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Isonomia entre mulheres e homens? A polêmica do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Isonomia entre mulheres e homens? A polêmica do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho

Priscila Campana1(Fundação Universidade Regional de Blumenau) e Samуa Campana2 (UFSC) Palavras-chave: Isonomia entre mulheres e homens; Direito trabalhista das mulheres; Jornada extraordinária de trabalho

ST 11 – Exclusão Social, Poder e Violência

Esta pesquisa propõe discutir a polêmica originada da aplicação, pelos operadores jurídicos, do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho, que institui “normas de proteção legal do trabalho da mulher” em capítulo próprio. Refere-se ao direito da mulher ao intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária. Busca-se analisar o discurso da não-aplicação deste direito e suas possíveis correlações: o argumento da inconstitucionalidade da norma (pois feriria o princípio da isonomia entre homens e mulheres, já que não protege os homens garantindo- lhes o direito ao intervalo) e a dificuldade que representaria à inserção das trabalhadoras no mercado laboral. Objetivos: a) enfatizar a importância deste direito (que protege minimamente a higidez física e mental do empregado durante a jornada de trabalho), reafirmando seu caráter constitucional; b) refutar o discurso negatório dos direitos trabalhistas femininos, que utiliza hipocritamente do argumento da “isonomia” entre os gêneros; c) discutir o discurso que leva à inaplicabilidade deste direito garantido às mulheres e suas possíveis correlações.

1) A negação do direito previsto no artigo 384 da CLT

O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que: “em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”.

O dispositivo legal está inserido no Capítulo III “Da proteção do trabalho da mulher”, especificamente na Seção III “Dos períodos de descanso”. Dos cinco artigos que constam nessa seção, somente o artigo 384 se aplica exclusivamente às mulheres, entendendo-se que os outros constituem preceitos também aplicáveis ao trabalho masculino.

Tecendo seus comentários a respeito, o magistrado Sergio Pinto Martins entende que há violação constitucional e, por outro lado, que tal norma celetista dificultaria a inserção da mulher no mercado de trabalho: “O preceito em comentário conflita com o inciso I do artigo 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode

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preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher.” (p.308)

No mesmo sentido a igualmente juíza e professora Alice Monteiro de Barros vem sustentando pela não recepção da norma pela Constituição Federal, e sua conseqüente inaplicabilidade:

considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do artigo 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, deverá também ser revogado o artigo 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os artigos 5º, I, e artigo 7º, XXX, da Constituição Federal (BARROS, 1995, p.479).

Não obstante tais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais dominantes, existem juristas têm defendido a interpretação extensiva do art. 384 da CLT, como veremos no próximo item. Isso ocorre porque a legislação infra-constitucional em epígrafe, não foi expressamente revogada, possibilitando sim a garantia do direito feminino aos quinze minutos. Ou seja, em nível jurídico, a discussão é ainda divergente e tem expressado as contradições da própria sociedade capitalista.

2) A importância do artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

O caráter de exclusividade que o artigo 384 possui (bem como outros, de outras seções, aqui não abordados) é o cerne da fundamentação daqueles que têm solapado a garantia dos direitos femininos (rumo à própria supressão do direito existente) em prol de uma suposta “isonomia” de gênero. Subentende-se que essa medida constitui elemento de discriminação indireta dos homens, posto que os prejudica de modo constitucional3 com referência ao sexo sem uma justificação objetiva não relacionada/comprovada à condição física (o que não ocorre, por exemplo, com relação às conseqüências da maternidade) (BRASIL. TST, 2008).

No entanto, cabe assinalar a atualidade do dispositivo como proteção às mais visíveis dificuldades da mulher trabalhadora, embora muitas vezes, não reconhecidas na sociedade, pois nem sempre passíveis de serem transformadas em números ou porcentagens que quantifiquem sua dificuldade, esforço adicional e precárias condições de trabalho (ANDRADE, 2008; COSTA, sd., NOGUEIRA, 2004). Segundo o Ministro Barros Levenhagen, embora a Constituição afirme que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, é forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela sua peculiar identidade biossocial (BRASIL, TST, 2008). No entanto, a simples garantia da “igualdade entre homens e mulheres”,

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nesse caso, com a supressão da garantia prevista no art. 384/CLT, não somente impede enxergar a discriminação existente com relação às condições de trabalho da mulher como, em último caso, reforça o caráter reacionário de se mitigar o direito conquistado4, ainda mais porque historicamente prenhe da luta das mulheres (MÉNDEZ, 2005).

Sabemos, historicamente, que depois de preocupações em torno da liberdade e das necessidades humanas, surge uma nova convergência de direitos, volvida à essência do ser humano, sua razão de existir, ao destino da humanidade, pensando o ser humano como gênero e não adstrito ao indivíduo ou mesmo a uma coletividade determinada. Por isso mesmo protesta-se pela interpretação dos direitos trabalhistas da mulher à luz das determinações impostas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos no que tange à pessoa da mulher, pois tais previsões são dotadas de força expansiva, devendo ser projetados por todo o universo jurídico.

A exemplo, decisão de alguns magistrados procedem concretamente à interpretação extensiva do art. 384 da CLT, como abaixo colacionado:

TRABALHO DA MULHER. O artigo 384, da CLT, dispondo ser obrigatório um descanso de 15 minutos antes do período extraordinário do trabalho da mulher foi recepcionado pela Nova Carta Constitucional, expandindo seus efeitos também sobre o trabalho do homem. É que o artigo em comento deve ser resolvido em favor do trabalhador, pois o objetivo da norma constitucional, longe de mitigar direitos, visa a ampliação dos mínimos existentes, sendo válida a ilação de que, ante o ditado do art. 5º, I, da Carta Política de 1988, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (TRT-PR-RO 2.659/01. Rel. Juiz Roberto Dala Barba.

AC. 29.654/01. DJ/PR 19.10.01)

Defende-se aqui uma interpretação sistemática, onde se analisa o sistema jurídico em seu conjunto, no qual o artigo de lei está inserido, sem se ater a ele isoladamente.

3) As possíveis correlações que explicam o discurso de inaplicabilidade do artigo 384

As mudanças políticas e econômicas ocorridas no Brasil nas décadas de 1980/90 propiciaram a aceitação da flexibilidade de normas trabalhistas - já adotadas na Constituição da República - e também discursos visando a desregulamentação do Direito do Trabalho. Nestes, um dos exemplos mais atuais foi o Projeto de Lei nº 1724/96, de iniciativa Fernando Henrique Cardoso, e que tratava sobre o contrato por prazo indeterminado. Disseminou-se a idéia de que a flexibilização no direito laboral é a moderna solução para o aumento de competição no comércio internacional. E, não sendo somente isto, a desregulamentação também dá o tom da tendência de suprimir os direitos positivados e que sejam obstáculos ao desenvolvimento do mercado.

Entretanto o mais grave é que, mais de dez anos depois, o discurso continua o mesmo.

Conforme Agenda Legislativa da Indústria, publicada em 2006, pela Confederação Nacional da Indústria,

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o sistema de relações de trabalho no Brasil,caracterizado por forte marco regulatório, instiga o conflito, compromete a competitividade das empresas e estimula a informalidade. A tradição de muita legislação e pouca negociação é marca desse sistema. As transformações tecnológicas e de gestão exigem foco em produtividade, capacidade de adaptação e resposta ágil das empresas [...]. A modernização da legislação trabalhista é elemento fundamental para o aumento da produtividade e qualidade da indústria brasileira e para o crescimento de sua participação no mercado global (CNI, 2006).

Contudo, não se pode conceber que atores sociais e políticos priorizem o sistema capitalista, a internacionalização do mercado mundial, e que a arbitrariedade e os interesses privados empresariais passem a regular as relações de trabalho. A mundialização da economia diminui o poder de coação dos Estados nacionais sobre suas instituições políticas, econômicas e sociais internas. O Estado, em um novo papel, perde sua soberania e a sua autonomia na formulação de políticas internas. Diminuídos nestes poderes coativos, o Estado tem que dividi-los com outras forças que transcendem o nível nacional. A conseqüência é também uma maior flexibilidade do direito. A legislação nacional perde seu caráter próprio para adequar-se a um direito

“internacional”, mais geral e flexível, interligado aos sistemas econômicos.

O discurso neoliberal, defensor de um Estado minimizado, argumenta que é preciso

“modernizar” a legislação caduca e que contratos temporários, por exemplo, além de fomentar postos de emprego, acompanham o desenvolvimento do país a nível mundial.

Ao contrário desta tendência, o Direito do Trabalho existe para proteger aos que apenas possuem sua força de trabalho e se propõe a ser um direito social em benefício da coletividade.

Neste sentido, a esfera de proteção alcançada no Brasil é garantia básica aos trabalhadores e não deverá ser reduzido ou flexibilizado. O princípio da legalidade serve como garantia contra arbitrariedades, principalmente quando se trata de Direito do Trabalho: “(...) A instituição de mecanismos jurídicos capazes de propiciar um movimento de contra-tendência, portanto, é necessária.”5

Referências

ANDRADE, Monalisa Pieve de. Direitos da mulher. Revista eletrônica de direito do Centro Universitário Newton Paiva. 11ª edição. p.1-9. Disponível em <

http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/ >. Acesso em 22 maio 2008.

BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTR, 1995.

BRASIL. Constituição Federal. 1988.

______. Tribunal Regional do Trabalho da 9 Região. Recurso Ordinário 2659/01. Acórdão 29.654/01. Relator: Juiz Roberto Dala Barba. Diário de Justiça, 19/01/2001. Disponível em <

www.trt9.jus.br >. Acesso em 7 maio 2008.

______. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Embargo 3886/2000-071-09-00 / Brasília.

31/03/08. Trabalho da mulher. Intervalo para descanso em caso de prorrogação do horário normal.

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Artigo 384 da CLT. Não recepção com o princípio da igualdade entre homens se mulheres.

Violação do Art. 896 da CLT reconhecida. Relator do Acórdão Min. Aloуsio Corrêa da Veiga.

Disponível em < www.tst.gov.br >. Acesso 10 maio 2008.

CNI. Confederação Nacional da Indústria. Agenda Legislativa da Indústria 2006. Disponível em <

http://www.agendalegislativa.cni.org.br >

COSTA, Lúcia Cortes da. Gênero: uma questão feminina? Textos de reflexão. Núcleo de Pesquisa em desigualdade e exclusão no espaço local. Departamento de Serviço Social, UEPG. Disponível em < http://www.uepg.br/nupes/ >. Acesso em 15 maio 2008.

GUNTHER, Luiz Eduardo, ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O trabalho da mulher e os artigos 376, 383 e 384 da CLT. Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Disponível em < http://

www.trt22.gov.br >. Acesso: 2 abril 2008.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MÉNDEZ, Natália Pietra. Do lar para as ruas: capitalismo, trabalho e feminismo. Revista Mulher e Trabalho: as mulheres no mundo do trabalho (parte II). v.5. Fundação de Economia e Estatística, RS, p.1-13, 2005. Disponível em <

http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/publicacoes/pg_revistas_mulheretrabalho_2005.php >.

Acesso em 19 maio 2008.

NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização do mundo do trabalho. São Paulo: Autores Associados, 2004.

OLIVEIRA, Maria Fernanda Pereira de. A interpretação do art. 384 da CLT e o tratamento isonômico entre homens e mulheres. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1745, 11 abr. 2008.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11144>. Acesso em: 30 maio 2008.

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1 Professora da Fundação Universidade Regional de Blumenau/SC, Doutora e Mestra em Direito das Relações Sociais/UFPR: prisccampana@уahoo.com.br

2 Doutoranda em Educação e Mestra e Economia/UFSC: samуacampana@pop.com.br

3 Conforme o Princípio Isonômico expresso no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece que: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (BRASIL, 1988, p.XX)

4 Pode-se reiterar que melhor exegese do art. 384 da CLT é pela sua aplicação indistinta, tanto para a proteção do trabalho da mulher como do homem, com vistas ao bem estar físico e psíquico do empregado (OLIVEIRA, 2008)

5 DORNELES, Leandro do Amaral D. A negociação coletiva e a noção normativa de trabalho digno para a OIT: uma proposta de adaptação do direito coletivo do trabalho brasileiro à sociedade pós-industrial, p. 23.

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