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O SENTIDO DAS MEDIDAS SOCIO-EDUCATIVAS NA VIDA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UMA REFLEXÃO À LUZ DA FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL

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ANDREA SARAIVA DE BARROS

O SENTIDO DAS MEDIDAS SOCIO-EDUCATIVAS NA VIDA DOS

ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UMA REFLEXÃO

À LUZ DA FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo

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ANDREA SARAIVA DE BARROS

O SENTIDO DAS MEDIDAS SOCIO-EDUCATIVAS NA VIDA DOS

ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UMA REFLEXÃO

À LUZ DA FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL

Trabalho de Conclusão de Curso,

exigência parcial para graduação

no curso de Psicologia, sob

orientação da Profª. Drª. Marilda

Pierro de Oliveira Ribeiro

Pontifícia Universidade Católica

São Paulo

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Área de Conhecimento: Ciências Humanas 7.07.00.00-1 – Psicologia

Título: O Sentido das Medidas Sócio-Educativas na Vida dos Adolescentes em Conflito com a Lei: uma reflexão à luz da Fenomenologia-Existencial

Orientanda: Andrea Saraiva de Barros

Orientadora: Marilda Pierro de Oliveira Ribeiro

Palavras-chave: medidas sócio-educativas, liberdade assistida, fenomenologia-existencial.

Resumo

A opção por estudar o sentido das medidas sócio educativas na existência de adolescentes em conflito com a lei deu-se, principalmente, pela constante discussão contemporânea sobre a questão do adolescente autor de ato infracional. Através da análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, das medidas sócio-educativas – com ênfase na medida de Liberdade Assistida – e do período da adolescência, no qual o indivíduo descobre-se responsável por sua própria existência, esta pesquisa propõe-se a desvelar o sentido da medida sócio-educativa na vida do adolescente que infraciona. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa à luz da teoria da Fenomenologia Existencial que, para aproximar-se do sentido da medida para o adolescente, tratou de aspectos que fazem parte de sua vida como sua relação com a família, comunidade, círculos sociais, escola e outros espaços que freqüenta; buscou entender se (e como) suas relações sofreram transformações no decorrer da passagem pela medida sócio-educativa de Liberdade Assistida; e, ainda, conhecer sua relação com a medida, como ele a compreende e se sente em relação à execução da mesma. Dois adolescentes foram entrevistados e o método utilizado para nortear a coleta de informações foi uma adaptação da

entrevista reflexiva. Observamos que a experiência vivida por um deles abriu a

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Agradecimentos

Aos meus pais, Rita e Amaury, pelo amor autêntico, e por acreditarem e apostarem nas minhas escolhas.

Ao Bruno, pela companhia constante e indispensável, pelo amor, por estar comigo durante a minha formação discutindo sobre a Psicologia e sobre a Vida e, principalmente, por tudo aquilo que a gente compartilha.

À minha família, em especial aos meus avós Zelia e Geraldo, e em memória de Jô e Alexandre; às minhas tias Carmen, Irany e Ivany; meus tios Heitor, Saulo e Alberto; e meus primos Victor e Lucas, pela sustentação e pelo amor e amizade que sempre me impulsionaram.

Às minhas “flores” Bia Hahne, Jú Tossunian e Fabi Carmo; e às outras pessoas queridas que ajudaram a dar leveza aos cinco anos de graduação.

Às professoras do Núcleo 303. Em especial à Lourdinha Trassi Teixeira, por abrir espaço para que eu me aproximasse do que já era o tema deste trabalho, por dividir comigo sua experiência na área e por permitir que minha reflexão/percepção fosse além daquilo que os livros contam.

À minha orientadora, Marilda Pierro de Oliveira Ribeiro, pela atenção, pelo cuidado e pelo acolhimento.

Aos adolescentes que participaram desta pesquisa, pela disposição e pelo comprometimento.

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SUMÁRIO

Introdução... 7

PRIMEIRA PARTE – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Capítulo 1 – O Estatuto da Criança e do Adolescente ... 14

1.1 Precursores do Estatuto da Criança e do Adolescente... 14

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e As Medidas Sócio-Educativas ... 19

1.2.1 Caracterização das Medidas Sócio-Educativas ... 23

1.2.1.1 Liberdade Assistida: o trabalho junto aos adolescentes e suas famílias... 27

Capítulo 2 – Adolescência: contribuições da Psicologia ... 33

2.1 Algumas visões sobre o fenômeno da adolescência ... 33

2.1.1 Erik Erikson: a idéia de “crise da adolescência”... 36

Capítulo 3 – As Contribuições da Fenomenologia-Existencial ... 40

3.1 O Homem na perspectiva Fenomenológica-Existencial... 40

3.2 As especificidades do ser-adolescente... 47

SEGUNDA PARTE – A PESQUISA EMPÍRICA

Capítulo 1 – Metodologia... 52

Capítulo 2 – Os encontros com os adolescentes... 59

2.1 A entrevista com E.... 59

2.1.1 Breve Caracterização de E. ... 59

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2.1.2.1 Tema: Questões Pessoais... 60

2.1.2.2 Tema: Família... 64

2.1.2.3 Tema: Medidas Sócio-Educativas... 67

2.1.3 Sobre o Modo de Ser de E. na Entrevista... 70

2.1.4 Análise do Sentido das Medidas Sócio-Educativas para E..... 74

2.2 A entrevista com L.... 78

2.2.1 Breve Caracterização de L. ... 78

2.2.2 Apresentação dos Focos de Análise... 78

2.2.2.1 Tema: Bq. – “o Mundão”... 79

2.2.2.2 Tema: “L. começou do zero”... 83

2.2.2.3 Tema: Questões Pessoais... 89

2.2.2.4 Tema: Relações Atuais de Amizade... 94

2.2.3 Sobre o Modo de Ser de L. na Entrevista... 96

2.2.4 Análise do Sentido das Medidas Sócio-Educativas para L..... 99

Capítulo 3 – Discussão ... 103

Referências Bibliográficas ... 109

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Introdução

A opção por estudar a questão do sentido das medidas sócio educativas na existência dos adolescentes com processo por prática infracional, relaciona-se diretamente com algumas reflexões que puderam relaciona-ser feitas ao longo desrelaciona-ses anos de graduação na Faculdade de Psicologia da PUC-SP. A escolha do tema também se justifica devido à sua complexidade, pela atualidade da discussão sobre a questão do adolescente infrator nesses tempos de violência e desigualdade crescentes; bem como, pelas discussões sobre o que seria eficaz para não permitir que eles afundem nesse contexto de criminalidade em que se inseriram.

Durante muito tempo conheci mais detalhadamente apenas a medida sócio-educativa de internação, tão comentada pela mídia devido a todo o histórico da Fundação para o Bem Estar do Menor – FEBEM. Porém, como muitas outras pessoas, conhecia essa instituição como análoga à prisão, uma “cadeia para menores”, ignorando seu caráter sócio-educativo, já que este viés de atuação educacional acaba sendo menos ressaltado.

Em meu percurso pela faculdade, iniciei um contato mais estreito com o trabalho com adolescentes e com a questão do indivíduo institucionalizado. Nesse contexto, passei a me interessar por maneiras de trabalhar com o público adolescente sob tutela do Estado, que fugissem das restrições às quais os adolescentes são submetidos nos interiores das FEBEM’s e visassem uma (re)significação de diversos aspectos, sem “dicotomizar” o jovem infrator e a sociedade na qual ele vive.

Uma das medidas que vai nessa direção é a Liberdade Assistida1 (LA),

que considera que a privação da liberdade não garante um processo pedagógico que seja capaz de (re)significar o crime e a violência na vida desses jovens. Tal medida também inclui na trajetória do adolescente as mais variadas instâncias que contribuem (ou deveriam contribuir) para o seu desenvolvimento; como a família, a escola e a comunidade. A finalidade é que

1As medidas sócio-educativas encontram-se previstas nos Artigos 112 a 130 do Estatuto da

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todos possam partilhar (entre si e com o próprio adolescente) a responsabilização por ele.

Outro aspecto positivo desta medida é a permissão de liberdade, uma vez que sua privação acaba por não garantir o processo pedagógico que objetiva “contornar” a violência que mina a vida destes adolescentes no seu cotidiano. (Teixeira, 1994; Silva, 1998)

É possível pensar que o adolescente que infraciona denuncia o fracasso das instituições sociais (família, escola, comunidade, programas de atendimento) no delineamento de sua conduta. Assim, as medidas, programas e práticas a serem adotadas nesta situação em que o prejuízo é revelado, são de caráter potencialmente transformador, envolvendo aspectos educativos e coercitivos.

A LA apresenta um caráter potencializador de mudanças, com características preventivas, pois o êxito em sua execução propiciaria ao adolescente uma ressignificação de sua conduta e a elaboração de um projeto de vida que o afastaria da reincidência e do crescente envolvimento com o ato infracional. Teixeira (1994), entretanto, não deixa de considerar:

a LA e as demais medidas sócio educativas restritivas de

liberdadedo adolescente (semi-liberdade e internamento) têm um

caráter punitivo – uma sanção, no caso cerceamento de liberdade, em função de uma conduta de transgressão a normas, no caso o delito. O Estatuto da Criança e do Adolescente propõe que sua execução tenha um caráter educativo o que pode ou não ocorrer dependendo das práticas do programa e/ou orientadores – o executor da sentença judicial.” Teixeira (1994, p.8)

Por outro lado, tal medida evita a internação, seus efeitos sobre a formação de identidade do adolescente e divide a responsabilidade sobre esses jovens com as instituições sociais que os cercam.

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Também foram descritas no primeiro capítulo as seis medidas sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, que encontram-se especificadas pelo Estatuto. Demos, no entanto, maior ênfaencontram-se à compreensão da medida de Liberdade Assistida devido a todos os aspectos evidenciados acima, sendo ela o foco desta pesquisa.

Para tratar a aplicação das medidas sócio-educativas é necessário caracterizar o período de vida (adolescência) pelo qual passam os indivíduos sujeitos a elas. Esse período que para o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – compreende indivíduos de 12 a 18 anos de idade, é visto socialmente como uma fase de desenvolvimento. Dessa forma, a questão do “tempo” ganha delimitações muito específicas.

Segundo Fontes (2007), “é nessa fase da vida que a pessoa começa a experimentar a noção de tempo, como uma dimensão significativa e mesmo

contraditória da identidade” (p. 16). Tal período é um momento de escolhas, de

abrir-se para o mundo e estabelecer relações; tudo em busca de auto-realização e, geralmente, fugindo da opressão externa.

A adolescência é um conceito culturalmente definido, principalmente, se pudermos considerar que o ser humano é um ser sócio-cultural. Na sociedade ocidental, a criança é encarada como um ser assexuado e frágil, devendo ser protegida das adversidades da vida, além de ser obediente ao adulto, figura a quem cabe o enfrentamento das dificuldades oriundas da vida.

Assim, a criança desempenha um papel que contrasta com o que se deseja para o comportamento de um adulto, fato que mostra certa “descontinuidade” (Benedict, 1965), ou seja, uma necessidade de reorganização do comportamento na passagem da infância para a maturidade. Essa reorganização é pautada pelo momento da adolescência que passa a ser encarado como um período de quebra, de rompimento de um estado de dependência para uma situação de maior autonomia, na qual o indivíduo passa a ter que dar conta de sua existência.

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Ainda nesse sentido, partimos das idéias de Erik Erikson2 (1902/1994) para pensar o adolescente como indivíduo em desenvolvimento psicosocial. Erikson foi um autor que influenciou consideravelmente a concepção da adolescência como período de crise. As idéias defendidas por ele entram em dissonância com as idéias de Margaret Mead (1887/1948), antropóloga cultural que contestou o pensamento sobre a adolescência como período de turbulência.

O terceiro e último capítulo é responsável pelo desvelamento da teoria que baliza este estudo, adotada não apenas como uma forma de olhar o humano e a adolescência, mas também na escolha do procedimento metodológico. Voltamos-nos, então, ao pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889/1976) para expor a visão da Fenomenologia-Existencial.

A Fenomenologia Existencial não busca definições caracterizadas de um suposto psiquismo, como o do adolescente, por exemplo. Foi possível notar entre leituras e diálogos com pensadores dessa abordagem que a busca se dá, no âmbito do sensível, pelo que sustenta em termos de significação o fenômeno da adolescência.

Dessa forma, para conceituar brevemente o período da adolescência para o pensamento filosófico da Fenomenologia foi necessário falar um pouco sobre a condição humana para, posteriormente, caracterizar a vivência adolescente. O homem, na visão da obra heideggeriana como um todo, assume o papel de Ser e, uma das dimensões desse existir humano pode ser considerada como o ser-no-mundo. Esse mundo não deve ser entendido apenas como um lugar físico, dotado de mares, montanhas, pássaros e sol, mas como uma construção subjetiva do indivíduo num plano existencial.

Nesse contexto, a Fenomenologia desconsidera a visão dicotômica de mundo interno e mundo externo, pensando a existência de apenas um mundo: aquele no qual existimos em relação e junto com as coisas. O homem, apresenta-se na condição de Ser aberto para receber os fatos que se fazem presentes do modo que se apresentam, sofre na pele cada momento de

2 A escolha por apresentar a teoria de Erik Erikson deu-se devido a intensa recorrência com

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transformação em seu habitat/seu mundo; sofrimento este proveniente da manifestação ôntica do sentimento de angústia (Conti, 2007).

O homem é, em sua condição, um ser angustiado e direcionado para um fim e, assim, “se torna interessante pensar a relação homem-mundo como um sistema interdependente, de modo a se construir, se estabelecer e conseqüentemente destruir-se por si mesmo” (Conti, 2007). Podemos dizer, então que conhecer a existência implica em admitir a inserção dos seres em um mundo no qual são co-participantes e serão em sua totalidade completos, ao se depararem com a morte.

Conti (2007) faz um paralelo interessante entre as palavras do sertanejo “Chicó”, personagem de Ariano Suassuna em “O Auto da Compadecida” e conceitos heideggeriano. “Chicó” usa a seguinte frase: “a morte, o único mal irremediável, onde todos se igualam em uma só fila, destinada para o mesmo local(...)”. Elucidando a morte como um “igualador” entre os homens, diz, em outras palavras, que o Dasein, ou seja, nós seres humanos convivemos com tantos outros seres e somos voltados para o fim (irremediável). Todos nos encontraremos nesse instante em que se pode dizer “é”, ao invés de estarmos lançados às inúmeras possibilidades da existência.

A grande diferença entre a narrativa de Ariano Suassuna e os conceitos heideggerianos acerca da existência do ser-aí (Dasein) se dá na forma como a morte aparece. O primeiro trata a morte como um destino para o qual estamos voltados, enquanto Heidegger pensa a mesma morte irremediável como um ponto de partida para que possamos traçar nossa existência.

Tendo a consciência da morte, pode-se viver em função de sua

chegada, assumindo e descartando diversas possibilidades de modos de ser, durante todo processo existencial a que se está sujeito.” (Conti, 2007)

Nesse contexto de existência, podemos dizer que, para a Fenomenologia, o período de “tempestade” e “tormenta”, que caracteriza a época da adolescência para diversas culturas passa a ser visto apenas como um clichê.

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vive o presente imediato, sob o impacto do contágio do instantâneo e com grande capacidade de entrega total. Ela não reconhece o futuro como seu tempo e tem sua existência mais encoberta.

Na adolescência o indivíduo é expulso desse contato do imediato, ganhando o futuro e, junto com ele, uma história passada. Enquanto o futuro abre-se para o adolescente como uma tarefa sua (e não mais dos outros), ele vai descobrindo que tem que Ser. Ele próprio passa a ter que dar conta de sua existência.

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PRIMEIRA PARTE

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Capítulo 1

O Estatuto da Criança e do Adolescente

1.1 Precursores do Estatuto da Criança e do Adolescente

Antes de tratarmos a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, e sua importância no contexto atual é interessante situá-lo, ainda que brevemente, em relação ao percurso da assistência à infância e juventude brasileira e às legislações antecedentes, relacionadas ao tema – os Códigos de Menores de 1927 e de 1979, que marcaram a regulamentação jurídica e política para a população em questão – bem como os fundamentos que as sustentam.

Silva (2007) inicia o percurso que trata dessa assistência no Brasil pelo período colonial, marcado pelo sentimento de fraternidade humana, de conteúdo paternalista, mas sem pretensão de mudanças sociais. O objetivo era preservar a ordem pelo conformismo das classes mais pobres, que recebiam esmolas e eram alvos das boas ações daqueles mais abastados. Estes últimos objetivavam o reconhecimento da sociedade como beneméritos e a salvação de suas almas caridosas.

Seguindo esta fase caritativa, surge um movimento filantrópico para dar continuidade à obra de caridade com uma nova concepção. Este foi o ápice da contribuição do governo imperial para a assistência pública à infância e juventude no Brasil, que regulamentou o asilo de proteção para as crianças e os adolescentes que haviam sido abandonados. Foi nesse período, pela intervenção jurídica, que se instalou o termo “menor” para designar a infância

desfavorecida, delinqüente, carente e abandonada” (Oliveira, 2002, p.17 apud

Silva, 2007, p. 34), enquanto os filhos de famílias mais favorecidas social e economicamente podiam continuar sendo chamados de “crianças”.

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Menores de 1927, estabelecido pelo decreto lei nº. 17.943-A e que consolida leis de assistência e proteção a “menores”.

Nesse momento as políticas para a infância focalizavam os indivíduos sem família (abandonados) e aqueles que ameaçavam a ordem pública e eram vistos como perigosos (os chamados delinqüentes). O Código de 1927 classificava as crianças com denominações bastante peculiares: expostos, abandonados, vadios (que vagavam pelas ruas), mendigos (que pediam esmolas), libertinos (convidavam outros para a prática de ato obsceno), prostitutos (Silva e Motti, 2001). Estes eram os destinatários do Código e não qualquer indivíduo entre 0 e 18 anos.

Assim, o abandono era definido por categorias que envolviam desde a falta de habitação até aspectos relacionados à moral. Os próprios abandonados eram responsabilizados por sua situação e passavam a ser objeto da ação do Estado pela inibição do Pátrio Poder, pela remoção da família e pela tutela. O artigo 9º deste decreto reza, ainda, que a autoridade pública podia ordenar a prisão da criança quando sua casa fosse perigosa ou anti-higiênica3 (Silva e Motti, 2001).

No que diz respeito à delinqüência, o código previa que apenas indivíduos maiores de 14 anos fossem submetidos a processo penal4. Caso fossem abandonados pela família ou pervertidos, o procedimento era interná-los em estabelecimento específico. Quando condenados, entre os 16 e os 18 anos, por crime grave, era exigência que a internação ocorresse em estabelecimento especial e, entre os 18 e os 21 anos deveriam, ainda, ficar separados dos condenados maiores de idade. As decisões quanto ao encaminhamento dos adolescentes infratores (internação ou liberdade vigiada) ficava a critério de um Juiz que fundava sua decisão na personalidade moral do

3Art. 9º A autoridade publica póde impedir de ser abrigada, e si já o estiver póde ordenar a

apprehensão e remoção, a creança nas condições deste capitulo:

a) em alguma casa cujo numero de habitantes fôr excessivo, ou que fôr perigosa ou anti-hygienica;

b) por alguem que, por negligencia, ignorancia, embriaguez, immoralidade, máo procedimento ou outra causa semelhante, fôr incapaz de ser encarregado da creanca:

c) por pessoa ou em alguma casa, que, por qualquer outro motivo, estiver em contravenção com as leis e regulamentos de assistencia e protecção a menores.” (Brasil, Decreto nº. 17.943A/27)

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indivíduo e na gravidade da infração, fato que reafirma a visão da infância como incapaz e perversa. (Silva e Motti, 2001).

Os internatos se adequavam a um modelo de atendimento pautado no controle social, isto é, o indivíduo seria corrigido, moldado de acordo com as diretrizes estabelecidas pelas entidades de internação.

“A idéia era de que a responsabilidade pela educação desses menores era de suas famílias, logo, se essas falhassem, seja pela impossibilidade de provê-los material e emocionalmente, seja pela inviabilidade de afastar-lhes da delinqüência e marginalidade, caberia ao Estado, escorado no Código de Menores, a responsabilidade de corrigir esses estados de

patologia social mediante a internação dos menores.” (Segundo,

2002, pg.1).

No final da década de 40 e durante a década de 50 o Serviço de Assistência ao Menor – SAM (criado em 1940 com a proposta de recuperar e proteger os menores) e o modelo de internamento começam a sofrer intensas críticas. Elas pautavam-se em denúncias de casos de abusos e até mortes de menores no interior das instituições. Outro ponto amplamente divulgado pela mídia era a incapacidade desses internos abandonarem a delinqüência, comprovada pela divulgação de nomes de criminosos famosos egressos do SAM. (Segundo, 2002)

Foi nesse contexto que, em 1964 (não coincidentemente o ano do Golpe Militar), criou-se a Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor – a FUNABEM, que objetivava reformar o modelo adotado pelo SAM. A nova instituição deveria planejar, orientar, coordenar (no âmbito nacional) a política e o trabalho das entidades de atendimento ao menor. Vemos, dessa maneira, que a solução não foi de abandonar o sistema calcado nas internações, mas de mantê-lo e ampliá-lo, tentando corrigir as falhas observadas no SAM, que além de não “recuperar” os menores, cometia diversos desvios de sua finalidade.

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acumular a administração de toda a área social do Estado, o que ocasionava uma sobrecarga de trabalho. Para contornar esse problema, em 1974 foi proposta a criação de uma instituição para atender especialmente às crianças e adolescentes. (São Paulo, sem data/a)

Já nos últimos anos de vigência deste Código de Menores, mais precisamente em setembro de 1974, foi inaugurada, no estado de São Paulo, a Fundação Pró-Menor, que em 1976 passa a ser denominada Fundação para o Bem Estar do Menor do Estado de São Paulo – FEBEM-SP seguindo as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor – PNBM e com a finalidade de planejar e executar, neste Estado, programas de atendimento integral ao “menor” carenciado, abandonado e infrator, através de programas e providências que visassem a prevenção da marginalização e a correção de desajustamentos, cumprindo e fazendo cumprir as diretrizes da Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor – FUNABEM. (Toledo, 2007)

Em 1979, pela Lei nº. 6.697, um novo Código de Menores entra em vigor, acentuando as disposições relativas ao abandono e à delinqüência.

“Havia, no entanto, uma visão mais terapêutica ou de tratamento relativa ao infrator. Entretanto, dentro dos estabelecimentos e no processo de internamento, predominava a mesma visão moralista, de inibição dos desvios e de vícios na família ou na sociedade.” (Silva e Motti, 2001, pg.25).

Para a criança, assume-se a identidade de pessoa em desenvolvimento. Há, nesse sentido, apenas a apropriação de um discurso científico que começa a aparecer no Brasil, no entanto o que segue o Código de 27 é um outro “Código para Menores” e não uma legislação em prol da criança e do adolescente. Altera-se também a justificativa para que as instituições de internação fossem instituições totais: antes era de afastar delinqüentes da sociedade; em 1979, passa a ser, o fato das instituições terem plenas condições de dar conta de todas as questões pertinentes a esse período da existência humana.

O conceito chave para entender esse novo Código é o de situação

irregular (Art. 2º) que compreendia a privação das condições de subsistência,

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situação de maus-tratos e castigos, de perigo moral, de falta de assistência legal, de desvio de conduta por inadaptação familiar ou comunitária, e autoria de infração penal.

O Código de Menores de 1979 valorizava a manutenção da ordem pela autoridade judiciária e o Juiz de Menores tinha poder absoluto de decisão sobre a criança e o adolescente, em uma simetria de poder com a ordem ditatorial vigente no país. Da mesma forma,

“o chefe do Executivo Federal (...) exercia o poder arbitrário sobre os cidadãos, acima das leis e, em geral, no exercício da

repressão aos considerados inimigos do sistema.” (Silva e Motti,

2001, pg.25).

As entidades de assistência compunham uma somatória de diferentes unidades fragmentadas com visões assistencialistas e que atendiam de maneira discriminatória as crianças denominadas órfãs, necessitadas ou abandonadas visando uma formação que dava subsídios apenas para uma inserção subalterna no mundo do trabalho e na sociedade. (Silva e Motti, 2001).

A FEBEM operacionalizava o atendimento no modelo articulado pela FUNABEM, mantendo um conjunto de instituições de recepção, triagem e internação, com uma racionalidade tecnocrática que separava os carenciados dos considerados de conduta anti-social. As unidades de internação eram verdadeiras penitenciárias para crianças e adolescentes que, por sua vez, eram vistos sob a ótica da situação irregular. Além da internação o Juiz também podia determinar, a seu critério, desde advertência até a liberdade assistida e a semi-liberdade.

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De acordo com o pensamento de Liberati (1991), é possível considerar que em situação irregular estaria a família, que não apresenta estrutura e que abandona a criança; os pais, que descumprem os deveres do pátrio poder; o Estado, que não cumpre as suas políticas sociais básicas; mas não a criança ou o adolescente.

1.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e As Medidas Sócio Educativas

Um grande passo na área do direito da criança e do adolescente no Brasil foi dado com a Constituição de 1988. Nela está consignado que

“é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Brasil, CF art.227).

É nesse contexto que, em 13 de junho de 1990, a lei nº. 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a doutrina de Proteção Integral. Essa nova visão é baseada nos direitos próprios e especiais dessa população que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral.

Ao criar um novo modelo de atendimento público e de atenção aos direitos da infância e juventude, o ECA vislumbrou um conjunto de ações que atinge ao mesmo tempo os sistemas de justiça, as esferas governamentais e várias representações da sociedade civil. É esse diversificado conjunto de políticas intersetoriais que vem procurando reservar, especialmente para as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, outro lugar social nos contextos locais e nacionais.

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assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito Tutelar do Menor”, adotada pelo Código de Menores revogado, que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas judiciais quando evidenciada a situação irregular.

A nova teoria, baseada na total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 20 de novembro de 1989. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Decreto N°99.710, de 21/11/90, após ser retificado pelo Con gresso Nacional (Decreto Legislativo N°28, de 14/09/90).

Dessa forma, o Estatuto volta-se para o desenvolvimento da população jovem do País, garantindo proteção especial àquele segmento considerado pessoal e socialmente mais sensível. A criança e o adolescente, que são concebidos pelo novo instrumento legal como sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento e que devem receber proteção integral, têm, em oposição a outros períodos históricos, os mesmos direitos fundamentais de qualquer pessoa humana. Tais direitos encontram-se garantidos pela Constituição Federal em seu artigo 5º5 e consignados no Estatuto.

A garantia e a proteção desses direitos deverão ser exercidas, assegurando aos seus beneficiários, quer pela Lei ou por qualquer outro meio, todas as facilidades para o desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social, com dignidade e liberdade (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 3). Cabe, ainda, ao Poder Público criar condições e programas específicos que permitam seu nascimento e desenvolvimento de forma sadia e harmoniosa.

O adolescente autor de ato infracional inserido nesta concepção de indivíduo deve ter garantido seu desenvolvimento integral, sendo a medida sócio-educativa uma condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis. Os agentes envolvidos na operacionalização dessas medidas têm a responsabilidade de garantir o conjunto de direitos e educar oportunizando a inserção dessas pessoas em desenvolvimento na vida social.

5“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

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Por ser também sujeito de direitos o adolescente deve participar nas decisões de seu interesse e ter sua autonomia respeitada, no contexto do cumprimento das normas legais. Isso porque o adolescente tem a possibilidade de expressão, tem direitos e conhece a realidade na qual sua vida se estrutura, podendo, portanto, atuar sobre ela. (Volpi, 2005)

No que diz respeito ao histórico das FEBEM’s, com a instauração da doutrina de proteção integral, surgiu a necessidade de reordenamento institucional das Fundações pelo país, uma vez que haviam sido criadas de acordo com a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, concebida, por sua vez, sob a ótica do regime ditatorial vigente na época e permeada por suas ideologias.

Na última década, o Governo do Estado de São Paulo, vem elaborando um plano de reestruturação física e pedagógica da FEBEM, para atender aos adolescentes em conflito com a lei. Em dezembro de 2006, é aprovado o Projeto de Lei nº 694, pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, que altera o famigerado nome FEBEM para Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação CASA.

A “nova” Fundação é uma instituição ligada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e

“tem como missão primordial aplicar em todo o Estado as diretrizes e as normas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo6 (Sinase), promovendo estudos e planejando

soluções direcionadas ao atendimento de adolescentes autores

de atos infracionais, na faixa de 12 a 21 anos.” (São Paulo, sem

data b)

Um dos pontos primordiais dessa reestruturação é um programa de descentralização do atendimento com o objetivo de que o adolescente seja atendido próximo de sua família e/ou dentro de sua comunidade. O programa prevê a municipalização – ou seja, “a responsabilização da comunidade local pelos seus adolescentes” (Teixeira, 2005, pg.21) – das medidas em meio

6 O Sinase é um documento que pretende ser “conjunto ordenado de princípios, regras e

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aberto e, no que diz respeito à privação de liberdade, prevê, além da construção de pequenas unidades no interior do Estado, uma parceria com entidades indicadas pelos respectivos municípios.

Além da descentralização há o ideal de que as unidades possam realizar o atendimento de um número reduzido de adolescentes, se comparado à quantidade de indivíduos atendidos atualmente em diversas unidades da FEBEM – uma das novas instalações, em funcionamento no interior do Estado, trabalha com 40 adolescentes em internação e 16 em internação provisória. Com a utilização de unidades menores de arquitetura adequada busca-se desativar gradualmente os grandes complexos de internação que vem marcando a política de atendimento da “antiga” FEBEM. (São Paulo, sem data a)

O novo modelo psico-pedagógico adotado pela Fundação CASA enfatiza a “educação formal e a qualificação profissional, com apoio e assistência à família, tratamento especializado a drogados e portadores de distúrbios

mentais e de comportamento.” (Governo do Estado de São Paulo, sem data a)

A Fundação CASA atende aos adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa tanto nas de caráter restritivo de liberdade (internação e semiliberdade), quanto naquelas realizadas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade). Para a execução das medidas em meio aberto, ela apresenta em sua estrutura a Coordenadoria Técnica das Medidas em Meio Aberto – CTMA, descentralizada e regionalizada através de 20 Postos Regionais de liberdade assistida no Estado de São Paulo.

“Esses Postos têm por função a coordenação do processo de municipalização das medidas em meio aberto, definindo

diretrizes, articulando ações, capacitando organizações

governamentais e não governamentais parceiras para o

atendimento a estes jovens”. (Toledo, 2007, pg.127)

Apesar de todas as modificações previstas na nova política de atendimento, diversas pesquisas recentes apontam para as dificuldades de instauração das mudanças.

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efetivamente implantados. Segundo o autor, alguns Estados se limitaram a alterar o nome da instituição, mantendo a mesma estrutura de funcionamento, desrespeitando, inclusive, princípios protetivos previstos no Estatuto; outros Estados mantiveram o nome – caso da FEBEM-SP, que vem se “transformando” lentamente em Fundação CASA – e as instituições de atendimento sem alterações significativas.

Frente a diversas constatações, como documentos sobre condições intoleráveis em que adolescentes cumprem medidas sócio-educativas de privação de liberdade em diversas regiões de nosso país, sem deixar de mencionar os “cárceres da FEBEM-SP”, Teixeira (2005) formula perguntas para a reflexão a respeito da aplicação de princípios do Estatuto e da operacionalização das medidas:

“Cabe um esclarecimento: “até quando?” Significa até quando o

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – será desrespeitado na área do adolescente autor de ato infracional?

Até quando, nós cidadãos vamos tolerar as condições

intoleráveis de existir em que os adolescentes autores de ato infracional aprendem a cumprir a medida socioeducativa de

privação de liberade? Até quando os poderes Executivo,

Legislativo, Judiciário irão se omitir frente a este sintoma

revelador do modo como tratamos nossa

adolescência/juventude? Até quando a obviedade do

atendimento em meio aberto destes adolescentes, como estratégia de evitar o internamento e garantir um presente futuro

melhor, não será vislumbrada? Até quando as comunidades

locais vão se eximir da responsabilidade sobre seus adolescentes?” (Teixeira, 2005, pg. 11)

1.2.1 Caracterização das Medidas Sócio-Educativas

A aplicação de uma medida sócio-educativa considera diversos aspectos importantes. O ECA propõe que sejam levadas em conta a capacidade do adolescente7 em cumprir a medida imposta, as circunstâncias sócio-familiares

7 Falamos apenas em adolescentes, pois as crianças – segundo o Estatuto aqueles menores

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e a gravidade do ato infracional cometido8; dependendo, a decisão do Juiz, da disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional e estadual. Dessa forma, o que prevalece no processo decisório são as condições pessoais do adolescente, deixando, para um segundo plano a proporcionalidade da resposta em relação à gravidade do ato infracional. O Estatuto também pontua que a medida preferível é sempre aquela que busque fortalecer os vínculos familiares e comunitários9.

“As circunstâncias da infração extravasam os limites objetivos do ato infracional e alcançam as motivações do adolescente, especialmente às mediatas, de sorte que a aferição de relações familiares, condições socioeconômicas, situações de cultura, desenvolvimento psicológico e emocional, presença de projetos de vida e outros traços devem ser verificados, de modo que o ato infracional seja considerado como o resultado de um todo e não uma ação comportamental divorciada da existência adolescente.” (Paula, 2006, pg.42 apud Toledo, 2007, pg 47)

A Justiça da Infância e da Juventude é vista como sendo mais informal, negociativa, mais rápida e suscetível a interferências subjetivas. Nesse sentido, notamos certa contraposição ao ritual da Justiça Penal que, dentre seus diversos aspectos que a afastam daquela destinada à população em desenvolvimento, privilegia o ato criminal em detrimento das condições que o geraram (Pietrocolla, 2000).

As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas aos adolescentes cuja conduta é descrita legalmente como crime ou contravenção. Elas

“comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - abrigo em entidade;

VIII - colocação em família substituta. (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 101)

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proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação” (Volpi, 2005, pg.20),

sendo tais elementos ponderados de acordo com a gravidade e/ou recorrência do delito cometido.

As medidas aplicáveis aos adolescentes, que são explicitadas pelo ECA progressivamente, da mais branda à mais severa, são as seguintes:

1. Advertência

A advertência (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 115) constitui uma medida admoestatória, informativa, formativa e imediata. O Juiz da Infância e Juventude é o responsável por sua execução, cabendo a ele alertar também aos pais ou responsáveis sobre as atitudes do adolescente. A advertência deve ser reduzida a termo e assinada pelas partes.

2. Obrigação de Reparar o Dano

A obrigação de reparar o dano (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 116) será cabível nas lesões patrimoniais com a finalidade de despertar o senso de responsabilidade do adolescente acerca do bem alheio, levando-o a reconhecer seu erro e repará-lo. A reparação se faz a partir da restituição do bem, do ressarcimento e/ou compensação da vítima.

3. Prestação de Serviços à Comunidade – PSC

A prestação de serviços à comunidade (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 117) consiste em uma medida com forte apelo comunitário e educativo. O adolescente não é subtraído do convívio com a sociedade e desenvolve tarefas proveitosas ao seu aprendizado e às necessidades sociais.

4. Liberdade Assistida – LA

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criado de acordo com suas necessidades. Tem o prazo mínimo de 6 meses, podendo ser prorrogada a critério do Poder Judiciário, baseado em pareceres técnicos de acompanhamento do adolescente.

5. Semi-liberdade

O regime de semi-liberdade (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 120) pode ser determinado desde o início ou consistir em transição para o meio aberto. Em qualquer das duas hipóteses a medida deverá ser acompanhada de escolarização e profissionalização. É uma medida que afasta o adolescente do convívio familiar e da comunidade de origem; contudo, ao restringir sua liberdade, não o priva do direito de ir e vir.

6. Internação

A medida de internação (Brasil, Lei nº8069/90, Artigos 121, 122, 123, 124 e 125) somente deve ser designada aos adolescentes que cometerem atos infracionais considerados graves. A privação de liberdade é recomendada quando for entendido que “a contenção e a submissão a um sistema de

segurança são condições sine qua non para o cumprimento da medida” (Volpi,

2005, pg.28). Sendo assim, a contenção não é a medida em si, mas a forma para que ela seja aplicada. Os direitos constitucionais do adolescente ficam mantidos, exceto pela limitação do direito de ir e vir. O adolescente não pode permanecer em unidade de internação por período superior a três anos.

Após esta breve caracterização das medidas é importante ressaltar que no regime sócio-educativo, como em qualquer outra condição, o adolescente deve ter garantido o acesso às oportunidades de superação de sua situação de exclusão e à formação de valores positivos de participação na vida social.

Os programas de atendimento sócio-educativos devem ser pensados dentro do princípio da incompletude institucional, responsabilizando as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes.

(27)

atendimento às comunidades. Este trabalho pensado em rede constitui-se pela articulação em torno de um interesse comum e supõe uma interdependência e complementaridade interconectando agentes, serviços, produtos e os diversos tipos de organizações. (Daniel, 2008)

Cabe também aos programas cuidar da permanente formação de seus trabalhadores e respeitar o princípio da discriminação e não-estigmatização, favorecendo a eliminação de rótulos que expõe os adolescentes e que tanto dificultam a superação de suas dificuldades na inclusão social. (Volpi, 2005)

1.2.1.1 Liberdade Assistida: o trabalho junto aos adolescentes e suas famílias

A Liberdade Assistida vem sendo uma medida que rompe com o antigo conceito de apenas proteger a sociedade do adolescente infrator, visando garantir sua integração comunitária com dignidade (Ferreira, 2006). Ela pode ser aplicada como medida inicial ou como etapa conclusiva do processo sócio educativo para adolescentes egressos das medidas de internação – uma vez que não há políticas específicas para essa reintegração na sociedade.

O conceito de Liberdade Assistida não é totalmente novo, mas se difere amplamente da liberdade vigiada prevista no Código de Menores de 1979 que lhe deu origem. Enquanto para o antigo Código os adolescentes sujeitos às medidas eram tidos como objetos de vigilância e controle, pela nova concepção são sujeitos livres e em desenvolvimento, que requerem apoio ou assistência no exercício de sua liberdade, para se desenvolverem à plenitude. (Netto, 2008)

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Em contrapondo a este caráter punitivo da medida, Toledo (2007) discorre sobre o caráter educativo que:

“se expressará através do acompanhamento do adolescente, direcionando o mesmo para o exercício da cidadania, superando, desse modo, a dimensão punitiva da medida e apontando para uma crítica construtiva do ato cometido” (Toledo, 2007, pg. 66).

É importante que os atores envolvidos no atendimento aos adolescentes tenham clareza de que o ato educativo pressupõe um conceito, uma idéia, uma expectativa a respeito de que indivíduo queremos formar (Netto, 2008). Tal expectativa não se restringe a um ideal de adolescente pré-concebido, mas suscita a questão “educar para o quê?”, que permite a constante reflexão sobre o que dá o caráter educativo da medida, sobre quem é o adolescente atendido, quais são suas demandas e para qual sociedade o estaremos formando.

Figuras de referência essenciais para a execução dessa medida são os orientadores (como os chama o ECA) ou educadores sociais, que se configuram como os principais responsáveis pelo acompanhamento dos adolescentes e cujas incumbências mínimas constam no Art. 119 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I - promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;

II - supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

IV - apresentar relatório do caso.” (Brasil, Lei nº8069/90, Artigo 119)

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atendimento se estabelecem metas a serem cumpridas e prioridades a serem consideradas para cada um desses indivíduos.

É fundamental não perder de vista algumas dessas metas como a proteção do adolescente, a manutenção de vínculos familiares, matrícula e freqüência escolar, inserção no mercado de trabalho ou em cursos profissionalizantes e formativos (Volpi, 2005). É importante, ainda, que se propiciem condições para que:

“ele (o adolescente) se perceba como ser potencialmente criador e transformador, com possibilidade de se relacionar com a sociedade de modo diferente daqueles que ensejaram o cometimento do ato infracional.” (Toledo, 2007, pg.71).

Junto ao adolescente, é importante que o educador estabeleça:

“um contrato preciso sobre as possibilidades e limites da ajuda que irá encontrar e sobre as normas que regulam seu período de permanência em LA, o uso do programa e a relação profissional com o educador” (Teixeira, 1994, pg.50).

Tal relação profissional – que busca, entre outras coisas, evitar a relação de cumplicidade que possa vir a instigar o educador a omitir situações de transgressão por parte do adolescente que atende – não deve excluir a formação de um vínculo de confiança, condição fundamental para o sucesso do trabalho com o adolescente.

Losacco (2008) pondera que o trabalho realizado com os adolescentes exige que algumas características específicas estejam mais presentes do que no trabalho com outras populações. Dentre elas a autora ressalta a flexibilidade e a firmeza num contraponto interessante que permite pensar características que poderiam se supor opostas, integradas para dar continência e apoio aos jovens atendidos.

“(...)flexibilidade para contemplar o todo, agilidade para perceber suas particularidades, maleabilidade para enxergar as diversidades, aptidão para encaminhar novas propostas na superação das complexidades de um mesmo fato vivenciado por

diferentes populações e sujeitos. Firmeza no estabelecimento

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constância na operacionalização das ações; vigor nos trabalhos

desenvolvidos.” (Losacco, 2008, pg.80)

Outro aspecto que merece destaque é a possibilidade que o educador deve ter de evitar uma abordagem moralista da conduta do adolescente, podendo ajudá-lo a desenvolver a capacidade de reflexão e elaboração de suas experiências pessoais, descobrir suas dificuldades, compreendê-las e organizar-se no sentido de superá-las. O educador fica responsável pela instrumentalização do adolescente para buscar, na coletividade, as instituições serviços e oportunidades que atendam suas necessidade, bem como de fornecer informações e outras visões de mundo que subsidiem a elaboração de seu novo projeto de vida.

O profissional deve estar instrumentalizado para refletir a respeito da concepção e da finalidade da atividade que realiza junto aos adolescentes, uma vez que grandes expectativas por resultados imediatos podem causar grande frustração quando se observa o outro em sua humanidade e em sua complexidade.

Pensando a medida por seu viés sócio-educativo, o trabalho realizado não busca direta e imediatamente o rompimento com a prática infracional, mas um sentido na vida desses adolescentes que infracionam, afim de que refletindo possam descobrir outras possibilidades gratificantes e/ou outras estratégias de sobrevivência.

Nesse sentido é possível pontuar a importância de que não haja a postura institucional de querer converter o adolescente, mas sim de uma troca intensa na relação com o Programa – muitas vezes pela pessoa do educador – que possa se ampliar para a sociedade. De acordo com Freire (1985) quando se pensa em converter o outro “é porque temos um ponto de partida que é o seguinte: onde se está é melhor, o que a gente faz é melhor. Senão não

haveria porque converter o outro”. Sendo assim, a troca possibilita a

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Na posição de facilitador o educador deve manter permanente contato com o adolescente durante todo o período de cumprimento da medida – utilizando tanto a abordagem grupal quanto a individual.

A família, sempre que possível, deve ser considerada como parceira privilegiada para os atendimentos aos adolescentes, pois além da experiência da infração refletir no núcleo familiar, considera-se a família como o centro da socialização primária da criança e o espaço social onde ocorrem as primeiras transmissões de valores, hábitos, cultura e onde, pressupõe-se, a criança receba proteção e cuidados.

Dessa forma a família deve ser integrada no programa de atendimento ao adolescente no sentido de poder também ser acolhida em suas dificuldades, orientada e, ainda, encaminhada para serviços de auxílio e assistência social, para que tenha condições de cumprir seu papel nesse momento peculiar da existência de seus filhos.

Veltri (2006) pontua que:

“a prática vem demonstrando em muitos momentos que (...), antes mesmo das fases processuais, essa família é culpabilizada em suas fragilidades, por não oferecer continência aos seus filhos, por ser incapaz de oferecer sozinha alternativas de sustentabilidade e sociabilidade a eles”. (Veltri, 2006, pg.57)

Além do acolhimento, sensibilização das famílias sobre a importância do estabelecimento de parcerias e encaminhamentos para a mesma, o grupo familiar ainda pode ser alvo de outra ação por parte do programa que atende o adolescente – seja na pessoa do educador ou de responsáveis técnicos como psicólogos, assistentes sociais ou pedagogos – que são as visitas domiciliares.

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No decorrer do período em que o adolescente está sendo acompanhado pelo educador, este deve encaminhar relatórios periódicos ao Juiz responsável pela aplicação da medida sócio-educativa. Tais documentos são instrumentos de diálogo entre o educador e o Poder Judiciário, inicialmente para formalizar o compromisso do adolescente, da família, e do programa de atendimento.

Outros relatórios têm a finalidade de informar estratégias utilizadas para conhecimento do adolescente e sua família; informações relevantes a respeito deles obtidas; do plano individual de atendimento que foi formulado, da assiduidade do adolescente e de sua família às atividades programadas, e do andamento da medida. O educador deve informar qualquer intercorrência que obstaculize o cumprimento da medida, seja ela uma possível impossibilidade de regularizar a situação escolar do adolescente por falta de vagas, a família que apresenta dificuldades em se responsabilizar por ele, alguma questão de saúde, ou até mesmo o não comparecimento do adolescente a suas atividades programadas.

São essas informações que irão determinar se a medida está cumprindo com seu objetivo e se o prazo inicialmente estipulado foi o suficiente ou se o término da medida deve ser prorrogado. Caso o Juiz seja informado de que o adolescente não está cumprindo a medida, um mandado de busca e apreensão pode ser expedido e o adolescente submetido a uma medida mais severa. Por último, caso a medida tenha cumprido ao que se propunha, o Poder Judiciário recebe do educador um relatório de encerramento.

(33)

Capítulo 2

Adolescência: contribuições da Psicologia

Para que possamos refletir a respeito da medida sócio-educativa de Liberdade Assistida sob a ótica do próprio adolescente submetido a ela, é necessário que façamos uma contextualização deste público em alguns aspectos.

Inicialmente, devemos refletir sobre a adolescência como uma fase do desenvolvimento, como tanto pontua o ECA ao pensar em seus direitos e propor a doutrina de proteção integral que o baliza. Desenvolvimento este que não se restringe às mudanças físicas, mas abarca questões relacionadas à busca de seu espaço no mundo. Para pensar a adolescência nesse recorte recorremos às idéias do Desenvolvimento Psicossocial presente no pensamento de Erikson.

Este capítulo busca, então, refletir brevemente sobre o que cerca, na Psicologia, a idéia de adolescência. Tais construções teóricas contribuíram, direta ou indiretamente, para a elaboração do Estatuto que trata a respeito dessa população, entendida de maneira especial e diferenciada.

2.1 Algumas concepções sobre o fenômeno da adolescência

A adolescência é um fenômeno que apenas recentemente foi representado pela literatura romântica, aparecendo no início do século XX em pesquisas psicológicas através dos estudos de G. Stanley Hall. Esse período histórico condiz com a transformação das sociedades modernas industrializadas que, conforme se complexificavam, criavam um período de intervalo de aprendizagem. Esse período separava o momento de maturidade biológica e o de maturidade social, ou seja, começou a haver um retardamento na tomada das responsabilidades adultas (Pereira, 2005; Calligaris, 2000).

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entanto, na literatura, dois grandes eixos amplamente divulgados e estudados. O primeiro abrange as teorias de orientação psicanalítica, dando primazia aos elementos intrapsíquicos como fatores desencadeantes da “crise” da adolescência; o segundo, engloba teorias de orientação sociológica que explicam a “crise” a partir das mudanças sociais e históricas.

Pereira (2005) explica a criação do conceito de adolescência levando em conta que:

“os acontecimentos psicológicos da adolescência não são necessariamente, em nossa sociedade, apenas um correlato natural das mudanças físicas da puberdade, mas também uma construção cultural, produto da complexidade das mudanças sociais.”(Pereira, 2005, pg. 2)

Ainda nesse sentido de compreensão do momento da adolescência, Ozella (2003) relata um estudo realizado no final da década de 90, cujo objetivo era entender a concepção de adolescência na Psicologia, partindo do depoimento de profissionais da área que trabalham com esse público ou estudam o fenômeno da adolescência.

Para tanto, foram definidas quatro categorias de análise, partindo dos discursos dos entrevistados, que marcariam o significado de adolescência para esses profissionais: a adolescência como etapa (recorte no tempo, uma fase marcada e delimitada por características “típicas” da idade), como processo (visão longitudinal e histórica como parte de um processo de desenvolvimento, de transição para a vida adulta), como categoria inerente (faz parte da natureza do homem, sendo inevitável) e como resultado de uma construção social (dependente das relações sociais estabelecidas durante o processo de socialização, incluindo fatores econômicos, sociais, educacionais, políticos, culturais etc.).

Essas categorias, por sua vez, foram inseridas em duas visões distintas de homem: a visão liberal e a sócio-histórica. A primeira visão, abarcaria as categorias etapa e inerente; a segunda, as categorias processo e construção social.

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é algo externo e independente do homem, contrária às suas tendências naturais. O fenômeno psicológico – a essência do homem – é visto como privado e a relação que se estabelece como o mundo externo estimula ou impede seu desenvolvimento.

Por outro lado, a visão sócio-histórica considera que o indivíduo tem suas características forjadas pelo tempo, pela sociedade e pelas relações. Diferentemente da idéia de natureza humana, há a idéia de condição humana à medida que o sujeito é capaz de construir formas de satisfação de suas necessidades junto aos outros homens. Nesse contexto, o fenômeno psicológico surgiria e se constituiria a partir das relações do homem com o mundo físico e social, sendo todos os elementos do mundo psicológico forjados nessas relações.

De acordo com Campos (2006):

“Essas duas hipóteses (...) utilizam uma conceituação de indivíduo que carrega uma essência de um ‘mundo interno’ e a sociedade como uma ‘força externa’, que estariam em constante luta e não em uma relação de constituição dialética.” (Campos, 2006, pg.72)

No entanto, o autor busca rebater essas concepções afirmando que seria impossível considerar indivíduo e sociedade como entidades distintas. Defende sua colocação argumentando que o próprio conceito de indivíduo não aparece desde sempre na cultura, tendo se configurado em construções sociais ocorridas ao longo da história. (Campos, 2006)

Em 1928 foi publicado um estudo realizado pela antropóloga social Margaret Mead (1901/1978): Adolescência, sexo y cultura. Nesse trabalho, a autora descarta a universalidade da adolescência, ao comparar e encontrar diferentes formas de vivência adolescente entre uma cultura considerada primitiva (a de Samoa, na Polinésia) e uma considerada moderna (a dos Estados Unidos).

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necessariamente implicariam em conflitos psicológicos, impulsividade exacerbada ou alterações comportamentais. (Mead, 1972 apud Freire, 2007)

A autora atribuiu isso ao fato da transição entre infância e vida adulta ser feita de forma gradual. À criança samoana jamais era ensinado algo que não fosse compatível à realidade da pessoa adulta, dessa maneira, o crescimento e desenvolvimento acontecia de forma harmoniosa. Sua tese, então, é que a descontinuidade no desenvolvimento, no processo de obtenção de independência do ser humano, ocasiona uma adolescência tempestuosa e tensa.

As sociedades ocidentais não compactuam com esse modelo de maturação. Para que as crianças tornem-se adultas, o mundo no qual são criadas deve ser parcialmente destruído por ser incompatível às regras e exigências da maturidade.

2.1.1 Erik Erikson: a idéia de “crise da adolescência”

Influenciado pelas pesquisas de Mead, temos Erik Erikson (1902/1994), psiquiatra de orientação psicanalítica, responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial e um dos teóricos da Psicologia do Desenvolvimento.

Erikson teve uma grande influência na concepção da adolescência enquanto uma fase de crise. No entanto, Osório (1989) ressalta que a idéia de crise presente no pensamento de Erikson contém um caráter polêmico, gerando muitas vezes interpretações equivocadas.

Osório (1989) afirma que o termo crise tem origem no grego krisis, que significa o ato ou faculdade de distinguir, escolher, decidir e/ou resolver. Explica, ainda, que Erikson chamou a adolescência de crise normativa, referindo-se a um momento de organização e estruturação do indivíduo (e não a um processo patológico); daí a associação do termo crise à adolescência.

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psicossocias de desenvolvimento do ego, nos quais o indivíduo tinha que fixar novas orientações básicas para si e para o seu mundo social. (Pereira, 2005).

Afirmou também, que o desenvolvimento da personalidade prolonga-se por todo o ciclo vital do indivíduo e que cada estágio do desenvolvimento apresenta um momento crítico, uma crise.

“Período de decisão entre um pólo positivo e outro negativo, entre progressão e regressão, integração e retardamento. Cada estágio representa uma crise de aprendizagem, com possibilidade de aquisição de novas habilidades e atitudes.” (Pereira, 2005, pg. 61)

Nesse sentido, Erikson identificou oito estágios no ciclo vital. O desfecho satisfatório de cada um deles, ou seja, de cada crise, torna possível o surgimento de um ego mais forte e estável, e uma nova dimensão de interação social: com as pessoas, consigo mesmo e com seu ambiente social. Para Osório (1989) as crises ensejam o acúmulo de experiência e uma melhor definição de objetivos.

As três dimensões – biológica, social e individual – são consideradas em seus estudos. Para ele a personalidade resulta da interação contínua entre essas dimensões que são inseparáveis e interdependentes.

Cada uma das oito crises, pelas quais o indivíduo passa ao longo da vida, é importante durante um estágio específico, tendo raízes em estágios prévios e conseqüências em estágios subseqüentes. São elas:

1. Confiança Básica versus desconfiança básica (dos 0 aos 12/18 meses)10 2. Autonomia versus vergonha e dúvida (dos 12/18 meses aos 3 anos) 3. Iniciativa versus culpa (dos 3 aos 6 anos)

4. Produtividade (diligência) versus inferioridade (dos 6 aos 12 anos)

5. Identidade versus confusões de papéis (adolescência – dos 12 aos 18/20 anos)

6. Intimidade versus isolamento (dos 20 aos 30 anos)

7. Generatividade versus estagnação ou auto-absorção (dos 30 aos 65 anos) 8. Integridade versus desesperança (após os 65 anos)

10 As idades de cada fase são aproximadas. Nas diversas fontes pesquisadas variam em

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Temos, então, que a fase relativa ao período da adolescência equivaleria à “quinta crise” do desenvolvimento. É o período no qual surge a confusão de identidade e questões relacionadas à sua personalidade; suas escolhas e sua diferenciação em relação aos pais são levantadas (para alcançar uma identidade própria é necessário o processo de rejeitar o legado dos pais). Erikson ressalta que em cada geração a juventude cria uma identidade própria que reflete tal momento cultural, fazendo com que compartilhe de um destino comum. Ele afirma:

“(...) em termos psicológicos, a formação de identidade emprega um processo de reflexão e observação simultâneas, um processo que ocorre em todos os níveis do funcionamento mental, pelo qual o indivíduo se julga a si próprio à luz daquilo que percebe ser a maneira como os outros o julgam, em comparação com eles próprios e com uma tipologia que é significativa para eles; enquanto que ele julga a maneira como eles o julgam, à luz do modo como se percebe a si próprio em comparação com os demais e com os tipos que se tornaram importantes para ele. Este processo é, felizmente (e necessariamente), em sua maior parte, inconsciente – exceto quando as condições internas e as circunstâncias externas se combinam para agravar uma dolorosa ou eufórica “consciência de identidade”. (Erikson, 1987, pg. 21)

Na busca pela continuidade e pela uniformidade do ego, a adolescência compreende uma reelaboração dos conflitos das etapas anteriores, até que o indivíduo possa tomar posse de novos ídolos e idéias que serviriam para sustentar uma identidade tida como final11 e que corresponde à idade adulta. Daí a idéia de moratória, que se instalaria durante a adolescência. (Campos, 2006)

Essa moratória é um compasso de espera nos compromissos adultos. É um período de pausa necessária a muitos jovens, de procura de alternativas e de experimentação de papéis, que vão permitir um trabalho de elaboração

11 O processo que estão vivenciando é de formação de identidade, pois não estão assumindo

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interna. A sociedade permite ao adolescente espaços de experimentação, nos quais ele explora e ensaia vários estatutos e papéis sociais.

O adolescente revisita as fases anteriores, para poder substituir o meio no qual estava assentado pelo meio no qual está sendo inserido. A sociedade, no entanto, apresenta contornos bem menos definidos que os da infância, exigindo que os elementos que foram experimentados anteriormente sejam integrados (uma reorganização do individuo) para preparar sua passagem para o mundo dos adultos.

Nesse sentido Campos (2006) afirma:

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