economia-mundo também reduziu a capacidade de coordenação macroeconômica dos Estados-nação. Com a maior interconexão das estruturas empresariais e dos sistemas financeiros, e a formação dos grandes blocos comerciais regionais, que se converte em efetivos centros de poder, o sistema político perde sua exclusividade na organização da sociedade, e passa a absorver as limitações impostas pelos agentes econômicos, e a conviver com uma ordem cada vez mais auto-organizada e autorregulada (FARIA, 2004: 35).

Forjaz analisa o declínio do Estado nacional, enumerando as instituições transnacionais (ou supranacionais) e infranacionais (ou subnacionais) que passaram a competir com o Estado, enfraquecendo-o em suas funções públicas primordiais de regulação social.

Primeiramente são citadas as instituições externas, que atuam em âmbito mais amplo que o do Estado nacional, e passam a exercer funções governamentais e produzir normas que se impõem aos Estados, passando a constituir uma nova soberania externa, um poder novo que constrange, e limita, o poder do Estado. Trata-se das organizações multilaterais, tais quais a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial do Comércio (OMC), e Fundo Monetário Internacional (FMI); dos blocos regionais, entidades supranacionais que destacam grupos de nações que estabelecem normas próprias; das empresas transnacionais, que transcendem as fronteiras dos Estados nacionais e operam em busca de mercados atraentes, não condicionados por razões de Estado; e do fluxo contínuo do capital financeiro e da rede global das comunicações, que não observam as fronteiras nacionais, não tendo o Estado condições de controla-los. (FORJAZ, 2000: 42)

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Estado nacional, pressionando-o para conseguir maior autonomia. Esses movimentos fazem com que o Estado nacional perca relevância e nitidez como definidor de identidade social, cultural e política. Concomitantemente, o Estado vem sofrendo processos de descentralização política decorrentes do fortalecimento dos níveis subnacionais de poder dos municípios, cujas políticas públicas afetam diretamente a vida dos cidadãos, de forma mais evidente e significativa que as políticas de âmbito nacional. (FORJAZ, 2000: 45)

Verifica-se ainda a criação de novos grupos a partir da rede de contatos e organização dos indivíduos com interesses comuns na seara econômica, política, social ou profissional (com ou sem interferência do Estado) que começam a buscar soluções mais eficientes para atender a seus interesses, agindo como novos núcleos de regulação. O mesmo acontece com grupos de países com identidade de interesses que se organizam para atender às suas demandas de forma conjunta. As regras estatais passam a concorrer com disciplinas bilaterais, multilaterais e supranacionais, decorrentes de contratos, convenções e integrações regionais.

Percebe-se, portanto, que o Estado não mais determina, de forma isolada, os rumos da economia. Na economia globalizada, vários outros corpos públicos autônomos passam a afetar conjuntamente as decisões econômicas, como os organismos internacionais, os blocos regionais e as instituições supranacionais e infranacionais. Até mesmo outros países passam a ter influência sobre a economia interna dos demais países. Há um enfraquecimento do papel dirigista do Estado e uma fragmentação interna do controle público da economia privada, que produz um desequilíbrio entre o Estado e a economia (CASSESE, 2010: 50-52).

Nesse novo contexto sócio-econômico, embora o Estado continue a exercer sua autoridade nos limites do seu território, percebe-se materialmente limitado em sua autonomia decisória, não conseguindo mais estabelecer e realizar seus objetivos por sua exclusiva vontade (FARIA, 2004, p. 23).

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deslegalização2 e privatização. Esses foram formulados e justificados em nome da governabilidade e da inserção da economia nacional na economia transnacionalizada, dentre outros motivos de mesma natureza. Com esse redimensionamento, as estruturas administrativas, políticas e jurídicas do Estado-Nação passam a exercer novas funções. Deixam de atuar como centros privilegiados de direção, deliberação e imposição de comportamentos obrigatórios, passando a atuar como mecanismos de coordenação, de adequação de interesses e de ajustes pragmáticos. (FARIA, 2004: 37)

E não só na economia se verifica o arrefecimento da autoridade do Estado e impacto na sua soberania. A tecnologia, imprensa e telecomunicações, que já foram instrumentos do Estado, atualmente transcendem a seus controles e lhes impõe limitações. Os indivíduos podem comunicar-se por meio das redes eletrônicas, relações diretas entre si, instituição de redes, associações e grupos internacionais, sem a interferência dos poderes públicos, como bem demonstram as organizações não governamentais de âmbito internacional.

As organizações não governamentais atualmente exercem papel efetivo na produção de norma legal. Muitas delas têm status de órgão consultivo oficial. Muitas são formalmente convidadas a assistirem sessões plenárias de várias assembleias, para troca de informações, e até mesmo para colaborar na elaboração de relatórios de certas comissões e comitês governamentais de especialistas (ARNAUD, 1997: 33-34). Como exemplo pode ser destacada a organização não governamental Transparência Internacional, que desenvolve ferramentas para combater a corrupção e trabalha com outras organizações, empresas e governos para implantá-las3.

Outras associações, locais e internacionais, também estão surgindo, com a intenção de intervir na produção normativa para atingir seus objetivos específicos. É o caso dos sindicatos laborais internacionais, que buscam a melhoria das condições de trabalho de determinada categoria profissional na esfera regional ou no âmbito de uma empresa multinacional por meio de negociações coletivas transnacionais, objeto do presente estudo, ou participando da elaboração de códigos de conduta de âmbito internacional.

2Fenômeno que tira determinadas matérias do controle regulatório legislativo (por meio de leis) e as

entrega ao controle regulamentar do poder executivo (por meio de decreto ou portaria).

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Sob o prisma Arnaud, mais que uma questão de fragilidade da soberania estatal, verifica-se uma erosão da autoridade dos governos, devido, entre outras coisas, à porosidade das fronteiras, à dificuldade de controlar os fluxos transfronteiriços monetários, de bens e informações, e aos avanços tecnológicos. Os governos passaram a sofrer pressão tanto externa, resultado do processo de globalização, como interna, por força dos movimentos sociais localmente enraizados (ARNAUD, 1997: 13-14).

Ainda assim, Arnaud aponta um paradoxo entre o processo de globalização e a redução do papel do Estado. O jurista ressalta que o Estado ainda é a ferramenta mais eficaz para garantir a melhor regulamentação possível no atual contexto social e econômico resultante da globalização, principalmente por meio da adoção e execução de políticas públicas que, por exemplo, podem melhorar o funcionamento do mercado e proteger as classes sociais mais vulneráveis (ARNAUD, 1997: 26).

Para uma melhor visualização desse paradoxo, o autor destaca que, embora a globalização permita que os sindicatos possam negociar coletivamente, e diretamente, com as empresas os salários e condições de trabalho da categoria, é o Estado que limita as prerrogativas e afirma os direitos de cada um, bem como estabelece normas de higiene e segurança cuja aplicação os sindicatos vão controlar. Desta forma, o Estado garante a participação da sociedade civil, de forma equânime, na produção de normas reguladoras, embora se revele, em princípio, enfraquecido pelo surgimento de vários centros de controle de decisão de regulação. (ARNAUD, 1997: 26)

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2.2 O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL

Para os juristas, globalização significa a ruptura do monopólio e do rígido controle estatal do direito (Grossi, 2009: 160). O direito deixa de advir tão somente do Estado, e passa a contar com uma pluralidade de fontes.

A globalização, na perspectiva jurídica, enfraqueceu a capacidade de regulamentação dos governos; transformou as estruturas hierarquizadas das atividades empresariais em organizações sob a forma de redes, baseadas em parcerias, cooperação e relações contratuais flexíveis; e gerou novas situações sociais originais e diferenciadas, exigindo novos padrões de responsabilidade, controle e segurança. O fenômeno mudou também o perfil e a escala dos conflitos, tornando ineficazes as normas e mecanismos processuais tradicionalmente utilizados pelo direito positivo para dirimi-los. A globalização redefiniu o tamanho, o peso e o alcance das funções e papeis do Estado, ensejando novas formas de ação política e novos modelos de legalidade. (FARIA, 2004: 8-9)

Na atual e complexa ordem socioeconômica, continuamente transformada pela globalização, o direito positivo tem se revelado ineficaz, surgindo regras espontaneamente geradas nos diferentes ramos e setores da economia para atender às suas necessidades especificas. A crescente interdependência mundial provocou a desterritorialização das relações sociais, o que intensifica as reivindicações por direitos de natureza supranacional que provocam uma relativização do papel do Estado-nação, que tem como um de seus traços característicos a territorialidade como unidade privilegiada de interação (FARIA, 2004: 15).

Desta forma, as instituições jurídicas do Estado-nação são progressivamente reduzidas no tocante ao número de normas e diplomas legais, tornando-se, entretanto, mais ágeis e flexíveis em termos processuais. O Estado manteve sua produção legislativa nas mais diversas matérias mas, diminuído em seu poder de intervenção e, muitas vezes, constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa legislativa com diferentes forças que transcendem o nível nacional, tem que restringir-se, em muitas

situações, ao papel de articulador e controlador da “autorregulação”, das normas

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no âmbito da economia-mundo, sob a forma de manuais de produção, regulamentos disciplinares, códigos de conduta e contratos padronizados com alcance mundial (FARIA, 2004: 141).

Surgem ainda os poderes públicos internacionais, a exemplo dos Correios, e revela-se o poder regulador de organismos idealizados como fórum de debate, negociação e acordos, tal qual a Organização Mundial do Comércio, que passam a questionar o modelo estadocêntrico. (CASSESE, 2010: 65).

Os atores privados, que exercem o poder econômico, passam a ser produtores de direito, em um processo que ocorre fora dos contornos estatais, além do Estado, sem que haja a necessidade de desconstituição das estruturas jurídicas tradicionais, que passam a ser consideradas conjuntamente com o auto ordenamento da sociedade.

O forte vínculo entre o direito e a vontade política que prevaleceu no Estado moderno, mostra-se enfraquecido diante do domínio das forças econômicas, que impõem outras fontes de produção legal. O Direito estatal já não se mostra mais compatível com a rapidez e flexibilidade da construção da economia capitalista, já global. (GROSSI, 2009: 160)

A estrutura social busca se auto-ordenar. O ordenamento jurídico passa a ser uma escolha, na busca da melhor tutela, do direito menos severo ou mais conveniente. Há uma substituição do monismo estatal, e sua organização compacta, por um conglomerado de direitos, que se mostram, por vezes, incompatíveis, mas providos de normas de conflito, que indicam que normas devem ser aplicadas ao caso concreto. Nota-se um modo diferente de estabelecer as relações entre o público e o privado. Estas relações deixam de ser bipolares e tornam-se multipolares. Uma empresa nacional pode desenvolver parcerias com uma administração supranacional, com o apoio, ou até mesmo em oposição, à administração nacional, conjuntamente com outros agentes econômicos do mesmo país ou de outros países. Não há superioridade do público sobre o privado. O Estado e o mercado, antes considerados mundos separados e em oposição, apresentam-se como entidades que se interpenetram (CASSESE, 2010: 143-144).

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flexibilidade, expressam as exigências concretas da vida cotidiana, nos diversos tempos

e lugares (GROSSI, 2009: 162). Segundo Teubner, “na via da globalização, a política foi claramente ultrapassada pelos outros sistemas sociais” (TEUBNER, 2003: 12).

Verifica-se que a nova racionalidade jurídica, que surge com o fenômeno da globalização econômica, resulta da constante tensão entre o processo de harmonização e padronização global de importantes áreas e ramos do direito positivo nacional e a proliferação de regras elaboradas por grandes conglomerados empresariais e financeiros transnacionais e por organismos que criam normas técnicas para atender a exigências mínimas de segurança e qualidade dos bens e serviços em circulação, dentre outras regulações privadas. (FARIA, 2004: 148-149)

Essa racionalidade jurídica exige do Estado-nação novos papéis de intermediação para regular as relações sociais decorrentes das interconexões entre as instituições financeiras internacionais e as corporações empresariais transnacionais, em que a colaboração dos novos sujeitos políticos e agentes econômicos é impreterível. Dessa nova realidade vão resultar instituições jurídicas essencialmente descentralizadas, procedimentais e facilitadoras, em oposição às instituições centralizadoras do Estado intervencionista. Instituições concebidas para evitar a eclosão de conflitos, e que se limitam a neutralizar eventuais disfunções do mercado, voltadas à coordenação dos particularismos jurídicos, dos microssistemas normativos com ritmos próprios de desenvolvimento e das diferentes formas de legalidade desenvolvidas no interior das inúmeras cadeias produtivas que constituem a economia globalizada (FARIA, 2004: 148-149).

No cenário internacional passa a haver uma prevalência da soft law, que nas didáticas palavras de Marcos Valadão, pode ser entendida nos seguintes termos:

Normas editadas pelas associações e organizações internacionais, de caráter público ou privado, para as quais se reconheça força normativa e que possam ter efeito na formação de atos jurídicos com efeitos internacionais, de caráter pessoal, real ou comercial entre as partes ou particular (VALADÃO, 2003: 16).

(27)

exercer forte influência nas relações internacionais, produzindo efeitos jurídicos, ainda que com grau de cogência relativo. Ainda que não gerem formalmente sanções clássicas do Direito Internacional, geram outras modalidades de sanção, excluindo do mercado ou da comunidade internacional aqueles que não adotam seus preceitos (VALADÃO, 2003: 08).

A forte influência da soft law, principalmente nos assuntos de comércio e economia internacional, se deu em razão do vazio normativo no tocante à disciplina e regulamentação destas matérias. O mercado passou a prescindir de uma padronização em diversos temas, uniformização de procedimentos e formatação de dados para troca de informações, encontrando na soft law uma forma de viabilizar as transações econômicas e comerciais em nível global (VALADÃO, 2003: 11).

A globalização econômica fez surgir a necessidade de novos instrumentos jurídicos capazes de disciplinar as atuais questões econômicas e sociais que ultrapassam os limites territoriais de um Estado. Trata-se de uma economia global, que requer um direito novo, no qual as prerrogativas dos atores econômicos transnacionais possam ser tuteladas, ainda que por contratos ou convenções, e no qual as controvérsias transfronteiriças possam ser dirimidas, não por juízes do Estado e por sentenças judiciais de competência limitada, mas por meio de decisões arbitrais emitidas por julgadores privados escolhidos ou aceitos pelas partes.

Com a crescente importância das normas supra e infranacionais, o Estado Nacional perde o monopólio de promulgar regras, o que resulta em uma crescente privatização da regulação jurídica em um direito primordialmente procedente de negociação privada. Nesse contexto, o Estado não tem se mostrado capaz de se adaptar à evolução da sociedade contemporânea, cabendo-lhe, no âmbito internacional, o papel de controle da conformidade dos procedimentos de negociação (RUDIGER, 2006: 78).

(28)

2.3 A EMERGÊNCIA DOS REGIMES REGULATÓRIOS PRIVADOS

Evidenciada a incapacidade do Estado para disciplinar as relações cada vez mais complexas que ultrapassam as fronteiras físicas de seus territórios, percebe-se um movimento das organizações privadas e sociedade civil na busca de novas formas de regulamentação de suas condutas e transações, a fim de tornar possível a manutenção da ordem social em vários setores no âmbito supranacional.

O papel que, até então, parecia ser função exclusiva do direito produzido pelos Estados (ordenar a sociedade, por meio de regras, de forma a garantir a paz social)passa a ser exercido por diferentes campos sociais no âmbito privado, de forma coerente e específica, que revelam, muitas vezes, grau de eficácia superior ao experimentado pelas normas públicas, produzidas pelos entes estatais, regulando situações para as quais até então não havia solução jurídica possível e eficaz.

O fenômeno é mais facilmente compreendido quando se traz à baila o mais clássico dos exemplos de regulamentação privada bem-sucedida: a Lex

Mercatoria4.Esse novo conceito representa uma parte do direito econômico global que opera na periferia do sistema jurídico atrelado estruturalmente às empresas e transações econômicas globais, concebido como um ordenamento jurídico paralegal, criado à margem do direito, a partir dos processos econômicos e sociais (Teubner, 2003: 18).

Inobstante a natureza econômica do exemplo citado, o processo de globalização, embora normalmente seja discutido sob o prisma da política e da economia, engloba outros espaços sociais, como a educação, sistema de saúde e cultura, que percorrendo seus caminhos específicos no processo de globalização, começaram a demandar normas específicas de âmbito global, que passaram a ser constituídas no seio de organizações intergovernamentais ou não governamentais. Esse fenômeno ensejou uma crescente produção de direito substantivo sem a participação do Estado, sem necessárias interações com a legislação nacional ou tratados internacionais,

4

Lex Mercatoria pode ser definida como “um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas

(29)

decorrentes de necessidades originais de segurança jurídica e regulação para solução de conflitos que ultrapassem as fronteiras estatais (TEUBNER, 2004: 2).

Percebe-se, então, um nítido deslocamento do foco do processo legislativo estatal (por meio dos Poderes Legislativo e Judiciário), para um processo de produção normativa privado, manejados por meio de contratos entre os atores sociais globais, da regulação do mercado privado por meio de empresas multinacionais, e da regulamentação interna de organizações internacionais, que passam a constituir, segundo Gunther Teubner, as atuais fontes dominantes de lei. Estas fontes normativas, por estarem mais próximas de outros setores sociais, fazem surgir uma legislação periférica, espontânea e social. Nesse contexto, as fontes centrais de direito, no âmbito internacional, passam a ser a regulação privada, uma vez que o Estado nação não possui condições de estender o alcance das normas públicas à regulamentação legal das atividades sociais de atores privados em escala mundial (TEUBNER, 2004: 03-04).

Flávia Donadelli, fazendo referência a David Levi-Faur, também destaca a importância do papel exercido pelos atores da iniciativa privada. Levi-Faur define esse

fenômeno como “capitalismo regulatório”, apontando as particularidades que o

caracterizam: nova divisão de tarefas regulamentadoras entre Estado e sociedade; aumento da delegação de questões à comunidade científica; e a proliferação de novas tecnologias de regulamentação, com a formalização de mecanismos auto regulatórios sem a interferência estatal. Segundo o mesmo autor, a regulamentação exercida pelos atores privados legitima o sistema econômico capitalista neoliberal e torna as relações econômicas mais confiáveis em um ambiente que necessariamente envolve mais riscos. (LEVI-FAUR, 2005: 2 apud DONADELLI, 2011: 6)

Deste modo, ante a inexistência de um organismo político global capaz de institucionalizar uma esfera organizada de “decisão legal política”, surgem

crescentemente, ainda que de forma descentralizada, novos corpos de normas privadas para setores sociais específicos, de forma não hierarquizada, mas espontaneamente coordenados (TEUBNER, 2003).

A esse fenômeno de produção de ordenamentos jurídicos globais sui generis por setores distintos da sociedade mundial com autonomia relativa diante do Estado-nação,

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sem Estado” (TEUBNER, 2003: 10), como resta caracterizado nos corpos normativos

elaborados por grupos empresariais multinacionais, e em torno dos direitos humanos e do direito ambiental, que requerem normas específicas de alcance mundial, assim como na área da padronização técnica e do autocontrole profissional, onde há forte tendência à coordenação em escala mundial (TEUBNER, 2003: 10).

No entanto, esses ordenamentos jurídicos não estatais são constantemente questionados. Suas atividades não têm necessariamente como base legislação nacional, supranacional ou internacional; não há um locus central de autoridade; muitas vezes não existem estruturas claras como tribunais, comissões legislativas, auditores ou ouvidores; não possuem limites jurisdicionais claros; e não requerem um conjunto facilmente identificável de potenciais participantes democráticos em seus processos (BLACK, 2008: 138-139).

A proposição ou criação de um novo regime regulatório ou outra estrutura organizacional, especialmente quando isso se dá à margem do Estado, vem sempre acompanhada do enorme desafio concernente à aceitação pelos destinatários e adequação da atividade para sua validade no ordenamento social.

(31)

específicas, manipulando assim o ambiente no qual pretende estar inserida. Essa hipótese exige a promoção ativa de novas explicações da realidade social por parte daqueles que buscam a legitimidade (SUCHMAN, 1995: 587-592).

Discute-se ainda a questão de um possível “déficit democrático” dos regimes privados. O nível de democracia de um regime varia de acordo, dentre outras coisas, com as relações que tem com os governos nacionais; com os fundamentos utilizados para elaboração das regras estabelecidas – se são elaboradas a partir de princípios consagrados na lei ou se são elaborados sem qualquer relação com normas legais ou princípios já consagrados; e com a possibilidade de participação dos destinatários das normas em seu processo de elaboração (BLACK, 1995: 13). Para contrabalancear um

possível “déficit democrático”, normalmente os regimes ou organizações privadas buscam aprofundar sua eficácia e a capacidade resolutiva dos seus mecanismos regulatórios.

Percebe-se, portanto, que a legitimidade não é característica exclusiva dos regimes regulatórios estatais. Pode ser construída pelos regimes privados, e, em algumas circunstâncias, delegadas ou concedidas a esses pelos próprios Estados, que se vêem impossibilitados de atuar em determinadas esferas de poder.

Não obstante a possibilidade de aquisição de legitimidade, e a reconhecida importância dos regimes regulatórios privados na disciplina de questões supranacionais (em face da mencionada incapacidade dos Estados na regulamentação da economia e de outros importantes setores em uma sociedade globalizada) ainda são muitas as críticas que vêm sendo feitas aos mecanismos de regulação privada.

(32)

A despeito das críticas apontadas, a incapacidade regulatória do Estado, na seara internacional, associada à conduta das organizações privadas na construção da legitimidade de seus regimes regulatórios, tem feito com que diversas iniciativas privadas de regulação sejam aceitas, praticadas e consideradas legítimas por seus destinatários, o que se constata nas empresas de certificação técnica e socioambiental, internacionalmente reconhecidas, bem como na crescente adoção de acordos globais de trabalho, decorrentes de negociações coletivas transnacionais, que passam a regular relações de trabalho de âmbito internacional, no seio das corporações transnacionais.

Constata-se, portanto, que a sociedade globalizada passa por um momento de transição social, com o surgimento de novos regimes regulatórios de iniciativa privada, que, embora pacificamente aceitos e incorporados pelos vários setores sociais a que se destinam, suscitam dúvidas e questionamentos quanto à legitimidade, ainda que em grau cada vez menor.

2.4 O PLURALISMO JURÍDICO

Na atual conjuntura social percebe-se que o Estado tem renunciado algumas prerrogativas do seu poder soberano, diminuindo o controle exercido sobre assuntos econômicos, políticos e legais, sujeitando-se a uma autoridade superior, como ocorre na União Europeia. Além disso, por uma forte pressão dos competitivos mercados globais, os Estados têm perdido sua capacidade de guiar e proteger sua economia. Percebem-se ainda, na sociedade contemporânea, evidentes sinais de diminuição das funções legais tradicionais do Estado (TAMANAHA, 2007: 386-387).

Nos termos já expostos, para suprir a falta de regulamentação legal estatal, muitas organizações e instituições privadas elaboram regras que se aplicam às suas próprias atividades. Em situações de conflitos, muitas vezes as partes conflitantes recorrem a arbitragens, temendo a ineficiência, falta de credibilidade e altos custos dos Tribunais do Estado. Favelas, comuns em grandes cidades ao redor do mundo, têm se

organizado com pouca ou nenhuma presença legal oficial, e mantém a “ordem”

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Essas situações caracterizam a atual face do pluralismo jurídico (TAMANAHA, 2007: 386-387).

Pluralismo jurídico existe sempre que os atores sociais identificam mais de uma fonte de direito dentro de uma mesma arena social (TAMANAHA, 2007: 396). Ainda que haja intenso debate entre pesquisadores sobre o conceito de direito para fins de definir o alcance do pluralismo jurídico, a ideia que prevalece é a do direito como algo mais abrangente que a lei produzida pelas instituições estatais. Ehrlich entende que o direito é fundamentalmente uma questão de ordem social, que pode ser encontrado em todos os lugares (EHRLICH, 2007: 24 apud DUPRET, 2007: 5). Woodman afirma que o direito abrange um contínuo que vai da forma mais clara da lei estadual até as mais vagas formas de controle social (WOODMAN, 1998 apud DUPRET, 2007: 5). Griffiths conclui ser o direito a autorregulação de cada área social (GRIFFITHS, 1986 apud DUPRET, 2007: 5). Dupret aduz que a lei é determinada pelas pessoas na área social em que vivem através de seus próprios usos comuns (DUPRET, 2007: 5). Teubner, em referência a Griffiths, compartilhando do mesmo entendimento, assinala que o atual pluralismo jurídico tende a substituir o fator propriamente jurídico pelo controle social (GRIFFITHS, 1986, p. 50, nota 41 apud TEUBNER, 2003: 19).

O fato é que o pluralismo jurídico está em toda parte, sempre que se reconhece mais de uma fonte normativa por meio de práticas sociais em uma determinada área social. É o que se verifica em todos os campos sociais, uma aparente multiplicidade de ordens jurídicas, desde o nível local, dentro de um município, até o nível mundial. Somados às leis municipais, estaduais, distritais, nacionais, internacionais e transnacionais, convive-se atualmente com regras advindas da religião, e normas de cunho cultural ou étnico, como as regras observadas nas aldeias indígenas. Há também uma forte influência privada na produção normativa, que tem como exemplo mais notável a já citada lex mercatoria, que dita as normas do comércio transnacional (TAMANAHA, 2007: 375).

José Eduardo Faria (2004: 155-156), ao analisar o pensamento jurídico contemporâneo, descreve o pluralismo jurídico:

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corporações transnacionais formam complexas redes de acordos formais e informais em escala mundial, estabelecendo suas próprias regras, seus procedimentos de auto-resolução de conflitos, sua cultura normativa e até mesmo seus critérios de legitimação, bem como definindo suas próprias identidades e regulando suas próprias operações, o que se tem na prática é uma inequívoca situação de pluralismo jurídico; pluralismo esse aqui encarado na perspectiva da sobreposição, articulação, interseção e interpenetração de vários espaços jurídicos misturados. Tendo como característica básica a “porosidade” dessas múltiplas redes normativas, esse tipo de pluralismo é que confere tanto a especificidade quanto a originalidade das instituições de direito emergentes com o fenômeno da globalização econômica.”

Discorrendo sobre o tema, Teubner (2003), em suas pesquisas, destaca a

produção de “ordenamentos jurídicos globais sui generis”, apontando os ordenamentos jurídicos de grupos empresariais multinacionais, o direito produzido por empresas e sindicatos para regular relações de trabalho, coordenação em escala mundial na área da padronização técnica, e o discurso dos direitos humanos, conduzido, a princípio, em esfera global (TEUBNER, 2003: 10).

Como atores sociais do pluralismo jurídico, além das corporações transnacionais, Organizações Não Governamentais (ONG) internacionais e entidades sindicais globais, destacam-se também as redes transgovernamentais, com poderes de regulamentação, a exemplo do Financial Stability Forum (Fórum de Estabilidade Financeira), composto por três organizações transgovernamentais;o Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária, Organização Internacional da Comissão de Valores e Associação Internacional de Supervisores de Seguros; juntamente com outras autoridades, nacionais e internacionais, responsável pela estabilidade financeira em todo o mundo. Redes ativas também têm sido criadas por juízes e outros organismos internacionais (TAMANAHA, 2007).

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A visão de uma lei uniforme e monopolista que governa a comunidade é claramente obsoleta. A expansão do capitalismo e o movimento de pessoas e ideias entre os países está cada vez mais célere, trazendo muitas consequências transformadoras para a lei, sociedade, política e cultura. E a globalização traz uma quantidade expressiva de regimes jurídicos supranacionais e internacionais, com potencial para afetar diretamente as pessoas, não importando onde elas vivem (TAMANAHA, 2007: 410).

Os sistemas tornam-se autônomos, voltando-se para seus próprios interesses e resolução dos problemas e conflitos criados internamente, não deixando espaço para o Estado e seu sistema jurídico exercerem sua capacidade de gestão, subordinação, controle, direção e planejamento sobre todos eles. O Estado dispõe de menos condições para fazer prevalecer os interesses públicos sobre os interesses específicos dos agentes produtivos, para disciplinar os comportamentos individuais e exigir observância às regras de seu ordenamento (FARIA, 2004: 195).

Partindo da premissa de que é a própria sociedade civil que impulsiona a globalização dos seus diferentes discursos, e não a política, Teubner (2003: 14)

defende a tese de que “o direito mundial desenvolve-se a partir das periferias sociais, a partir das zonas de contato com outros sistemas sociais, e não no centro de instituições de Estados-nações ou de instituições internacionais”, motivo pelo qual nem as teorias

políticas, nem as teorias institucionais do direito podem fornecer explicações adequadas da globalização do direito. A teoria pluralista do direito desempenharia melhor este escopo.

Teubner (2003) aborda a teoria do pluralismo jurídico como sendo o único meio adequado para interpretar o direito global, que se distingue do direito tradicional dos Estados-nação, e já está amplamente configurado nos dias atuais, ainda que com pouco respaldo político e institucional no plano mundial, mas estreitamente atrelado a processos sociais e econômicos dos quais, segundo o autor, recebe seus impulsos mais essenciais.

(36)

se relacionarem, influenciam-se reciprocamente, embora não necessariamente com o mesmo peso ou poder de influência. Desta forma, cada um deles poderá, por determinado período, atuar como sinalizador, balizador, delimitador ou polarizador dos demais (FARIA, 2004: 163).

Apesar da fragmentação expressa pelos múltiplos microssistemas normativos, e ainda que a lei do Estado atue com diferentes intensidades nos variados espaços sociais, Tamanaha alerta que muito dificilmente ela será completamente irrelevante. A lei pública está em uma posição exclusiva, simbólica e institucional, que deriva da posição única do Estado, no plano nacional e internacional, na ordem política contemporânea. Além disso, os sistemas jurídicos oficiais do Estado, pelo menos os que funcionam de forma eficaz, tem uma distinta capacidade instrumental que lhes permite se envolver em uma ampla gama de atividades possíveis, e de exercer uma ampla quantidade de possíveis metas ou projetos, que se estendem muito além da regulação normativa (TAMANAHA, 2007: 411).

2.5 REFLEXOS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO

O Direito do Trabalho foi uma das áreas jurídicas que mais sofreu o impacto da globalização, sobretudo em decorrência da transnacionalização dos mercados e das relações de trabalho. Diante das mudanças nos modos de produção e no processo de trabalho, e ainda, com o surgimento de novas fontes do Direito Internacional do Trabalho, públicas e privadas, a internacionalização de normas do trabalho e a construção de uma governança social global emergem como principais desafios nos dias atuais (CRIVELLI, 2010: 9).

(37)

fordista de produção para o modo de organização toyotista; a expansão das corporações transnacionais, que passaram a desenvolver atividades econômicas em escala global, e consequente desterritorialização das cadeias produtivas; a diversificação das fontes de direito formal; a dimensão mundial adquirida por ONG‟s

internacionais, que desafiam o direito internacional e os atores sociais tradicionalmente reconhecidos e aceitos na OIT; os processos de integração regional, como a União Europeia e suas normas comunitárias, e a perda parcial da soberania dos Estados-nação, que enfraqueceu o principal instrumento de coercibilidade das normas internacionais do trabalho (CRIVELLI, 2010: 24).

As modificações ocorridas no seio das cadeias produtivas foram um dos fatores que trouxe profundas alterações nas relações de trabalho. No modelo fordista, caracterizado pela produção em larga escala para o mercado em expansão, os produtos são fabricados por meio de uma linha de montagem dentro do estabelecimento industrial. Há uma produção fragmentada, mas coletiva, na qual todos os trabalhadores tem uma função definida dentro da linha de montagem para a consecução do produto final. Para a empresa fordista, é importante manter sua mão-de-obra a médio e longo prazo, garantindo condições de trabalho estáveis, por meio de normas rígidas, que aumentem sua capacidade de planejamento (RUDIGER, 2006: 477).

A empresa toyotista, que se firmou com a abertura das fronteiras pelo processo de globalização, não produz para abastecer o mercado, esse modelo de organização submete sua produção à demanda do mercado, o que exige flexibilidade da empresa para ampliar ou reduzir o quadro de seus trabalhadores num curto prazo de tempo. A mão-de-obra utilizada deve ser polivalente e organizada para que possa planejar e executar diferentes tarefas nos momentos em que se façam necessárias. Também é comum a contratação de trabalhadores de empresas prestadoras de serviços conforme seja necessário para atender a demanda do mercado, havendo uma descentralização produtiva (RUDIGER, 2006: 480).

(38)

As corporações transnacionais, que cresceram vertiginosamente ao longo do século XX, agindo em diferentes países e continentes, tornaram-se atores relevantes nas relações internacionais contemporâneas e passaram a atuar como os principais agentes da globalização, trazendo novas transformações nas relações laborais. Ao negociarem acordos coletivos, criarem regulamentos internos, normas técnicas e códigos de conduta que disciplinam os comportamentos individuais dos trabalhadores, vêm exercendo forte influência no Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).

A prática do dumping social, por meio do qual as empresas multinacionais

(EMN‟s) reduzem salários para tornar seus produtos mais competitivos no mercado

internacional é também uma das consequências sociais negativas do processo de globalização.

Embora não exista uma definição legal para o termo, o dumping social pode ser caracterizado por “preços internacionais de produtos distorcidos pelo fato de os custos

de produção basearem-se em normas e condições trabalhistas inferiores ao que seria

considerado razoável ou adequado em nível internacional” (GONÇALVES, 2000: 50)5.

Para tornarem-se competitivas, e exportar produtos com preços inferiores aos do concorrente, algumas empresas utilizam meios desleais, como contratação de mão-de-obra infantil, e até escrava, em grave violação aos direitos fundamentais do trabalho.

Outro mecanismo utilizado pelas corporações transnacionais, questionável em termos de justiça social, é a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), instalada nos países em desenvolvimento para o crescimento econômico estratégico da região onde são estabelecidas.

A Organização Internacional do Trabalho, em 2003, definiu as ZPE‟s como “zonas industriais com incentivos especiais criadas para atrair investidores estrangeiros,

onde materiais importados passam por algum grau de processamento antes de serem (re)exportados (...)” (ILO, 2003, p. 1). Alguns anos depois, estudo elaborado sob a coordenação da mesma organização alargou o conceito de ZPE apontando-as como

“espaços regulatórios em um país destinados a atrair companhias exportadoras

5 GONÇALVES, Reinaldo. O Brasil e o Comércio Internacional: transformações e perspectivas. São

(39)

mediante a oferta, a estas, de concessões especiais em impostos, tarifas e

regulamentos” (MILBERG, 2008: 02).

Embora abra novas oportunidades de empregos, havendo mais de 50 milhões de trabalhadores empregados nessas zonas em todo o mundo, e mesmo que os órgãos públicos oficiais afirmem que o mecanismo contribui para o desenvolvimento e trabalho decentes, as autoridades públicas ainda apresentam alguma preocupação com

eventuais isenções de leis trabalhistas às ZPE‟s nacionais, ou o fato de representarem

obstáculos ao exercício de direitos (MTE, 2005).

Segundo Dupas, o trabalho exercido nas ZPE‟s normalmente apresentam baixa

ou nenhuma qualificação, além de relações sindicais frágeis. A mão-de-obra seria constituída, em sua maior parte, por mulheres jovens, que se submetem a longas jornadas, baixa remuneração, trabalho noturno, alta rotatividade e pouca estabilidade, em decorrência, principalmente, da falta de outras opções locais de trabalho (DUPAS, 1998: 131).

Diante dessas transformações no cenário internacional, a OIT vem esboçando reações por meio de várias iniciativas. Na sua 86° Conferência, a OIT adotou, com base em oito Convenções fundamentais6, a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, que estabelece como princípios fundamentais a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a abolição efetiva do trabalho infantil; e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.7 Embora não se trate de uma obrigação jurídica, constitui uma orientação de comportamento, tendo como objetivo maior impulsionar a ratificação das oito Convenções fundamentais por todos os Estados-membros (CRIVELLI, 2010: 69).

Em 1994 foi instituído um Grupo de Trabalho sobre a Liberalização do Comércio Internacional, que, em 1999, passou a ser chamado Grupo de Trabalho para a Dimensão Social da Mundialização, com o objetivo principal de formular proposta de consenso tripartite, consenso entre trabalhadores, empregadores e Estado, de políticas normativas para enfrentar as consequências sociais da globalização. Por sugestão do

6

Convenções 87, 98, 29, 105, 100, 111, 138 e 182 da OIT

7 OIT. Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Disponível em

(40)

grupo foi criada a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, composta por personalidades de todo o mundo para elaboração de um relatório global com o objetivo de propor ao sistema multilateral internacional um enfoque integrado sobre o impacto social da globalização (CRIVELLI, 2010: 69 e 181).

Outra iniciativa importante foi a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social que, embora aprovada ainda em 1977, ganhou maior importância no ano de 2000, quando novamente foi discutido o tema, acrescentando-lhe conteúdo e um sistema de acompanhamento. Trata-se de documento com conteúdo normativo, de aplicação voluntária, dirigido aos governos dos Estados-membros e às respectivas organizações mais representativas de trabalhadores e empregadores, sendo a necessidade de adesão voluntária dos atores sociais um dos maiores problemas que se apresentam à sua implementação na prática (CRIVELLI, 2010: 69 e 168).

Concomitantemente às iniciativas oficiais da OIT durante o processo de globalização, proliferaram várias propostas e experiências de regulação do trabalho no âmbito internacional que variavam quanto à natureza jurídica, abrangência territorial de sua aplicação e o número de Estados ou atores internacionais envolvidos. Nesse ambiente caracterizado pela pluralidade jurídica, a OIT já não mais constitui a única fonte formal de Direito Internacional do Trabalho (CRIVELLI, 2010).

Dentre as experiências concretas de regulação internacional do trabalho destacam-se os instrumentos jurídicos de direito privado, como os códigos de conduta e etiquetas ou selos sociais, estabelecidos por corporações transnacionais, organizações sindicais de trabalhadores ou ainda por Organizações-Não Governamentais (ONG‟s)

(CRIVELLI, 2010: 124-125).

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3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA INTERNACIONAL

Na segunda metade do século XX o processo de globalização tornou-se mais abrangente. Com a consolidação da economia de mercado, a discussão sobre o novo papel e tamanho do Estado no contexto da sociedade globalizada, as constantes inovações tecnológicas, a criação de conglomerados industriais, a desterritorialização da produção e os importantes processos de integração regional em andamento, as relações sociais foram afetadas de diferentes maneiras, com significativos reflexos nos processos de negociação coletiva, e diversas implicações para os níveis de justiça social no mundo (GERNIGON, 2000).

Todos os fatores mencionados ensejaram o surgimento de diferentes tipos de relações de trabalho e novas situações jurídicas não abrangidas pelas legislações nacionais e que, aos poucos, passaram a ser discutidas nas diretrizes de organizações internacionais, mais notadamente na Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Não obstante, o contínuo debate e a formulação de propostas por parte das organizações internacionais, com o fim de minorar o impacto negativo da globalização nas relações de trabalho, ainda não existe um quadro legal regulatório das relações laborais em nível global, nem mesmo uma política normativa, de âmbito internacional, capaz de assegurar aos trabalhadores, padrões mínimos de saúde, segurança e dignidade.

As mudanças no cenário global resultaram em concorrências mais abrangentes, e mais acirradas, aumento do trabalho informal, surgimento de novos tipos de relações de trabalho que afetam a estabilidade do trabalhador, com a proliferação de contratos de curto prazo e a expansão de zonas de processamento de exportação, que muitas vezes desestimulam o sindicalismo (GERNIGON, 2000:3).

Concomitantemente, verificou-se maior autonomia dos sindicatos em relação às autoridades públicas e à política, e maior consciência dos direitos fundamentais, da dignidade humana e princípios básicos da democracia, sendo integradas às reivindicações sindicais considerações concernentes às minorias desfavorecidas, à política ambiental e a questões macroeconômicas (GERNIGON, 2000: 3).

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