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Afiliação e Segurança no mundo social nas Perturbações Psicóticas: O papel dos Sintomas Negativos e da Vergonha Externa

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA – TRABALHO FINAL

MARIANA FILIPA DE MESQUITA ARGEL

Afiliação e Segurança no mundo social nas Perturbações Psicóticas:

O papel dos Sintomas Negativos e da Vergonha Externa

ARTIGO CIENTÍFICO

ÁREA CIENTÍFICA DE PSICOLOGIA MÉDICA

Trabalho realizado sob a orientação de:

PROFESSOR DOUTOR ANTÓNIO JOÃO FERREIRA MACEDO SANTOS DOUTOR LUÍS MIGUEL MORAIS CALADO DE OLIVEIRA BAJOUCO

FEVEREIRO/2018

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Afiliação e Segurança no mundo social nas Perturbações Psicóticas:

O papel dos Sintomas Negativos e da Vergonha Externa

Mariana Filipa de Mesquita Argel

Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Endereço eletrónico: mfma_6@hotmail.com

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“A different world cannot be built by indifferent people.”

Peter Marshall

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Agradecimentos

Aos meus orientadores, Professor Doutor António Macedo e Doutor Miguel Bajouco, por me acolherem neste projeto e pelo apoio e disponibilidades demonstradas.

À Mestre Maria João Martins, por toda a dedicação e força, que são verdadeiramente inspiradoras.

À minha família por estar sempre presente, incentivando-me a continuar a trabalhar e a percorrer este percurso tão gratificante. Uma referência especial ao meu pai, o meu pilar, e ao meu irmão gémeo, a minha outra metade.

Aos meus amigos, correndo o risco de me tornar redundante, pois são a família que escolhi. Por todas as vivências partilhadas, pelos inúmeros sorrisos que me proporcionam e por contribuírem para que o dia-a-dia neste ponto recôndito do universo seja vivido em pleno.

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ÍNDICE

ABREVIATURAS 1

RESUMO 2

ABSTRACT 4

1. INTRODUÇÃO 6

1.1. Sintomas negativos: caracterização e suas implicações 6 1.2. O modelo dos 3 sistemas de regulação do afeto: aplicação às perturbações

psicóticas 8

1.3. Modelos psicológicos dos sintomas negativos: as terapias cognitivo-

comportamentais contextuais 10

1.3.1. Vergonha e seu papel na manutenção dos sintomas 11 1.3.2. A recuperação: Social Safeness como possível outcome 13

2. MATERIAIS E MÉTODOS 15

2.1. Participantes e procedimentos 15

2.2. Instrumentos 17

2.2.1. Positive and Negative Symptoms Scale (PANSS) 17

2.2.2. Other as Shamer Scale (OAS) 17

2.2.3. Social Safeness and Pleasure Scale (SSPS) 18

2.3. Análise de Dados 18

3. RESULTADOS 19

3.1. Análises Preliminares 19

3.2. Análises Descritivas 20

(6)

3.3. Análises de Correlação 21

3.4. Análises de Mediação 23

4. DISCUSSÃO 27

5. CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS 34

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 35

ANEXOS I

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1

ABREVIATURAS

AT – Abstract Thinking SN – Sintomas Negativos SP – Sintomas Positivos SS – Social Safeness ST – Stereotyped Thinking SW – Social Withdrawal VE – Vergonha Externa

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2

RESUMO

Introdução: Um aspeto significativo das perturbações psicóticas é o seu impacto no funcionamento global do indivíduo. Os sintomas negativos, tais como diminuição da expressão emocional ou a avolição, têm sido descritos como os que mais contribuem para a incapacidade consequente a este tipo de perturbações. Adicionalmente, existe um forte estigma social envolvido, o qual, combinado com experiências precoces aversivas e/ou elevadas fontes de ameaça internas (por exemplo, os sintomas) e externas, podem conduzir a sentimentos de desvalorização e dificuldades em sentir-se seguro no mundo social. Tal facto pode ser influenciado pela emergência de vergonha (uma emoção com elevada importância social, crucial para a auto-identidade). Este estudo pretende investigar as associações entre os sintomas negativos nas perturbações psicóticas, a Vergonha Externa e a Social Safeness (perceção do mundo social como seguro e tranquilizador); bem como, explorar o papel mediador da Vergonha Externa na relação entre os sintomas negativos e o Social Safeness.

Método: Uma amostra de 43 participantes diagnosticados com perturbações do espectro da psicose (sobretudo esquizofrenia – 72%) foram recrutados, avaliados com a Positive and Negative Symdrome Scale (PANSS) e preencheram questionários que permitem avaliar a Vergonha Externa (Other as Shamer Scale) e a Social Safeness (Social Safeness and Pleasure Scale).

Resultados: Os resultados mostraram que os sintomas negativos estão associados com a Vergonha Externa e que ambos estão negativamente associados com a Social Safeness. A Vergonha Externa e a Social Safeness estão forte e significativamente associados; no entanto, estão apenas significativamente associados a quatro sintomas negativos avaliados pela PANSS (isolamento social, dificuldades no pensamento abstrato, reduzido fluxo de

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3 conversação e pensamento estereotipado). A mediação simples mostrou que a Vergonha Externa é um mediador significativo na relação entre os sintomas negativos e aSocial Safeness.

Discussão e Conclusões: Os resultados obtidos parecem indicar que, em indivíduos com psicose, a ideia de existir negativamente na mente dos outros é um caminho através do qual os sintomas negativos têm impacto nas interações e sentimento de segurança no mundo social. A vergonha pode ser um alvo terapêutico útil para doentes com sintomas negativos nas perturbações psicóticas.

Palavras-Chave: Sintomas Negativos, Vergonha Externa, Social Safeness, Perturbações Psicóticas.

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4

ABSTRACT

Background: A significant feature of psychotic disorders is its impact on the individual’s global functioning. Negative symptoms, such as diminished emotional expression or avolition, have been reported as one of the major contributors to disability in this context.

Additionally, there is a strong social stigma involved, which combined with early aversive experiences and/or high sources of internal (e.g. symptoms) or external threats, may lead to a sense of devaluation and problems in feeling safe in the social world. This may be influenced by the emergence of shame (an emotion with high social importance, crucial to the self- identity). This study aims to investigate the associations between negative symptoms in psychotic disorders, external shame and Social Safeness (perceiving social world as safe and soothing); and explore the mediator role of external shame in the relationship between negative symptoms and Social Safeness.

Method: A sample of 43 patients diagnosed with a psychosis-spectrum disorder (mostly Schizophrenia – 72%) were recruited, assessed with the Positive and Negative Syndrome Scale and completed questionnaires that evaluate external shame (Other as Shamer Scale) and Social Safeness (Social Safeness and Pleasure Scale).

Results: Results showed that negative symptoms were correlated with external shame and both were negatively associated with Social Safeness. External shame and Social Safeness were strongly and significantly associated with each other; however, they were only significantly associated with four negative symptoms assed by the PANSS (social withdrawal, difficulty in abstract thinking, lack of flow of conversation and stereotyped thinking). Simple mediation revealed that external shame was a significant mediator in the relationship between negative symptoms total and Social Safeness.

(11)

5 Discussion and Conclusions: These results appear to indicate that in individuals with psychosis, the thought of being held negatively in the mind of others is a pathway from which negative symptoms impact on social interactions and safeness. Shame can be a useful therapeutic target for patients with negative symptoms in psychotic disorders.

Key words: Negative Symptoms, External Shame, Social Safeness, Psychotic Disorders.

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1. INTRODUÇÃO

Múltiplos avanços têm sido feitos na compreensão das perturbações psicóticas, nomeadamente, nos substratos neurobiológicos envolvidos [1]. No entanto, a sua etiologia permanece permanece por esclarecer e não existe uma ferramenta diagnóstica definitiva. Por esta razão, o seu diagnóstico é sindromático, isto é, baseado num conjunto de sinais e sintomas característicos, consubstanciados num conjunto de critérios operacionais definidos, bem como em critérios de exclusão específicos, tal como a ausência de patologia orgânica primária [2]. As perturbações psicóticas incluem um conjunto de perturbações complexas e multifatoriais, com um padrão variável de sintomas, cujas repercussões são, geralmente, consideráveis e persistentes para os indivíduos afetados [3]. Estas perturbações são caracterizadas por diferentes tipos de sintomas: sintomas positivos (delírios e alucinações), pensamento/discurso desorganizado, comportamento motor alterado ou desorganizado e sintomas negativos (apatia, abulia, avolição) [4,5].

1.1. Sintomas negativos: caracterização e suas implicações

Os sintomas negativos (SN) associados às perturbações psicóticas têm sido alvo de diversos estudos, dada a crescente perceção do seu impacto a nível do funcionamento global e da qualidade de vida [6-9]. O seu conceito tem evoluído bastante desde as descrições de Emil Kraepelin e Eugen Bleuler, que focavam a importância da volição e do afeto no curso da doença [10]. O termo “Sintomas Negativos” só foi introduzido por John Hughlings Jackson, o qual defendia que estes refletiam a ausência ou perda de funções nervosas normais [11,12].

Nancy Andreasen (1982) introduziu uma nova conceptualização, considerando cinco grandes domínios: embotamento afetivo (disfunção na responsividade física e/ou emocional);

alogia (diminuição da fluência e produção verbal); avolição/apatia (ausência de energia para iniciar ou manter comportamentos dirigidos a um objetivo); anedonia/associabilidade

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7 (redução da capacidade para experienciar prazer e diminuição da motivação para estabelecer interações sociais); comprometimento a nível da concentração (falta de atenção durante tarefas laborais e/ou testes de avaliação mental) [13].

Recentemente, estudos que investigaram as relações entre os sintomas negativos, revelaram que estes se separam, geralmente, em dois domínios distintos, mas que se interrelacionam [14,15]. Um dos domínios refletindo a diminuição da expressividade (embotamento afetivo, alogia) e o outro representando decréscimos motivacionais (incluindo associabilidade, avolição e anedonia). Strauss et al. (2013) verificou que a dimensão da amotivação se associa a pior funcionamento social e maiores défices na cognição social [16].

Outros estudos reforçam este prejuízo na cognição social, documentando que os SN estão associados a danos a nível dos vários processos que a constituem, tais como, perceção de pistas sociais, partilha de experiências, “mentalização” e regulação das experiências emocionais [17]. Galderisi et al. (2013) corroborou parte dos resultados de Strauss, ao concluírem que a amotivação apresenta um valor preditivo maior de pior funcionamento ao nível do envolvimento com o ambiente social do que a diminuição na expressão emocional.

Além disso, determinou que a amotivação inclui ainda uma diminuição na capacidade de identificar e lutar por objetivos (importante em termos de realizações pessoais e satisfação), bem como uma perda de interesse em ideias e em acontecimentos, que irão contribuir para o baixo funcionamento social diário [18].

A expressão clínica dos SN é menos notória, pois, podem ser mascarados pelos sintomas positivos e coexistir ou serem confundidos com comprometimento cognitivo ou sintomas depressivos [19]. Os sintomas positivos (SP) tendem a esbater-se durante a fase de remissão, enquanto os sintomas negativos se tornam mais dominantes [20], sendo mais resistentes à terapêutica farmacológica [21]. Estudos verificaram que os SN tendem a manter-

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8 se por longos anos; em estudos de follow-up de curta duração (até 2,5 anos) a prevalência foi de cerca de 45% e nos de follow-up mais longos (7,5 a 10 anos) foi de 20-30% [22].

Tais evidências demonstram que é significativo o impacto que os sintomas negativos têm no quotidiano do indivíduo.

1.2. O modelo dos três sistemas de regulação do afeto: aplicação às perturbações psicóticas

O modelo tripartido de regulação de afeto de Gilbert (2005), postula que em termos da regulação emocional, existem três sistemas que interagem entre si (sistema de defesa-ameaça [threat-defense], sistema de procura de recursos/incentivos [drive] e sistema de afiliação- tranquilização [soothing]) [23].

O sistema de defesa-ameaça deteta estímulos ameaçadores, de forma a gerar respostas comportamentais, emocionais e cognitivas no sentido de proteger o indivíduo [24-26]. Deste modo, pode assistir-se a, por exemplo, comportamentos de luta, fuga ou de submissão, bem como à emergência de respostas emocionais como ansiedade, raiva, aversão e vergonha. Este sistema é inato e pode ser rapidamente ativado e facilmente condicionado [27].

O sistema de procura diz respeito à conquista de objetivos, gerando comportamentos de aproximação, exploração e procura [28,29], de modo a que se atinjam os recursos necessários à sobrevivência. Este sistema é sensível à recompensa e gera sensações positivas como orgulho e entusiasmo [30].

O sistema de afiliação-tranquilização está relacionado com mecanismos que envolvem neuromoduladores como as endorfinas e oxitocina e permite regular os sistemas da ameaça.

Responde a atitudes de cuidado, intimidade e afiliação e, desse modo, reduz a ameaça e desativa emoções/comportamentos defensivos, produzindo sensações de calma, conexão e tranquilidade [31].

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9 Tendo em conta a ação destes sistemas, é de notar que em cada contacto social que se procura ou estabelece, o indivíduo poderá fazer inferências em termos da possível ameaça que este contacto representa (envolvimento do sistema defesa-ameaça), da potencial recompensa que dele poderá advir (que ativará o sistema de procura), bem como da disponibilidade de segurança/suporte afiliativo, que conduz a sentimentos de tranquilidade e ligação aos outros (ativação do sistema afiliação-tranquilização) [27].

Já tem sido documentado que as perturbações psicóticas envolvem intensos sentimentos de ameaça. Gumley et al. (2010) defende que são múltiplas as possíveis fontes de ameaça: a) podem surgir pelas alterações em sentimentos, sensações e intrusões, pelo medo do que estas alterações significam e ao que poderão conduzir (por exemplo, sinalizarem a possibilidade de ressurgimento de sintomas ou recaída); b) pode haver ativação de memórias traumáticas de episódios anteriores (incluindo lembranças de como se sentiram aterrorizados pela experiência em si e pela hospitalização); c) poderá haver aumento dos sentimentos de desconfiança e medo de revelar a sua experiência a terceiros; d) os outros podem ser vistos como dominantes/poderosos com intenções negativas; e) podem surgir sentimentos, pensamentos e “vozes auto-críticas” que induzem pensamentos de auto-ataque e estimulam ainda mais o processamento da ameaça [27].

Por outro lado, as perturbações psicóticas envolvem sentimentos de perda e rutura em importantes relações que se configuram como elementos de suporte. Como consequência, podem desenvolver-se inseguranças na ligação com os outros, que culminam num sistema de afiliação-tranquilização pouco robusto para regular o processamento da ameaça [27].

Em suma, percebemos que nestes indivíduos, as relações interpessoais são marcadas por sobreativação dos sistemas de ameaça, em detrimento dos sistemas afiliativos [32].

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10

1.3. Modelos psicológicos dos sintomas negativos: as terapias cognitivo- comportamentais contextuais

Recentemente, Martins et al. (2017) desenvolveram um modelo integrativo de sintomas negativos na psicose, que propõe dois processos: um de manutenção dos sintomas e outro de recuperação.

Relativamente ao processo de manutenção, este modelo postula que perante os sintomas negativos, é ativado um sistema defensivo e surgem comportamentos de defesa- evitamento, que pretendem funcionar como estratégias de coping. Este modo defensivo é potenciado pela ativação de uma rede neurocortical (Default Mode Network – DMN), que está associada a estados de “piloto automático”, padrões de resposta automáticos relacionados com a resolução de problemas (por exemplo, relembrar o passado e planear o futuro, o que pode levar a ruminação, preocupação e evitamento de experiências), e a reflexões acerca do próprio e do outro (p.e., avaliações sociais que se acompanhem de uma perceção de baixo estatuto social em comparação com outros). A ativação anómala da DMN está também ligada à incapacidade de antecipar consequências positivas de certos padrões de ação (anedonia antecipatória), o que resulta em baixos níveis de motivação para agir tendo em vista determinado objetivo que se deseja alcançar.

As estratégias defensivas, apesar de pretenderem ser mecanismos de coping, podem acarretar consequências indesejadas (p.e., emoções negativas, descrença e ausência de esperança, que fazem emergir sentimentos de aprisionamento) e contribuir para a manutenção dos sintomas negativos.

O processo de recuperação visa o fortalecimento dos indivíduos, através da regulação da ativação do sistema defesa-ameaça e do modo defesa-evitamento (associado à DMN), com a ativação do sistema de afiliação-tranquilização, permitindo que as pessoas desenvolvam esperança, definam a sua identidade e melhorem a sua ligação com os outros [33].

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11 Este processo pretende, assim, promover uma experiência interna mais rica e positiva em várias dimensões, para que desenvolvam um conjunto mais alargado de respostas comportamentais funcionais e adaptativas. Pretendem-se ampliar as aptidões do indivíduo para lidar com as suas experiências internas, numa atitude de aceitação, afastando o julgamento, de modo a abraçar ações concordantes com projetos de vida que valoriza [34,35].

1.3.1 Vergonha e seu papel na manutenção dos sintomas

Vergonha é uma emoção complexa, que desempenha um papel central na regulação dos sentimentos, comportamentos e pensamentos [36]. Considera-se a existência de dois tipos de vergonha (externa e interna), sendo que a Vergonha Externa (VE) ocorre quando as pessoas acreditam que os outros têm uma perceção negativa em relação a si [37], podendo ser encarada como uma emoção ligada a sentimentos de diminuição e desvalorização pessoal, em que o indivíduo se considera portador de características indesejáveis em termos sociais [38].

A vergonha e o estigma são muito prevalentes nas perturbações psicóticas [39]. Neste contexto, a vergonha pode surgir a partir da própria experiência psicótica do indivíduo, ao ter perceção fisiológica, emocional e cognitiva do que experiencia; ou, por outro lado, por acreditar que desilude aqueles que lhe são mais próximos e pelo estigma social envolvido [27]. Tais experiências podem levar a que se sinta desvalorizado, pouco atrativo, afetando os laços socias e podendo conduzir a vergonha. Deste modo, fica alerta e apreensivo perante o risco de rejeição, exclusão ou desvalorização social [40], que é percebido como uma ameaça.

Nesta perspetiva, o conceito de vergonha pode ser percebido como um produto emocional central do sistema de defesa-ameaça [31], funcionando como uma resposta cognitivo- comportamental face a pistas percebidas como ameaça social.

Pelo modelo integrativo de Martins et al. (2017), percebemos que o mecanismo através do qual a vergonha participa na manutenção dos sintomas negativos envolve fatores

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12 internos e externos ao indivíduo, que se encontram numa interação dinâmica [33]. O principal mecanismo é o evitamento experiencial, que corresponde a uma tentativa de evitar pensamentos, sentimentos, memórias, sensações físicas ou outras experiências internas [41].

Do mesmo modo, um conjunto de fatores externos, como o criticismo/hostilidade por parte de entes queridos e o estigma social (que podem leva-los a sentirem-se desvalorizados, marginalizados socialmente e, consequentemente, a desenvolverem estratégias e emoções defensivas; [42-44]), podem contribuir para reforçar estes comportamentos de evitamento, que potenciam o afeto negativo e a vergonha. A visão do próprio como inadequado, inferior (vergonha interna) e a ideia de que os outros confirmam esta perspetiva (Vergonha Externa), contribui para a manutenção do modo defesa-evitamento. Ao evitar situações que possam gerar confrontação com o que considera serem as suas limitações (sintomas negativos), as reações emocionais que adviriam desse confronto (p.e., ansiedade, depressão), e as consequências temidas (p.e., não conseguir realizar determinada tarefa, encontrar emprego), torna-se progressivamente mais alienado e desconectado em relação aos outros. Deste modo, bloqueia possíveis conexões afiliativas e impede que tenha oportunidade de experimentar e treinar respostas comportamentais alternativas, criando sentimentos de “aprisionamento” e, consequentemente, reforça os sintomas negativos [33].

Vários estudos têm associado a Vergonha Externa à psicopatologia em geral [45] e a sintomas psicóticos, em particular [46,47]. Wood e Irons (2016) sugerem que níveis elevados de Vergonha Externa e baixo estatuto social estão significativamente correlacionados com agravamento de quadros depressivos e sintomas positivos, bem como reduzidas taxas de recuperação pessoal em perturbações psicóticas [47].

Castilho et al. (2017), concluíram ainda que havia uma associação negativa significativa entre Vergonha Externa e sentimentos de contentamento, segurança e prazer nas

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13 relações sociais, defendendo que sentir-se inferior aos olhos de outrem contribui para o aumento da vulnerabilidade e dificuldades sociais [46].

1.3.2. A recuperação: Social Safeness como um possível outcome

A recuperação é vista como o processo subjetivo independente da redução objetiva dos sintomas, que inclui a procura e adoção de uma vida com sentido, maiores sentimentos de estima e de ligação com os outros [33].

O conceito de Social Safeness (SS) refere-se a uma experiência afetiva tranquilizadora, na qual o indivíduo se sente confortado e ligado a outros que o rodeiam [30]. Tendo em conta o modelo dos três sistemas de regulação do afeto, Social Safeness apresenta-se como um produto do sistema de afiliação-tranquilização [48]. Funciona como facilitador de comportamentos de afiliação e pró-sociais [31], uma vez que a ativação deste sistema regula a atividade dos sistemas de ameaça e procura, de modo a que o indivíduo se sinta seguro socialmente [49], não necessitando de se defender ou competir por recursos [50].

Assim, a Social Safeness apresenta-se como um possível outcome do processo de recuperação, uma vez que se baseia na formação de laços sociais através de ligações afetivas e cooperação, que são cruciais para experiências positivas no mundo social e são extremamente relevantes para a felicidade e saúde mental [51,52]. Isto vai ao encontro da perspetiva de recuperação global do indivíduo, sob uma perspetiva psicossocial, sendo então fundamental que se sinta seguro nas suas relações interpessoais. Vários estudos já documentaram que Social Safeness está negativamente associado a certas características disfuncionais, tal como auto-criticismo, medos de dar e receber compaixão, vingança, afeto negativo, sintomas depressivos, ansiedade, stresse [48,50,53,54].

No que diz respeito à psicose, a investigação tem demonstrado associações negativas entre Social Safeness e sintomas psicóticos [46]. Especificamente em relação aos sintomas

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14 negativos, Cruz (2017) verificou que os sintomas negativos e o Social Safeness se encontram significativa e negativamente associados [55]. Tais evidências reforçam a ideia de que SS é uma variável importante no que se refere a saúde mental em geral [56] e à psicose e sintomas negativos em particular.

Apesar de estudado o papel importante da vergonha nos sintomas psicóticos e a sua influência na proximidade e ligação aos outros [46,47], ainda não existem estudos que foquem particularmente estas relações considerando os sintomas negativos. O presente estudo pretende analisar as associações entre os sintomas negativos, a Vergonha Externa e o Social Safeness num grupo de doentes diagnosticados com perturbações psicóticas. Colocamos a hipótese que os sintomas negativos estejam associados positivamente com a Vergonha Externa e que ambas as variáveis estejam negativamente associadas à Social Safeness.

Pretende-se ainda investigar o efeito mediador da Vergonha Externa na relação entre os sintomas negativos e Social Safeness.

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15 2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Participantes e Procedimentos

Os critérios de inclusão foram os seguintes: diagnóstico de perturbação do espectro da psicose, com idade igual ou superior a 18 anos. Os participantes seriam excluídos se apresentassem défice cognitivo ou sintomatologia que impedisse a sua participação. A amostra do estudo consistiu-se por 43 pessoas com diagnóstico de perturbação psicótica (23 homens, 20 mulheres). A tabela 1 apresenta as características socio-demográficas e clínicas da amostra.

Os participantes foram recrutados pelos seus psiquiatras ou outro técnico responsável a partir de 5 hospitais públicos portugueses (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra;

Centro Hospitalar do Baixo Vouga; Centro Hospitalar Tondela-Viseu; Centro Hospitalar Leiria-Pombal; Hospital de Magalhães Lemos).

Todos os procedimentos foram aprovados pelas comissões de ética da Faculdade de Medicina e Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, pela Comissão Nacional de Proteção de Dados e pelas comissões de ética dos hospitais envolvidos antes de se iniciar o estudo. Cada participante teve acesso a uma breve descrição da natureza e objetivos do estudo. Foram assegurados o anonimato e a confidencialidade e esclarecidas todas as questões.

Após concordarem participar, os participantes assinaram um formulário de consentimento informado (baseado na Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial) e, de seguida, preencheram um conjunto de questionários na sua versão portuguesa validada, que demoravam cerca de 45 a 60 minutos a completar.

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16 Tabela 1. Características Sociodemográficas e Clínicas da amostra.

Total (N= 43) Sexo, n (%)

Masculino 23 (53.5%)

Feminino 20 (46.5%)

Idade

M (DP) 31.79 (8.23)

Min – Máx 19-53

Estado Civil, n (%)

Solteiro/a 33 (76.7%)

Em união de facto 1 (2.3%)

Casado/a 8 (18.6%)

Divorciado/a 1 (2.3%)

Ocupação profissional, n (%)

Empregado/a 18 (41.9%)

Desempregado/a 18 (41.9%)

Estudante 6 (14.0%)

Em formação 1 (2.3%)

Anos de Escolaridade

M (DP) 13.35 (3.18)

Min – Máx 9-23

Diagnóstico(s)a, n (%)

Esquizofrenia 31 (72.1%)

Transtorno Psicótico SOEb 2 (4.7%) Perturbação Esquizofreniforme 2 (4.7%) Perturbação Esquizoafetiva 1 (2.3%) Perturbação Induzida por Substâncias 3 (7.0%) Perturbação Psicótica Breve 4 (9.3%) Idade ao Início do Tratamento

M (DP) 28.41 (8.80)

Min – Máx 15-44

Duração da Doença (anos)

M (DP) 3.85 (5.30)

Min – Máx 0-20

Nº de Hospitalizações

M (DP) 1.31 (1.28)

Min – Máx 0-5

Regime de Acompanhamento

Consulta Externa 35 (81.4%)

Internamento 8 (18.6%)

Tipo de Intervenção, n (%)

Psiquiatria 31 (72.1%)

Psiquiatria & Psicologia 12 (27.9%)

Notas. M = Média; DP = Desvio Padrão; aDiagnóstico de acordo com DSM-V; bSOE = Sem Outra Especificação.

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17 2.2 Instrumentos

2.2.1. Positive and Negative Symptom Scale (PANSS; [57]).

A PANSS é um instrumento de avaliação psiquiátrica, pontuada pelo avaliador, que inclui 30 itens: 7 constituem uma Escala de Sintomas Positivos (por exemplo, delírios e alucinações), 7 uma Escala de Sintomas Negativos (p. ex., embotamento afetivo e associabilidade) e os restantes 16 uma Escala de Psicopatologia Geral (p. ex., ansiedade e depressão). Cada um dos 30 itens é cotado numa Escala de Likert com 7 níveis de resposta, em que cotações mais altas correspondem a níveis maiores de psicopatologia (1 = Ausente a 7

= Gravidade extrema). Desta forma, para as Escalas de Sintomas Positivos e Negativos o intervalo de cotação situa-se entre os 7 e os 49 pontos, enquanto para a Escala de Psicopatologia Geral se situa entre os 16 e os 112 pontos. Neste estudo apenas a Escala dos Sintomas Negativos foi utilizada. O coeficiente Cronbach alpha no estudo original foi de .83, enquanto que no nosso estudo foi de .90.

2.2.2. Other as Shamer Scale-2 (OAS2; [58]).

A OAS2 é uma versão curta da OAS original [59] e é utilizada para medir experiências de Vergonha Externa. É uma escala com 18 itens e tem como objetivo perceber o que as pessoas pensam acerca do modo como os outros as vêem (por exemplo, “Sinto que as outras pessoas não me vêem como sendo suficientemente bom/boa”; “Sinto-me inseguro(a) acerca das opiniões dos outros sobre mim”). Cada item é cotado pelos participantes numa Escala de Likert com 5 níveis de resposta, em que cotações mais altas correspondem a níveis mais elevados de Vergonha Externa (0 = Nunca a 4 = Quase sempre). A escala apresenta boa consistência interna, com Cronbach alpha no estudo original de .92, enquanto que no presente estudo o alpha foi de .94.

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18 2.2.3. Social Safeness and Pleasure Scale (SSPS; [60, 61]).

A SSPS é um instrumento utilizado para avaliar em que medida os indivíduos experimentam prazer, sentimentos e emoções positivas em situações sociais. Esta escala compreende 11 itens (por exemplo, “Sinto-me satisfeito nas minhas relações com os outros”;

“Sinto-me seguro e querido pelos outros”), cotados de 1 a 5 numa Escala de Likert (1 = Quase nunca a 5 = Quase sempre). A validação portuguesa, em amostras clínicas e não-clínicas, revelou que a SSPS tem propriedades psicométricas adequadas, com coeficiente Cronbach alpha a variar entre .90 e .92, respetivamente. No presente estudo, o alpha foi de .90.

2.3. Análise de Dados

Os dados foram analisados na versão 24 do SPSS para Windows [62]. Inicialmente, testaram-se as médias das variáveis em estudo em relação a diferenças de género e, para tal, utilizou-se a análise não paramétrica Mann-Whitney’s U.

De forma a explorar as associações entre os sintomas negativos nas perturbações psicóticas, a Vergonha Externa e a Social Safeness, recorreu-se a coeficientes de correlação de Spearman. Para analisar a magnitude das correlações utilizaram-se os critérios de Cohen (1988) [63].

De modo a averiguar melhor qual a contribuição que os sintomas negativos e a Vergonha Externa têm na perceção do mundo social enquanto seguro e tranquilizador (Social Safeness), foram conduzidas análises de mediação simples utilizando o PROCESS, desenvolvido por Hayes (2013) [64]. Recorreu-se a métodos de bootstrapping, utilizando 5000 reamostragens, para analisar os efeitos indiretos. O efeito indireto representa o impacto da variável mediadora (Vergonha Externa) na relação original e pode ser obtido multiplicando a por b. Se o zero não estiver contido no intervalo de confiança, isto sugere que a diferença entre o efeito total e o direto é diferente de zero e, como tal, o efeito indireto é significativo.

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19 Testámos 5 modelos de mediação, em que os sintomas negativos da PANSS (total) e cada sintoma negativo avaliado individualmente por esta mesma escala foram as variáveis independentes (VIs). Em cada modelo, a Social Safeness (SSPS) foi a variável dependente (VD) e a Vergonha Externa (OAS) foi o mediador (M).

3. RESULTADOS

3.1. Análises Preliminares

Na tabela 2 apresentam-se os resultados das análises preliminares. Foram testados os pressupostos da normalidade e verificou-se que os valores de assimetria se encontram todos abaixo de 3 e os de curtose abaixo de 7, o que significa que não haverá desvios significativos à normalidade. No entanto, o teste de Shapiro-Wilk indicou diferenças significativas em relação à distribuição normal para todas as variáveis. Tendo em conta esta não-congruência de resultados optou-se por realizar análises não paramétricas.

Tabela 2. Estatística descritiva: Normalidade das variáveis.

Variáveis Média DP

Normalidade Assimetria Curtose SW

Sintomas Negativos total 13.00 6.22 1.54 2.01 .826***

N1 – Blunted affect 2.12 1.37 1.19 .68 .795***

N2 – Emotional Withhdrawal 2.28 1.28 .81 .23 .858***

N3 – Poor Rapport 1.74 1.09 1.80 4.11 .706***

N4 – Social Withdrawal 2.30 1.32 .71 -.13 .852***

N5 – Abstract Thinking 1.49 .77 1.53 1.76 .674***

N6 – Flow of Conversation 1.60 1.07 2.45 6.67 .606***

N7 – Stereotyped Thinking 1.47 .80 1.59 1.60 .635***

OAS Total 25.16 12.53 .89 .59 .970

SSPS Total 38.74 8.76 .03 -.74 .943*

Notas. * p<.05. *** p<.001

(26)

20 3.2. Análises Descritivas

De forma a testar se haviam diferenças de género relativamente às médias das variáveis em estudo, utilizámos a análise não paramétrica Mann-Whitney’s U, atendendo ao pequeno tamanho da amostra e à distribuição não normal dos dados. Os resultados (apresentados na Tabela 3) revelaram que não há diferenças significativas entre homens e mulheres, à exceção de um sintoma negativo avaliado pela PANSS (dificuldade no pensamento abstrato), no qual as mulheres apresentam maior cotação em média.

Tabela 3. Média e Desvio Padrão para o total da amostra (N=43), comparação entre grupos (Mann-Whitney’s U), e valores d de Cohen

Total (N=43) Masculino (N=23)

Feminino (N= 20)

M DP M DP M DP U p d

Sintomas Negativos (PANSS)

N1 - Blunted Affect 2.12 1.37 1.96 1.33 2.30 1.42 267.00 .34 N2 – Emotional Withdrawal 2.28 1.28 2.30 1.19 2.25 1.41 216.00 .72 N3 – Poor Rapport 1.74 1.09 1.70 1.19 1.80 1.01 251.00 .57 N4 – Social Withdrawal 2.30 1.32 2.30 1.15 2.30 1.53 216.00 .72 N5 – Abstract Thinking 1.49 0.77 1.26 0.54 1.75 0.91 300.50 .04 -.68 N6 – Flow of Conversation 1.60 1.07 1.61 1.08 1.60 1.10 209.50 .56 N7 – Stereotyped Thinking 1.47 0.78 1.26 0.62 1.70 0.92 293.50 .06 Sintomas Negativos Total 13.00 6.22 12.39 5.54 13.70 7.00 245.50 .70 Vergonha Externa (OAS)

OAS Total 25.16 12.53 28.50 14.85 22.65 10.31 191.00 .25 Social Safeness (SSPS)

SSPS Total 38.74 0.76 36.71 8.33 40.90 8.78 299.50 .16 Notas. PANSS = Positive and Negative Syndrome Scale; OAS = Others As Shamer; SSPS = Social Safeness and Pleasure Scale; M = Média; DP = Desvio Padrão.

(27)

21 3.3. Análises de Correlação

Foram efetuadas análises de correlação de modo a explorar a magnitude das associações entre os sintomas negativos nas perturbações psicóticas, a Vergonha Externa e a Social Safeness. Os resultados são apresentados na tabela 4.

Verificou-se que os sintomas negativos (total) estavam significativa e positivamente associados com a Vergonha Externa (correlação de magnitude moderada), bem como negativa e moderadamente associados com a Social Safeness. A Vergonha Externa apresentou uma associação negativa forte com a Social Safeness.

Os resultados demonstraram não haver associações significativas entre 3 construtos negativos da PANSS (Blunted affect, Emotional Withdrawal, Poor rapport) e a Vergonha Externa e a Social Safeness.

(28)

Tabela 4. Correlão de Spearman entre Sintomas Negativos (PANSS), Vergonha Externa (OAS) e Social Safeness (SSPS). Notas. ***p .001; **p .01; *p.05; PANSS =Positive and Negative Syndrome Scale; OAS =Others As Shamer; SSPS =Social Safeness and Pleasure Scale; M = Média;DP = Desvio Padrão.

Varveis2.3.4.5.6.7.8.9.10. 1. Sintomas Negativos Total .788**.862**.813**.803**.516**.653**.519**.379**-.395** 2. Blunted Affect.710**.670**.499**.345* .528**.341*.151-.218 3. Emotional Withdrawal.760**.629**.329* .444**.341*.276-.191 4. Poor Rapport.573**.354* .547**.388*.213-.218 5. Social Withdrawal.321* .553**.371*.353*-.450** 6. Difficulty in Abstract Thinking.514**.535**.357*-.366* 7. Lack of Flow of Conversation.253.415**-.577** 8. Stereotyped Thinking.427**-.437** 9. Vergonha Externa-.620** 10. Social Safeness

22

(29)

23 3.4. Análises de Mediação

Foram conduzidas análises de mediação para averiguar o papel da Vergonha Externa como mediador na relação entre os sintomas negativos e o Social Safeness. Os efeitos total (c), direto (c’) e indireto (ab) nestas mediações foram estimados e os resultados são apresentados nas tabelas 5 e 6.

Começámos por explorar o efeito mediador da Vergonha Externa na relação entre sintomas negativos (total - VI) e Social Safeness (VD). Desta forma, o efeito indireto obtido foi de -.284, sendo estatisticamente diferente de zero, uma vez que o intervalo de confiança a 95% não inclui o zero (-.633 a -.084). Isto sugere que o impacto dos sintomas negativos (total) na Social Safeness é mediado pela Vergonha Externa.

De seguida, testámos novos modelos de mediação utilizando como variáveis independentes apenas os construtos negativos da PANSS que apresentavam associações significativas com o mediador e a variável dependente nos estudos de correlação (Social Withdrawal – N4, Abstract Thinking – N5, Flow of Conversation – N6, Stereotyped Thinking – N7).

Os efeitos indiretos obtidos foram estatisticamente diferentes de zero nos modelos que utilizaram N4 (ab = -1.331), N6 (ab = -1.356) e N7 (ab = -2.577) como variáveis independentes, revelando que a Vergonha Externa tem um papel mediador na relação com cada um destes construtos e a Social Safeness. No modelo que utilizou o pensamento abstrato como variável independente, o efeito indireto não foi significativo.

A representação gráfica dos modelos que apresentaram efeito indireto significativo é apresentada nas figuras 1 e 2.

(30)

Tabela 5. Efeitos da mediação simples com OAS como mediador simples (M) na relação entre os Sintomas Negativos (VI) e Social Safeness (VD). Mediador MEfeito de VI em M (a)

Efeito de M em VD (b)

Efeito Total (c)

Efeito Direto (c’)

Efeito Indireto EfeitoEPInferior Superior Sintomas Negativos Total OAS.877**-.324**-.622**-.338-.284.135-.633-.084 Tabela 6. Efeitos da mediação simples com OAS como mediador simples (M) na relação entre N4/N5/N6/N7 (VIs) e Social Safeness (VD). Mediador MEfeito de VI em M (a)

Efeito de M em VD (b)

Efeito Total (c)

Efeito Direto (c’)

Efeito Indireto EfeitoEPInferior Superior N4 Social Withdrawal OAS4.104* -.324* -2.938* -1.607-1.331.637-2.937-.375 N5 Abstract Thinking OAS4.671-.367*** -3.461* -1.747-1.7131.315-5.285.052 N6 Flow of Conversation OAS4.593**-.295**-4.398***-3.043**-1.356.705-3.200-.378 N7 Stereotyped Thinking OAS7.407**-.348**-4.228* -1.652-2.5771.153-5.401-.805 Notas. ***p .001; **p .01; *p.05; VI = Variável Independente; VD = Varvel Dependente; EP = Erro Padrão.

24

(31)

25 Figura 1. Modelo final da mediação simples, com Vergonha Externa como mediador na relação entre os sintomas negativos (cotação total) e a Social Safeness; N = 43 [***p ≤ .001;

**p ≤ .01; p ≤ .05].

Figura 2. Modelo final da mediação simples, com Vergonha Externa como mediador na relação entre Afastamento Social (Social Withdrawal) e a Social Safeness; N = 43 [***p ≤ .001; **p ≤ .01; p ≤ .05].

(SSPS) Sintomas Negativos (PANSS)

Total

Vergonha Externa

͘͘͘͘͘͘͘͘͘;K^Ϳ͘

Social Safeness

a: β = .877** b: β = -.324**

c: β = -.622**

c’: β = -.338

(SSPS)

Social Safeness (SSPS) b: β = -.324*

a: β = 4.104*

c: β = -2.938*

c’: β = -1.607 Sintomas Negativos (PANSS)

N4 - Social Withdrawal

Vergonha Externa

͘͘͘͘͘͘͘͘͘;K^Ϳ͘

(32)

26 Figura 3. Modelo final da mediação simples, com Vergonha Externa como mediador na relação entre o Reduzido Fluxo de Conversação (Flow of Conversation) e a Social Safeness;

N = 43 [***p ≤ .001; **p ≤ .01; p ≤ .05].

Figura 4. Modelo final da mediação simples, com Vergonha Externa como mediador na relação entre o pensamento estereotipado (Stereotyped Thinking) e a Social Safeness; N = 43 [***p ≤ .001; **p ≤ .01; p ≤ .05].

a: β = 4.593*** b: β = -.295**

c: β = -4.398***

c’: β = -3.043**

Sintomas Negativos (PANSS) N6 - Flow of Conversation

Social Safeness (SSPS)

a: β = 7.407** b: β = -.348**

c: β = -4.228*

c’: β = -1.652 Sintomas Negativos (PANSS)

N7 - Stereotyped Thinking

Social Safeness (SSPS) Vergonha Externa

͘͘͘͘͘͘͘͘͘;K^Ϳ͘

Vergonha Externa

͘͘͘͘͘͘͘͘͘;K^Ϳ͘

(33)

27 4. DISCUSSÃO

Os sintomas negativos, tais como anedonia, amotivação e associabilidade, são atualmente reconhecidos como construtos centrais nas perturbações psicóticas, estando bem documentado o impacto deletério que têm no funcionamento interpessoal e funcionalidade global do indivíduo [6-9].

O presente estudo pretendeu explorar as associações entre Sintomas Negativos, Vergonha Externa e Social Safeness.

Inicialmente, avaliou-se a existência de diferenças de género em relação às variáveis em causa, tendo apenas surgido diferenças ao nível das dificuldades no Pensamento Abstrato, em que as mulheres apresentam maior cotação em média. Os resultados obtidos não estão de acordo com a literatura existente, que demonstra que em mulheres pré-menopáusicas, o curso da doença é geralmente mais benigno, com menor deterioração [65]. Esta discordância pode ser um viés decorrente do tamanho da amostra utilizada.

Os resultados relativos ao estudo correlacional revelaram que os SN estavam significativa e positivamente correlacionados com a Vergonha Externa. Apesar de esta já ter sido associada à psicopatologia em geral [30,45], e aos sintomas positivos das perturbações psicóticas [46,47], não temos conhecimento de estudos que correlacionem a Vergonha Externa com os SN. Uma explicação possível para os resultados obtidos será o facto de o sistema defesa-ameaça estar sobredesenvolvido nas perturbações psicóticas [32], podendo os sintomas negativos ser conceptualizados como respostas defensivas de desmobilização. Esta é, simultaneamente, uma forma de lidar com a vergonha, ao evitar expor-se aos outros, distanciando-se e, assim, prevenindo a rejeição social. Paradoxalmente, esta alienação do indivíduo gera sentimentos de aprisionamento que vão aumentar a vergonha e contribuir para a manutenção dos sintomas negativos (gerando um círculo vicioso).

(34)

28 Os nossos resultados revelaram ainda que os SN estavam negativa e moderadamente associados com a Social Safeness, o que vai ao encontro dos resultados do estudo de Cruz (2017). Para compreender esta associação é relevante salientar que, para perceber o comportamento dos outros num ambiente social, é muitas vezes necessário ter em conta os pontos de vista alheios e fazer inferências acerca dos seus estados mentais, baseando-se em pistas sociais e no contexto social. Foi proposto que os SN estariam associados a um decréscimo nesta competência de inferir estados mentais de outrem, incluindo as suas intenções, crenças e emoções (Teoria da Mente relacionada com a cognição social; [17]).

Estas dificuldades sociais poderão contribuir para que haja uma avaliação de situações aparentemente benignas como sendo ameaçadoras. Neste contexto há ativação sistema defesa- ameaça em detrimento do sistema de afiliação-tranquilização e, uma vez que estes indivíduos demonstram uma diminuição nas competências que lhes permitiriam lidar com esta ameaça, seja ela externa – pelos comportamentos alheios – ou interna – emoções e pensamento do próprio – [66], terão uma perceção do mundo social como não seguro/tranquilizador (menor Social Safeness). Por outro lado, os SN ligados à amotivação, avolição e anedonia, foram associados a piores resultados em termos sociais [16,18], pelo que faz sentido que estejam associados ao Social Safeness.

A Vergonha Externa apresentou uma associação negativa e forte com a Social Safeness, o que está de acordo com estudos que têm demostrado que as ameaças sociais parecem estar particularmente ligadas à vergonha em pessoas com perturbação psicótica [46].

Isto pode ser explicado pelo facto de a Vergonha Externa estar relacionada com sentimentos desvalorização pessoal, em que o indivíduo se considera portador de características indesejáveis em termos sociais [38] e, como tal, sentir-se-á menos seguro em relação ao mundo social. Pelo contrário, perceber o mundo social como seguro e tranquilizador irá

(35)

29 contribuir para minimizar estes sentimentos de desvalorização pessoal e, nesse sentido, a Social Safeness apresenta-se como antídoto da vergonha [67,68].

Os resultados demonstraram não haver associações significativas entre 3 construtos de sintomas negativos da PANSS (Blunted Affect, Emotional Withdrawal, Poor Rapport) e a Vergonha Externa e a Social Safeness. Para explicar estes resultados, é de referir que, em estudos prévios, diferentes sintomas negativos foram associados a diferentes medidas:

sintomas relacionados com diminuição de expressividade foram preditores das competências sociais, mas apresentaram menor valor preditivo de pior funcionamento social quando comparado com o domínio da amotivação [18], que foi correlacionada diretamente com outcomes sociais do dia-a-dia [69]. Assim, o Afeto Embotado (Blunted Affect), ao referir-se a responsividade emocional diminuída, com decréscimo na expressão facial, estará mais relacionado com competências internas e não tanto com o desenrolar de interações sociais.

O Contacto Difícil (Poor Rapport) é avaliado na entrevista através da relação que se gera entre entrevistado e entrevistador. Inclui evitamento de contacto visual, redução na comunicação verbal e não-verbal, podendo estar associado a défices cognitivos ou dificuldades relacionadas com os défices na expressividade emocional. Assim, estará relacionado com alterações intrapessoais e não necessariamente com outras interações sociais.

O Afastamento Emocional (Emotional Withdrawal) refere-se a uma falta de interesse e de envolvimento nos eventos da vida diária. Poderá estar associada a disfunções neurobiológicas relacionadas com a DMN, que já foram largamente estudadas nas perturbações psicóticas [33]. Estas alterações impossibilitam a antecipação de consequências positivas a partir de determinadas ações, o que resulta em baixos níveis de motivação para procurar atingir certos objetivos. Estas alterações mais biológicas, internas, podem levar a negligência pessoal e interrelacional, não despoletando sentimentos de vergonha porque o

Referências

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