ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
Maj Cav DANIEL VARGAS DOS SANTOS
A importância e os desafios do aumento do contingente feminino nas fileiras do Exército Brasileiro
Rio de Janeiro
2019
Maj Cav DANIEL VARGAS DOS SANTOS
A importância e os desafios do aumento do contingente feminino nas fileiras do Exército Brasileiro
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares, com ênfase em Defesa.
Orientador: Ten Cel Inf George Alberto Garcia de Oliveira
Rio de Janeiro
2019
S237i Santos, Daniel Vargas dos
A importância e os desafios do aumento do contingente feminino nas fileiras do Exército Brasileiro / Daniel Vargas dos Santos. 一2019.
52 fl. : il ; 30 cm.
Orientação: Geroge Alberto Garcia de Oliveira
Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares)一Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2019.
Bibliografia: fl 49-52.
1. OTAN. 2.ONU. 3.EXÉRCITO BRASILEIRO – FEMININO. 4. OPERAÇÕES. 5 COMBATENTES I. Título.
CDD 355.6
Maj Cav DANIEL VARGAS DOS SANTOS
A importância e os desafios do aumento do contingente feminino nas fileiras do Exército Brasileiro
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares, com ênfase em Defesa.
Aprovado em _________________.
COMISSÃO AVALIADORA
__________________________________________________
George Alberto Garcia de Oliveira - Ten Cel Inf - Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
________________________________________________
José Roberto de Vasconcellos Cruz - Ten Cel Inf - Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
_______________________________________
João Luiz de Araújo Lampert - Cel Inf - Membro
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
À minha esposa Renata e meus
filhos Lucas e Sofia. Agradeço a
compreensão, o apoio e a paciência
demonstrados durante a realização
deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Ao Tenente Coronel George Alberto Garcia de Oliveira, pela orientação
construtiva e segura, além do exemplo e incentivo evidenciados nas oportunidades
que este trabalho foi realizado. Sua atenção demonstrou o profissionalismo com que
direcionou a pesquisa, buscando de forma natural o entendimento da pesquisa aliado
com sua experiência acadêmica. Dessa forma, sua atenção dispensada possibilitou
que eu concluísse o presente trabalho acadêmico com tranquilidade e eficiência.
“Sonhar o sonho impossível, Sofrer a angústia implacável, Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável, Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível, Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca”.
Miguel de Cervantes, em Dom Quixote de La Mancha.
Resumo
O presente trabalho buscou levantar a importância e os desafios relativos ao aumento do contingente feminino no Exército Brasileiro. Com isso, foi apresentado um breve histórico da participação das mulheres nas FA no mundo e após, um resumo de sua inserção nas FA do Brasil com ênfase no EB. Além disso, foram apresentadas as limitações fisiológicas mais relevantes que diferenciam os homens das mulheres.
Nesse sentido, verificou-se que existem problemáticas da presença da mulher no combate, entretanto buscou-se projetar a forma apropriada para a inserção feminina nas funções ligadas às operações de guerra, com o intuito de explorar o potencial feminino. Sendo assim, o estudo consolidou-se na questão: Qual a importância e os desafios do aumento do contingente feminino no Exército Brasileiro? Nesse contexto, verificou-se os desafios recorrentes às limitações fisiológicas, à adequação das instalações e à questão cultural, relacionada as diferenças entre homens e mulheres.
Mais ainda, destacou-se a importância da participação das mulheres em operações militares como integrantes de missões da ONU e OTAN e seu aumento gradual, bem como, a importância dessa participação para a condução de operações no campo do multi-domínio e para a imagem do Brasil como democracia consolidada e alinhada com os preceitos mundiais com relação a igualdade de gênero.
Palavras-chave: OTAN, ONU, bélico; feminino; operações; combatente
Abstract
The present work sought to raise the importance and challenges related to the increase of the female contingent in the Brazilian army. Thus, a brief history of women's participation in AF in the world was presented and after, a summary of their insertion in the Brazilian AF with emphasis on EB. In addition, the most relevant physiological limitations of the difference between men and women were allowed. In this sense, it was found that there are problems in the presence of women in combat, but we seek to design an appropriate way for female insertion in the functions applied to war operations, in order to exploit or female potential. Thus, the consolidated study in question: What is the importance and challenges of increasing the female contingent in the Brazilian Army? In this context, the challenges arising from physiological restrictions, the adequacy of facilities and the cultural issue, useful as differences between men and women, were verified. Moreover, it stood out the importance of women's participation in military operations as members of UN and NATO missions and its gradual increase, as well as the importance of such participation for multi- domain operations and for an image of Brazil as a democracy consolidated and aligned with world precepts regarding gender.
Keywords: NATO, UN, warfare; feminine; operations; warrior
Lista de Figuras
Figura Nr 01 Histórico da entrada das mulheres nas FA Brasileiras... 33 Figura Nr 02 Quadro resumo da admissão das muheres nas FA... 35 Figura Nr 03 Principais alterações para entrada das mulheres nas Escolas Militares de
Ensino Superior das três FA... 35 Figura Nr 04 Quadro resumo do percentual das mulheres inscritas em concursos
públicos no ano de 2015, referentes a carreira nas FA... 36 Figura Nr 05 Quadro resumo com a evolução percentual das mulheres nas FA... 37 Figura Nr 06 Mulheres no comando de unidades operacionais no Exército Boliviano... 41 Figura Nr 07 Capitão do segmento feminino comandando um Esquadrão de Cavalaria
do Exército Boliviano... 42
Figura Nr 08 Oficial feminina a frente do comando de Pel CC do Exército Boliviano... 43
Lista de Gráficos
Gráfico Nr 01 Percentual da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN... 24
Gráfico Nr 02 Média da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN... 25
Gráfico Nr 03 Evolução da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN... 25
Gráfico Nr 04 Percentual de recrutamento de mulheres nas FA nos países da OTAN... 26
Gráfico Nr 05 Efetivos e percentuais femininos por categoria... 27
Gráfico Nr 06 Taxa percentual da participação das mulheres nas FA Francesas... 27
Gráfico Nr 07 Mulheres nas Forças Armadas Brasileiras... 34
Lista de Abreviaturas e Siglas
OTAN Organização das Nações Unidas FA Forças Armadas
NATO North Atlantic Treaty Organization ONU Organização das Nações Unidas
CS/ ONU Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO... 14
1.1 PROBLEMA... 15
1.2 OBJETIVO... 16
1.2.1 Objetivo Geral... 16
1.2.2 Objetivos Específicos... 16
1.3 HIPÓTESE... 16
1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO... 17
1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO... 17
2. METODOLOGIA... 17
2.1 TIPO DE PESQUISA... 17
2.2 UNIVERSO E AMOSTRA... 18
2.3 COLETA DE DADOS... 18
2.4 TRATAMENTO DOS DADOS... 18
2.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO... 19
3. REFERENCIAL TEÓRICO... 19
3.1 HISTÓRICO DAS MULHERES NAS FA NO MUNDO... 19
3.2 PARTICIPAÇÃO NAS FA DO BRASIL E AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS... 30
3.3 DIFICULDADES E LIMITAÇÕES FISIOLÓGICAS DAS MULHERES... 38
4. CONCLUSÃO... 44
REFERÊNCIAS... 49
1. INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, as mulheres vêm ocupando espaços cada vez mais importantes na sociedade mundial. Nesse contexto, observa-se, também, o aumento na presença das mulheres nas Forças Armadas (FA) e no esforço feminino na linha bélica (MATHIAS, ADÃO, 2013).
Em 2016, ocorreu um leve aumento da presença feminina nas Forças Armadas ao redor do mundo, sendo as mulheres representantes de 8% do efetivo total militar, ou seja, um quantitativo de 25.507 militares do sexo feminino (GIANNINI, FOLLY, LIMA, 2017).
Historicamente, as leis e políticas vigentes sobre a inserção do segmento feminino nas Forças Armadas impõem restrições quanto à participação em seu papel essencial - a função de combate - reservando, a este segmento, funções em setores relacionados à saúde e à administração.
Nesse contexto, a entrada das mulheres nas Forças Armadas, no que se refere à atuação feminina, ficou restrita aos cargos administrativos, auxiliares e de saúde, sendo a sua inserção para exercerem funções de combate, restritas até o início do século XXI, quando, em 2003, a Academia da Força Aérea (AFA) formou a primeira turma com mulheres no Curso de Formação de Oficiais Aviadores (BRASILEIRA, 2019).
Por sua vez, na Marinha do Brasil (MB) e no Exército Brasileiro (EB), a presença das mulheres nas escolas militares de ensino superior deu-se somente após o ano de 2012, (Lei Nº 12.705, 2012).
Com a criação da Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, estabeleceu-se um prazo de 5 anos, a contar de sua promulgação, para que o acesso de candidatas do sexo feminino à linha militar bélica da Força Terrestre fosse viabilizado, retificando a participação das mulheres e criando novas possibilidades e novos desafios, em especial para o EB.
Diante de tal cenário, pode-se inferir que as mulheres que optam por seguir a
carreira militar acabam enfrentando desafios que limitam a sua atuação nas Forças,
gerando assim, debates internos sobre a presença feminina e a capacidade das
mesmas na execução de atividades e a ocupação em funções de comando e nas
diferentes missões atinentes ao EB (BARRETO, 2016).
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Hodiernamente, vem crescendo de importância a participação das mulheres em organismos internacionais, o que viabiliza a inserção de militares do segmento feminino em missões de paz sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU) e em demais representações internacionais. Ademais, o Brasil poderá obter maior visibilidade internacional, demonstrando maior maturidade nas questões de igualdade de gênero, aproximando-se assim, dos demais países desenvolvidos, e projetando, positivamente, sua imagem na sociedade internacional (GIANINNI, 2017).
Dessa forma, este estudo pretende levantar a importância do aumento crescente do segmento feminino no Exército Brasileiro (EB) e apontar os possíveis desafios a serem ultrapassados.
1.1 PROBLEMA
Durante a década de 1970, o movimento feminista organizado pregava a emancipação feminina, com a as atividades socioeconômicas compartilhadas entre homens e mulheres. Para tanto, as Forças Armadas de vários países ocidentais passaram a admitir mulheres em suas fileiras, rompendo definitivamente com a ideia de alistamento feminino apenas nos tempos de guerra (LUANA, 2010).
Ainda, segundo (LUANA, 2010), nas últimas décadas e até meados do primeiro decênio do século XXI, presentes em inúmeras vertentes profissionais do EB, as mulheres permaneciam confinadas a funções não combatentes.
Além disso, as restrições impostas à participação feminina em atividades nas áreas técnicas e administrativas decorreram basicamente da ideia predominante de fragilidade feminina que permeia o imaginário dos militares, em outras palavras, o conceito popular de “sexo frágil”, conforme citado por D'ARAÚJO, 2003:
Mais ainda, as mulheres seriam percebidas como seres emotivos, delicados, passivos, maternais, vulneráveis, indefesos, que necessitam de proteção enquanto que os homens são tidos como seres brutos, rudes, fortes, impessoais e agressivos, dignos representantes de uma instituição que por definição lida com o emprego controlado da força.
Num recorte atemporal, as mulheres, militares, diariamente desafiam o conceito
tradicional de soldado secularmente associado à valentia, atributo tido como
masculino, na busca de ultrapassar a cultura institucional que favorece uma
classificação desigual para o desempenho das funções a partir das características julgadas como exclusivamente feminina ou masculina (D'ARAÚJO, 2000).
O presente trabalho de conclusão de curso será desenvolvido em torno do seguinte problema: qual a importância das mulheres no EB e quais os possíveis desafios advindos do aumento da inserção feminina nas fileiras da referida instituição?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Levantar a importância e os desafios do aumento do contingente feminino nas fileiras do exército Brasileiro.
1.2.2 Objetivos específicos
a. Apresentar o histórico da participação das mulheres nas FA no mundo;
b. Apresentar a participação das mulheres nas FA do Brasil e as funções por elas desempenhadas;
c. Refletir a respeito das dificuldades e limitações fisiológicas das mulheres; e d. Concluir acerca da importância e dos desafios da inserção das mulheres no EB.
1.3 HIPÓTESE
A participação das mulheres em diferentes funções dentro do EB tem
importância significativa para a instituição, para a sociedade brasileira e para a
imagem do país no cenário internacional.
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1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
O presente trabalho abrangerá a presença das mulheres nas FA, desde o século XX. No entanto, especial atenção será dada ao período compreendido entre a sanção do Projeto Lei (PL), previsto por meio do art. 7º da Lei nº 12.705, de 08 de agosto de 2012, até os dias atuais, buscando identificar a importância das mulheres no âmbito do EB para o Brasil e sua imagem no cenário internacional.
1.5 RELEVÂNCIA DO ESTUDO
O papel da mulher sempre foi marcado por rótulos e a participação delas nas Forças Armadas sempre “esbarra em um ‘nó’ difícil de ser desatado, que é o fato da mulher exercer o cargo de comando” (BAQUIM, 2007, p.2).
Os desafios surgem quando as mulheres passam a ser taxadas segundo estereótipos, uma vez que elas não são tratadas apenas como militares. O “ser mulher” acaba se sobrepondo ao fato de “ser militar” (SILVA, 2007).
A relevância do assunto para o Brasil está colimada na sua imagem diante da sociedade internacional e na própria valorização da mulher diante da sociedade brasileira, mitigando as diferenças de gênero e salientando a importância desse tema para a potencialização da imagem da força terrestre.
Dessa forma, a presente produção de literatura tem por finalidade ressaltar a importância da inserção das mulheres na participação do EB, identificando as possibilidades de emprego e assinalando os desafios a serem ultrapassados, o que servirá de amparo para decisões estratégicas militares vindouras.
2. METODOLOGIA
2.1 TIPO DE PESQUISA
A presente pesquisa foi aplicada, do tipo exploratória, com pesquisa bibliográfica e
documental, sendo de natureza qualitativa.
Como técnicas de pesquisa, foram adotadas: revisão documental e bibliográfica, seleção de sítios eletrônicos de outros países pertinentes ao tema e uma análise crítica com conclusão das questões de estudo, em consonância com a legislação vigente.
2.2 UNIVERSO E AMOSTRA
O universo do presente estudo foi o segmento feminino inserido no Exército Brasileiro, com correlações nas Forças Armadas do Brasil e de demais países, que serviram para consubstanciar a pesquisa qualitativa.
As amostras que foram utilizadas estão relacionadas a participação das mulheres a partir do início do século XX, em especial após a promulgação da Lei Federal Nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, que estabeleceu prazo de 5 anos, a contar de sua promulgação, para que houvesse o acesso de candidatos do sexo feminino na linha militar bélica do Exército Brasileiro.
2.3 COLETA DE DADOS
Conforme Departamento de Pesquisa e Pós-graduação (EXÉRCITO, 2012), a coleta de dados do presente trabalho de conclusão de curso ocorreu por meio da coleta na literatura, realizando-se uma pesquisa bibliográfica na literatura disponível, tais como livros, manuais, revistas especializadas, jornais, artigos, internet, monografias, teses e dissertações, sempre buscando os dados pertinentes ao assunto. Nessa oportunidade, foram levantadas as fundamentações teóricas para a comprovação ou não da hipótese levantada.
2.4 TRATAMENTO DOS DADOS
Conforme Departamento de Pesquisa e Pós-graduação (EXÉRCITO, 2012), o
método de tratamento de dados que será utilizado no presente estudo será a
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análise de conteúdo, no qual serão realizados estudos de textos para se obter a fundamentação teórico para se confirmar ou não a hipótese apresentada.
2.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO
A metodologia em questão possui limitações, particularmente, quanto à profundidade do estudo a ser realizado, pois não contempla, dentre outros aspectos, o estudo de campo e a entrevista com pessoas diretamente ligadas aos processos em estudo. Porém, devido ao fato de se tratar de um trabalho de término de curso, a ser realizado em aproximadamente oito meses, o método escolhido é adequado e possibilitará o alcance dos objetivos propostos no presente Projeto de Pesquisa.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Este tópico está dividido em 4 partes, cada uma com o desenvolvimento dos seguintes temas: 3.1 Histórico das mulheres nas FA no mundo; 3.2 Participação nas FA do Brasil e as funções desempenhadas; 3.3 Dificuldades e limitações fisiológicas das mulheres e 4 Conclusão acerca da importância e dos desafios da inserção das mulheres no EB.
3.1 HISTÓRICO DAS MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS NO MUNDO
A ação dos homens e das mulheres, as identidades sociais dos gêneros, seus comportamentos, até mesmo seus motivos e dificuldades estão também condicionados pelas características dos conflitos bélicos e, em consequência, a guerra transforma-se em um laboratório de análise privilegiado, com base no qual é possível descobrir novas perspectivas das identidades, dos comportamentos, dos motivos de uns e outros (VILLANUEVA,1999).
Neste contexto, pode-se resumir que as guerras afetam a ação social das
pessoas (homens e mulheres) e, consequentemente, agem num ambiente de extrema
polarização social, condicionando a escolher uma das partes envolvidas no conflito,
rejeitando a posição de neutralidade. Outra característica da guerra é a possibilidade do uso da violência contra a população civil ou contra as mulheres especificamente, chegando a considerar como uma arma de guerra psicológica (VILLANUEVA,1999).
Por sua vez, na história dos conflitos bélicos, encontramos a presença da mulher mais nas ações de guerrilha, onde, descaracterizada da posição de combatente convencional, transita com maior segurança pelas tropas inimigas, conforme citado por Villanueva (1999):
Havia uma equipe de mulheres guerrilheiras antitanques. Colocávamos explosivos de relojoaria em ftixes [sic] de ervas para matar os brutais agressores, pela sua barbárie. Colocávamos lamina cortante em uma cesta e explorávamos o caminho sempre patrulhado pelo inimigo [....] as guerrilheiras se comportavam de dia como mães e irmãs e quando chegava a noite destruindo seus postos (p.219-20).
Historicamente, os combates eram tidos como uma atividade eminentemente masculina, caracterizando a profissão militar como exclusiva dos homens. A presença feminina era admitida apenas de maneira indireta, pois lhes eram confiados os feridos e doentes, a quem prestavam serviços de enfermagem. (GOULART, 2010).
No início da década de 1970, ocorreu uma evolução histórica sobre a participação das mulheres nas Forças Armadas, com profunda transformação. Tal fato foi antecedido pela participação feminina na economia formal durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo que optou-se pela adoção de um novo modelo de participação social e de políticas públicas, pela inserção feminina no mercado de trabalho e pela pressão democrática em favor de valores igualitários e equidade de gênero, restaram alterados os arquétipos militares (CAIRE, 2002).
Além disso, no âmbito dos tratados e acordos internacionais, inexistiam, desde então, dúvidas sobre a possibilidade do ingresso feminino em todas as funções militares, inclusive, a de combate, tal como previsto na Carta das Nações Unidas de 1945, que proclama enfaticamente a igualação entre homens e mulheres; a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948 – art. 21, § 2º 2 – e a Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres das Nações Unidas, datada de 1953, que, em observância à Declaração de 1948, dispõe enfaticamente, no art.
3º, que as mulheres terão direito de assumir cargos públicos e de exercer as funções
públicas em condições de igualdade com os homens, sem discriminação alguma
(CAIRE, 2002).
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Com efeito, os Protocolos Adicionais de junho de 1977 às Convenções de Genebra (1949) registram, nos arts. 43 e 44 do primeiro Protocolo, terem as mulheres acesso ao estatuto de combatente, podendo portar armas.
Entretanto, para consolidar a eficácia à normatividade externa, é necessário que legislações nacionais regulamentem a questão. Dessa forma, as políticas públicas de gênero adotadas pelos Estados e não com critérios de expertise ou competência bélica, porquanto são as positividades domésticas que entrincheiram a mulher militar em postos secundários ou não; experiência que diferenciou a Rússia dos Estados Unidos na II Grande Guerra, ou, o Vietnã, que contou em sua luta com a participação feminina na missão do infante, desempenhada com maestria (CAIRE, 2002).
A abertura das Forças Armadas às mulheres deveu-se a uma conjunção de acontecimentos: a crise de recrutamento vivenciada pelos principais exércitos do mundo; a supressão da conscrição obrigatória; a remuneração dos soldos sempre abaixo dos salários oferecidos pela iniciativa privada e pelos demais órgãos públicos de natureza civil, condicionantes que levaram à adoção do “open door”, que nasceu da necessidade do aparelhamento de recursos humanos para salvaguardar a soberania dos Estados (CARREIRAS, 2002).
Ademais, com as inovações tecnológicas, o aumento da participação e da importância de integração entre funções de apoio e de combate, a fragmentação e a especialização ocupacional, o fim dos exércitos de massa, o alistamento voluntário, a profissionalização, a redução dos contingentes e a mutação das relações de forças no plano internacional propiciaram maior oferta de pessoas qualificadas para a defesa nacional (CARREIRAS, 2002).
Com isso, desde a Revolução Francesa e as demais revoluções nacionais do século XIX, o serviço militar funcionou como um relevante fator de inclusão na comunidade política, emergindo como marca de cidadania, e esta, como marca da democracia. As mulheres ficaram impedidas de participar da construção da estabilidade, a elas foram negados a conscrição e o sufrágio; uma exclusão reveladora da forma assimétrica de como os homens adiantaram-se, historicamente, na obtenção do status de cidadão, à semelhança do ocorrido com os afro-americanos durante os conflitos mundiais nos Estados Unidos (CARREIRAS, 2002).
Os Estados Unidos e os países aliados da Europa, para cumprir as metas de
produção de guerra, admitiram a mulher nos postos de trabalho, como nas fábricas
da Ford, em substituição aos homens destinados ao combate. Na frente de combate,
as mulheres são incorporadas à tropa, como enfermeiras, oficias de saúde, tropas especialistas para prover a retaguarda com o apoio logístico, sendo criado, durante a guerra, vários quadros e graduações de militares do sexo feminino (CARREIRAS, 2002).
A Guerra do Golfo foi um conflito bélico marcado pelo avanço tecnológico, ao ser comparado com as guerras anteriores. As mudanças tecnológicas e a própria natureza da guerra tornaram imprecisas as linhas da frente de combate. O governo americano não permitiu que mulheres participassem diretamente do combate, a partir de 1994, na infantaria, artilharia e unidades blindadas. Porém, o Presidente Obama assinou a lei que prevê o retorno da mulher para as funções de combate nas Forças Armadas, a contar de 2016 (PADILHA, 2016).
O New York Times, em 2012, divulgou, por meio do Portal da UOl, uma pesquisa apontando que as mulheres estão mais sujeitas aos stress de combate, reforçando o depoimento da Capitão Fuzileiro Naval dos EUA, Katie Petronio, criticando a colocação da mulher em combate. Nesta entrevista, a oficial americana afirma que a anatomia da mulher não foi feita para as atividades envolvendo as operações de infantaria, causando sérios danos físicos. A referida oficial aborda, ainda, as pressões políticas do Congresso, por intermédio do Comitê Consultivo de Defesa para Mulheres, em prol da integração feminina no Corpo de Infantaria (PADILHA, 2016).
O grande avanço tecnológico transferido para o campo de batalha tem transformado as guerras do séculos XX e XXI em verdadeiras catástrofes humanas.
Neste cenário, o combate tem exigido contínuo preparo dos soldados e exercido forte pressão psicológica no combatente. Dessa forma, a inserção da mulher na linha de ensino bélico deve ser cercada de minuciosa pesquisa, sem deixar se levar pelos ideais políticos, pois seus efeitos colaterais poderão causar danos familiares irreversíveis (PADILHA, 2016).
Atualmente, a despeito da crescente equalização estatutária entre militares dos
dois sexos, acentuada pela intervenção externa de tribunais civis, nacionais ou
supranacionais que impõem a não discriminação, certo é que, em quase todos os
países nos quais as mulheres participam militarmente, é-lhes vedado o acesso a um
conjunto de posições e especialidades. Tais restrições retratam as enormes
desigualdades que confinam a presença feminina na caserna a uma condição
simbólica em termos de poder e identidade, excluídas que são dos núcleos centrais
que constituem a essência do espírito militar (PADILHA, 2016).
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As primeiras mulheres a participarem do serviço militar o fizeram por meio do travestimento (sob aparência masculina). Alguns exemplos da participação feminina seriam de Joana D’Arc durante a Guerra dos Cem Anos na França; Margaret Corbin durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos; e no Brasil, quando Maria Quitéria de Jesus Medeiros se alistou no serviço militar para lutar na Guerra da Independência brasileira, na frente de resistência baiana (DEVRIES, 1999).
Dessa forma, estes são exemplos que ilustram perfeitamente a necessidade do
“ser homem” – aqui por meio da exterioridade - para que suas ações fossem devidamente reconhecidas e valoradas. Ainda, ressaltam o fato de que mulheres possuem, sim, capacidade para ocupar cargos militares independentemente de sua compleição física, de sua capacidade de gerar filhos, e de seu emocional/psicológico distinto em relação ao homem.
De acordo com dados da OTAN (apud MARIUZZO, 2016), países que se destacam em relação à inserção de mulheres nas Forças Armadas são: Hungria com 20%, Eslovênia com 16,1%, Letônia com16%, Estados Unidos com 15,9%, e Grécia com15,4%. Nesse recorte, é importante lembrar que esses dados dizem respeito ao contingente feminino nas forças armadas como um todo, exercendo as mais variadas funções: administrativas, médicas e de combate.
No presente, a regulamentação sobre postos passíveis de ocupação feminina varia de Estado para Estado.
Em Israel, por exemplo, o serviço militar atualmente é obrigatório para homens e mulheres. Porém, verificou-se um problema, pois a tendência do homem combatente era proteger a companheira, vendo-a como frágil e necessitada de proteção, o que tirava seu foco do engajamento contra o inimigo. Já o inimigo em si não queria se render à mulher, por considerá-la fraca e sem autoridade para tal, sentindo-se humilhado perante a rendição ao sexo feminino, mais uma vez evidenciando a diferenciação de valor do trabalho feminino em relação ao masculino.
Essa visão causou uma modificação na lógica dos combatentes que levou à exclusão da mulher das posições de combate, apesar de ainda poderem fazer parte do quadro militar (MARIUZZO, 2016).
Nos dias atuais, os obstáculos colocados a impedir ou limitar o ingresso da
mulher nas Forças Armadas pelo mundo já foram superados, conforme é
demonstrado pelos dados extraídos do endereço eletrônico da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), sigla em inglês: North Atlantic Treaty Organization (NATO, 2016):
O gráfico acima, apresenta um retrato do percentual da participação das mulheres na FA em atividades bélicas pelos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na Hungria a participação feminina é de 20% e representa o país com maior percentual, de acordo com os dados de 2016.
A média de participação da mulheres nas FA na OTAN apresentada dos países membros, está em cerca de 10%, conforme o gráfico 1.
Gráfico 1: percentual da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN em 2016 .
Fonte: Revista Anual da OTAN, edição de 2016.
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O gráfico 2 ressalta o percentual médio de mulheres que estão no serviço ativo das FA nos países membros da OTAN em 2016. Ademais, no gráfico 3, é evidenciado a evolução gradual da participação feminina, sendo identificado um aumento
Gráfico 2: média da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN em 2016 . Fonte: Revista Anual da OTAN, edição de 2016.
Gráfico 3: evolução da participação de mulheres nas FA nos países da OTAN ao longo dos anos .
Fonte: Revista Anual da OTAN, edição de 2016.
significativo em 2002, logo após os atentados de 11 de setembro nos EUA, quando o governo norte-americano declarou a “Guerra ao Terror”
1. A média da participação feminina aumentou 3,8% de 1999 até 2016.
No gráfico 4, ressalta-se o aumento contínuo do percentual de recrutamento das mulheres comparado com o número total de recrutas da OTAN. Dessa forma, pode- se verificar o crescimento significativo da participação das mulheres com destaque para a Grécia com 27,9%, República Tcheca com 27,3% e Alemanha com 22,7%. A Austrália, assim como Moldávia, Japão, Suécia, Áustria, Geórgia e Finlândia não são países membros da OTAN. Esses dados ratificam a importância do estudo para o Exército Brasileiro.
Nesse contexto, o Governo Francês, por intermédio do Ministério da França, conduziu um observatório para discorrer acerca da participação do segmento feminino nas Forças Armadas Francesas. A finalidade do observatório foi apresentar o quadro de profissionalização e a abertura de emprego militar das mulheres na França desde 1998, buscando identificar as necessidades do Ministério da Defesa às novas
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