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20 de fevereiro de 2014

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Processo

1390/13.0TBTVD-A.L1-6

Data do documento

20 de fevereiro de 2014

Relator

Fátima Galante TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Processo especial de revitalização > Impugnação da lista provisória de créditos > Classificação

SUMÁRIO

1. A lista apresentada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo de revitalização, deve apresentar-se desde logo tão exaustiva quanto possível, tendo em consideração o disposto no nº 1 do artigo 154º do CIRE, não descurando o preconizado no nº 2 do artigo 129º do mesmo diploma, ou seja, com a identificação de cada credor reclamante, o fundamento e montante dos créditos, a natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinada dos créditos.

2. O AJP não está dispensado, no caso da lista provisória de créditos, de adoptar o procedimento e nomenclatura constantes do artigo 47º, que distingue os créditos “garantidos” e “privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos “comuns”.

3. Não existe no CIRE norma que discipline a matéria da classificação dos créditos reclamados em sede de PER, pelo que as reclamações de créditos no PER devem seguir o modelo estabelecido no artigo 128.º do CIRE, com as indicações estabelecidas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 128.º - a proveniência do crédito, sua data de vencimento, os respectivos montantes de capital e de juros; as condições a que o crédito esteja subordinado; a sua natureza - sendo que, no caso de se tratar de um crédito garantido, devem ser indicados os bens ou direitos objecto da garantia; a existência de garantias pessoais; a taxa de juros de mora.

4. No PER não está em causa a graduação dos créditos reclamados, tudo se reconduzindo à sua verificação e – por força da segunda parte do n.º 7 do artigo 17.º-G do CIRE – à respectiva classificação, a qual terá de se fazer nessa fase, sob pena de poder inibir definitivamente o credor de vir a corrigir o que lhe parecer não estar bem na lista provisória de créditos.

(sumário da Relatora)

TEXTO INTEGRAL

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – RELATÓRIO

Nos autos de processo especial de revitalização em que é requerente F…, Unipessoal, Lda., por despacho de 20.05.2013 (fls.

49), foi nomeado Administrador Judicial Provisório, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 1, alínea a) do CIRE, tendo sido dado cumprimento ao n.º 4 do mesmo normativo.

O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos a lista provisória de créditos a que alude o artigo 17.º-D, n.º 3 do CIRE em 17.06.2013 (fls. 82 a 89).

Nessa sequência, e nos termos do mesmo normativo, foram apresentadas as seguintes impugnações:

(i) impugnação apresentada pelo credor U…, S.A. (fls. 97 a 151) e (ii) impugnação apresentada pelo credor O…, S.A. (fls. 522) Foi proferida decisão que:

a) Julgou improcedente a impugnação apresentada pelo credor U…, S.A.;

b) Julgou improcedente a impugnação apresentada pelo credor O…, S.A.;

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c) Determinou a conversão da lista apresentada pelo Administrador Judicial Provisório em definitiva (art. 17.º-D, n.º 4 do CIRE)

Recorre a credora O…, S.A. da decisão, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que indeferiu a impugnação que a Recorrente apresentou da lista provisória de créditos elaborada e apresentada no âmbito do PER que constitui os presentes autos.

2. A Recorrente apresentou então impugnação da lista provisória de créditos, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 17.º-D do CIRE, argumentando, em síntese:

- Não existe no CIRE norma que discipline a matéria da classificação dos créditos reclamados em sede de PER.

- Deve entender-se que, por aplicação das regras da analogia, as reclamações de créditos no PER devem seguir o modelo estabelecido no art. 128.º do CIRE, constituindo uma obrigação legal dos reclamantes, por isso, alegar a natureza dos créditos que vêm reclamar, sob pena de ver os mesmos classificados como créditos comuns.

- Do disposto no n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE resulta que, nos casos em que ao PER se siga um processo de insolvência, é apenas permitido que, neste processo, os credores reclamem créditos que não tenham reclamado no primeiro,

- e da mesma norma parece claramente resultar a proibição, para quem tenha já reclamado os seus créditos no PER, de intervir de novo nessa matéria, assim se frustrando a possibilidade de, no processo de insolvência, virem alegar a natureza do seu crédito.

- O que terá como consequência que, qualquer que seja, de Direito, essa natureza, o seu crédito virá a ser classificado na insolvência como comum – por via da natureza de cláusula residual que assume a al. c) do n.º 4 do art. 47.º do CIRE.

3. A Meritíssima Juíza a quo, na douta sentença recorrida, não apreciou as questões e argumentos apresentados, tendo referido, em síntese, que a única classificação que interessa em sede de PER é a que separa créditos subordinados e não subordinados, isto porque tal é relevante para o apuramento do direito de voto dos credores para efeitos de aprovação do plano de recuperação e que a relevância da lista de crédito do PER resume-se à circunstância de os credores aí constantes não terem de apresentar nova reclamação em sede de processo de insolvência;

4. A interpretação que a Recorrente faz e reputa como correcta do n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE é no sentido de que o legislador quis que a lista definitiva de créditos se convolasse sem mais, após a sua fixação definitiva, em lista definitiva na fase de insolvência (com a única excepção dos créditos não reclamados no PER).

5. Em lugar algum dos dispositivos legais que disciplinam o PER se prevê que a lista provisória de créditos deva discriminar os créditos de acordo com a respectiva natureza.

6. Tornada a lista definitiva – seja por não haver reclamações, seja porque, havendo as, elas não foram atendidas e a decisão assim tomada transitou em julgado – ela fica estável e já não pode ser alterada.

7. Ou seja, no caso sub judicio o crédito da Recorrente ficaria definitivamente classificado como comum.

8. A redacção adoptada pelo legislador para o aludido n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE parece ter partido do princípio de que a lista é definitiva e que, como tal, no caso de conversão do processo de revitalização em processo de insolvência, se aproveita essa lista, com essa natureza, numa óptica de celeridade processual, assim se evitando os passos processuais próprios do processo de insolvência previstos nos arts. 128.º e segs. do CIRE, ou seja, as fases de reclamação de créditos, de relação dos mesmos através da elaboração de uma lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, de impugnação dessa lista, respectivo contraditório, instrução e decisão.

9. O legislador é suficientemente claro, ao restringir a capacidade de utilização do prazo para reclamações de créditos no processo de insolvência apenas à reclamação de créditos não reclamados no PER. Isto significa, se bem se lê o comando legal, que unicamente os credores que não reclamaram créditos em sede de PER podem utilizar o prazo para reclamação de créditos que for fixado na sentença que decrete a insolvência do devedor. Os outros, aqueles que já reclamaram os seus créditos no PER, não o poderão fazer.

10. Com a interpretação dada pela douta sentença recorrida ao transcrito n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE, a Recorrente fica inibida não apenas de vir reclamar créditos na possível insolvência subsequente ao presente PER, mas também de vir pedir a alteração da natureza do crédito já por si reclamado, o qual foi caracterizado definitivamente como “comum”, quando na realidade é “garantido”.

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11. Uma lista definitiva de créditos, que transitou do PER para o processo de insolvência, não pode ser ainda sujeita a impugnação, quando sobre ela recaiu já uma decisão transitada que a tornou imutável.

12. Isto, sem prejuízo de as reclamações apresentadas em momento posterior ao PER, no processo de insolvência, não poderem ser consideradas abrangidas pela decisão judicial que apenas se referia aos créditos constantes da lista provisória elaborada e apresentada naquele processo.

13. A Meritíssima Juíza a quo considerou a decisão tomada sobre a lista provisória de créditos como um decisão “sumária”.

14. Aparentemente, o entendimento da Meritíssima Juíza a quo vai no sentido de ver na decisão sobre a lista provisória de créditos uma decisão sumária no sentido de provisória,assimilando o significado da expressão sumária ao da decisão tomada com base em suma cognitio, à maneira das decisões das providências cautelares.

15. Não se vislumbra na lei qualquer apoio a tal entendimento – sendo certo que não poderá ser o simples facto de ter sido estabelecido um prazo curto para a tomada de decisão um argumento significativo e, menos ainda, decisivo.

16. Tal entendimento resulta mesmo contrariado pelo próprio mecanismo processual em presença, já que, por um lado, o objecto das decisões em causa é diferente num e noutro processo: no PER é uma lista provisória de créditos, preparatória de um processo destinado à recuperação de um cidadão ou empresa em situação económica difícil, e que, caso não haja impugnações ou elas sejam rejeitadas por decisão judicial, está sujeita a um procedimento que leva à sua transformação em lista definitiva num outro processo, o de insolvência, cuja finalidade principal é a insolvência do devedor e a liquidação do respectivo património. No processo de insolvência trata-se uma outra lista (embora não uma novalista), que tem de aproveitar os elementos tidos por definitivamente assentes na primeira por motivos de economia processual.

17. Por outro lado, não está em causa qualquer risco de lesão grave e dificilmente reparável a um direito do credor, ao invés do que se passa nos procedimentos cautelares (art. 381.º, n.º 1, do CPC).

18. Por outro lado ainda, e decisivamente, ao contrário do que se passa num procedimento cautelar, em que “nem o julgamento da matéria de facto nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal” (art. 383.º, n.º 4, do CPC), aqui a lista pode até ser rigorosamente igual, valendo para o processo de insolvência a lista tornada definitiva no PER.

19. No caso vertente, a Recorrente alegou a natureza “garantida” do seu crédito, tendo para o efeito junto um contrato de penhor mercantil que não foi posto em causa por ninguém e que, assim, faz prova plena daquela alegação (art. 376.º do Código Civil); por outro lado, dúvidas não existiam sobre o objecto do penhor, o estabelecimento de farmácia de que a Apresentante/Requerente do PER é confessadamente proprietária.

20. Não se vê, assim, quais poderão ter sido as dificuldades da Meritíssima Juíza a quo ao decidir sobre a classificação do crédito da Recorrente como garantido.

21. “A graduação de créditos é efectuada face aos bens concretamente apreendidos, sendo que nesta fase inexistem quaisquer bens apreendidos”, segundo se lê na douta sentença recorrida.

22. No PER não está, contudo, em causa a graduação dos créditos reclamados, dada a natureza e os objectivos deste processo, onde não se equaciona a graduação dos créditos: a natureza eminentemente negocial do processo de revitalização e o propósito de recuperação económica do respectivo requerente dispensa que se graduem os créditos reclamados, apenas exige a sua verificação.

23. Não se tratando de graduar créditos no PER, tudo se reconduz à sua verificação e – por força da segunda parte do n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE – à respectiva classificação, a qual terá de se fazer nessa fase, sob pena de poder inibir definitivamente o credor de vir a corrigir o que lhe parecer não estar bem na lista provisória de créditos.

Nestes termos deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que dê provimento à posição da Recorrente, determinando a natureza do crédito que reclamou como crédito garantido.

Corridos os Vistos legais, Cumpre apreciar e decidir.

É pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das

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questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise do processo especial de revitalização e, fundamentalmente, qual o objectivo da lista provisória de créditos a que alude o artigo 17º-D, Nº 3 DO CIRE.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Do regime e tramitação do processo especial de revitalização

Para uma melhor compreensão da questão a decidir, convém, previamente, fazer uma breve análise do regime jurídico do processo especial de revitalização e fins que lhe estão subjacentes.

A Lei 16/2012 aditou ao CIRE os artigos 17.º- A a 17.º- I que regulam o PER. Trata-se de um processo urgente, que visa combater o desaparecimento prematuro de agentes económicos do tecido empresarial que, não obstante as dificuldades financeiras que atravessam, sejam economicamente viáveis. Deste modo, o PER tem como finalidade, em momento anterior ao da insolvência, permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas cuja recuperação seja ainda possível, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a alcançar um acordo com estes, tendente à sua recuperação, uma vez que os interesses dos credores não podem ser frustrados.

Segundo Catarina Serra[1], o PER é um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.

Com base no disposto no artigo 17º-B do mesmo diploma, o devedor encontra-se numa situação económica difícil quando se depare com sérias dificuldades em cumprir atempadamente as suas obrigações. Todavia, essa dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já em situação de insolvência[2].

Nos termos do nº 1 do artigo 17º- C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigida ao juiz, juntando a declaração ali mencionada. Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador judicial provisório.

Proferido o despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.

Com o despacho de nomeação do administrador judicial provisório começa a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclame os seus créditos, incluindo os credores que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações a que alude o nº 1 do artigo 17º-C do CIRE. As referidas reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que tem um prazo de 5 dias para elaborar uma lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, é, depois, publicada no portal Citius.

De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 17.º-D, após a publicação, a lista provisória de créditos pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis convertendo-se em definitiva, caso o não seja, conforme decorre dos nºs 2 a 4 do artigo 17º-D do CIRE. Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva – cf. n.º 4 do artigo 17.º-D. Terminado o prazo para as impugnações, as mesmas são apreciadas pelo juiz no prazo de cinco dias, estabelecendo o nº 5 do artigo 17º-D do CIRE um outro prazo de dois meses para que os declarantes concluam as negociações encetadas, prazo esse que pode ser prorrogado verificadas certas circunstâncias.

Apresentada a lista definitiva de créditos, os credores dela constantes que decidam participar devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, nos termos do nº 7 do artigo 17º- D do CIRE.

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Tais negociações podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores. Mas também podem terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores. O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE, ou seja, uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções. O quórum deliberativo é calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Concluindo-se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, o plano de recuperação deverá ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Pode, contudo, suceder, que o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível alcançar acordo, ou ser ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D. Neste caso, o administrador judicial provisório deve dar conhecimento nos autos, do encerramento do processo negocial, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo, ainda, o administrador judicial provisório de verificar se o devedor já está em situação de insolvência. Se assim for, o administrador deverá emitir parecer nesse sentido, nos termos do nº 4 do artigo 17º-G do CIRE, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo, então, o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Da análise supra referida decorre que o processo especial de revitalização, tem cariz marcadamente voluntário e extrajudicial.

Por outro lado, trata-se de procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3 do CIRE.

Esta diferente finalidade e natureza do processo de revitalização justifica alguns desvios ao regime regra do processo de insolvência, já de si classificado de urgente, no sentido de o tornar ainda mais célere, pelo que alguns dos procedimentos regra do processo de insolvência aqui não têm aplicação, atenta a especial e diferente tramitação prevista quanto ao PER.

Contudo, tais dissemelhanças, vêm expressamente assinaladas, como a que ocorre, por exemplo, quanto aos prazos previstos para a prolação da sentença de homologação/recusa do plano de insolvência.

O que não significa que estejamos perante um processo de cariz provisório, próprio dos procedimentos cautelares.

2. Da finalidade da lista provisória do artigo 17º-D, nº 3 do CIRE

A ora Recorrente apresentou-se a reclamar os seus créditos tendo junto à sua reclamação cópia de um contrato de penhor mercantil sobre o alvará da Farmácia e outras licenças, bem como o direito ao trespasse e arrendamento e todos os demais direitos, bens e equipamentos, conforme cláusula 1ª, nº 2 do contrato de penhor mercantil (cfr. fls. 25-30 dos autos), que celebrou com a Requerente do PER, a sociedade comercial F..., Unipessoal, Lda, pedindo que o seu crédito fosse reconhecido como crédito garantido.

O penhor mercantil destinou-se a garantir o pagamento do crédito detido pela Recorrente sobre a Requerente do PER, como decorre do contrato de pagamento de dívida também junto aos autos a fls. 13 a 22, constituindo garantia da obrigação de pagamento, nos termos dos artigos 666.º e seguintes do Código Civil.

Sucede que na lista provisória de créditos prevista no artigo 17.º-D do CIRE, o Administrador Judicial Provisório (AJP) incluiu o que denominou de “Classificação dos Créditos Reconhecidos”, tendo discriminado as seguintes espécies: “Comuns”,

“Privilegiados”, “Sob condição” e Subordinados”, omitindo os créditos garantidos, sendo o crédito da aqui Recorrente classificado como comum.

A Recorrente apresentou impugnação da lista provisória de créditos, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 17.º-D do CIRE, mas a decisão recorrida decidiu, em síntese, que a única classificação que interessa em sede de PER é a que separa créditos

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subordinados e não subordinados, isto porque tal é relevante para o apuramento do direito de voto dos credores para efeitos de aprovação do plano de recuperação. Segundo aí se afirma a relevância da lista de crédito do PER resume-se à circunstância de os credores aí constantes não terem de apresentar nova reclamação em sede de processo de insolvência, ficando a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos a apresentar no âmbito do processo de insolvência (art. 129.º do CIRE) sujeita à impugnação a que se refere o art. 130.º do CIRE. Argumenta-se, ainda, que, tendo em conta o prazo de cinco dias fixado pelo legislador para a decisão das impugnações dos credores, esta é necessariamente sumária, não havendo lugar a produção de prova.

2.1. A questão não será líquida, mas a análise do regime legal do processo de insolvência e, em especial, do processo de revitalização, apontam para uma solução distinta da plasmada no despacho recorrido.

Com efeito, se é certo que assiste razão à decisão recorrida quando afirma que a lista provisória se destina a permitir efectuar o cálculo do quórum deliberativo, tal circunstância não invalida que a lista, uma vez tornada definitiva, fique inalterável, seja qual for a classificação dada aos créditos pelo AJP, que, no caso, o AJP não se limitou a classificar os créditos

“subordinados” ou “não subordinados”, já que também discriminou um crédito como privilegiado.

É o que se afigura resultar do disposto na última parte do n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE, quando refere que havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea J) do n.º1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.

Concorda-se, pois, com a argumentação trazida pelo Recorrente nas suas alegações quando conclui que, em caso de conversão do processo de revitalização em processo de insolvência, se aproveita a lista de créditos, assim se evitando os passos processuais próprios do processo de insolvência previstos nos arts. 128.º e seguintes do CIRE, ou seja, as fases de reclamação de créditos, de relação dos mesmos através da elaboração de uma lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, de impugnação dessa lista, respectivo contraditório, instrução e decisão.

O legislador quis restringir a capacidade de utilização do prazo para reclamações de créditos no processo de insolvência apenas à reclamação de créditos não reclamados no PER, o que vale por dizer que unicamente os credores que não reclamaram créditos em sede de PER podem utilizar o prazo para reclamação de créditos que for fixado na sentença que decrete a insolvência do devedor.

Em caso de declaração de insolvência, por conversão do processo de revitalização, os credores que constem da lista apresentada pelo administrador judicial provisório, já não poderão apresentar nova reclamação de créditos. Aliás, não se afigura aceitável, por exemplo, que um reclamante que viu o seu crédito incluído na lista elaborada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo especial de revitalização, tenha de vir, em momento ulterior, impugnar a lista que vier a ser apresentada, no âmbito da insolvência, quando o deveria ter efectuado no momento próprio, ou seja, no prazo previsto no PER para o efeito. Tudo a significar uma delonga escusada do processo, que o legislador a todas as luzes quis evitar: daí o seu carácter de urgente.

Assim, como se afirma em Acórdão desta Relação de 9 de Maio de 2013, importa que «a lista apresentada pelo administrador judicial provisório, no âmbito do processo de revitalização, se apresente desde logo tão exaustiva quanto possível, tendo em consideração o disposto no nº 1 do artigo 154º do CIRE, não decorando o preconizado no nº 2 do artigo 129º do mesmo diploma, ou seja, com a identificação de cada credor reclamante, o fundamento e montante dos créditos, a natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinada dos créditos»[3].

Na verdade, não se vê porque o AJP não deva, no caso da lista provisória de créditos, adoptar o procedimento e nomenclatura constantes do artigo 47º, distinguem-se os créditos “garantidos” e “privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos

“comuns”, sendo os créditos “garantidos” e “privilegiados” aqueles que «beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes».

Por outro lado, não existe no CIRE norma que discipline a matéria da classificação dos créditos reclamados em sede de PER,

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pelo que deve entender-se que as reclamações de créditos no PER devem seguir o modelo estabelecido no artigo 128.º do CIRE.

Quanto à reclamação de créditos, o artigo 128º exige que sejam feitas as indicações estabelecidas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 128.º - a proveniência do crédito, sua data de vencimento, os respectivos montantes de capital e de juros; as condições a que o crédito esteja subordinado; a sua natureza (comum, subordinada, privilegiada ou garantida) - sendo que no caso de se tratar de um crédito garantido, devem ser indicados os bens ou direitos objecto da garantia; a existência de garantias pessoais; a taxa de juros de mora.

Por isso, como afirma o Recorrente, quando o legislador restringe o recurso ao prazo de reclamação de créditos previsto para o processo de insolvência aos credores que o não tenham feito em sede de PER, não está apenas a referir-se a uma simples invocação do crédito que o credor entende deter sobre o devedor: está a referir-se, necessariamente, ao conjunto de indicações acima referidas.

2.2. Também não colhe a argumentação da decisão recorrida de que a lista apresentada nos termos do artigo 129.º, será necessariamente sujeita a impugnação nos termos do artigo 130.º, uma vez que importa haver pronúncia quanto às impugnações apresentadas, em observância do disposto nos artigos 128.º e seguintes do CIRE, tando mais que haverá ainda que ponderar a graduação em face dos bens apreendidos. Na verdade, perante uma lista definitiva de créditos, que transitou do PER para o processo de insolvência, não parece defensável que possa ainda ser sujeita a impugnação, quando sobre ela recaiu já uma decisão já transitada. Apenas em relação às novas reclamações, cabe a faculdade de impugnação.

Relativamente aos créditos já reconhecidos, o administrador de insolvência não os poderá suprimir ou modificar.

Interpretar a apresentação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos no processo de insolvência, quando este suceda ao PER, como uma lista ex-novo, que não teria de respeitar aquela primeira, equivaleria a fazer letra morta da segunda parte do n.º 7 do art. 17.º-G do CIRE e, no fundo, permitiria ao administrador de insolvência fazer aquilo que se veda aos credores, ou seja, alterar os créditos e ou a sua natureza, fixados definitivamente.

O processo especial de revitalização também não pode ser equiparado ao procedimento cautelar e por isso, se afigura que, ainda que o prazo para proferir decisão seja exíguo, isso não pode significar que estamos perante uma decisão tomada com base em suma cognitio, à maneira das decisões das providências cautelares, isto é, uma decisão provisória.

Dir-se-ia até que tal entendimento é contrariado pelo próprio mecanismo processual em presença, já que, por um lado, o objecto das decisões em causa é diferente num e noutro processo: no PER é uma lista provisória de créditos, preparatória de um processo destinado à recuperação de um cidadão ou empresa em situação económica difícil, e que, caso não haja impugnações ou elas sejam rejeitadas por decisão judicial, leva à sua transformação em lista definitiva num outro processo, o de insolvência, cuja finalidade principal é a insolvência do devedor e a liquidação do respectivo património; no processo de insolvência trata-se uma outra lista, que tem de aproveitar os elementos tidos por definitivamente assentes na primeira por motivos de economia processual.

Tudo para concluir que a lista apresentada pelo administrador judicial provisório não observa os supra mencionados requisitos, nomeadamente a distinção a que alude o artigo 47º do CIRE, posto que, pelo menos, em relação ao Reclamante/Recorrente, omite a garantia consubstanciada pela constituição do penhor mercantil, acima mencionada de que gozam os créditos deste. De facto, ou o AJP, aquando da elaboração da lista de créditos, foi para além do que lhe era exigido, ao qualificar um crédito como privilegiado, ou teria ficado aquém do que lhe era exigido, ao descriminar, apenas, o crédito privilegiado e omitir o crédito garantido.

Também não colhe o argumento constante da decisão recorrida de que «a graduação de créditos é efectuada face aos bens concretamente apreendidos, sendo que nesta fase inexistem quaisquer bens apreendidos», já que no PER não está em causa a graduação dos créditos reclamados, apenas exige a sua verificação. Não se tratando de graduar créditos no PER, tudo se reconduz à sua verificação e – por força da segunda parte do n.º 7 do artigo 17.º-G do CIRE – à respectiva classificação, a qual terá de se fazer nessa fase, sob pena de poder inibir definitivamente o credor de vir a corrigir o que lhe parecer não estar bem na lista provisória de créditos.

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3. No caso concreto, a lista apresentada pelo administrador judicial provisório não observa os supra mencionados requisitos, nomeadamente a distinção a que alude o artigo 47º do CIRE, posto que, pelo menos, em relação ao Reclamante/Recorrente, omite a garantia consubstanciada pela constituição do penhor mercantil, acima mencionada de que gozam os créditos deste.

Ora, o penhor é um direito real de garantia em que o credor tem sobre o devedor e sobre terceiros um direito especial, que consiste na posse de bens móveis para garantia dos seus direitos. Esta garantia real que vem regulada nos artigos 666º e seguintes do Código Civil, insere-se nas garantias especiais das obrigações, o que representa uma vantagem acrescida para o credor garantido, em relação à garantia comum, que é conferida pelo património do devedor. Com a constituição de uma garantia especial, nomeadamente uma garantia real, o credor vê o seu crédito a ser pago preferencialmente em relação a outros credores comuns, precisamente, por a garantia real afectar determinados bens do património do devedor àquela dívida.

Entende-se, consequentemente, que assiste razão ao Recorrente, pelo que se revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se julga procedente a impugnação à lista provisória apresentada pelo administrador judicial provisório, devendo ser determinada a correcção da mesma, no que concerne à qualificação do crédito do Recorrente.

III – DECISÃO

Termos em que se acorda em julgar procedente a apelação, razão pela qual se revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se julga procedente a impugnação à lista provisória apresentada pelo administrador judicial provisório, devendo ser determinada a correcção da mesma, no que concerne à qualificação dos créditos do Recorrente.

Custas pelo Requerente e Apelado

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2014.

(Fátima Galante) (Gilberto Santos Jorge) (António Martins)

[1]SERRA, Catarina - Processo Especial de Revitalização - contributos para uma rectificação, https://www.google.pt/search?

q=Processo+esPecial+de+revitalização+contributos+para+uma+“rectificação”+Pela+Prof.ª+doutora+catarina+serra&oq=Processo+esPecial+de+revitalização

§ [2]BRITO, Rita Xavier de/VALENTE, João Torroaes - Artigos Jurídicos, O Novo Processo especial de Revitalização. Uma via verde para revitalizar empresas viáveis? Vida Imobiliária, n.º 166, 2012, http://www.uria.com/pt/publicaciones/articulos- juridicos.html?id=3454&pub=Publicacion&tipo=pt

[3] Lisboa, 9 de Maio de 2013, Processo nº 2134/12.0TBCLD-B.L1, Relatora: Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt/jtrl.

Fonte: http://www.dgsi.pt

Referências

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