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POLÍTICA E NARRATIVAS SOBRE O PETRÓLEO NO BRASIL (1930-41)

DANIEL ALENCAR DE CARVALHO1*

Monteiro Lobato escreveu nove cartas a Getúlio Vargas, no mínimo2, entre 1930-41.

Nesse momento, o escritor estava interessado em convencer as autoridades governamentais e a sociedade da existência do petróleo em território nacional, assim como interessá-los nas sondagens e extração do “ouro negro”. Contudo, enfrentava os técnicos e os burocratas do Ministério da Agricultura, convencidos da inexistência do “óleo de pedra” em território nacional, críticos de suas investidas no setor, receosos das atividades das suas companhias de prospecção. A pesquisa visa entender os movimentos de Monteiro Lobato nos meandros políticos nos governos revolucionário, democrático e ditatorial de Getúlio Vargas, investigando as formas encontradas pelo remetente de convencer o destinatário da validade das suas causas. Dessa maneira, indagar-se-á acerca das imagens de si construídas por Monteiro Lobato nas cartas, apresentando-se não como escritor, mas com as credenciais de adido comercial (cargo exercido entre 1927-31, em Nova York) e de empresário, e também as narrativas acerca do petróleo no Brasil, saturadas de mitos políticos, a fim de compreendermos as tensões sociais no recorte estabelecido.

As missivas não são escritas com a ternura e o amor da camaradagem. De acordo com os lugares do remetente e do destinatário, com muita estima e reverência. O contínuo escrever criou um vínculo, apesar da cerimônia. Getúlio tentou usar o escritor, sem sucesso; Monteiro Lobato recorreu ao governante, sem antever a tragédia. Cartas: uma maneira única de insinuar-se nas vivências de outrem, de tornar-se íntimo, de também governar. Obter a assistência do destinatário, para defesa de uma causa, eis aí todo o programa.

Contudo, as trocas têm começo excêntrico: o contista dos Urupês escreve como adido comercial do governo Washington Luís, último líder da República Velha. Monteiro Lobato estimava o presidente deposto, além de ser amigável com outras figuras do Estado. Dessa

* UFC, Doutorando em História Social, apoio CAPES.

2 Há três cartas em Cartas escolhidas (Rio de Janeiro, 12,5,1931; S. Paulo, 29,1,1935; São Paulo, 19,8,1935), duas n’O escândalo do petróleo e georgismo e comunismo (São Paulo, 5 de maio de 1940; Cadeia, 19 de abril de 1941) e quatro em Monteiro Lobato vivo (Nova York, 9 de dezembro de 1930; São Paulo, s.d.; São Paulo, 13 de

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maneira, transitava no poder. O revés (ou seria uma circunstância conveniente?) ocorreu em outubro de 1930: agora, necessitaria circundar em torno do poder, mostrar-se meritório de confiança – e desanuviar a imagem de Getúlio Vargas.

***

A conversa teve início em 9 de dezembro de 1930. Na ocasião, Monteiro Lobato não escrevia como contista ou romancista, mas consoante seu lugar oficial, isto é, como adido comercial do Brasil em Nova York; escrevia não ao presidente do Rio Grande do Sul, mas ao líder do Governo Provisório, “Senhor Presidente” Getúlio Vargas. Nas missivas seguintes, mais amistosas, mas em ocasiões menos cerimoniosas, somente “Dr. Getúlio”. Nesse início, a carta comunica “algumas das conclusões a que cheguei, com respeito a vários problemas brasileiros, durante a minha estada na América” (LOBATO, 1986: 136), ou seja, presta contas das atividades concluídas ou em curso no encargo de incentivar o comércio entre as nações ao novo Governo, mas anseia a concordância nos seus exames e a anuência em continuar suas iniciativas.

Circunstância estranha: o remetente comunica suas conclusões assente num governo destituído, ou melhor, sua escritura advém de (e emana) uma autoridade irreal – faz saber em função de um poder deposto (DE CERTEAU, 2011:XXI). Discurso vencido em sua origem: a ditadura não veio arrasar um sistema já velho? Como interessar esse outro destinatário? Como insinuar-se novamente no poder? Que nova gerência da res publica seria essa, afinal? Cautela na escrita, cortesia nas palavras. “Tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência os protestos da minha mais alta consideração”, não seria tão só um lugar-comum. Na situação incerta, no intuito de ser tido em conta, tornava-se necessário homenagear o governante:

“São estas as conclusões que julguei de meu dever apresentar a Vossa Excelência neste momento em que todos os brasileiros sentem as esperanças renascidas.

Conclusões meditadas e baseadas em fatos que são talvez mereçam ser lidas e ponderadas por quem empreendeu a gigantesca tarefa de arrancar o país ao atoleiro em que se ia fundando.” (LOBATO, 1986: 136)

junho de 1931; Campos do Jordão, 26 de fevereiro de 1935). Não “fucei” os documentos de arquivo pessoal do CPDOC, ou mesmo a Coleção Museu Monteiro Lobato.

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O momento incomum também criava novos horizontes de expectativa3, já que o Governo Provisório tencionava renovar o funcionamento do Estado, diminuir a burocracia e incitar a economia. Dessa maneira, o remetente anuncia as três hipertrofias nas importações do Brasil “que por si sós explicam a fraqueza da nossa situação econômica – trigo, ferro e combustível”. O intuito era conter tais importações, “obtendo por meio da redução delas o ouro que tão cedo não podemos obter pelo aumento da exportação” (LOBATO, 1986: 128).

Criou-se assim uma tensão, acaso oculta: um funcionário em iminente exoneração entrega a Getúlio Vargas seu projeto em minuta. Constituía vínculos: as missivas comunicam os tempos do remetente, quer dizer, associam análises do que já aconteceu e do que está por vir, convocam a estima e o interesse do destinatário, no fim de torná-lo consócio das experiências e das expectativas escritas.

Monteiro Lobato argumentou em favor da velocidade (VIRILIO, 2000), visto que a

“primeira significação do ferro é transporte; transporte significa mobilização de reservas naturais; mobilização de reservas naturais significa desenvolvimento econômico e riqueza”

(LOBATO, 1986: 128). Nesse raciocínio, incrementar a indústria siderúrgica seria extinguir a miséria, assegurar a “moeda ouro, cultura do povo, alto padrão de vida” uma vez que os maquinários (ferro) aumentariam em muitas vezes a eficiência dos (as) brasileiros (as), ou seja, maior rendimento em menos tempo, mas também movimento contínuo e ágil das reservas naturais e outros produtos. Desta maneira, o remetente vindica o estabelecimento de novo processo de redução de ferro no Brasil, método conveniente a acrescer as exportações e subtrair as importações. O novo governo conseguiria sanar essa hipertrofia ou agiria como seus antecessores?

“Há três anos que minhas tentativas para que o nosso governo tome conhecimento técnico deste processo siderúrgico, como base de uma orientação segura na matéria, esbarram numa indiferença que não me explico. Apesar de haver apresentado as informações mais completas e, mais, ter promovido todas as necessárias experiências com minérios de Minas e cascas de café e babaçu, graças á cooperação oficiosa de um eminente industrial brasileiro, nenhuma reação ainda revelou qualquer interesse por questão de tal magnitude. Não será crime retardar

3 Neste artigo utilizo as categorias de espaço de experiência e horizonte de expectativa de Reinhart Koselleck

(2006:305-327). O espaço de experiência corresponde ao passado atual, incorporado consciente ou inconscientemente, lembrado e transmitido através de instituições ou gerações, constituído também de experiências alheias. O horizonte de expectativa é o futuro presente, aquilo que não foi experimentado mas pode ser previsto e suscita medos e esperanças. Não existem isolados e ambos possuem uma dimensão social e subjetiva.

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assim o início da revolução econômica que tudo está impondo ao Brasil?”

(LOBATO, 1986: 131)

O destinatário, Getúlio Vargas, consumou a inevitável revolução política, mas restava iniciar a necessária “revolução econômica”. O escritor sugere rumos, insinua-se ao poder e usufruiu do momento saturado de incertezas (continuaria no cargo?) e expectativas (seria visto em conta?).

Porém, a missiva não versa tão só em assuntos técnicos ou burocráticos. O tema

“ÓLEO” reuniu na mesma narrativa ciência e mito4. Na ocasião (dez. 1930) a existência de óleo no Brasil era um mistério. Nas conversas com os “geólogos mais avisados deste país [EUA]”, o remetente ouve (e escreve ao Senhor Presidente) uma “revelação”:

“O Brasil é rico em petróleo. Dada a sua área territorial, as existências de petróleo no Brasil são seguramente maiores que as de outro qualquer país. Mas entre um país ter óleo e encontrar óleo, vai uma pequena diferença. O petróleo, como V.

sabe, está em crise por excesso de produção. Embora o termo das reservas conhecidas seja coisa para não remoto futuro, dado o espantoso consumo atual, há, no momento, excesso de produção e pois interesse das grandes companhias monopolizadoras em que não se abram novas fontes.

“Fique sabendo que o petróleo não é encontrado no Brasil por uma razão muito simples – porque não convém a essas companhias. Não têm elas no momento interesse no petróleo no Brasil, mas têm-no e forte no mercado que o Brasil já é para o petróleo que elas refinam. Em vista disso, inutilizam todos os esforços de seu país, por intermédio de particulares ou do governo, para descobrir petróleo. As sondagens lá feitas não merecem fé. O Brasil paga a um geólogo ou a um driller, para achar petróleo, algumas vezes menos do que tem ele dessas grandes companhias para não achar petróleo e limitarem-se a relatórios que não matem as esperanças.

“O negócio do petróleo está controlado no mundo por um grupo de homens agressivos que jamais primaram por excesso de escrúpulos. Nada lhes é, quanto ao Brasil, despenderem secretamente 50 ou 200 mil dólares cada vez que na maior boa fé seu país faz uma tentativa com técnicos estrangeiros para descobrir petróleo.”

(LOBATO, 1986:131-132)

A ciência encarna-se nos “geólogos mais avisados deste país”, nos governos e nas grandes companhias monopolizadoras. O mito na conspiração “de homens agressivos” a vigiar o movimento para não achar petróleo. Mito, já que a “revelação” integra ao mesmo tempo ficção (vazia em evidência), sistema de explicação (a não existência do petróleo por

4 Raoul Girard (1987:98) entende o mito em três sentidos: a) narrativa referente ao passado, embora aclare as condutas do homem moderno e a organização social vigente – histórias sagradas de tempo imemorial; b) mistificação da observação experimental e ilusão da verdade dos fatos; c) imagens motrizes, isto é, “apelo ao movimento, incitação à ação e aparece em definitivo como um estimulador de energias de excepcional potência”

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causa das grandes companhias) e mensagem mobilizadora (necessário encontrar petróleo). O remetente constrói uma narrativa conveniente a interessar o destinatário ao suster os exames e narrar uma trama.

Como sanar a carência de óleo?

“O óleo cru necessário à refinação no Brasil poderia ser obtido na Rússia em troca de café, com vantagem dupla para nós: obter matéria-prima de que necessitamos e dar saída a cafés em estoques sem que houvesse depressão nos preços. Isto não é fantasia ou mera especulação imaginativa. Consultei a respeito a Amtorg Comporation, a grande agência comercial que a República dos Sovietes mantém nesta cidade e obtive resposta favorável. Consulta telegráfica foi dirigida a Moscou e muito breve teremos algo de positivo na matéria”. (LOBATO, 1986:133)

Monteiro antevia o inconveniente em sugerir um negócio com o governo russo, então toma vantagem. “Os Estados Unidos também se recusam a reconhecer a República dos Sovietes, o que não impede que as transações comerciais entre os dois países já estejam na casa dos 400 milhões” (LOBATO, 1986:134), argumenta. Ótimo negócio: permutar café com produtos de petróleo. Nessa visão, resolver-se-ia dois problemas de uma vez.

O escritor-adido apresentou suas conclusões e receitou a “revolução econômica” nessa conserva inicial. Porém, seria visto em conta ou ao menos examinado?

***

Não manteve o cargo, mas continuou a escrever ao “Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas”. O escritor prosseguiu na conversação com a AMTORG CORPORATION e obteve “a segurança de que está ela pronta para iniciar o negócio proposto” (LOBATO, 1970:168), comunicou em nova carta a Getúlio, escrita em 12,5,1931. O relatório, de Nova York, não angariou o interesse do governo. Como não conseguiu uma resposta, tornava a escrever. No entanto, não servia mais ao governo, nem conservava amigos na nova estrutura estatal. Contava somente com a anuência governamental.

Os “altos comerciantes de café em S. Paulo” estavam ansiosos com a oportunidade; o Sr. Coronel João Alberto, Interventor em São Paulo mostrou-se “todo favorável” (LOBATO, 1970:169) – restava a permissão de Getúlio. Mas a missiva não atraiu o destinatário. Sem resposta. A conversa só interessava ao remetente. O novo governo mostrava-se autoritário em (GIRARDET, 1987:12-13). Com tais características, muitas vezes indissociáveis, mobiliza cruzadas e revoluções ao suscitar emoções de toda ordem.

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seu intuito: não acenava ao horizonte de expectativas do escritor, acatava outras análises, seguia outros interesses. Que fazer?

***

O escritor investe novamente em 1935. Nesse ano, Monteiro atuava como porta-voz5 da Cia. Petróleos do Brasil, ativa no município de São Pedro, São Paulo, da Cia. Petróleo Nacional, em Alagoas, da Petrolífera e da Cruzeiro do Sul, em São Paulo (AZEVEDO et al., 1997:281) – porta-voz, já que nunca foi engenheiro, técnico nas indústrias ou geólogo: em tese, não contém em si as credenciais necessárias ao acometimento no setor petrolífero.

Porém, escritor – e vendável. Com sua mestria tentou cativar acionistas, tendo em vista não recorrer ao auxílio governamental. Não contava com a burocracia, receava os técnicos do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM)6. Contudo, acaso Getúlio socorresse as Cias. em momentos críticos.

“Dê-me o seu apoio convicto – e resolveremos o problema máximo do Brasil – do carbono”, escreveu em 1935/36. Na ocasião, em regime democrático, arrisca crítica aos ideólogos da revolução, visto que “já aplicaram todas as suas mezinhas salvadoras – e a aflição econômica persiste”. Na missiva, insiste em sua fórmula: o único meio de dar eficiência ao homem “é multiplicar o seu poder através da máquina”; e o petróleo é a “energia que faz mover a máquina” (LOBATO, 1986:137). Com suas Cias. conseguiu iniciar o

“milagre”, ou melhor, abrir poços de mais de mil metros, mas não conseguiria vencer só, talvez. Contava com o apoio de Getúlio, e preconizava:

“Está em suas mãos fazer da sua presidência a mais notável que ainda teve o Brasil.

Politicamente, a sua ação nos deu a grande conquista política do voto secreto.

Porque economicamente não dar ao Brasil essas duas realidades tremendas, no domínio da economia – petróleo e ferro? máquina e energia?” (LOBATO, 1986:138)

5 Bruno Latour (2011:106-111) entende porta-voz como alguém “que fala em lugar do que não fala”, isto é, instrumentos e dados científicos, órgãos de governos, sindicatos e outras instituições. O porta-voz expressa o interesse dos representados, além de reunir recursos, dialogar com autoridades, convencer outras pessoas de sua causa e equipar os laboratórios. Sua atividade consegue ser interna ao laboratório (comunicação dos dados científicos) ou externa (conseguimento de recursos financeiros etc.).

6 O governo varguista transferiu “todas as propriedades minerais, licenças de prospecção e concessões de mineração que haviam sido postas sob jurisdição dos estados” ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) (SMITH, 1976:40). Com isso, visava estatizar uma indústria ainda a rebentar, frustrando as atividades das companhias particulares e dos trusts estrangeiros.

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O escritor iniciou as sondagens, mas concernia a Getúlio consumar a vitória. Outra vez, tornava-se necessário homenagear o governante: circunscreve seus atos e vexa suas atividades em favor da intercessão presidencial – o sucesso viria daí. Com insistência e submissão, roga um “ajude-me a fazer da sua presidência a Grande Presidência”. O êxito, ou seja, a existência do “ouro negro” traria a glória ao presidente, inscreveria seu nome na eternidade. O crédito não iria aos acionistas, diretores ou incorporadores das Cias., mas ao mecenas do crescimento nacional. O servilismo encerra uma astúcia, visto que tenciona encantar o destinatário, insinuar seu horizonte de expectativas em outrem.

Conseguiu? Não, mas encetou a comunicação. “Aproveito o ensejo para lembrar que ainda não recebi os papeis, ou estudos preliminares do serviço que V. Exa. tinha em vista organizar” (LOBATO, 1970:187), anunciou em 29,1,1935. O serviço seria o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), versão nacional do maquinário propagandístico nazista. Monteiro recusaria o convite, mas a carta torna evidente o diálogo entre o escritor e o presidente7. Há uma troca: o escritor-incorporador serviu-se do destinatário em momentos graves na companhias (“E como V. Exa. me autorizou, neste caso, a recorrer diretamente a V.

Exa. (...) sou forçado a lançar mão desse recurso”, narrou em 19,8,1935); de outra parte, o governante invitou um literato/jornalista conceituado para dirigir um serviço de investimento simbólico – convencer os comuns acerca das razões estatais.

O assunto a movimentar o remetente era outro, quer dizer, a sabotagem burocrática nos seus negócios:

“Nele [no documento enviado] denuncio as manobras da Standard Oil para senhorear-se das nossas melhores terras potencialmente petrolíferas, confissão feita em carta pelo próprio diretor dos serviços geológicos da Standard Oil of Argentina, que é o tentáculo do polvo que manipula o Brasil. E isso com a cooperação efetiva do Sr. Victor Oppenheim e Mark Malamphy, elementos seus que essa companhia insinuou no Serviço Geológico e agora dirigem tudo lá, sob o olho palerma e inocentíssimo do Dr. Fleuri da Rocha. É de tal valor a confissão, que se eu der a público com os respectivos comentários o público ficará seriamente abalado.”

(LOBATO, 1970:186)

7 Cavalheiro (1956:55) narrou ocorrência distinta: em maio de 1940 “o missivista [Monteiro Lobato] recebe um emissário do Presidente, que traz um convite claro e explícito: o Ditador desejava transformar o Departamento de Imprensa e Propaganda num Ministério de Propaganda, sob a direção de Monteiro Lobato”. O escritor recusou: “- Mas para isso não é preciso criar-se um Ministério! Basta constitucionalizar o País”. O biógrafo não comunica suas fontes, contudo.

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Monteiro Lobato incriminava “elementos” oficiais, denunciava o complô entre as grandes companhias monopolizadoras e o Serviço Geológico, quer dizer, insistia na existência do “ouro negro” em território nacional, até então adormecido nas camadas rochosas por causa da ação sabotadora de Mister Mark Malamphy, diretor da Geofísica e Mister Victor Oppenheim, diretor de Geologia do DNPM. Juntos, obstruíam os poços, falseavam as sondagens, mercavam os dados do subsolo brasileiro aos trusts, em suma, sua missão era

“NÃO TIRAR PETRÓLEO E NÃO DEIXAR QUE O TIREM” (LOBATO, 2011:75).

Getúlio deveria exercer seu domínio, remover ambos de dever tão crucial. O porta-voz das companhias privadas escrevia convincente em uma verdade: o “Capitalismo Anônimo Internacional que paira sobre o mundo como tremendo Pássaro Roca controlador dos governos fracos e promotor de guerras entre os governos fortes” (LOBATO, 2011:188), como anotou em outro momento, mirava o Brasil.

***

O término da conversa ocorreu em 19 de abril de 1941, aniversário de Getúlio Vargas.

O escritor-remetente atravessava seu maior revés: a cadeia. Havia dez anos atacava os serviços nacionais autorizados a investigar a existência do “ouro negro”, a incompetência dos técnicos, as leis taxativas, contrárias as suas investidas, já que avistava aí as tramoias das grandes companhias monopolizadoras, quer dizer, da Standard Oil e da Royal Dutch & Shell, inimigas da independência econômica do Brasil. No entanto, o momento era outro: vivia no arbítrio e na vigilância do Estado Novo. O recém-instituído Conselho Nacional do Petróleo (CNP)8 estava nas mãos dos militares, e o petróleo tornara-se assunto de segurança e soberania nacional. Nesse cenário, insistir no complô internacional era temerário, visto que insultava a corporação. Porém, o escritor insiste, encara seu inimigo e termina cativo.

Na última missiva, oferece uma ideia ao “Doutor Getúlio”:

“Amanhã é dia de seus anos. Quero dar-lhe um presente. Esse presente é uma ideia.

Essa ideia é a seguinte: Assim como o governo formou a Cia. Nacional Siderúrgica

8 O CNP, instituído em 1938, tinha como finalidades “estimular uma indústria nacional de refinação capaz de suprir as necessidades do país e de levar avante a procura sistemática do petróleo, que, se encontrado, seria utilizado também sob controle nacional”. O Estado Novo também decretou a nacionalização da indústria de refinação e declarou “o suprimento nacional de petróleo de utilidade pública”, embora ainda não descoberto (SMITH, 1976:50-51).

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com 500 mil contos de capital, por que não funda também a Cia. Nacional de Petróleo, com outros 500 mil contos de capital? Era o meio de ao mesmo tempo solver os problemas do ferro e o do petróleo, de igual importância.” (LOBATO, 2011:162)

O petróleo viria, mas era necessário investir e investigar. “Esperando que o senhor Presidente tome na devida consideração a minha proposta”, encerrava a carta-presente.

Monteiro entreviu nos seus insucessos os sinais de uma conspiração das grandes companhias monopolizadoras, e sua obsessão nutria a esperança na existência do óleo em território nacional, já que o petróleo estava ali, esconso, recôndito, latente, envolto em terra e mentiras oficiosas; essa obsessão também animava seus escritos, sua verve, ironia e indignação, visto nas missivas. O destinatário seguiria suas sugestões, mas em outro instante. O petróleo, o

“abra-te, Sésamo” da revolução econômica, terminou por encarcerar seu Profeta.

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Carmen Lucia de; CAMARGOS, Marcia; SACCHETA, Vladimir. Monteiro Lobato:

furacão na Botocúndia. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 1997.

CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato: vida e obra. Tomo II. 2.ª edição revista e ampliada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956.

DE CERTEAU, Michel. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica Arno Vogel. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo:

Companhia das Letras, 1987.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução do original alemão Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão da tradução César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio, 2006.

LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. Tradução Ivone C. Benedetti; revisão de tradução Jesus de Paula Assis. 2. ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.

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LOBATO, Monteiro. Cartas escolhidas. 6.ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1970.

LOBATO, Monteiro. Monteiro Lobato vivo. Seleção e organização de Cassiano Nunes. Rio de Janeiro: MPM Propaganda: Record, 1986.

LOBATO, Monteiro. O escândalo do petróleo e georgismo e comunismo. São Paulo: Globo, 2011. [O escândalo do petróleo, 1. ed. 1936; Gorgismo e comunismo, 1.ed. 1948].

SMITH, Peter Seabor. Petróleo e a política no Brasil moderno. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1978.

VIRILIO, Paul. Cibermundo: a política do pior. Tradução de Francisco Marques. Lisboa: Editorial Teorema, Lda. 2000.

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