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Os poderosos no sertão

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Academic year: 2018

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BH/UFC

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o

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Ê

OS PODEROSOS NO SERTÃO

QUEM ERA O CORONEL? biam grandes cabedais.

Por-tadores de patentes

eleva-das, na época, não

recebiam soldos nem sujei-tavam-se à instrução, treina-mento, disciplina e princípios hierárquicos das organizações militares mo-dernas. Mas revestiam de le-galidade sua capacidade de mando e garantiam-se pri-vilégios. No fim do período colonial, quase todos os por-tadores de patentes de coro-nel e capitão de regimentos do Recõncavo Baiano eram senhores de engenho CSchwartz,1988:233). A Guarda Nacional ajuda a prolongar o uso da palavra para designar o poderoso do meio rural. Na República, o termo é preservado como tratamento prestigioso, con-cedido informalmente.

Quanto ao

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c o r o n e -lism o ,trata-se de um

neolo-gismo posto em circulação no caudal reformista verifi-cado após a Revolução de 1930. Desde o século XIX, intelectuais reformadores acreditavam que a fragilidade governamental para promover o desenvolvimento econômico, superar as d esi-g u a ld a d e s r e g io n a is e enfrentar os problemas sociais devia-se, em muito, à d escen tr a liza çã o

do Estado brasileiro, ou seja, à força do p o d er

NMLKJIHGFEDCBA

lo c a l? A tese do jurista mineiro Victor Nunes

Leal, C o ro n e lis rn o , e n xa d a e vo to ,publicada em 1949, confere ao neologismo o sentido de fen ô -m e n o p o lític o determinado: Ofen ô m en o d e im e -M A N U E L D o -M IN G O S *

R E S U M O

N e s te tra b a lh o , re v e lo a p re e n s õ e s fre n te a c o n c e ito s u s u a lm e n te e m p re g a d o s n o s e s tu d o s s o b re a d o m in a ç ã o p o lític a n o s e rtã o n o rd e s tin o , h is to ric a m e n te m a rc a d o p e la p e c u á ria e x te n s iv a e a p re s e n ta d o c o m o u m a d a s re g iõ e s m a is p o b re s d o m u n d o .' E m q u e p e s e s u a im p o rta n te c o n trib u iç ã o p a ra o d e s e n v o lv im e n to d a e c o n o m ia b ra s ile ira , o im a g in á rio d o s le tra d o s firm o u a id é ia d e q u e e s te e s p a ç o c a ra c te riz a r-s e -ia p o r c o n d iç õ e s a m b ie n ta is d e s fa v o rá v e is à v id a h u m a n a .' M in h a s re fle x õ e s tê m c o m o p o n to d e p a rtid a a c o n v ic ç ã o d e q u e o N o rd e s te s e rta n e jo , a lé m d e a p re s e n ta r m ú ltip la s p a is a g e n s n a tu ra is e s o c ia is , n ã o e s te v e is o la d o d o m u n d o , p a ra d o n o te m p o , n e m éc a s o d e h is tó ria le n ta . S e u tra je to e s te v e s u b o rd in a d o a d e m a n d a s e im p o s iç õ e s d a s e lite s h e g e m õ n ic a s n o p a ís . E s p a ç o d e p a rtic u la rid a d e s a c e n tu a d a s e , s o b re tu d o , n ã o p ro d u z in d o e s p e c ia lm e n te p a ra o e s tra n g e iro , fo i o b s e rv a d o d e p re c ia tiv a m e n te , in c lu s iv e p e la in te le c tu a lid a d e re g io n a l. N a s C iê n c ia s S o c ia is , o s c o n c e ito s d e v e m s e rv ir à e lu c id a ç ã o d e a c o n te c im e n to s , fe n ô m e n o s e p ro c e s s o s h is tó ric o s . M a s , s e m s u s te n ta ç ã o e m p íric a ra z o á v e l, p re s ta m -s e a o c o n trá rio : c o n fu n d e m , o b s c u re c e m . É o q u e te m o c o rrid o c o m o e m p re g o d o s te rm o s c o ro n e lis m o , c lie n te lis m o e e x c lu s ã o s o c ia l p o r s o c ió lo g o s , h is to ria d o re s e c ie n tis ta s p o lític o s q u e e s c re v e ra m s o b re o s e rtã o n o rd e s tin o .

• P ro fe s s o r D o u to r d o D e p a rta m e n to d e C iê n c ia s S o c ia is e F ilo s o fia d a U n iv e rs id a d e F e d e ra l d o C e a rá .

H

ornem temido e res-peitado por seus feitos, riqueza e capa-cidade de decidir o destino de muitos; ch efe p o -lític o rural que, à frente de parentela numerosa, não di-vidia a autoridade; exemplo da indistinção entre os inte-resses privados e públicos; modelo de dominação tr a d i-c io n a l; símbolo do p a ter

-n a lism o numa sociedade a tr a sa d a ; prestador de servi-ços político-eleitorais a seto-res burgueses; mediador entre o Estado e a sociedade ...

Estassão descrições cos-tumeiras da figura, do desem-penho e da funcionalidade do c o r o n e l, apresentado como personagem-chave do Brasil republicano. Não obstante, ob-servando o sertão pecuarista, não é fácil admitir o co r o n e-lism ocomo um sistema

espe-cífico de dominação, prática singular de reprodução

do poder em espaços limitados ou forma de proce-der historicamente determinada.

O termo co r o n el foi muito utilizado pelos brasileiros no tratamento de pessoas importan-tes. O seu uso não remonta à Guarda Nacional, criada pelo regente Feijó, em 1831, conforme alusões freqüentes. Vem da ordem colonial, quando h o m e n s b o n s requeriam patentes mili-tares oferecendo como justificativa serviços de guerra adredemente prestados. Para efeito,

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d ia ta o b se r va ç ã o p a r a q u e m p r o c u r a c o n h e c e r

a vid a p o lític a d o in te r io r d o Br a sil é

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o m a lsin a d o " c o r o n e lism o " 0 9 7 6 : 1 9 ). Além de localizado

es-pacialmente, no in ter io r d o Br a sil, o fen ô m en o m a lsin a d o comportaria práticas abomináveis: o m a n d o n ism o , ofilh o tism o , ofa lsea m en to d o vo to , a d e so r g a n iza ç ã o d o s se r viç o s p ú b lic o s lo c a is (LEAL,1976:20). Desde Leal, a palavra freqüen-ta o debate político e a literatura com assiduida-de crescente. Como se tratasse assiduida-de algo preciso, perdeu as aspas que o estudioso da política teve o cuidado de apor.

Nas últimas décadas deste século, o ter-mo co r o n el torna-se também pejorativo, desig-nando o mandão intransigente, político anacrônico, fora de moda. O comediante Chico Anísio traçar-lhe-ia sem piedade a caricatura: aposentado, de pijama, óculos quebrados, num interminável balançar de cadeira no alpendre da casa modesta, coçando displicentemente o pé, debulhando histórias inacreditáveis. A au-toridade era exercida apenas sobre a mulher, obrigada a atestar a veracidade do que dizia ...

Aos co r o n éis, a literatura atribuiu graves responsabilidades: teriam preservado o mono-pólio fundiário e obstaculizado a transição para a sociedade moderna, alimentando dependên-cias pessoais e dificultando a metamorfose dos trabalhadores do campo em cidadãos; seriam entraves ao Estado democrático centralizado, fundado na o r d em so cia l co m p etitiva , dado que, fa vo r e c e n d o a c lie n te s,descaracterizavam o in-teresse público e nutriam a eterna disputa de atribuições entre as esferas administrativas (mu-nicipal, estadual e federal). A dificuldade para distinguir a atividade administrativa do exercí-cio do poder político permitiu que tais esferas fossem tratadas como instâncias de poder (lo -c a l, r e g io n a l o u -c e n tr a l).

O termo co r o n elism o tem sido emprega-do despreocupadamente para designar formas de reprodução do poder envolvendo compe-tências administrativas, espaços geoeconômicos e relações sociais diversificadas. No Brasil me-ridional, seria de uso mais parcimonioso, con-correndo em desvantagem com outro termo, o c a u d ilh ism o , de origem espanhola. A palavra coronel (da tradição militar romana: comandante

de coluna) designa, no Ocidente moderno, uma patente militar. Na América hispânica, o ca u d i-lh o foi visto como detentor de ascendência emocional sobre massas populares, menos ba-seado na riqueza que em méritos pessoais.

O co r o n elism o manifestar-se-ia por todo o Brasil. C o r o n éis foram o médico baiano Floro Bartolomeu, eleito deputado federal pelo Ceará, que, à frente de bandos armados, destituiu o presidente do Estado, Franco Rabelo, aliás, um coronel do Exército; o preclaro, refinado e auda-cioso industrial modernizador Delmiro Gouveia, tomado mártir da resistência dos interesses naci-onais contra a penetração do capital estrangeiro; o fazendeiro paulista Antônio Joaquim Carvalho, que numa Araraquara apinhada de italianos, foi morto durante uma briga com um sergipano e vingado pelo genro, um ex-secretário de polícia, que comandou pessoalmente a invasão da ca-deia onde estava o nordestino; o chefe guerreiro da Chapada Diamantina, Horácio de Matos, que combateu os rebeldes da Coluna Prestes com mais competência que todos os generais do Exér-cito brasileiro e tratou de igual para igual com o governador da Bahia; o libanês naturalizado Zacharias Nicolau, que enriqueceu negociando café no interior paulista; o tropeiro sergipano Misael da Silva Tavares que, em Ilhéus, tornar-se-ia o maior produtor de cacau do país; o pro-fessor Antônio Gomes de Arruda Barreto, intelectual paraibano sensível, que ganhou repu-tação e ascendência pelo devotamento ao seu reputado Colégio Sete de Setembro; o comerci-ante piauiense Pedro de Almendra Freiras, de poucas letras, que por mais de meio século indi-cou juízes, delegados, fiscais de tributo, profes-sores e fez governadores, senadores e deputados ...

Janotti 0987:73), numa simplificação nada razoável, incluiria um santo nome no rol, o padre Cícero do Juazeiro do Norte, um dos maiores fenômenos de carisma do país. O fato é que homens designados c o r o n é is apresentaram uma extraordinária variedade de origens sociais, in-teresses econômicos, extensões de patrimônio, preparo intelectual, procedimentos, capacidade de mando e influências políticas.

Havia c o r o n é is senhores de grandes e

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ciantes e banqueiros; analfabetos, doutores e intelectuais refinados; com grandes parentelas, de famílias ancestrais e aventureiros

récem-che-gados. Havia

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c o r o n é isc u ja autoridade derivava da força armada, da ascendência moral, da

ca-pacidade de prestar serviços, do uso de recur-sos e instrumentos públicos ou de tudo isto combinado em diferentes proporções. C o r o n é is mandavam em parte do município, no municí-pio inteiro, em conjuntos de municímunicí-pios e mes-mo em todo o Estado; sobrepunham-se, aliavam-se, obedeciam ou mandavam no pa-dre. Buscavam, quando constrangidos, a chan-cela do Estado; ignoravam, quando lhes era conveniente e possível, determinações de cima. Usando a linguagem de Maquiavel, c o r o n é is impuseram-se pelas o ir tú e armas próprias ou pelas o ir ti: e armas alheias. C o r o n el era alguém considerado, por motivos variados, merecedor de tratamento respeitoso.

o

CORONELlSMO

Leal 0976:19-20) reconheceu a varie-dade entre os co r o n éis, mas considerou que, nas diferentes regiões, teria predominado a se m e lh a n ç a . O seu conceito de co r o n elism o persiste amplamente assimilado: seria a re-sultante da su p er p o siçã o d e fo r m a s d e se n vo l-vid a s d o r e g im e r e p r e se n ta tivo a u m a e str u tu r a e c o n ô m ic a e so c ia l in a d e q u a d a . O fen ô m en o , típico da Primeira República 0889-1930), cons-tituiria o cerne de uma rede de co m p r o m isso s entre as instâncias de poder. Haveria um re-conhecimento mútuo entre o p o d er lo c a l (ou o administrador municipal), representado pelo c o r o n e l, grande proprietário, e o governante estadual.

Esta interpretação é insatisfatória por seu forte travo jurídico e sua inspiração d u a lista . As regulações formais da representação na demo-cracia liberal, em particular as regras eleitorais, são, a p r io r i, tidas como d esen vo lvid a s; in a d e -q u a d a seria a estrutura social e

econômica

do interior do país. O d u a lism o p r eten d eu segmen-tar o a r ca ico e o m o d er n o , ignorando vínculos estabelecidos na diversidade espacial e na

divi-60

são do trabalho, como se um existisse sem o outro (OLIVElRA,1987).

Leal vê uma população incapaz de inter-ferência política. Na realidade observada, não há lugar para outros confrontos e entendimen-tos que os dos potentados entre si e as esferas do poder público. Conflitos, alianças e co m p r o -m isso s são elementos da política em qualquer

tempo e lugar. O que haveria de malsão nos c o m p r o m isso s inerentes ao co r o n elism o i O fato de serem estabelecidos entre um senhor pode-roso e contingentes populares indefesos. Leal considera a população submissa (porque po-bre) e ig n o r a n te (porque iletrada). Como estes, de algum modo, manifestaram suas insatisfa-ções, foram tidos como fora-da-lei e desprovi-dos de racionalidade. O autor reproduziu, à moda de Euc1ides da Cunha (989), a visão preconceituosa acerca das variadas e ricas for-mas de resistência dos trabalhadores à ordem vigente.

O juridicismo revela-se ainda na sobrevalorização das mudanças institucionais sobre a realidade ... A legislação republicana concernente à representação política teria ensejado uma nova dinâmica de dominação, o fe n ô m e n o c o r o n e lista ! Subjacente a esta idéia há o lamento: a lei fora impotente para

melho-rar a sociedade.

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O c o r o n e lism o se r ia uma d efo r -m a ç ã o dos elevados propósitos da lei ... O Estado

liberal é visto à maneira positivista: as normas de representação seriam adequadas a socieda-des d esen vo lvid a s; assim, incompatíveis com o a tr a so do interior do Brasil.

O viés jurídico, aliado ao economicismo, estabeleceu associações mecânicas entre a pos-se de bens e o exercício do poder. Caio Prado Jr. 0988:23), referindo-se ao Brasil colonial, con-siderou o poder como a tr ib u to n a tu r a l do mo-nopólio da riqueza oriunda da terra: a g r a n d e e xp lo r a ç ã o a b so r ve a te r r a , o se n h o r r u r a l m o n o p o liza a r iq u e za e c o m e la se u s a tr ib u to s n a -tu r a is: o p r e stíg io , o d o m ín io . Resultante desta monopolização, o poder das câmaras seria o poder dos proprietários. A su p r em a cia d o m u -n ic íp io ou a a u to n o m ia lo c a lsofreria restrições ao longo do século XVIII mas, na construção do Estado, os g r a n d es p r o p r ietá r io s assumiriam

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discutível hegemonia (Prado Jr., 1988:29). Alberto P. Guimarães, entre tantos, concluiria:

... omlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m o n o p ó lio d a te r r a , n a s c o n d iç õ e spr éca

-p ita lista s d e n o ssa a g r ic u ltu r a , a sse g u r a à c la s-se d o s la tifu n d iá r io s u m a fo r ç a m a io r q u e

o

p o d e r io e c o n ô m ic o , u m a e sp é c ie d e p o d e r q u e fr e q ü e n te m e n te su p e r a e so b r e vive à q u e le - o

p o d e r e xtr a -e c o n ô m ic o (G u im a r ã e s,1 9 9 7 : 3 5 ).

A associação mecânica entre a riqueza e o poder foi absolutizada por Raymundo Faoro.

Já o título de sua influente obra,

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O s D o n o s d o P o d e r , fo r m a ç ã o d o p a tr o n a to p o lític o b r a sile

i-r o , sugere uma autoridade pública passível de apropriação como os bens materiais. Conside-rando que op a tr im ô n io concentrado nas mãos da Coroa caracterizaria o sistema político portu-guês, do qual o Brasil herdara os fundamentos, Faoro sustenta que o Estado seria p a tr im o -n ia lista , b u r o c r á tic o e a u to r itá r io , impedindo a modernização econômica e a emergência da sociedade civil. Os rumos do país estariam contingenciados pelos ditames do e sta m e n to

b u r o c r á tic o que tudo previa, podia e determi-nava. Este autor transforma o processo político brasileiro numa rotina previsível, enfadonha, exasperante:

A o r d e m p ú b lic a p o r tu g u e sa , im o b iliza -d a n o s a lua r â s, r e g im e n to s e o r d e n a ç õ e s, p r e stig ia d a p e lo s b a ta lh õ e s, a tr a ve ssa

o

o c e a

-n o , i-n c o r r u p ta , c a r a p a ç a im p o sta a ocor pose m q u e a s m e d id a s d e ste a r e c la m e m . O E sta d o so b r e p ô s-se , e str a n h o , a lh e io , d ista n te à so c ie d a d e , a m p u ta n d o to d o so s m e m b r o s q u e r e sistisse m a o d o m ín io . (. ..) ... n e n h u m c o n ta -to , n e n h u m a o n d a vita liza d o r a flu i e n tr e o

g o ve r n o e a s p o p u la ç õ e s: a o r d e m se tr a d u z n a o b e d iê n c ia p a ssiva o u n o silê n c io . Nã o a d m ir a q u e , d u ze n to s a n o s d e p o is, a s lib e r d a d e s p ú -b lic a ss óe xista m p a r a d ive r tim e n to d e le tr a d o s, a g a r r a d o s a o s so n h o s q u e

o

lito r a l tr a z d e o u -tr o s m u n d o s (FAORO,1979:164-165),

A p o lític a d o s g o u e r n a d o r e s: posta em prática a partir do presidente Campos Sales (1898-1902), na qual os governantes estaduais

domi-navam o Congresso e o Judiciário e tinham o presidente da República como refém, configu-raria a su p r e m a c ia tu te la d o r a d o p o d e r p ú b lic o ,

agora organizado emp r in c ip a d o s e d u c a d o s e s-ta d u a is, operando em m o ld e p r ó xim o a o c o lo -n ia l(F a o r o ,1 9 7 9 : 6 3 1 ). O c o r o n e lism o não seria

fe n ô m e n o n o vo , senão em aspectos externos, o

p o d e r lo c a l (administração pública municipal) libertando-se dasp e ia s e d a s d e p e n d ê n c ia s e c o -n ô m ic a s d o p a tr im o n ia lism o c e n tr a l d o Im p é r io

em virtude da Constituição de 1891, que forta-leceu o governante estadual. Acompanhando Leal, atribui a força do c o r o n e l ao seu desempe-nho eleitoral em favor dos d o n o s d o p o d e r , entre os quais agora se destacavam os governadores. Mais que mediador entre o Estado e a socieda-de, o c o r o n e lfa r ia as vezes de representante do onipotente e sta m e n to . Por sua condição econô-mica, submeteria a sociedade despossuída, iner-me, atomizada, incapaz de articular-se politicamente (Faoro, 1979:620-625).

Recuperando com linguagem renovada e alguma flexibilidade o pensamento de Faoro, Schwartzman 0988:14) proporia o termo

n e o p a tr im o n ia lism o , de inspiração weberiana, definindo-o como u m a fo r m a d e d o m in a ç ã o p o lític a g e r a d a n o p r o c e sso d e tr a n siç ã o p a r a

a m o d e r n id a d e c o m

o

p a ssivo d e u m a b u r o -c r a -c ia a d m in istr a tiva p e sa d a e u m a " so c ie d a -d e c ivil" (c la sse s so c ia is, g r u p o s r e lig io so s, é tn ic o s, lin g ü ístic o s, n o b r e za e tc .) fr a c a e p o u c o a r tic u la d a .

Apesar de volumosa, a literatura sobre o

c o r o n e lism o carece de elementos empíricos, comparações e sustentação teórica razoáveis. O

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de votos e, sobretudo, abstrai a variedade de

práticas

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c o r o n e lístic a s. Suas formulações foram essencialmente baseadas nas pesquisas de Jean

Blondel sobre a vida política da Paraíba. Uma contribuição significativa ao debate foi a de Ibarê Dantas (987), que apontou a necessidade de uma periodização dofe n ô m e n o e, contrariando a tendência predominante, não atribuiu a im-portância do c o r o n e l à sua função eleitoral. Ressaltando a história sergipana e as revelações de estudiosos da violência no sertão como Amaury de Souza (973) e Eul-Soo Pang (979), Ibarê destacou o papel coercitivo que os c o r o -n é is exerceram sobre a sociedade.

Inspirado em Poulantzas, pensador que for-mulou teorias sem apego aos processos históricos, Décio Saes 0994:87) sugeriu uma r e in te r p r e ta ç ã o

do c o r o n e lism o definindo-o r e str itiva m e n te , como

u m c o n ju n to d e p r á tic a s p o lític o e le ito r a is q u e p a r -tic ip a m , d e m o d o p e c u lia r , d a d u p la fu n ç ã o d o E sta d o -b u r g u ê s: d e so r g a n iza ç ã o d a s c la sse s tr a b a -lh a d o r a s e u n ific a ç ã o d a c la sse d o m in a n te so b

o

c o m a n d o h e g e m ô n ic o d e u m a d esu a sfr a çõ es. Saes 0994:88-89) explica que sua preocupação não esteve prioritariamente voltada para ap a r tic u la r i-d a i-d e n a c io n a l d o c o r o n e lism o , mas para a mani-festação do fenômeno em Estados-burgueses da atualidade, onde ocorrem os n o tá ve is d e c e r ta s r e g iõ e s r u r a is, como a França, a Itália e a Alema-nha. Entretanto, toda a sua elaboração volta-se para a funcionalidade eleitoral do grande

propri-etário de terra brasileiro que, num quadro

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p ré

-c a p ita lista , teria mantido relações de dominação e dependência pessoal.

TERRA E PODER

Admitindo o c o r o n e l como latifundiário, o mínimo a se esperar, na elaboração do conceito de c o r o n e lism o , seria um tratamento fundamen-tado da relação entre a grande propriedade e o exercício do poder no campo. Nas sociedades agrárias, os ordenamentos políticos emergem estreitamente vinculados ao acesso ao uso da terra. a Europa, quando a base fundiária foi incorporada ao capital, tomando-se p r o p r ie d a d e p r iva d a , um imenso exército de despossuídos foi

62

liberado, processo decisivo para a acumulação primitiva e a emergência do mundo das merca-dorias. Ap r o p r ie d a d e d a te r r a , objeto de lutas sangrentas e árduas disputas políticas, configu-rou-se plenamente com o desenvolvimento capi-talista e a construção do Estado burguês. Sem lei e instrumentos que a efetivem, a terra não seria objeto de compra e venda; não haveria p r o p r ie -d a -d e p le n a , mas p o sse , o c u p a ç ã o , fe u d o , d o m í-n io , se í-n h o r io , m o r g a d io , c o n c e ssã o ...

Lições da experiência européia, no medievo ou na transição capitalista, transpostas para o sertão, acarretam problemas. A convic-ção de que a lei definiu e sustentou a g r a n d e p r o p r ie d a d e não considerou o teor da legisla-ção, sua aplicabilidade e a dinâmica da socie-dade dos vaqueiros. A noção de p r o p r ie d a d e fu n d iâ r ia era estranha ao estatuto da sesmaria,

que previa concessões, mas não estabelecia o direito de compra e venda. Quem não cultivas-se a terra ou a arrendascultivas-se a terceiros, teria os direitos dominiais e o usufruto das glebas suspensos. Mas a legislação seria absolutamen-te desrespeitada. Barbosa Lima Sobrinho (946), um dos pioneiros na pesquisa do tema, concluiu:

Q u a n d o se fize r a h istó r ia te r r ito r ia l d o p a ís, so b r e tu d o n a r e g iã o n o r d e stin a , h á d e se ve r

i-fic a r : 1) q u e

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o sd o m ín io s r e ivin d ic a d o s p e lo s p o te n ta d o s sã o m u ito m a is e xte n so s q u e a s c o n

-c e ssõ e s d a d a s; 2) q u e fo i in sig n ific a n te a p r o -p o r ç ã o d e sesma r ia s d a d a s a o s p o vo a d o r e s

e fe tivo s d a te r r a . Na h istó r ia d o d e va ssa m e n to d oP ia u i, e sse sfa to s se p a te n te a r a m d e m a n e r a m a is p r e c isa d o q u e e m q u a lq u e r o u tr o e p i-só d io d e c o n q u ista d o n o sso te r r itó r io . A c o n c e ssã o d a s se sm a r ia s b e n e fic ia va a p o te n -ta d o s b a ia n o s, n e n h u m d o s q u a is p e n sa r ia e m tr a n sfe r ir a s su a s r e sid ê n c ia s p a r a e ssa s p a r a -g e n s b r a via s. D o m in g o s Afo n so M a fre n s e ,

ju liã o Afo n so Se r r a , F r a n c isc o D ia s d 'Á u ila ,

Be r n a r d o P e r e ir a G a lo , (. . .) n ã o te r ia m , p o r c e r to , n e n h u m a id é ia d e m o r a r o u tr a b a lh a r n o s d e sc o b e r to sd o P ia u i, c o m o n ã o te r ia a q u e le G a r c ia d 'Ávila P e r e ir a , q u e e m 1 6 8 4 ,c o m q u a -tr o o u c in c o a n o s d e id a d e , já se in sc r e via c o m o titu la r d e se sm a r ia s, n a s m a r g e n s d o G u r g u é ia e d o P a r n a ib a .

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Entre os séculos XVII e XVIII, quando o criatório no Nordeste teve seu tempo de

expan-são e pujança, é incabível a noção de

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p r o p r ie -d a -d e d a te r r a . A penetração no sertão foi,

originalmente, de interesse da economia açucareira, que pediu braços indígenas, prote-ção contra o assédio das tribos, boi em pé, muita carne de gado e couro a bom preço. O cresci-mento da pecuária seria linear e rápido, sobre te r r a s a b e r ta s, o que exigia o extermínio das tribos. A instauração e manutenção de currais confundia-se com o ato guerreiro, o que sói acontecer com as sociedades de pastores, sem-pre envolvidas em lutas por espaço para os re-banhos. A literatura idealizou a capacidade do Estado metropolitano no estabelecimento de sua vontade: este não poderia impor determinações e mediar conflitos no vasto, longínquo e desco-nhecido mundo dos vaqueiros, agitado por lu-tas sangrentas entre índios, posseiros e sesmeiros.

O ambiente de guerra prolongou-se quan-do os currais tornaram-se fa zen d a s e os possei-ros - não necessariamente portadores de direitos legais - transfiguraram-se em fa zen d eir o s. Na dependência de pastos naturais e em vista do desgaste acelerado do solo, a pecuária cresceria linearmente, o que ensejou a rápida ocupação de um imenso território. No início do século XVIII, a extensão compreendida entre as franjas meridionais da Chapada da Diamantina e o vale

do rio Parnaiba estava assenhoreada,

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à revelia da legislação e do esta m en to . Estender o

terre-no dos rebanhos era indispensável à viabilização da pecuária. Os fazendeiros persistiriam em contendas sangrentas para ampliar e garantir seus domínios. Em tal ambiente, falar em g r a n -d e p r o p r ie -d a -d e é produzir ficção jurídica estul-ta: a terra era naturalmente de quem mostrasse talento no comando de homens em armas.

Sob o regime monárquico, o braço repressor do Estado fazendo-se perceber nos sertões, assim como a Lei de Terras de 1850, que estatuiu a plena propriedade, a pecuária nordestina, já inviabilizada, perdia seus traços originais. Com terras gastas, dimensões e pro-dutividade reduzidas, atendendo à população acrescida, admitia culturas agrícolas e o

extrativismo vegetal. A partilha por herança, prevista na Lei, seria mais um complicador na reprodução das unidades produtivas. Os fazen-deiros desfazem-se da escravaria, diversificam suas atividades, adotam variados expedientes para obtenção de renda da terra e dedicam-se ao comércio interno. Multiplicam-se m o r a d o -r e s, sitia n te s, pequenos produtores, novos pos-seiros, artesãos e trabalhadores sob variadas condições contratuais. A sociedade, dependen-do cada vez mais de culturas agrícolas, expõe-se a grandes tragédias, como a expõe-seca de 1877-1879. Os conflitos sangrentos não mais se resumem à luta entre fazendeiros; envolvem personagens variadas, animadas por valores universais como a co r a g em , lea ld a d e, h o n r a , exacerbados pelas refregas contínuas no sertão.

A pecuária adentra a fase republicana em paulatina e irreversível desorganização. A força dos sertanejos p o d er o so s passa a depender, além do exercício da violência privada, de recursos materiais para o atendimento de demandas soci-ais msoci-ais complexas. O Estado, sob a batuta dos agro-exportadores, não surgia para os sertanejos atenuando agruras, mas impondo regulações e procedimentos (tributações, registro civil, laicização, sistema decimal de pesos e medidas, vacina obrigatória), de sentido nada evidente. Sob a República, além da força privada, a farru1ia ou o agrupamento poderoso deveria exercer múltiplas funções, públicas e particulares.

O que é normalmente apontado como p r e sta ç ã o d e fa vo r , é encarado, por sertanejos

dominantes e dominados, como cu m p r im en to d e o b r ig a ç õ e s.O mando passa a requerer novos saberes, habilidades, c a r ism a e ascendência moral sobre contingentes de composições mais diversificadas. É mister considerar estes aspec-tos para perceber como se efetivava o domínio de grandes glebas e a influência sobre as comu-nidades. A expressividade eleitoral do homem tratado como co r o n el decorria, antes de tudo, da capacidade de fazer-se respeitar como porta-dor de múltiplas virtudes, de impor sua vonta-de, inclusive sobre um ente de fisionomia e

d e sid e r a ta mal definidos: o Estado.

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o exame objetivo do processo social que a con-figurou, é uma postura assumida por autores de linhagens teóricas diversas. José de Souza Martins adianta reflexões que poderiam estar assinadas

pelo liberal Faoro ou pelo marxista Caio Prado:

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A p r o p r ied a d e d a ter r a

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éo cen tr o h istó r ico d e u m sistema p o lítico p er sisten te. Asso cia d a a o ca p ita l mo d er n o , d eu a esse sistema p o lítico

fo r ça r en o va d a , q u e b lo q u eia ta n to a co n sti-tu içã o d a ver d a d eir a so cied a d e civil, q u a n to

d a cid a d a n ia d e seu s memb r o s. A so cied a d e civil n ã o ésen ã o esb o ço n u m sistema p o lítico em q u e, d e mu ito s mo d o s, a so cied a d e está d o -min a d a p elo E sta d o efo i tr a n sfo r ma d a em in s-tr u men to d o E sta d o . E E sta d o b a sea d o em r ela çõ es p o lítica s extr ema men te a tr a sa d a s, co mo a s d o clien telismo e d a d o min a çã o tr a d i-cio n a l d e b a se p a tr imo n ia lista , d o o lig a r -q u ismo . No Br a sil,

o

a tr a soé u m in str u men to d e p o d er (Martins, 1994:13).

A vinculação entre a p r o p r ied a d e d a te r -r a e o poder, provinda da Antigüidade, chega ao cenário de emergência da burguesia: (. ..) d o m in a r o u c u ltiva r a te r r a e te r d o m ín io e stã o in tim a m e n te c o n ju g a d o s. U m d e u d ir e ito a o o u tr o , afirmaria jonh Locke 0991:230). O Esta-do criaEsta-dor da sociedade despontaria imune a pressões e contra-pressões de interesses sociais; soma da vontade de indivíduos, constituir-se-ia infenso a legitimações do mando e às contin-gências da feitura, validação e aplicação da lei.

Se nas relações políticas os homens ma-nifestam interesses conflitivos que alteram-se no transcurso do tempo, revestidos e estimulados por variadas representações e humores; se dis-to, e de muito mais, deriva a complexidade da conquista e preservação do poder, a compreensão do exercício político no mundo p r éca p ita -lista não poderia esgotar-se na constatação da riqueza e da força bruta dos potentados. Para os que acompanharam Leal, a realidade que ensejou o co r o n elism o e teve como fundamento a g r a n d e p r o p r ie d a d e , seria superada com a m o d e r n iza ç ã o d a e c o n o m ia e a afirmação do Estado. José de Souza Martins, entretanto, con-siderou que a m o d er n iza çã o reforçou o a tr a so .

64

O que há de comum nestas conclusões é que atenuam as responsabilidades dos setores poli-ticamente hegemônicos na configuração das áreas p o b r es do país. A pecuária extensiva seria inconcebível com o acesso d em o cr á tico à terra e o desenvolvimento de culturas agrícolas. A um Estado refém dos negócios do café, não ocorreria a indução de alternativas econômicas para uma área que cumpria um papel comple-mentar e subordinado à região agro-exportado-ra mais dinâmica.

Obviamente, o potentado rural nordestino não seria favorável à redução de sua própria capacidade de arbítrio, o que não basta para torná-lo avesso à centralidade dos segmentos apresentados como m o d er n iza d o r es do Estado. Como observou Schwartzman 0988:38), a políti-ca que normalmente se considera tr a d ic io n a l, no contexto brasileiro n ã o ér u r a l, m a s u r b a n a , " m o d e r n a " , e le va d a a c a b o p o r u m a e lite c o m r e fin a m e n to e h a b ilid a d e n e c e ssá r io s p a r a c o n

-tr o la r u m a p a r e lh o e sta ta l b a sta n te c o m p le xo .

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A

constituição de Estados centralizados e relativa-mente estáveis compreendeu a convivência en-tre o p o d er c e n tr a l e p o d er es lo ca is. Aliás, a centralização resultou da supremacia de interes-ses firmados originalmente em âmbitos restritos. O co r o n el Pedro Freitas, que exerceu alongada dominação deste século no Piauí, apoiou iniciativas reformadoras (ofereceu ho-mens, armas e munição aos insurretos de 1930) e foi beneficiado por governantes tidos como modernizadores, sendo esta uma das razões de sua longeva influência. A sua família destacou-se no comércio interno e externo e esteve à frente de empreendimentos modernos, finan-ceiros e industriais. A ampliação do mercado consumidor regional decorrente de uma diver-sificação da produção não seria contrária a seus interesses. As mudanças institucionais pouco ou nada abalaram o seu poderio ao longo de déca-das, mesmo durante o regime militar.

Pedro Freitas não foi um co r o n elp o r conta de suas fazendas, seus m o r a d o r es ou m o r a -d o r e s de fazendeiros amigos. A sua influência deveu-se à habilidade na trama de alianças entre os poderosos e ricos, à articulação de uma vasta e intrincada malha de pequenos interesses a

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serem atendidos com recursos privados e ins-trumentos governamentais. Frente a um eleito-rado permanentemente alterado, à urbanização, ao desenvolvimento dos meios de comunica-ção e ao crescimento do aparelho de Estado, cumpria-lhe uma permanente recic1agem de procedimentos. Pedro Freitas não foi um pro-motor de mudanças, mas soube reconhecê-Ias e a elas adaptar-se. Sua influência não pode ser

simploriamente creditada à força do

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g r a n d e p r o -p r ie tá r io , ignorando-se um sa vo ir

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f a ir e

multifacetário e traços de personalidade pró-pria. Não faz sentido reduzir as especificidades e as transformações dos ambientes sociais em que os c o r o n é is dominaram. No mais, estudos de caso mostram que a d o m in a ç ã o tr a d ic io n a l

no Nordeste foi exercida por empreendedores modernos (Chilcote:

1990;

Lemenhe:

1995).

CLlNTELISMO E CLIENTELAS

A licenciosidade conceitual nas análises do processo político do sertão nordestino com-preende o uso axiomático das expressões

c lie n te lism o e c lie n te la . Não há observações sobre o c o r o n e lism o em que estas palavras não surjam com destaque.

A palavra latina c lie n te (c lie n s, e n tis,

c lie n te ) , no direito romano, significava protegi-do, defendido por um superior, op a tr o n u s. Em Roma, o c lie n te não detinha o domínio da terra. Integrava ag e n s como servidor de uma família, não mantinha laços de consangüinidade, mas submetia-se ao desígnio do p a ter . C lie n te la era o conjunto de c lie n te s de um patrício. Entre os gauleses e germanos, sua acepção foi ampliada para abranger vassalos, aliados, adoradores de certa divindade. Em inglês, c lie n t ainda hoje é empregado para designar freguês, dependente ou constituinte.

A prática jurídica, emérita conservadora de antigüidades, guardou parcialmente o senti-do senti-do termo: é costume o advogasenti-do ser tratasenti-do como p a tr o n o e o réu como c lie n te , seja ele rico ou pobre, poderoso ou humilde. A palavra seria ainda muito utilizada para designar usuários de serviços remunerados, de médicos, banqueiros,

comerciantes ... Na França, além disto, c lie n tê le

serve para designar os admiradores de um artis-ta ou seguidores de um líder político sem que isso implique relações de subserviência.

A literatura brasileira especializada usa o termo para indicar pessoas pobres e sem prote-ção, que subordinam-se a ricos, poderosos e influentes. Ou seja, relações que envolvam a manipulação de cargos e meios públicos em benefício de particulares. O beneficiado respon-deria com o apoio eleitoral. O c lie n te lism o se-ria, assim, uma forma de corrupção: o que, em princípio, pertenceria a todos, seria desviado em favor de alguns. Compreendido desta for-ma, o conceito é fortemente restritivo, não in-cluindo o mútuo favorecimento, entre si, dos ricos, poderosos e influentes.

Revendo o conceito, José de Sousa Martins

0994:29)

inverteria os termos da relação: no

Brasil, o c lie n te lism o seria preferencialmente uma troca defa vo r e s p o lític o s por b e n e fíc io s e c o n ô

-m ic o s, não importa em que escala; uma relação entrep o d e r o so s e r ic o se não principalmente entre

r ic o s e p o b r e s. Mudando os figurantes preferen-ciais do favorecimento, Martins persistiu com um conceito restritivo e indutor de equívocos.

O razoável seria admitir o c lie n te lism o

como a relação que envolva troca de favores, quaisquer que sejam suas natureza e escala, onde o poder exercido em nome do público seja orientado, de alguma forma, para o inte-resse particular. Assim, a relação c lie n te lista

comportaria as mais variadas composições, desde que implicassem concessões do po-der público ao interesse privado, beneficias-sem titulares ou pretendentes ao poder e repercutissem nas iniciativas do Estado. C lie n -te s são pessoas favorecidas, sejam ricos ou pobres, cultos ou iletrados, urbanos ou rurais,

in fo r m a d o s ou d e sin fo r m a d o s, vivendo sob as condições do capitalismo d e se n vo lvid o ou a tr a -sa d o e com relações de poder tr a d ic io n a is ou

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Tomar as relações ditas

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p r é -c a p ita lista s como o ambiente no qual se desenvolvem as

c lie n te la s é admitir o capitalismo como capaz de promover a distinção inequívoca entre o in-teresse público e o privado, distinção persegui-da, em vão, desde a Grécia clássica; é desconhecer a distância entre a legislação do Estado burguês, que se esmera nesta distinção, e a dinâmica da sociedade capitalista. Final-mente, dado o forte teor moralista inerente ao esforço de legitimação do Estado burguês, é estigmatizar negativamente as relações sociais classificadas como tr a d icio n a is.

Se a licenciosidade conturba, a porfia aca-dêmica pode render bons frutos nos embates eleitorais. Na espetacular eleição do jovem mé-dico José da Rocha Furtado ao governo do Piauí, derrotando a poderosa família do co r o n el Pedro Freitas após a queda do Estado Novo (945), os derrotados foram acoimados de clien telista s.Mas, no conjunto de forças que amparou Rocha Furta-do, preponderaram elementos cujos interesses e procedimentos eleitorais não eram distintos da-queles dos Freitas. Ex-govemadores do período da Primeira República compunham com desta-que o arco de alianças desta-que levou o médico de mentalidade e propósitos modernos ao governo do Estado. A eleição de Rocha Furtado represen-tou urna perturbação para grupos poderosos es-tabelecidos, em particular o grupo liderado pelo c o r o n e l Pedro Freitas, não urna ruptura nos pro-cedimentos relativos à reprodução do poder.

Exemplo recente de galvanização do elei-torado nordestino contra o co r o n elism o seria o do agrupamento político do Ceará eleito em 1986. Reclamando-se paladino da m o -d e r n i-d a -d e , este grupo caracterizou os adver-sários como c o r o n é is r e tr ó g r a d o s. Parte da esquerda assimilou seus argumentos de forte apelo eleitoral. A intelectualidade, tomando o c lie n te lism o como sobrevivência negativa da tr a d iç ã o , percebeu, nas diatribes contra os co -r o n é is e em certas iniciativas administrativas, evidências ou sinais de rompimento com uma ordem antiga. Celeste Cordeiro e Irlys Barreira 0992/1993:22) aludem a uma n o va o r d e m : F o r ta le za e m

1985

r e a b r e e ste e sp a ç o in a u g u -r a l. P o n to d e in fle xã o n a p o lític a c o r o n e lista

66

q u e stio n a d a p e lo su r g im e n to d e n o va s p e r so -n a g e -n s: su je ito s e m o vim e n to s p o r ta d o r e s d e u to p ia s e p r o je to s n ã o id e n tific a d o s c o m a a n

ti-g a o r d e m . Linda M. P. Gondim 0998:70)

con-cluiria que:

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C .. ) o m o d e lo d e g e stã o im p le m e n ta d o p o r Ta sso je r e issa ti e G ir o G o -m e s c o n stitu i, d e fa to , u -m p a sso ir r e ve r síve lp a r a a su p e r a ç ã o d o c lie n te lism o p a tr im o n ia lista e , p o r ta n to p a r a a c r ia ç ã o d e c o n d iç õ e s n e c e ssá

-r ia s a o e xe -r c íc io d o d i-r e ito d e c id a d a n ia .' No Ceará, os derrotados, quando no go-verno, haviam inaugurado o planejamento de políticas públicas e abraçado o receituário m o d e r n iza d o r : ampliação da infra-estrutura, diversificação das atividades econômicas, mai-or produtividade, qualificação da mão-de-obra, atração de empresas... Os co r o n éis Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cais agiram de fato como oficiais do Exército engajados na cons-trução do Brasil-potência, propósito que orien-tou a intervenção dos generais.

Quanto aos novos governantes, não consta terem rejeitado c o m p r o m isso s com os que, no passado, eram conhecidos como d o n o s d e cu r -r a is e le ito -r a is. Ressalvados alguns confrontos verificados nos primeiros anos do já alongado período do grupo liderado por Tasso Jereissati, no parlamento estadual os apoiadores dos co

-r o n é is formaram ao lado dos m o d er n iza d o r es. O jornalista Fábio Campos observou a convi-vência dos novos governantes com os políticos tr a d ic io n a is: os prefeitos do PSDB do Ceará, com u m a o u o u tr a r a r íssim a e lo u vá ve l e xc e -ç ã o , seriam todos b o n s filh o te s d a p r á tic a c o r o n e lístic a (OP O VO ,

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2 6 .0 8 .1 9 9 7 ).

As adesões indicam a ausência de anta-gonismos com interesses estabelecidos, o que não exclui a disposição para contemplar novos interesses e adotar novos procedimentos. Estes eram requeridos não apenas por conta de mu-danças verificadas ao longo do regime militar e do ambiente de r ed em o cr a tiza çã o , mas da pre-sença de novos atores, alguns dos quais firma-dos ou consolidafirma-dos no curso do domínio dos c o r o n é is: grandes especuladores imobiliários, investidores externos, empresas modernas de serviços, empresários agrícolas, produtores de bens culturais, profissionais da comunicação, a

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comunidade acadêmica, burocratas especia-lizados... Os novos políticos disputariam votos numa sociedade mais urbanizada, letrada e

com-plexa; o

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c lie n te lism oteria que compreender ou-tros interesses e ser revestido de dissimulações.

Não estaria mais circunscrito às conhecidas pro-teções aos perseguidos da Justiça, doações de caixões funerários, cadeiras de rodas ou à nome-ação de funcionários públicos ... Passam a incluir informações privilegiadas sobre concorrências públicas, construção de estradas, avenidas, por-tos, aeroporpor-tos, expansão ou redução da rede de serviços públicos, grandes obras de saneamento, concessões de incentivos físcaís, a alienação de empresas públicas... Enfim, negócios que, em qualquer parte do mundo, interessam aos em-preendedores modernos.

Mudando de composição e procedimen-tos, a relação clien telista não perde sua nature-za, nutrida pela sempre nebulosa distinção entre o público e o privado, que aliás não é própria do Nordeste ou do Brasil, nem caracteriza eta-pas históricas. A possibilidade de co m p r o m is-so sé o que faz com que empresários financiem campanhas eleitorais não importa onde. No caso cearense, a persistência das antigas práticas é mais visível no interior do Estado como reve-lou Regianne Leila Rolim (1997).

Barbosa Lima Sobrinho, prefaciando a obra de Leal, indagou: Q u e im p o r ta q u e o " co -r o n e l" te n h a p a ssa d o a d o u to r ? O u q u e a fa -ze n d a te n h a se

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tr a n s fo r m a d o e m fá b r ic a ? O u q u e

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o s se u s a u xilia r e s te n h a m p a ssa d o a a sse s-so r e s o u a té c n ic o s? Governando Pemambuco num tempo de lendários c o r o n é is, Sobrinho conheceu os procedimentos políticos no

ser-tão. Referindo-se ao fato de o co r o n el ter pas-sado a d o u to r , tem ciência de que, independente do modo como fossem tratados, os que exercessem o mando agiriam neces-sariamente da mesma forma. O caso do doutor Rocha Furtado é ilustrativo, às avessas: não as-similando as práticas estabelecidas, nem reve-lando habilidade ou vontade de agir conforme o padrão vigente, sua posição de mando foi extemporânea e efêmera. O desenvolvimento econômico, a complexidade das relações soci-ais, a prevalência do eleitorado urbano, a

mai-ar presença do Estado e a multiplicação dos letrados e portadores de títulos acadêmicos afe-tam a dinâmica da reprodução do poder, não os seus fundamentos. Isto fica por conta de rupturas mais profundas e abrangentes.

SERTANEJOS "EXCLUíDOS"

A literatura, inclusive a que valoriza ima-ginários, símbolos, discursos, percepções de alteridade, garante a continuidade das inter-pretações jurisdicista e economicista à medida que se apóia em seus pressupostos, tomando a grande propriedade como esteio da domina-ção de co r o n éis e conferindo aos trabalhado-res a condição de exclu íd o s en q u a n to su je ito s p o lític o s (Barreira, 1992).

Nas Ciências Sociais, algumas palavras entram na moda sem que seus sentidos jamais fiquem claros. É difícil encontrar intelectual, político, padre ou artista que não utilize hoje os termos exclu sã o e exclu íd o s. Caberia perguntar: e xc lu íd o s de quê? Dos direitos que a Lei prome-te consagrar? Da possibilidade de manifestar-se e representar-se politicamente? Das atenções do poder? Das clien tela s? Do mundo do trabalho, do mercado? Do d ir eito a ter d ir eito s, formula-ção de Hanna Arendt que inspirou as reflexões de Elimar Nascimento (1994)?

O termo e xc lu íd o é nevoento, servindo para designar quem, desde o século XIX, era tratado, conforme as alterações econômicas, so-ciais, institucionais e, sobretudo, conforme as pre-dileções teóricas e pretensões políticas dos autores, como p o b r e, em p o b r ecid o ,p a u p e riz a d o ,

e xp lo r a d o , e xp r o p r ia d o , in ju stiç a d o , o p r im id o ,

su b m isso , d o m in a d o , d isc r im in a d o , m a r g in a l, p e r ifé r ic o ...

(11)

reflexivo sobre a

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e xc lu sã o . O uso intensivo do termo é coetâneo à vulgarização da

pala-vra cid a d a n ia , ao crescimento mundial do de-semprego e à publicização de violentos conflitos étnicos.

A idealização do Estado burguês é ine-rente à idéia de exclu sã o p o lítica : pressupõe-se-lhe capaz de incluir toda a sociedade em seu vasto e quimérico elenco de direitos. A noção de cid a d a n ia é permanentemente construída e sempre passível de múltiplas acepções. Os d i-r e ito s d o c id a d ã o servem para designar um rol de vontades, demandas e promessas que, na modernidade, não parou de crescer. A cid a d a -n ia , ou seja, a in clu sã o p o lítica , não mais res-tringir-se-ia à proteção da lei, ao tratamento igualitário, à integridade física, à liberdade de manifestação do pensamento ... Abarcaria o di-reito a condições de vida digna, a um meio ambiente saudável, ao respeito à individualida-de, ao acatamento das d ifer en ça s entre pessoas e coletividades minoritárias ... direitos plenos de subjeções.

Como figura de retórica no discurso polí-tico, não caberia reparos ao uso do termo ex-c lu sã o para reconhecer os prejudicados pelo sta tu s q u o . Em análises acadêmicas, pode servir para revelar de forma vaga inserções sociais diferenciadas em países de r eg im es p o lítico s es-tá ve is. Entretanto, o emprego desse co n ceito no estudo das relações de poder no sertão, em quaisquer de seus contextos históricos, confun-de mais do que esclarece. Implicaria na nega-ção sumária dos confrontos radicalizados. Homens lutando de armas na mão, como ocor-reu no mundo dos vaqueiros, incluem-se natu-ralmente como protagonistas políticos. O poder os toma, via de regra, como fo r a -d a -lei ... Mas o faz como retórica para a sua própria legitimação. A luta armada é a contestação mais radical da

legalidade.

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É de sua natureza transtornar no-ções de autoridade. Contendores,

preparando-se para a guerra e, sobretudo, vivendo a própria guerra, suspendem, reformulam, ignoram de-terminações jurídicas, tradições e princípios éti-cos que não lhes sirvam à vitória; na perspectiva de matar ou morrer, constróem, como lhes con-vêm, a noção de crime; fazem o direito, não

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respeitam normas estabelecidas por outrem (Domingos, 1998).

Djacir Menezes 0995:46), estudando os sertanejos, concluiria: o h o m em q u e n ã o tem ter -r a s, n e m e sc -r a vo s, n e m c a p a n g a s, n e m fo -r tu n a , n e m p r e stíg io , se n te -se a q u i, p r a tic a m e n te , fo r a d a le i.O autor não considerou os sangrentos con-frontos sertanejos como quebra de uma rotina de uma sociedade harmoniosa. Mas menosprezou o fato de as clien tela s ser ta n eja s estarem p r o teg id a s por homens que impunham-se ao Estado, sendo por este reconhecidos. De certa forma, muito do que é apontado como ileg a lid a d e na prática dos c o r o n é is,pode ser interpretado como a ausência das dissimulações característica de quem não está em busca de ver o seu poder legitimado.

No uso corrente da expressão p o litic a -m e n te e xc lu íd o s, está sempre implícita a no-ção de p o b r eza , medida via de regra mais pelos rendimentos monetários que pelas con-dições de vida. No tratamento dos sertane-jos, a e xc lu sã o p o lític a associa-se estreitamente à idéia discutível de e xc lu sã o d o m e r c a d o . Desde o repovoamento, as ati-vidades econômicas do sertão sempre inte-graram a economia brasileira. Os sertanejos, sobretudo a partir do século XIX, produzi-ram e compraproduzi-ram mercadorias. Mas foi uma integração econômica subordinada, comple-mentar e historicamente prejudicada pela postura de um Estado hegemonizado pelos interesses da agro-exportação. Mais que o monopólio da terra, estas foram as razões do baixo poder aquisitivo, ou da exclu sã o e c o -n ô m ic a , corolário da exclu sã o p o lític a dos trabalhadores do sertão.

Malgrado os propósitos de superação de interpretações antigas, é difícil não compreen-der a atribuição à condição de exclu íd o s p o líti-c o s aos trabalhadores nordestinos como uma nova roupagem para os preconceitos em rela-ção aos guerreiros sertanejos. Escrevendo na passagem do século XIX para o século XX, Euclides da Cunha estigmatizou os aguerridos

combatentes de Canudos, como r e fr a tá r io s

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à

c iviliza ç ã o ; guerreiros valentes, heróicos até, mas

desprovidos de racionalidade ... Muitas décadas depois, Hobsbawm classificaria a peleja dos

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cangaceiros nordestinos, personagens do mun-do mun-dos vaqueiros em avançada decomposição,

como movimento

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p r é -p o litic o ...Sua formulação seria criticada por reduzir noções de civilização

e política e idealizar valores que o Estado bur-guês buscou consagrar. O uso da expressão p o -litic a m e n te e xc lu íd o s mostra o fôlego do raciocínio infeliz de Hobsbawm.

Considerar a propriedade da terra como base fundamental do poder no se r tã o , é anular a complexidade da dinâmica social e reduzir a his-tória à vontade afirmativa do Príncipe. A legisla-ção sobre a terra, a organizalegisla-ção administrativa, o sistema tributário, a escolha da representação política, a distribuição de cargos e patentes mili-tares findam ganhando extraordinário poder explicativo. Como os sertanejos p o b r e s contraria-ram o poder, emergicontraria-ram as clássicas deduções: a lei teria sido mal engendrada, adaptada de mo-delos estrangeiros não assimiláveis; a população não seria c iviliza d a o bastante para compreen-der-lhe o sentido e acatar-lhe os propósitos ...

Se a estreiteza de minha janela de obser-vação, o Nordeste pecuarista, impede defini-ções conclusivas sobre u m fe n ô m e n o q u e nunca foi r e g io n a l, permite sugerir que se evite o uso do termo c o r o n e lism o para designar uma forma precisa de dominação política baseada no sim-ples monopólio da terra. Vale registrar, a pala-vra sobrecarregou-se demasiado. Reflete mais que a idealização do Estado burguês e o me-nosprezo do urbano frente ao rural. Foi associ-ada às construções relativas à regionalidade. No senso corrente, o c o r o n e lism o e c lie n te la s são peculiares ao maior e mais amigo abrigo de

e xc lu íd o s do país, o sertão do Nordeste brasileiro.

NOTAS

Agradeço aos colegas Ricardo Antunes, André Haguette, Diathay Bezerra de Menezes, Bernadete Beserra e Estevão Arcanjo as observações feitas a este texto. As opiniões expressas são de minha inteira responsabilidade. Devo a Marcos Lopes a revisão final do texto.

Até o século XIX, o se r tã o n o r d e stin o , com suas fronteiras mal determinadas, foi o principal

supri-dor de proteína animal do Brasil, viabilizando a economia açucareira, a mineração e as aglomera-ções urbanas do litoral. Durante o século XX, atra-vés do extrativismo vegetal e da cultura do algodão, foi importante fornecedor de divisas para a economia nacional.

Este ponto de vista resiste ao tempo. Marcel Bursztyn (984), analisando as intervenções go-vernamentais no Nordeste na segunda metade do século XX,centrou suas preocupações na temática da centralização/descentralização do Estado no Brasil. Concluiria que, a p e sa r d a c r e sc e n te im p o r tâ n c ia d a c e n tr a liza ç ã o , o n d e a lg u n s p o u c o s to r -n a r a m -se r e a lm e n te " d o n o s d o p o d e r " , a in d a p e r siste o p e so p o lític o r e p r e se n ta d o lo c a lm e n te p e lo

" p o d e r d o s d o n o s" 0 9 8 4 : 1 2 ).

Maria do Carmo C. de Souza (988), que absor-ve formulações de Leal, resumiu a noção mais aceita dap o lític a d o s g o ve r n a d o r e s: C o m o p o d e r ju d ic iá r io , m ilita r e p o lic ia l e m su a s m ã o s, o E

s-ta d o (governo estadual) g a r a n tia su a p o siç ã o d e p a r te fo r te , n u m a b a r g a n h a n a q u a l

o

m u n ic íp io a o n ã o e n tr a r n a s r e g r a s d o jo g o , te r ia m u ito a p e r d e r , e a o c u m p r i-Ia s, g a n h a va o q u e p o d ia r e -c e b e r 0 9 8 8 : 186). Enquanto vigiu este sistema, a hegemonia esteve entregue aos Estados mais im-portantes, Minas Gerais e São Paulo.

Maria Auxiliadora Lemenhe 0996:18) foi mais cautelosa: Nã o é d e sp r o p o sita d a , p o r ta n to , a su r -p r e sa d e sp e r ta d a e n tr e o b se r va d o r e s d ive r so s, d e n tr o e fo r a d o C e a r á , c o m a s m u d a n ç a s id e n tific a d a s, m a is r e c e n te m e n te , n a vid a p o líti-c a d o E sta d o . As e le iç õ e s d e 1986 e a lg u n s d e se u s d e sd o b r a m e n to s o fe r e c e m in d íc io s d a e m e r g ê n -c ia d e fo r ç a s p o líti-c a s, o u , ta lve z, d e u m a -c o n fi-g u r a ç ã o d ife r e n c ia d a d o p o d e r e m r e la ç ã o a é p o c a s a n te r io r e s.

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